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06. Lesão corporal

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6 
LESÃO CORPORAL 
_____________________________ 
 
6.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO 
 CRIME 
O art. 129 do Código Penal define assim o crime de lesão corporal: “ofender a 
integridade corporal ou a saúde de outrem”. 
Incrimina, portanto, um comportamento humano, positivo ou negativo, que seja a 
causa de uma lesão à integridade do corpo, ou à saúde de um ser humano. E aqui surge a 
primeira pergunta: a norma alcança apenas a integridade corporal e a saúde do ser 
humano que já nasceu, ou também a do ser humano em formação, o que vive ainda no 
útero materno, desde a nidificação? 
O preceito constitucional fundamental protege a vida humana, ainda quando em 
desenvolvimento no útero materno. É certo que também quer conferir proteção à 
integridade corporal e à saúde do ser em formação. 
Se a morte deste é tipificada como crime de aborto, evidente que não há razão para 
não considerar crime também a ofensa a sua integridade corporal ou a sua saúde. Evidente, 
pois, que também o ser em formação possui uma integridade corporal que sustenta sua 
vida. Se esta é protegida, aquela também o é. E assim deve ser porque importa, para a 
sociedade, a proteção dos seres humanos em formação não somente contra ações que o 
destruam, mas também aquelas que o lesionam em sua integridade corporal ou que 
danificam sua saúde. 
Seria contra-senso imaginar que a lesão ao feto ou ao embrião, a amputação de um 
de seus membros ou a ofensa a sua saúde, a um de seus órgãos componentes, fosse um 
indiferente penal. Também absurdo é considerar o ser humano em formação apenas uma 
parte do corpo da gestante e incriminar a conduta apenas por ter ela atingido também a 
2 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
gestante. Ainda porque é perfeitamente possível uma lesão atingir tão-somente o feto, 
deixando íntegro o corpo ou a saúde da gestante. 
Ser em formação, no útero materno, é um ser distinto da mãe que o carrega. É bem 
jurídico outro, merecedor de proteção própria. É protegido enquanto ser, não por estar 
dentro de outro ser e deste dependente. É protegido porque é o ser humano vivo em seu 
primeiro estágio de desenvolvimento. Não fosse assim, o auto-aborto seria impunível, 
porque nosso Direito, em regra, não pune a autolesão. 
Se é certo que ao ferir o feto o agente poderá estar igualmente ferindo a gestante, 
não menos correto é ver, aí, duas ofensas distintas, ainda que causadas por uma única 
ação, a dois bens jurídicos diversos, ainda que unidos, umbilicalmente, no sentido lato e no 
sentido estrito, caso em que, induvidosamente, dois crimes terão ocorrido, ainda que em 
concurso formal, perfeito ou imperfeito, conforme tenha sido o dolo do agente. 
A expressão outrem empregada no art. 129 tem amplitude maior que a expressão 
alguém do art. 121, para abranger não somente o ser humano já nascido, mas também 
aquele em formação. Significa outro ser humano em seu sentido mais amplo, o em 
formação e o já formado. 
Por isso, o crime de lesão corporal é a ofensa, física ou moral, direta ou indireta, 
comissiva ou omissiva, à integridade do corpo ou à saúde de outro ser humano vivo, 
nascido ou em formação. 
A ofensa contra o corpo morto de um ser humano pode constituir outro crime, o do 
art. 211 do Código Penal, não o de lesão corporal. 
O crime é lesão corporal de outrem, não o é, portanto, a autolesão. 
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo desse crime. 
Sujeito passivo é o ser humano vivo, quando a ofensa atinge o nascido. Nas formas 
qualificadas pelo resultado, descritas nos incisos IV do § 1º e V do § 2º do Código Penal, o 
sujeito passivo será, necessariamente, a mulher gestante. Quando a ofensa recair sobre o 
ser humano em formação, sujeito passivo é a coletividade, a sociedade, o Estado, o 
interesse estatal na preservação da integridade corporal ou da saúde do ser humano em 
formação. 
 
6.2 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO 
Lesão Corporal - 3 
 
A lesão corporal é a ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem. É um 
ataque concreto a um desses interesses jurídicos, que sofre uma alteração em sua 
constituição original, íntegra, mais ou menos grave, conforme seja a intensidade e a forma 
de atuação da força externa. 
O agente, através de uma ação ou de omissão, realiza um movimento corporal ou a 
abstenção de um movimento, do qual resulta uma alteração do organismo humano. Essa 
alteração incide sobre a estrutura física, fisiológica ou psíquica do corpo humano ou ainda 
sobre o equilíbrio funcional do organismo. 
Agressões físicas com a utilização do próprio corpo do agente, como o golpe de mão 
desferido contra o rosto do outro, ou com o uso de objeto cortante, perfurante ou 
contundente, desfechado contra o corpo da vítima, enfim, a força física empregada contra o 
corpo, são ações que atingem a integridade e o equilíbrio mental do ser humano, 
produzindo alterações em sua estrutura normal. 
Não é indispensável que a conduta produza dano anatômico, nem tampouco que 
cause dor. 
A ofensa pode-se dirigir ao funcionamento de qualquer dos sistemas funcionais do 
organismo humano, respiratório, digestivo, reprodutor, circulatório etc., modificando sua 
atividade normal. 
A introdução de substância lesiva, transmitindo moléstia ou interferindo no 
funcionamento normal dos órgãos do corpo humano, constitui lesão corporal. 
A quantidade de danos causados à integridade do corpo ou à saúde não significa 
pluralidade de crimes, desde que produzidos por uma única conduta, ainda que de maior 
duração temporal. O crime será único a não ser quando, concluído um procedimento 
típico, seja iniciado um novo processo executório, caso em que um segundo crime de lesão 
corporal terá ocorrido, podendo verificar-se um concurso material ou a continuidade 
delitiva. 
Geralmente realizada por meio de conduta positiva, é possível que a ofensa se dê 
por omissão apenas nos casos em que o sujeito ativo é um garante, aquele que, na forma do 
art. 13, § 2º, do Código Penal, tem o dever de agir para impedir o resultado. 
As lesões devem, necessariamente, ter significância penal. O direito penal não se 
ocupa de bagatelas. Simples arranhões, dores de pequena intensidade, leves desconfortos 
físicos ou mentais não constituem crime, pela incidência do princípio da insignificância, 
4 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
segundo o qual o direito penal só intervém quando necessário para a proteção do bem 
jurídico, não se ocupando de lesões de ínfima importância. 
Não há fato típico de lesões corporais em situações como no corte de cabelos ou 
unhas, na perfuração da orelha, para a fixação do brinco, na luta de boxe e em outros 
esportes permitidos, na intervenção cirúrgica, no regular corretivo corporal infligido ao 
filho pelos pais, porque tais fatos são socialmente aceitos e adequados. 
A tipicidade desses fatos é, apenas, aparente, porque substancialmente não é 
vontade da norma incriminadora alcançá-los. Incide aí o princípio da adequação social. 
 
6.3 RESULTADO E NEXO CAUSAL 
Crime material só se consuma quando ocorre a modificação do mundo externo, 
causada pela conduta, consistindo o resultado num dano anatômico no corpo da vítima, ou 
na alteração funcional de seu organismo. 
Entre a conduta e o resultado deve haver nexo de causa e efeito, sem o qual não se 
poderá atribuí-lo ao agente. Valem, a propósito, os comentários feitos a respeito dos crimes 
contra a vida. 
Decorrendo o resultado de uma causa absolutamente independente ou de causa 
relativamente independente superveniente, responderá o agente por seus atos. Se agir com 
dolo de ferir, responderá pela tentativa de lesão corporal. Se agir culposamente, sua 
conduta será um indiferente penal,a não ser que, por si só, seja tipificada como infração 
penal de mera conduta. 
 
6.4 LESÃO CORPORAL DOLOSA 
O animus laedendi ou animus nocendi é o elemento subjetivo integrante do tipo 
legal do crime de lesão corporal. É a consciência do fato de que sua conduta poderá 
produzir a lesão à integridade ou o dano à saúde do outro ser humano, e a vontade livre de 
realizá-la com o fim de produzir esse resultado. Dolo direto. 
O agente conhece o instrumento ou o meio que empregará na realização da 
conduta, sabe de seu potencial lesivo, prevê que sua utilização contra o corpo de outrem é 
capaz de danificá-lo e, mesmo assim, age com a vontade exata de ofender a integridade 
corporal ou a saúde da vítima. 
Lesão Corporal - 5 
 
Plenamente possível o dolo eventual, quando o agente, prevendo o resultado lesivo, 
não o deseja, mas com ele concorda, se ele acontecer. 
 
6.4.1 Formas típicas 
Estabelecem o caput e os §§ 1º e 2º do art. 129 as várias figuras típicas das lesões 
corporais dolosas: a lesão corporal de natureza leve, as lesões corporais de natureza grave, 
e as chamadas pela doutrina de lesões gravíssimas. 
Em todas elas, a conduta é sempre dolosa, é a vontade livre e consciente de causar o 
resultado. Este, entretanto, pode ser mais ou menos grave e produzido pela vontade, 
abrangido pelo dolo, ou tão-somente por negligência do agente. Em qualquer caso, exigível 
o nexo causal. 
A lesão corporal simples é sempre dolosa. As lesões corporais graves ou gravíssimas 
podem ser dolosas ou preterdolosas. 
 
6.4.1.1 Lesão corporal leve 
No caput do art. 129 está tipificada a lesão corporal leve. É a ofensa pura e simples 
à integridade corporal ou à saúde de outro ser humano vivo. Nascido ou não nascido. A 
pena cominada é detenção, de três meses a um ano. Crime de menor potencial ofensivo, é 
permitida a transação e a suspensão condicional do processo penal, nos termos do que 
dispõe a Lei nº 9.099/95. 
O que distingue a lesão de natureza leve das demais lesões corporais é a quantidade 
e a qualidade do resultado. 
 Os resultados graves e gravíssimos estão definidos precisamente. São 
circunstâncias objetivas que qualificam o tipo simples. 
Se uma conduta ofensiva da integridade corporal ou da saúde de outrem não tiver 
causado um resultado dentre os especificados nos ditos parágrafos, será, por isso, 
considerada leve. A distinção, portanto, está no resultado, não na conduta, que é, 
objetivamente, idêntica em todas as figuras típicas. Assim, a verificação da tipicidade da 
lesão de natureza leve só pode ser feita por meio de um raciocínio por exclusão. Se não 
houver resultado grave ou gravíssimo, o tipo será de lesão corporal de natureza leve. 
6 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
O Código Penal não fez a distinção entre lesão grave e lesão gravíssima, uma vez 
que reuniu, sob a única rubrica “lesão corporal de natureza grave”, os §§ 1º e 2º do art. 
129, os quais contêm resultados diversos. 
Os do § 2º são, à evidência, como se verá adiante, mais graves ainda que os 
descritos no § 1º. Além disso, cominou pena mais severa para aqueles, o que levou a 
doutrina a classificar as lesões, conforme sua gravidade e a pena cominada, em graves e 
gravíssimas. 
 
6.4.1.2 Lesão corporal grave 
É no § 1º do art. 129 que estão descritos os resultados considerados graves. Diz a 
doutrina que são lesões corporais graves no sentido estrito. 
Não se trata de responsabilidade objetiva porque o resultado grave, para ser 
imputado ao agente da conduta, deve ter sido produzido com dolo ou, pelo menos, 
culposamente. Na primeira hipótese, tem-se um crime qualificado pelo resultado doloso 
em toda a sua plenitude, e na segunda situação um crime preterdoloso, isto é, cometido 
com dolo no antecedente e culpa no resultado. Em qualquer caso, indispensável o nexo 
causal entre conduta e resultado. 
Haverá lesão corporal grave quando a conduta ofensiva do agente produzir um dos 
seguintes resultados, os quais constituem circunstâncias objetivas qualificadoras do tipo 
fundamental: 
a) incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias; 
b) perigo de vida; 
c) debilidade permanente de membro, sentido ou função; 
d) aceleração de parto. 
A pena cominada é reclusão, de um a cinco anos. Não é possível a transação, mas 
pode ser suspenso o processo – sursis processual –, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099. 
 
6.4.1.2.1 Incapacidade para as ocupações habituais por mais de 
 30 dias 
Lesão Corporal - 7 
 
Essa qualificadora apresenta uma conseqüência mais grave. A vítima, em virtude 
das lesões sofridas ou do dano causado a sua saúde, fica impossibilitada de exercer suas 
ocupações habituais por tempo superior a 30 dias da data do fato, incluído este dia. 
Ocupações habituais não se confundem com trabalho ou profissão. São as 
atividades normais do dia-a-dia da pessoa, incluindo seu trabalho diário e também sua 
atividade profissional. Até uma criança pode ficar incapacitada para exercer suas 
atividades habituais. Se a vítima é um bebê e não pode brincar ou se já freqüenta a creche 
ou a escola e, em razão da ofensa a seu corpo ou à sua saúde, fica impedida de realizar 
essas atividades normais, a qualificadora incidirá. 
Não é necessário que a vítima fique impossibilitada de realizar todas as suas 
atividades normais, mas apenas uma parte delas. Claro, ainda, que se trata de ocupações 
lícitas, não incidindo esse resultado qualificador quando o delinqüente, em virtude das 
lesões sofridas, fica impossibilitado de praticar novos crimes. 
A lesão ao corpo ou o dano à saúde deve, por isso, importar na supressão da 
capacidade da vítima de realizar aquilo que, sem a ofensa, realizaria normalmente. Mas 
essa impossibilidade deve ser causada pela lesão produzida e não por uma atitude interna 
da vítima que, por comodidade ou conforto pessoal, decide não realizar suas atividades 
normais por vergonha, preguiça ou qualquer outro sentimento pessoal não determinado 
pelo resultado lesivo. 
A lei não faz qualquer consideração sobre a cura do ferimento, pois pode ocorrer, 
não obstante a cura, encontrar-se a vítima ainda inabilitada para suas funções normais ou 
não estar curada plenamente e poder exercê-las normalmente. 
A comprovação do tempo exigido na lei é condição para o reconhecimento dessa 
qualificadora, devendo ser feito exame complementar de lesões corporais após o trigésimo 
dia do fato. É de todo conveniente que esse exame seja feito imediatamente após o 
trigésimo dia, conforme determina o § 2º do art. 168 do Código de Processo Penal. 
Tal resultado qualificador pode decorrer de dolo do agente, se tiver causado as 
lesões com a intenção de que a vítima ficasse incapacitada para as ocupações habituais por 
mais de 30 dias, ou pode ter sido produzido por mera negligência, imprudência ou 
imperícia, isto é, um crime preterdoloso. Dolo na conduta, de ferir, e culpa no resultado 
mais grave. 
O Código Penal não faz diferença, na cominação das penas, entre crimes 
8 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
qualificados pelo resultado integralmente dolosos e crimes qualificados pelo resultado 
preterdolosos, cabendo ao juiz, no momento da aplicação da pena, considerar essas 
circunstâncias, sendo certo que se tiver sido preterdoloso merecerá menor reprimenda. 
 
6.4.1.2.2 Perigo de vida 
A conduta típica em comento produz um resultado lesivo ao corpo ou um dano à 
saúde da vítima. Esse resultado, em algumas situações concretas, desencadeia um processo 
causal de efeitos os mais diversos e mais graves, podendo progredir para o 
comprometimento do funcionamento de outros órgãos, inclusive os mais importantes do 
corpo humano. Esse processo,em determinadas circunstâncias, desenvolve-se no rumo da 
produção do resultado morte. Diz-se, então, que há perigo de vida. Esse perigo deve ser 
objetivo e não uma mera representação do espírito, não uma pura indução subjetiva. 
Perigo é um trecho da realidade. Não é só uma representação psíquica. É a situação 
imediatamente anterior à lesão. Perigo de vida é a presença das condições 
incompletamente determinadas da produção da morte. Pode evoluir para a morte ou ser 
afastado, por qualquer razão, natural ou provocada pela ação humana, isto é, pela própria 
reação do organismo lesionado ou pela intervenção médica. Em qualquer caso, terá, 
porém, havido o perigo de vida. 
Para a caracterização da qualificadora é indispensável o exame pericial, o qual deve 
concluir pela certeza de que houve perigo de vida, fazendo os peritos um diagnóstico 
esclarecedor de sua convicção e não meras presunções, a fim de que o juiz possa decidir 
com tranqüilidade. Sem a prova técnica, que deverá ser completa, minuciosa, detalhada, 
clara e conclusiva, impossível o reconhecimento da qualificadora. 
Se a vítima é submetida a intervenções cirúrgicas que implicam a abertura da 
cavidade abdominal, como as laparotomias de urgência, as que exigem a extirpação ou 
excisão parcial de órgãos importantes, o perigo de vida é, muito provavelmente, real. 
Lesões penetrantes do abdômen e do tórax, segundo especialistas em medicina legal, são 
sempre perigosas para a vida da vítima. Não será, todavia, impossível que uma lesão dessas 
não tenha, concretamente, acarretado perigo de vida, o que, evidentemente, deve ser 
comprovado pela perícia médico-legal. 
A medicina legal afirma que são inúmeras as situações que configuram casos de 
perigo de vida: 
Lesão Corporal - 9 
 
• “lesões penetrantes ou transfixantes de vísceras torácicas ou abdominais, levando a 
hemorragias ou infecção graves (peritonite bacteriana); 
• ruptura de grandes vasos sangüíneos com hemorragia grave e estado de choque 
hipovolêmico; 
• estados de choque não hipovolêmicos (anafilático, neurogênico, cardiogênico, 
séptico); 
• colapso pulmonar com insuficiência respiratória grave; 
• septicemias ou infecções graves (tétano); 
• traumatismos crânio-encefálicos graves; 
• estado de coma grave; 
• traumatismos raquimedulares com alterações cardiorrespiratórias; 
• arritmias ou insuficiência cardíaca aguda graves; 
• grandes queimados; etc.” 
Essa figura típica é exclusivamente preterdolosa. O agente provoca as lesões 
corporais dolosamente, mas o perigo de vida decorre de mera culpa. Porque se o dolo 
abranger o perigo de vida, isto é, se ele, ao ofender a integridade corporal ou a saúde da 
vítima, realizar a previsão do perigo de vida, desejando-o ou pelo menos nele consentindo, 
haverá tentativa de homicídio. 
Não podia ser diferente. Se o ofensor considerar que sua conduta poderá causar um 
perigo de vida e mesmo assim atuar, estará comportando-se com indiferença em relação ao 
resultado morte, porque a simples situação de perigo concreto para a vida é o antecedente 
da morte e ninguém irá admitir que alguém possa agir com um dolo assim tão preciso e 
limitado, de apenas causar o perigo de vida e não a morte. 
 Ainda que, em sua psique, o agente possa ter almejado apenas o perigo de vida, é 
inegável que, em relação ao evento morte, terá agido com dolo eventual, pois quem deseja 
um perigo de vida está, necessariamente, aceitando a morte, se ela eventualmente 
acontecer. 
 
 
 GOMES, Hélio. Op. cit. p. 462. 
 
10 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
6.4.1.2.3 Debilidade permanente de membro, sentido ou função 
É também de natureza grave a lesão corporal que acarreta a debilidade permanente 
de um membro, sentido ou função. 
São membros do corpo humano: o braço, o antebraço, a mão, a coxa, a perna e o pé, 
os quais exercem funções motoras. Os três primeiros, superiores, servem para a o exercício 
das funções de tateio e de pressão, os demais, inferiores, para a deambulação – andar, 
correr – e a sustentação do corpo. 
Os sentidos são a visão, o olfato, o paladar, a audição e o tato, responsáveis pelas 
funções sensoriais, perceptivas do mundo externo. 
O organismo humano é um sistema complexo de atividades realizadas por seus 
vários órgãos, cada qual com sua determinada capacidade funcional, as quais são 
indispensáveis para a manutenção da vida. Função é, assim, a atividade de um órgão ou de 
um aparelho. Assim, no corpo humano são várias as funções fundamentais: respiratória, 
circulatória, digestiva, locomotora, reprodutora, sensitiva, secretora, cardíaca etc. 
A qualificadora incidirá quando a lesão produzida pelo agente ocasionar uma 
debilidade permanente, isto é, a redução da capacidade funcional do membro, do sentido, 
ou da função, de modo duradouro. Não se exige que a debilidade atinja todo o membro, 
mas apenas um segmento dele, como os dedos da mão. 
A debilidade pode ser funcional ou anatômica. Funcional quando 
predominantemente fisiológica a redução, e anatômica quando preponderantemente 
morfológica. 
Permanente, como lembra DAMÁSIO DE JESUS, não quer dizer perpétuo. Em 
outras palavras, o membro, sentido ou função deve, em conseqüência da conduta, ficar 
privado por um tempo considerável, não por todo o tempo, de sua plena capacidade 
funcional, reduzindo-se a possibilidade de sua atuação normal. A vítima perde a plenitude 
de uma de suas capacidades funcionais, por largo tempo. 
No organismo humano, há órgãos ou membros duplos para a realização de muitas 
de suas várias funções: rins, pulmões, braços, pernas, mãos, olhos, ouvidos etc. A perda de 
um deles significará, é claro, a debilidade da função para o qual existe. A perda de ambos 
atingirá a função a que servem como um todo, caso em que a qualificadora será a do § 2º, 
inciso III, adiante analisada. 
A perda de um único dente por quem tem dentição completa não significará 
Lesão Corporal - 11 
 
debilidade da função mastigatória, porém, para a vítima que dispõe de não mais que meia 
dúzia de dentes, a lesão será grave, pois restará comprometida essa capacidade funcional. 
É necessário, em qualquer caso, que a diminuição da capacidade funcional tenha 
significância, importância, constituindo, efetivamente, um prejuízo ou um dano para a 
vítima. O Direito Penal, nunca é demais lembrar, não se ocupa de bagatelas, de 
insignificâncias. Comprometimentos ínfimos de membro, sentido ou função não autorizam 
o reconhecimento da qualificadora. 
Igualmente indispensável a prova pericial diagnosticando a debilidade permanente, 
não bastando suposições nesse sentido. 
Cirurgias reparadoras, curativas ou a utilização de próteses ou disfarces, ou 
qualquer outro mecanismo, não descaracterizam a qualificadora, pois o que importa é o 
resultado causado pela conduta do agente. 
Nessa modalidade, pode o agente agir com dolo ou apenas com culpa quanto ao 
resultado mais grave, devendo o juiz, se reconhecer um crime integralmente doloso, no 
momento da aplicação da pena, considerar mais reprovável a conduta, diferentemente de 
quando se tratar de crime preterdoloso. 
 
6.4.1.2.4 Aceleração de parto 
Essa qualificadora só diz respeito a lesões corporais praticadas contra mulher 
grávida, estando vivo o ser humano em formação. 
A lesão causada pelo agente deve atuar no sentido de provocar o início do parto, que 
não ocorreria naturalmente, nem por ação médica, como é o caso do parto cirúrgico. 
Traumatismos sobre o abdômen podem constituir a causa eficiente para o 
desencadeamento do parto. 
Se a lesão produzir a morte do ser humano em formação, aborto, incidirá a norma 
do § 2º, V, do art.129 – lesão corporal gravíssima. Logo, à antecipação do parto deve 
sobrevir o nascimento do feto com vida. 
A doutrina considera indispensável, para a configuração da qualificadora, que o 
agente tenha consciência do estado gravídico da vítima ou, pelo menos, que lhe seja 
possível alcançar essa consciência, não atingida por negligência sua. 
Se não sabia da gravidez, nem podia saber, não responderá pelo resultado mais 
12 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
grave, porque este deve estar abrangido por dolo ou, pelo menos, por culpa, conforme 
determina o art. 19 do Código Penal. 
Não tenho dúvidas quanto a esta conclusão. Não lhe sendo possível alcançar ou 
atingir a consciência da gravidez, terá agido por erro de tipo inevitável, que exclui o dolo e 
a culpa, e ninguém pode responder por resultado mais grave por mero nexo causal. Se o 
erro de tipo for evitável, responderá pelo resultado mais grave, porque, nas condições em 
que atuou poderia, com cuidado, conhecer a gravidez. E aí, poderia ter evitado o resultado 
mais grave. 
Na maioria dos casos, esse crime qualificado pelo resultado é preterdoloso. O 
agente dá causa ao resultado mais grave por negligência, imprudência ou imperícia. Quer 
ferir e acaba, culposamente, dando causa à antecipação do parto. 
Entretanto, quando o agente tem consciência da gravidez e mesmo assim realiza a 
conduta ofensiva à integridade corporal ou à saúde da gestante, parece-me mais adequado 
– sendo-lhe, portanto, absolutamente previsível o resultado mais grave, que poderá ser 
apenas a antecipação do parto, mas também o aborto e a morte do recém-nascido – 
atentar para os vários desdobramentos possíveis, em face da atitude interna do agente – a 
vontade que impulsiona a conduta que realiza – e dos resultados possíveis – aborto, simples 
antecipação do parto ou morte do recém-nascido –, e dar, para as diversas hipóteses, tratamento 
diferenciado. 
Sabendo da gravidez, sendo previsível quaisquer desses resultados mais graves e, 
mesmo assim, realizando a conduta e lesionando a gestante, deve-se distinguir, assim: 
a) se o ser em formação morre antes do nascimento, haverá lesão corporal gravíssima (art. 
129, § 2º, V), quando o agente não tiver agido dolosamente em relação à morte do ser em 
formação. Se tiver agido dolosamente em relação a sua morte, será caso de aborto sem o 
consentimento da gestante; 
b) se resultar apenas antecipação do parto, nascendo vivo e permanecendo vivo o recém-
nascido, responderá o agente por lesão corporal grave, quando tiver agido sem vontade de 
antecipar o parto ou sem aceitá-la. Se, porém, ao prever a antecipação do parto, desejar 
que, ocorrendo esta, o ser em formação venha a morrer, terá cometido dois crimes: lesão 
corporal e tentativa de aborto, em concurso formal; 
c) se nasce vivo e morre em conseqüência da antecipação do parto, haverá, a meu ver, em 
concurso formal perfeito, lesão corporal grave contra a mãe, pela aceleração do parto, e 
Lesão Corporal - 13 
 
lesão corporal seguida de morte contra o recém-nascido (art. 129, § 3º, do Código Penal). É 
que não se pode negar que sua conduta, inaugurando um processo causal lesivo ao corpo 
ou à saúde da gestante, atingiu, igualmente, a integridade corporal e a saúde do ser em 
formação, o qual, apesar de ter nascido com vida, não resiste às lesões sofridas ou aos 
danos à sua saúde, causados com o início precoce e conclusão do parto. Com uma só ação, 
terá cometido dois crimes; 
d) se, porém, quando o ser nasce vivo e morre por causa da aceleração do parto, o agente 
tiver agido com o fim de acelerá-lo com vistas na produção da morte do ser em formação, 
ou apenas aceitando-a, se ela ocorrer, será caso de concurso formal imperfeito entre a lesão 
corporal grave, contra a gestante, e um homicídio doloso, contra o nascente ou neonato. 
Claro que, em qualquer caso, é indispensável o nexo causal entre a antecipação do 
parto e a morte do recém-nascido, valendo, a propósito, todas as observações já 
expendidas acerca das várias hipóteses de exclusão da imputação do resultado, já 
comentadas a propósito do homicídio. 
 
6.4.1.3 Lesão corporal gravíssima 
Sancionadas com reclusão de dois a oito anos, as doutrinariamente denominadas 
lesões corporais gravíssimas estão definidas no § 2º do art. 129. Do ponto de vista legal, 
essas lesões corporais incluem-se dentre as chamadas lesões corporais de natureza grave. 
Assim, o art. 127 do Código Penal, ao definir os crimes de aborto qualificados por lesão 
corporal de natureza grave, está incluindo tanto as lesões descritas no § 1º quanto as do § 
2º, ora comentadas. 
 
6.4.1.3.1 Incapacidade permanente para o trabalho 
No inciso I do § 2º do art. 129, o resultado mais grave é a incapacidade permanente 
para o trabalho. São duas as diferenças entre a qualificadora do inciso I do § 1º do art. 129 
e esta do inciso I do § 2º. Naquela a incapacidade diz respeito às ocupações habituais da 
vítima, aqui se refere ao trabalho. A segunda diferença relaciona-se com a duração da 
incapacidade. Na lesão grave, 30 dias. Na gravíssima, a incapacidade deve ser permanente, 
duradoura, não, porém, perpétua. 
Ou seja, a lesão produzida na vítima deve causar-lhe a impossibilidade de, por um 
14 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
largo tempo, não ter a possibilidade de trabalhar. Deve perder, por tempo longo, a 
capacidade, física ou psíquica, de exercer atividade laboral lucrativa. Essa incapacidade 
deve decorrer, necessariamente, da lesão corporal ou do dano à saúde causado pela 
conduta do agente. 
Jurisprudência e doutrina são unânimes no entendimento de que só incidirá a 
qualificadora quando a vítima não puder exercer qualquer atividade laboral, não 
necessariamente aquela que exercia quando sofreu a lesão corporal. MIRABETE, a 
propósito, faz lúcido comentário: “Tal interpretação, porém, faz com que o dispositivo 
dificilmente seja aplicado, porque sempre restará à vítima possibilidade de vender 
bilhetes de loteria...”1 
Penso que outra deve ser a interpretação, para considerar gravíssima a debilitação 
permanente da função tátil do dedo do pianista profissional ou da mão do escultor 
renomado. A interpretação da norma penal deve ser gramatical e, também e 
principalmente, teleológica. Se a lei tivesse como fim tratar apenas da incapacidade para 
exercer qualquer atividade laborativa, teria utilizado a locução “incapacidade permanente 
para trabalhar”. Usou “incapacidade permanente para o trabalho”, empregando o artigo 
definido. Quisesse ampliar, não definiria. Restringiu, portanto, o alcance da palavra 
empregada. Não quer alcançar qualquer atividade laborativa, mas “o” trabalho. Qualquer 
trabalho? Não, a lei quis dizer “o” trabalho da vítima, sua atividade laborativa. Por quê? 
A utilização do método teleológico de interpretação responde a indagação, com 
prevalência do elemento sistemático. 
No inciso I do § 1º do art. 129, a lei qualificou de resultado grave a incapacidade 
para as ocupações habituais por mais de 30 dias. Alcançou as ocupações do dia-a-dia da 
vítima, inclusive as de uma criança ou de um bebê. Não exigiu que a vítima ficasse 
imobilizada, incapacitada de quaisquer outras atividades. Só as da vítima concreta. Ao 
qualificar as ocupações de habituais a lei procurou conferir maior proteção ao direito que 
as pessoas têm de continuar, em sua vida normal, a fazer aquilo que sempre fazem com 
continuidade e costumeiramente, o que lhes dá prazer, o que as realiza. Isto é, referiu-se às 
ocupações habituais da vítima, não às ocupações habituais de qualquer pessoa. Diz 
NELSON HUNGRIA: “A lei tem em vista a atividade habitual do indivíduo in concreto,1 Op. cit. p. 112. 
Lesão Corporal - 15 
 
pouco importando que seja economicamente improdutiva.”2 
O preceito não alcança ocupações não habituais. Não haverá qualificação se as 
lesões sofridas impedem a vítima paraplégica de, por 30 dias, jogar futebol, porque essa 
não é uma ocupação habitual. Aliás, é uma ocupação impossível. Nem de subir escadas, 
sem auxílio externo. O fim, portanto, foi alcançar apenas as atividades próprias da vítima. 
Ora, na mesma linha de raciocínio, com o mesmo espírito, no preceito do inciso I 
do § 2º, a lei procurou, igualmente, alcançar apenas as atividades laborais da vítima in 
concreto. Alargou o período de tempo em que a incapacidade se faz presente, exigindo sua 
permanência, em vez de limitar no tempo certo de, no mínimo, 30 dias. Contudo, não 
tratou das ocupações habituais da vítima, mas das ocupações habituais laborativas, 
economicamente produtivas. A restrição foi, tão-somente, quanto à natureza produtiva, 
não quanto a sua habitualidade. E a lei, assim querendo, por concisão gramatical, 
empregou, antes do substantivo, o artigo definido, porque assim excluiu de seu alcance as 
atividades produtivas genericamente consideradas. 
Assim, diferentemente do que pensam doutrina e jurisprudência dominantes, 
entendo que a norma cuida exclusivamente do trabalho da vítima concreta, não de 
qualquer trabalho. De conseqüência, a incapacidade permanente deve ser considerada em 
relação ao trabalho que a vítima exercia habitualmente, não a qualquer trabalho. Ainda 
que ela possa vir vender bilhetes de loteria, a lesão corporal que a impediu, por bom 
tempo, de continuar exercendo o trabalho que exercia será considerada gravíssima. 
 
6.4.1.3.2 Enfermidade incurável 
Enfermidade é um processo patológico instalado no corpo do ser humano. É o 
estado mórbido em curso, evolução ou andamento. É a doença, a moléstia. Deve decorrer 
da lesão produzida pelo agente, afetando a saúde da vítima. 
A norma alcança apenas as enfermidades incuráveis, assim consideradas as que, 
com base nos critérios atuais da ciência médica, sejam tidas como de pequena 
probabilidade de cura plena e total. Há enfermidades que são absolutamente incuráveis, 
outras, entretanto, podem ser tratadas por métodos cirúrgicos arriscados ou terapias 
dolorosas. Se a vítima não se submete, neste último caso, ao tratamento, por não estar 
 
 
2 Op. cit. p. 319. 
 
16 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
obrigada a tanto, ainda assim incidirá a qualificadora. 
É crime preterdoloso. O agente, com dolo de causar lesão corporal simples, dá, por 
culpa, causa a esse resultado mais grave. 
E se o agente tem a vontade de transmitir a moléstia, como, por exemplo, o vírus da 
Aids, doença sabidamente incurável, atualmente? 
Inegável que a Aids é uma doença incurável. Até pouco tempo atrás, capaz de levar 
à morte em pouco tempo, inexoravelmente. Os avanços científicos têm alterado esse 
quadro. A Aids é, hoje, apesar de incurável, uma doença perfeitamente controlável. Não 
pode, mais, ser considerada o meio mais adequado e eficaz para causar a morte de alguém. 
Desse modo, não se pode ver, necessariamente, na conduta dolosa de quem a transmite a 
vontade de matar. 
Todavia, é possível ver aí pelo menos o dolo eventual, pois, conhecendo a gravidade 
e incurabilidade da doença, o agente, mesmo sabendo não ser a morte inevitável e 
imediata, mas apenas possível, pode, ao agir, ter consentido na morte, se ela, 
eventualmente vier a acontecer. 
Assim, se transmitir a doença e a vítima morrer, haverá, inequivocamente, 
homicídio doloso, ainda que com dolo eventual. A morte, porém, deve ocorrer em tempo 
relativamente próximo da realização da conduta, e como desdobramento normal do 
processo causal inaugurado pela transmissão da moléstia, de modo a se poder imputá-la ao 
agente. É que, com o transcorrer do tempo, o organismo da pessoa estará submetido a 
interação de outras concausas, de modo a afastar, paulatinamente, a eficiência causal da 
lesão primária. 
Se, entretanto, a enfermidade não causar a morte da vítima, que sobrevive por 
muito tempo, haverá tentativa de homicídio ou lesão corporal gravíssima? 
A conclusão pela tentativa de homicídio depende de prova robustíssima capaz de 
autorizar a convicção da presença do dolo direto de matar, a ser obtida de análise profunda 
das circunstâncias que envolvem o fato. Havendo um mínimo de dúvidas sobre a intenção 
de causar a morte, ou de sua aceitação, correto é tipificar o fato como lesão corporal 
gravíssima. 
 
6.4.1.3.3 Perda ou inutilização de membro, sentido ou função 
Lesão Corporal - 17 
 
No inciso III do § 1º a lei considerou a hipótese de debilidade permanente de 
membro, sentido ou função. Aqui, no § 2º, fala em perda ou inutilização de membro, 
sentido ou função. A diferença é, portanto, na maior intensidade e extensão da lesão 
provocada. Ali a vítima sofria, por um bom tempo, a diminuição de sua capacidade, aqui 
ela perde totalmente a capacidade de realizar certas funções, pela perda ou inutilização do 
membro, sentido ou função. 
Perda é a ablação de um membro ou de um órgão. Inutilização é a inaptidão do 
membro ou do órgão a sua função específica3. Na perda, o membro ou órgão é 
simplesmente extirpado do corpo; na inutilização, pode o membro ou órgão permanecer 
integrado ao corpo, porém sem aptidão para realizar suas funções. 
Havendo perda de um dos membros, incidirá a qualificadora. A perda de um 
segmento do membro, por exemplo, o dedo da mão, importará apenas em sua debilidade 
permanente. Perdendo um órgão, pode resultar a inutilização de um sentido ou função. 
Relativamente aos órgãos duplos, como os olhos, haverá inutilização da visão se houver 
perda de ambos. Perdendo um apenas, haverá debilidade permanente. 
Lesões, ainda que não totais, de determinados órgãos podem acarretar a 
inutilização de uma das funções. Assim, se a mulher tem seus ovários ou trompas 
danificados, terá inutilizada a função reprodutora. Se a lesão atingir apenas um desses 
órgãos, que são duplos, haverá debilidade permanente. 
Essa figura típica pode ser cometida tanto na forma dolosa quanto 
preterdolosamente. O agente pode, desde o início, ter desejado a perda de um membro ou 
simplesmente causá-la por negligência, imprudência ou imperícia. 
 
6.4.1.3.4 Deformidade permanente 
Deformidade é o dano ou prejuízo estético visível e relevante do corpo ou de uma 
parte dele. Deve ser permanente, irreparável e vexatória, segundo entendem doutrina e 
jurisprudência. Deve, pois, atingir a pessoa de modo a causar-lhe um desconforto em sua 
vida diária, expondo-a ao ridículo ou a situações de grande constrangimento. 
É estético o dano que prejudica a beleza do corpo, afetando, pois, a saúde física e 
 
3 DAMÁSIO, de Jesus. Op. cit. p. 142. 
 
 
18 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
mental da vítima, interferindo em sua auto-estima e em seu relacionamento social. Para 
tanto, deve ser considerável, importante, de monta tal que possa constituir uma 
modificação perceptível e desarmoniosa do aspecto físico da pessoa. 
A sua visibilidade deve ser compreendida, nos tempos de hoje, de forma mais 
ampla, seja porque a vida contemporânea permite que as pessoas cada vez mais exponham 
seu corpo de modo mais livre, não só em praias, clubes, mas no próprio dia-a-dia, seja 
ainda porque nas mais íntimas relações interpessoais a exterioridade da beleza ou da 
normalidade do corpo é importante elemento contributivo para a convivência social. 
A permanência diz respeito à irreparabilidade da deformidade. Não basta sua 
existência, é precisoque ela não seja daquelas temporárias, que se desfazem naturalmente 
pela própria reação do organismo capaz de restaurar a integridade corporal primitiva. 
Simples equimoses ou hematomas, que desaparecem com o tempo, não são consideradas 
para o efeito da aplicação da norma comentada. 
Há entendimento doutrinário no sentido de que, se a vítima submeter-se à cirurgia 
reparadora, a qualificadora não incidirá, ao passo que se utilizar artifícios para ocultá-la, 
como o uso de próteses, deverá ser considerada. 
Penso que, nas duas situações, o tratamento penal deve ser o mesmo. Não será 
porque a vítima, por iniciativa própria e arcando com os custos e o sofrimento de qualquer 
intervenção cirúrgica, tiver reparado o dano causado pelo agente, que este deverá ser 
beneficiado. 
Se o fim da norma é punir mais severamente o agente pelo resultado mais grave 
efetivamente causado, pouco importa que este tenha sido, depois, reparado ou tenha sido 
ocultado. A reparação do dano não tem o poder de elidir a aplicação da norma penal 
proibitiva. Mormente quando efetuada pela própria vítima. Não poderá, jamais, afetar a 
tipicidade, beneficiando o infrator da norma. 
O fim da norma não é o de proteger apenas a aparência estética do corpo 
danificado, que restaria recomposto com a cirurgia reparadora, mas não com a ocultação 
provisória. Entender assim, como faz a doutrina tradicional, é conferir tratamento desigual 
ao mesmo bem jurídico, levando em conta atitudes posteriores de seu titular. A vítima que, 
podendo, submete-se a cirurgia reparadora terá sua integridade corporal desvalorizada 
pelo Direito em relação àquela que somente pôde adquirir um disfarce da deformidade. 
O fim do preceito é o de considerar grave a lesão, por sua natureza, quantidade e 
Lesão Corporal - 19 
 
qualidade, e pelos efeitos que ela causou, efetivamente, na vítima. Ao se aperfeiçoar o 
resultado mais grave, já haverá razão para a punição mais severa. O mais é conseqüência 
do crime, que se, em algumas hipóteses, poderá atenuar a pena, jamais poderá 
desqualificá-lo. 
Há quem entenda necessário, tratando-se de cicatriz no rosto, examinar-se, além 
das características do próprio dano, as condições pessoais da vítima, tais como sexo, cor, 
idade, profissão e até situação social. Uma cicatriz no rosto de uma bela mulher branca 
deveria ser tratada diferentemente da causada na face rude de um homem negro e pobre. A 
meu ver, esse entendimento não se harmoniza com a vontade da norma que, nem de longe, 
dá margem a qualquer interpretação subjetiva. É elitista, se não preconceituosa ou racista, 
a idéia de que pessoas de cor negra, idosas ou pobres tenham menor auto-estima. Se 
convivem com mais facilidade com as adversidades da vida tal se dá muito mais pela 
opressão social a que são submetidas e pela menor capacidade que têm, em face da 
dominação social, de reagir ou resistir às imposições das classes abastadas que as oprimem. 
Essa figura qualificada admite a forma dolosa e preterdolosa. 
 
6.4.1.3.5 Aborto 
É gravíssima a lesão corporal da qual resulta aborto. Essa é modalidade típica que 
exige seja a vítima mulher grávida. Aborto é a interrupção da gravidez com morte do ser 
humano em formação. Dele já se falou (Capítulo 4). 
A qualificadora só é possível na forma preterdolosa, quando o agente quer causar lesão 
corporal, mas, culposamente, dá causa ao aborto. Se agir com dolo quanto ao aborto, 
haverá dois crimes, lesão corporal e aborto. 
É necessário que ele tenha pelo menos a possibilidade de conhecer o estado gravídico 
da mulher. Se não sabia nem lhe era possível saber da gravidez, não poderá ser 
responsabilizado pelo resultado que, nessas circunstâncias, é imprevisível e, portanto, 
inevitável. Haverá, nesse caso, erro de tipo inevitável, que exclui o dolo e a culpa, ainda que 
haja nexo causal entre conduta e resultado mais grave. 
Conhecendo o agente a gravidez, ou, pelo menos, podendo conhecê-la, sendo-lhe, 
portanto, perfeitamente previsível o aborto, e mesmo assim empreendendo a conduta 
ofensiva contra a gestante, terá o agente cometido: 
a) lesão corporal gravíssima, quando, mesmo tendo previsto o aborto, não o tiver desejado, 
20 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
nem consentido, pois nesse caso o resultado mais grave terá sido produzido culposamente, 
com culpa consciente. Se não o tiver previsto, haverá culpa inconsciente na produção do 
aborto; 
b) em concurso formal – imperfeito se imbuído de desígnios autônomos – lesão corporal e 
aborto sem o consentimento da gestante, se tiver desejado ou pelo menos aceitado, se 
eventualmente acontecerem a interrupção da gravidez e a morte do ser humano em 
formação. 
Em qualquer caso, é indispensável o nexo causal entre a lesão causada na gestante e o 
resultado morte. 
Não se pode confundir o aborto qualificado por lesão corporal grave com a lesão 
corporal qualificada pelo aborto. Ambos são crimes preterdolosos, em ambos há resultado 
duplo, aborto e lesão corporal grave, mas são diferentes. No primeiro, o dolo é de provocar 
aborto, e no segundo o aborto é provocado culposamente. Naquele, o aborto é doloso, 
nesse é culposo. No primeiro, a conduta visa ao aborto; no segundo, busca a lesão corporal. 
 
6.4.1.4 Formas típicas especiais 
6.4.1.4.1 Lesão corporal nos crimes de engenharia genética 
 A Lei n° 11.105, de 24 de março de 2005, revogou, expressamente, a Lei n° 8.974, de 5 
de janeiro de 1995, que continha, dentre outros, os tipos penais de “intervenção em 
material genético humano in vivo” (art. 13, II) e de “liberação ou descarte no meio 
ambiente de OGM” (art. 13, V), e as respectivas formas qualificadas pelo resultado, lesão 
grave ou gravíssima e morte. 
 Com a revogação, deu-se a abolitio criminis em relação ao tipo do art. 13, II, mas, no 
art. 27 da nova lei está a seguinte descrição: 
“Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas 
estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização: 
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4(quatro) anos, e multa. 
.......................... 
§ 2° Agrava-se a pena: 
....... 
Lesão Corporal - 21 
 
III – da metade até 2/3, se resultar lesão corporal de natureza grave em outrem;” 
 OGM é organismo geneticamente modificado, aquele cujo material genético 
(ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética, isto é, 
através da manipulação de moléculas de ADN ou ARN recombinante – aquelas 
manipuladas fora das células vivas, mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN 
natural ou sintético que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda, as moléculas 
de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação. Consideram-se, ainda, os segmentos de 
ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural. 
 A liberação ou o descarte desse material no meio ambiente sem a observância das 
normas estabelecidas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e pelos demais 
órgãos constitui crime. 
 As lesões graves e gravíssimas que resultarem do fato, serão punidas com pena de 1 a 
4 anos, aumentada de metade até 2/3. 
 
6.4.1.4.2 Lesão corporal nos crimes de remoção de órgãos, tecidos e 
 partes do corpo humano 
O art. 14 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, contém o seguinte tipo legal de 
crime: “remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo 
com as disposições desta Lei”, com pena de reclusão de dois a seis anos, e multa de 100 a 
360 dias-multa. 
O § 2º do mesmo artigo, referindo-se à conduta realizada em pessoa viva, repete os 
resultados qualificadores do § 1º do art. 129 do Código Penal – lesões corporais graves – 
cominando-lhes, porém, pena de reclusão de três a dezanos, e multa de 100 a 200 dias 
multa. 
O § 3º define as mesmas lesões gravíssimas do § 2º do art. 129 do Código Penal 
como resultados qualificadores, cominando pena de reclusão de quatro a doze anos, e 
multa de 150 a 360 dias-multa. 
São essas as mesmas formas qualificadas pelo resultado, porém com pena maior 
que as cominadas no art. 129. A maior sanção decorre do maior desvalor da conduta, que 
deve ser a de remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa, em desacordo com a 
Lei nº 9.434/97. 
22 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
As regras impostas para a remoção estão contidas no art. 9º da mesma lei, e são as 
seguintes: 
“Art. 9º É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, 
órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes 
em cônjuge ou parentes consangüíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 
4º deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, 
dispensada esta em relação à medula óssea. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 
23.3.2001) 
§ 1º (VETADO) 
§ 2º (VETADO) 
§ 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos 
duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o 
organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não 
represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não 
cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade 
terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora. 
§ 4º O doador deverá autorizar, preferencialmente por escrito e diante de 
testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada. 
§ 5º A doação poderá ser revogada pelo doador ou pelos responsáveis legais a 
qualquer momento antes de sua concretização. 
§ 6º O indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica 
comprovada, poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde 
que haja consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização 
judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde. 
§ 7º É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, 
exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de 
medula óssea e o ato não oferecer risco à sua saúde ou ao feto. 
§ 8º O auto-transplante depende apenas do consentimento do próprio indivíduo, 
registrado em seu prontuário médico ou, se ele for juridicamente incapaz, de um de 
seus pais ou responsáveis legais.” 
Se o agente remover o tecido, órgão ou parte do corpo humano com observância 
Lesão Corporal - 23 
 
integral das normas da Lei nº 9.434/97 e, ainda assim, ocorrer um dos resultados mais 
graves, o fato se ajustará a um dos tipos do art. 129, pois no tipo fundamental da lei 
especial há um elemento normativo que é a inobservância das normas do seu art. 9º. 
 
6.4.1.5 Consumação e tentativa 
O crime de lesões corporais é material, de resultado. Consuma-se com a efetiva 
lesão à integridade do corpo ou com a materialização do dano à saúde da vítima. 
Haverá tentativa de lesão corporal quando, apesar da conduta do agente, iniciando 
ou até concluindo o processo executório, não ocorre o resultado lesivo à integridade 
corporal ou danoso à saúde da vítima. 
Impossível, entretanto, a tentativa de lesão corporal grave ou gravíssima na 
modalidade preterdolosa, porque, nela, o resultado mais grave não estava abrangido pelo 
dolo do agente. Se o agente não queria o resultado mais grave, não se pode dizer que ele 
tentou produzi-lo. Assim, não é possível reconhecer tentativa de lesão corporal qualificada 
pelo perigo de vida, nem tentativa de lesão corporal qualificada pelo aborto. 
 
6.4.1.6 Concurso de pessoas 
Qualquer das modalidades do crime de lesões corporais dolosas admite o concurso 
de pessoas, tanto na forma de autoria ou de participação. A participação poderá ser de 
maior ou de menor importância, conforme seja a eficiência causal da contribuição para a 
realização do tipo. 
Quando o sujeito quer concorrer para um crime menos grave e o outro realiza crime 
mais grave, aquele responderá pelo delito que desejou, mas se o resultado mais grave lhe 
tiver sido previsível, ainda quando não o preveja, a pena será aumentada até metade (§ 2º 
do art. 29 do Código Penal). Provando-se que um dos sujeitos desejou realizar lesão leve e 
o outro acabou por exceder-se produzindo lesão grave ou gravíssima, aquele responderá 
pelo crime que pretendeu realizar, aumentando-se a pena, até metade, se o resultado mais 
grave lhe era previsível. 
 
6.4.1.7 Concurso de crimes 
24 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
O crime de lesões corporais, em qualquer de suas formas típicas, admite o concurso 
material e formal e a continuidade delitiva. 
Provocando várias lesões na mesma vítima, num mesmo contexto, haverá crime 
único. A não ser quando, encerrado e concluído um procedimento típico, após um tempo 
razoável, voltar a agredi-la, então cometerá um segundo crime. Haverá concurso material 
ou crime continuado, se preenchidos os requisitos deste. 
Se, porém, realiza uma única conduta atingindo várias vítimas, haverá concurso 
formal. 
Possível o concurso material ou formal com crimes de outra espécie, cometido 
contra vítimas diferentes, como o homicídio. 
 
6.4.1.8 Conflito aparente de normas 
O crime de lesões corporais será absorvido pelos delitos de roubo, homicídio, 
tortura, lesão corporal seguida de morte, aborto, estupro, extorsão mediante seqüestro 
seguida de lesão corporal, e por todos os crimes qualificados pelo resultado lesão corporal 
de natureza grave, porque sua realização é parte, etapa, conteúdo, fase ou resultado 
qualificador do outro fato típico. 
Os tipos de lesão corporal qualificados pelo resultado, dolosos ou preterdolosos, 
afastam a incidência da norma do tipo fundamental, de lesão leve, pelo princípio da 
especialidade. 
 
6.5 LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE 
6.5.1 Forma típica genérica 
No § 3º do art. 129 está definido o crime de lesão corporal seguida de morte: se 
resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem 
assumiu o risco de produzi-lo. A pena é reclusão de quatro a doze anos. 
Este é o chamado homicídio preterdoloso ou preterintencional. Não é homicídio, 
porque não é crime contra a vida. Só há homicídios dolosos ou culposos. É crime contra a 
integridade corporal ou a saúde, do qual resulta a morte da vítima. Nele, o agente age com 
dolo de produzir lesão corporal, mas acaba por causar a morte por negligência, 
Lesão Corporal - 25 
 
imprudência ou imperícia. É misto de dolo e culpa. Dolo na conduta e culpa no resultado. 
A conduta do agente é dolosa, mas o fim é a produção tão-somente de lesão 
corporal. Nem eventualmente o agente pode aceitar a morte, pois aí haverá homicídio. Sua 
consciência e vontade alcançam apenas a ofensa ao corpo ou à saúde da vítima. Contudo, 
por descuido, o resultado vai além do pretendido pelo agente. 
É indispensável que a morte seja previsível e, por isso, evitável. E o agente deve, 
necessariamente, ter atuado com inobservância do dever de cuidado objetivo. Se queria 
apenas ferir, deveria ter adotado as cautelas para que sua conduta não produzisse mais. Se 
a morte for imprevisível, não poderia ser evitada e por ela o agente não pode responder. 
Se é certo que entre a conduta dolosa do agente, alcançando apenas a lesão 
corporal, e a morte da vítima, não desejada e nem aceita, deve existir nexo de causalidade, 
este, contudo, não é suficiente para a tipicidade do fato, pois a morte só pode ser atribuída 
ao agente se eletiver agido culposamente. 
Caso concreto interessante foi o ocorrido em Brasília, tempos atrás, quando jovens, 
numa madrugada, atearam fogo a um índio que dormia numa parada de ônibus, 
resultando a sua morte, em conseqüência das queimaduras provocadas. Denunciados pela 
prática de homicídio com dolo eventual, acabaram assim condenados, mas dúvidas ainda 
persistem quanto à possibilidade de ter havido, efetivamente, lesão corporal seguida de 
morte. 
A solução está na determinação do dolo do agente. Se há dolo de matar, será 
homicídio. Se a intenção é ferir, lesionar, queimar, aponta-se para a lesão corporal seguida 
de morte quando, havendo nexo causal, o resultado, previsível, tiver sido causado por 
negligência, imprudência ou imperícia. Vozes não faltam afirmando que aquele que ateia 
fogo em outro está, necessariamente, querendo matar, porque sabe que o fogo destrói os 
tecidos humanos, alastra-se por todo o corpo e, necessariamente, afetará os órgãos vitais, 
produzindo, por fim, a morte. Logo, quem derrama álcool sobre alguém que dorme, e 
depois risca um fósforo sobre o líquido inflamável e sai correndo, só pode estar agindo com 
dolo de matar. No mínimo, aceita a morte, se ela ocorrer. Se a vítima morre há homicídio, 
se é salva, tentativa de homicídio. 
Não penso que seja assim tão simples a resposta. O dolo é puramente psicológico. É 
previsão e vontade. Não é só pelo fato de alguém poder prever um resultado, que o terá 
feito. Nem sempre o resultado previsível é previsto. Se era previsível que as queimaduras 
provocadas pela conduta pudessem levar à morte, e é certo que era previsível, nem por isso 
26 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
se pode afirmar que os agentes a previram realmente. Assim como aquela conduta pode 
produzir queimaduras que levam à morte, pode, também, produzir queimaduras que 
apenas lesionam partes ou órgãos do corpo. A previsibilidade da lesão corporal é mais 
presente que a da morte. Possível, portanto, plenamente, que o agente realize apenas a 
primeira previsão. 
Previsibilidade é possibilidade de antever o resultado. Previsão é outra coisa. É a 
antevisão do resultado previsível. Nem sempre que há previsibilidade, há previsão. Se os 
agentes não previram a morte, afasta-se, de plano, a hipótese de homicídio doloso. Podem 
ter previsto apenas as lesões. Daí que não se pode responder a questões de alta indagação 
como esta, com tanta simplicidade, pois que, situando-se na mente do agente, é de difícil 
determinação. 
Lamenta-se que fatos de grande repercussão nos meios de comunicação sejam 
decididos segundo a lógica da opinião pública manipulada e não conforme os critérios de 
interpretação das normas jurídicas e os princípios de Direito. 
Impossível a tentativa de lesão corporal seguida de morte, porque só é admissível a 
tentativa de crime doloso. 
A pena, como se pode observar, é mais grave do que a cominada ao homicídio 
culposo, e mais branda do que a do homicídio doloso. 
 
6.5.2 Formas típicas especiais 
 A Lei n° 11.105, de 24 de março de 2005, que revogou a Lei n° 8.974/95, e 
regulamenta o uso das técnicas de engenharia genética e a liberação no meio ambiente de 
organismos geneticamente modificados, e a Lei n° 9.434/97 – que dispõe sobre a remoção 
de tecidos, órgãos e partes do corpo humano – criaram tipos de crime dos quais resultam 
lesões corporais graves e gravíssimas, como já comentado linhas atrás. 
Também previram a ocorrência de resultado morte, porém não tiveram o cuidado de 
utilizar expressão equivalente à do § 3º do art. 129 do Código Penal. Transcrevam-se os 
dispositivos das referidas leis. 
 A Lei n° 11.105/2005: 
Lesão Corporal - 27 
 
“Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as 
normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e 
fiscalização: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4(quatro) anos, e multa. 
§ 2° Agrava-se a pena: 
V – de 2/3 (dois terços) até o dobro, se resultar a morte de outrem”. 
 
A Lei nº 9.434/97: 
“Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em 
desacordo com as disposições desta Lei: 
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa de 100 (cem) a 360 (trezentos e 
sessenta) dias-multa. 
§ 4º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte: 
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e multa, de 200 (duzentos) a 360 
(trezentos e sessenta) dias-multa.” 
 Diante dessas normas, seria de se perguntar: trata-se de lesões corporais seguidas de 
morte, crime preterdoloso, ou de homicídio doloso? A dúvida teria pertinência por duas 
razões. A primeira é a omissão do legislador, que não utilizou a fórmula do § 3° do art. 129: 
se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem 
assumiu o risco de produzi-lo. A segunda razão está na quantidade elevada da pena 
reclusiva cominada, de 8 a 20 anos, na Lei n° 9.434/97, e que era, no regime da Lei 
8.974/95, de 6 a 20 anos, agora, felizmente, reduzida pela Lei n° 11.105/2005. A correção 
foi providência que atende ao princípio da proporcionalidade. 
Apesar da omissão do legislador e do exagero das penas cominadas, é evidente que 
se trata de crimes preterdolosos. Tivesse sido a vontade dessas leis criar novos tipos de 
homicídios dolosos, teriam alterado a redação do art. 121 do Código Penal, inserindo nele 
novos parágrafos, descrevendo as circunstâncias especiais que o tornariam mais 
gravemente apenados. Sua vontade foi, portanto, a de criar novos crimes qualificados pelo 
resultado morte, derivados de crimes de lesões corporais especiais, com pena mais elevada, 
dada a gravidade das condutas incriminadas. Essas figuras típicas são espécies mais graves 
do crime de lesão corporal seguida de morte. 
As penas cominadas são excessivas e não se harmonizam com o sistema penal, 
28 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
quebrando o princípio da proporcionalidade. Nenhum crime preterdoloso pode ter pena 
igual ou superior ao crime doloso cujo resultado é o mesmo. O crime material é sempre um 
todo – conduta e resultado. Conduta dolosa importa sempre em pena mais grave. 
Resultado mais grave é suficiente apenas para agravar a pena. Esta nunca poderia, para um 
resultado causado culposamente, ser mais elevada que a cominada ao crime cujo resultado 
tenha sido causado dolosamente. 
Ao cominar pena igual para homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte, 
ainda quando a conduta desta seja mais reprovável, a lei acabou por reprovar, igualmente, 
condutas dolosas e condutas culposas. Um absurdo. Pior ainda quando, no § 4º do art. 14 
da Lei nº 9.434/97, cominou pena mínima de oito anos para uma lesão corporal seguida 
de morte, superior à pena mínima do homicídio simples. É verdade que tal pena mínima é, 
ainda, inferior à pena mínima do homicídio qualificado, todavia, tendo cominado a pena 
máxima em 20 anos, igual à do homicídio simples, não atendeu ao princípio da 
proporcionalidade, criando, assim, uma cominação monstruosa. 
É que, na lesão corporal seguida de morte, o dolo não é o de matar, mas de lesionar 
a integridade do corpo ou danificar a saúde da vítima. Ainda que mais grave essa conduta, 
por constituir remoção de órgão, tecido ou parte do corpo humano vivo, para fins de 
transplante, jamais poderia ser equiparada à conduta do que deseja a morte de alguém. 
 Aos juízes, diante da flagrante inconstitucionalidade do § 4° do art. 14 da Lei n° 
9.434/97 – que agride o princípio da proporcionalidade -, cabe desconsiderar o grau 
mínimo ali cominado para considerá-lo, quando muito, equivalente ao do homicídio 
simples, seis anos. Em face do princípio da legalidade, não pode aplicar uma pena 
intermediária,maior do que a do § 3° do art. 129 e menor do que a do art. 121, caput, do 
Código Penal – que deveria ter sido estabelecida na lei – por isso melhor interpretação é a 
de considerar essa cominação inconstitucional e aplicar a pena do § 3° do art. 129 do 
Código Penal. Quanto à Lei n° 8.974/95, felizmente foi banida do mundo jurídico pela Lei 
n° 11.105/2005, que cominou pena que se harmoniza com o princípio da 
proporcionalidade. 
 
6.6 LESÃO CORPORAL PRIVILEGIADA 
O § 4º do art. 129 contém norma idêntica à do § 1º do art. 121, que trata do 
homicídio privilegiado, mandando o juiz reduzir a pena de um sexto a um terço. 
Lesão Corporal - 29 
 
Assim, lesões corporais leves, graves, gravíssimas e seguidas de morte podem ter 
sido cometidas sob o domínio de violenta emoção logo em seguida à injusta provocação da 
vítima, ou por motivo de relevante valor moral ou social. 
Valem, portanto, no que couber, aqui, as mesmas observações feitas a respeito do 
homicídio privilegiado (item 1.2.2). 
Cuidando-se de lesões corporais de natureza leve (art. 129, caput), e somente delas, 
se incidir uma das circunstâncias privilegiadoras do § 4º, isto é, tratando-se de lesão 
corporal leve privilegiada, o juiz, além de diminuir a pena, de um sexto a um terço, poderá, 
a seu critério, substituir a pena de detenção pela pena de multa (art. 129, § 5º, I). 
Também poderá o juiz substituir a pena de detenção pela pena de multa, se se 
tratar de lesões corporais leves recíprocas, aquelas realizadas em seguida a outras 
provocadas pela vítima (art. 129, § 5º, II). Nesse caso, não é indispensável que ambos 
tenham sido condenados, podendo ser substituída a pena até mesmo quando um deles 
tenha sido absolvido por ter agido em legítima defesa, porque a causa de substituição 
da pena tem um único requisito: a reciprocidade das lesões. 
A substituição da pena privativa de liberdade pela de multa é faculdade do juiz, 
que levará em conta a necessidade de reprovação e prevenção do crime, com base na 
análise das circunstâncias do fato, não lhe sendo defeso substituir a pena de apenas um 
dos contendores, quando verificar que um deles não a merecer ou se considerar 
necessária a reprimenda mais severa. Deve, é óbvio, motivar sua decisão. 
 
6.7 AUMENTO DE PENA 
Na lesão corporal leve, grave, gravíssima e seguida de morte, a pena será 
aumentada de um terço se a vítima é menor de 14 anos, por força do que dispõe o § 7º do 
art. 129, que manda seja aplicada essa causa especial de aumento de pena já abordada no 
item 1.2.5. 
 
6.8 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 
 Lei n° 10.886, de 17 de junho de 2004 introduziu, no art. 129, sob o nomen iuris 
“violência doméstica”, o § 9°, o qual foi modificado pela Lei n° 11.340/2006, ficando assim 
a sua redação: 
30 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
“Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou 
companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se 
o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: 
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3(três) anos.” 
 O § 10, introduzido, determinou que, tratando-se de lesões corporais graves, 
gravíssimas e seguidas de morte, definidas nos §§ 1°, 2° e 3° do art. 129, a pena será 
aumentada de 1/3, se incidir qualquer das circunstâncias previstas no § 9°. Também será 
aumentada a pena em 1/3, se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência 
(§ 11 do art. 129, acrescentado pela Lei 11.340/2006). 
 O tipo de violência doméstica descreve, na verdade, uma lesão corporal leve 
qualificada, cuja circunstância qualificadora reside na qualidade do sujeito passivo, ou seja, 
é aquela lesão leve praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou 
companheiro, ou contra pessoa que conviva ou tenha convivido com o agente. Também 
será violência doméstica a lesão corporal simples quando o agente se prevalece das 
relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. 
 Assim, praticada uma lesão corporal leve, presente qualquer dessas circunstâncias, a 
pena será detenção de seis meses a um ano. 
 As mesmas circunstâncias do § 9° constituem causas de aumento de pena, de um 
terço, nos casos de lesões corporais graves (art. 129, § 1°), gravíssimas (art. 129, § 2°) e 
seguidas de morte (art. 129, § 3°). 
 De conseqüência, pode-se afirmar que, com essas mudanças legislativas, temos: 
violência doméstica leve, grave, gravíssima e seguida de morte, que são as formas 
qualificada do crime de lesões corporais leves e agravadas, respectivamente, dos crimes de 
lesões corporais graves, gravíssimas e seguidas de morte. 
 
6.9 LESÃO CORPORAL CULPOSA 
6.9.1 Forma típica genérica 
Se o agente tiver causado lesão corporal por negligência, imprudência ou imperícia, 
a pena será de detenção, de dois meses a um ano. 
À semelhança do homicídio culposo, a lesão corporal culposa ocorrerá quando o 
Lesão Corporal - 31 
 
agente realizar uma conduta voluntária, com inobservância do dever de cuidado objetivo, 
causando um resultado não desejado nem aceito, previsível e, por isso, evitável. 
Nesse tipo pune-se a conduta negligente, pouco importando se o resultado tenha 
sido leve, grave ou gravíssimo. A pena é a mesma, qualquer que seja a extensão das lesões, 
porém, o juiz, no momento da fixação da pena-base, deverá levar em consideração, como 
conseqüência do crime, o resultado mais grave. É que, não integrando o tipo, os resultados 
que, na lesão dolosa, são qualificadores situam-se fora da descrição típica da lesão culposa. 
A lesão corporal culposa difere do homicídio culposo apenas no resultado. Naquele 
é a morte do ser humano nascente ou nascido, nesta é a integridade corporal ou a saúde do 
ser humano, inclusive o em formação. Aplica-se, portanto, à lesão corporal culposa o que 
se disse acerca do homicídio culposo (item 1.3), para onde se remete o leitor. 
 
6.9.2 Lesão corporal culposa na direção de veículo automotor 
O Código de Trânsito, Lei nº 9.503/97, criou, no art. 303, o tipo de lesão corporal 
culposa na direção de veículo automotor, com pena de detenção de seis meses a dois anos, 
o dobro da lesão corporal simples, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a 
habilitação para dirigir veículo automotor. 
A respeito dessa forma especial de lesão corporal culposa, reitera-se aqui o que se 
disse no item 1.3.3, acerca do homicídio culposo na direção de veículo automotor, criado 
pelo mesmo Código de Trânsito, inclusive quanto às causas especiais de aumento de pena. 
 
6.9.3 Aumento de pena e perdão judicial 
De relembrar que, na lesão corporal culposa, incidem as mesmas causas de 
aumento de pena do homicídio culposo – se o crime resulta de inobservância de regra 
técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à 
vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato ou foge para evitar prisão em 
flagrante –, bem assim o perdão judicial. 
São as regras dos §§ 7º e 8º do art. 129. Esse tema foi abordado com detalhes nos 
itens 1.3.2 e 1.3.6. 
 
32 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 
 
6.10 ILICITUDE 
Nos crimes de lesões corporais, a verificação da ilicitude se faz, tanto quanto nos 
crimes de homicídio, pelo mesmo raciocínio por exclusão. Presente uma excludente de 
ilicitude, o fato, apesar de típico, será lícito. 
Aplicam-se, portanto, para as lesões corporais, dolosas e preterdolosas, ou culposas, 
no que couber, as observações feitas no item 1.2.13, acerca dos homicídios dolosos lícitos, e 
no item 1.3.4, sobre os homicídios culposos justificados. 
Acrescente-se que será possível lesão corporal, dolosa, preterdolosa ou culposa, no 
exercício regular de direito, e, portanto,lícita, quando, na defesa da posse, permitida pelo § 
1º do art. 1.210 do Código Civil, os atos de desforço necessários para a proteção possessória 
acarretarem lesões corporais nos turbadores ou esbulhadores. Claro que, na hipótese, tais 
atos não podem “ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse”. 
As lesões corporais ou danos à saúde do corpo causados por médico, durante a 
realização de cirurgias, que, no passado, eram considerados pela doutrina e jurisprudência, 
lícitos, por estar o agente no exercício regular de um direito, não são, na verdade, fatos 
típicos, excluída a tipicidade pelo princípio da adequação social. 
Assim igualmente o furo na orelha da filha, para pendurar o brinco, não é lesão 
corporal lícita, mas fato atípico por força do mesmo princípio, que também exclui a 
tipicidade das lesões cometidas nos esportes violentos, como o boxe e até o futebol, desde 
que razoáveis e adequadas aos limites permitidos pelas regras desses esportes. 
Impensável lesão corporal lícita por encontrar-se o agente no estrito cumprimento 
do dever legal, uma vez que, tanto quanto não há dever legal de matar, também não há, no 
ordenamento jurídico brasileiro, dever legal de produzir ferimentos ou danificar a saúde de 
alguém. 
Também serão lícitas as lesões provocadas pelo agente a fim de impedir o suicídio 
da vítima (art. 146, § 1º e § 3º, II), porque nesse caso o constrangimento não é ilegal, ainda 
quando empregada violência, dentro, é óbvio, dos limites da necessidade dos meios. 
A cirurgia plástica realizada com o consentimento do imputável, extirpando seu 
órgão genital e construindo, em seu lugar, uma vagina artificial, é fato típico, porém lícito 
por contar com o consentimento do ofendido, que, neste caso, atua como excludente da 
ilicitude, uma vez que a integridade do corpo é um bem disponível. 
Lesão Corporal - 33 
 
O Direito brasileiro, já se disse, não pune a autolesão, nem, de conseqüência, o 
consentimento para a lesão, a não ser na hipótese de estelionato. 
 
6.11 CULPABILIDADE 
Possível a exclusão da culpabilidade nos crimes de lesões corporais, desde que o 
agente tenha agido sem consciência da ilicitude ou quando não se lhe puder exigir conduta 
diversa. 
A propósito, sugere-se a leitura dos itens 1.2.14 e 1.3.5, que tratam dos homicídios 
dolosos e culposos inculpáveis, os quais, naquilo que couber, também devem incidir nas 
várias hipóteses de lesões corporais. Aqui também é possível a exclusão da culpabilidade 
por atuar o agente no exercício regular de direito putativo. 
 
6.12 AÇÃO PENAL 
A ação penal é de iniciativa pública incondicionada, salvo para os casos de lesões 
corporais leves ou culposas, em que é necessária a representação da vítima, conforme 
dispõe o art. 88 da Lei nº 9.099/95. 
A competência, nas hipóteses do art. 129, caput, §§ 4º, 5º e § 6º, é do juizado 
especial criminal. A suspensão condicional do processo penal poderá ser concedida na 
lesão leve (art. 129, caput), na lesão corporal dolosa circunstanciada (art. 129, § 7º), lesão 
corporal culposa, inclusive com o aumento de pena determinado pelo § 7º, lesão corporal 
grave (art. 129, § 1º). 
 
6.13 ANTEPROJETO DE CÓDIGO PENAL 
No anteprojeto de Código penal, algumas mudanças importantes foram propostas. 
Dentre os resultados qualificadores graves, no lugar do atual perigo de vida é 
previsto o agravamento de doença ou anomalia física ou mental. Substitui-se a expressão 
enfermidade por doença, por mais técnica. A inovação mais importante é a diferenciação 
entre lesões graves e gravíssimas cometidas dolosa e preterdolosamente. Para estas 
cominar-se-ia pena menos severa, tornando mais justa a individualização da pena. 
34 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

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