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7 PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO _____________________________ 7.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME O art. 130 contém o tipo fundamental desse crime: “expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado”. A pena cominada é detenção de três meses a um ano, ou multa. O fim da norma é proteger a saúde da pessoa da exposição a perigo de danos que possa sofrer em virtude da possibilidade de contágio de doenças venéreas. Embora se volte para a proteção da saúde individual, protege, igualmente, a saúde pública, uma vez que tais doenças, por sua transmissibilidade, quando instaladas numa pessoa, constituem, por si sós, um potencial de perigo para a própria coletividade. Assim, o bem jurídico protegido não é só a saúde de um, mas também a saúde de todos. Vida sem saúde é vida indigna, por isso que a proteção penal se faz necessária. Sujeito ativo desse crime é o homem ou a mulher portador de alguma doença venérea. Sujeito passivo é qualquer pessoa, homem ou mulher, de qualquer idade ou condição social, inclusive a prostituta. 7.2 TIPICIDADE O caput contém o tipo fundamental. O § 1º descreve a forma qualificada e o § 2º dispõe sobre a ação penal. 2 – Direito Penal II – Ney Moura Teles 7.2.1 Formas típicas simples 7.2.1.1 Conduta A conduta descrita no tipo do art. 130 é a de expor outra pessoa a uma situação de perigo de contrair uma doença venérea. Expor é, portanto, colocar a vítima em situação perigosa, para sua saúde ou sua vida. Deve ser realizada por meio de relações sexuais ou de qualquer outro ato libidinoso. Mais, o agente deve saber que está contaminado, ou, pelo menos, devia saber dessa circunstância. São duas, pois, as figuras típicas, uma em que o agente sabe da contaminação, a outra, quando deveria saber. 7.2.1.2 Elementos objetivos O verbo expor está empregado no sentido de deixar exposto, colocar sob exposição. O bem jurídico fica exposto a situação de perigo. Contágio é a contaminação, a transmissão da doença, a comunicação dos agentes patológicos do corpo do agente para o da vítima. Moléstia venérea é uma doença infecciosa causada por uma bactéria que causa sintomas crônicos e sistêmicos quando não diagnosticada ou tratada adequadamente. A norma está em branco, devendo ser complementada pela definição médico-científica constante ou não dos regulamentos sanitários. A Aids, embora transmissível sexualmente, não é doença venérea. As mais comuns são a sífilis, a blenorragia, conhecida popularmente como gonorréia, e o ulcus molle, ou cancro mole. A exposição ao perigo de contágio venéreo deve ser realizada através de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, assim a conjunção carnal, o coito anal, o sexo oral e outras formas de contato sensual, inclusive o beijo voluptuoso. 7.2.1.3 Elemento subjetivo A fórmula “expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, Perigo de Contágio Venéreo - 3 a contágio de moléstia venérea de que sabe contaminado” descreve um crime com dolo direto. A conduta do agente deve ser dolosa, pois deve estar consciente de que é portador da doença venérea e de que, com a prática das relações sexuais ou dos atos libidinosos, poderá contagiar a vítima. Age, portanto, com consciência do seu estado de contaminado e com a vontade livre de realizar os atos sexuais ou libidinosos, mas não com o fim de transmitir a moléstia, que é elemento subjetivo da forma qualificada desse crime, adiante comentada. A fórmula “expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea de que deve saber que está contaminado” define um crime com dolo eventual. Aqui o agente não tem conhecimento de que porta a moléstia venérea por negligência, por descuido, e, por isso, pratica as relações libidinosas, expondo, sem querer, a vítima ao perigo de contágio. Para considerar típica sua conduta é necessário que lhe seja previsível saber que está contaminado, o que acontece quando, pelas circunstâncias que antecedem o fato, deveria alcançar o conhecimento de seu estado. Por exemplo: tendo mantido relações sexuais anteriormente com uma prostituta ou apresentando sintomas anormais, como a secreção pelo pênis, poderia ter adotado medidas para certificar-se de sua saúde ou, pelo menos, evitar novos contatos libidinosos, a fim de preservar de perigo a outra pessoa. Há dolo eventual porque – embora não saiba, mas porque as circunstâncias são de molde a que soubesse –, ao praticar as relações sexuais, está aceitando a possibilidade de, se estiver contaminado, expor a vida da vítima à situação de perigo de contágio. Parte da doutrina entende que o deve saber significa um crime culposo, tendo a norma equiparado, nesse tipo, as duas modalidades. A pena é idêntica para as duas modalidades. Todavia, na aplicação da pena, o juiz deve fazer a diferenciação que a lei não fez, punindo menos severamente o agente que tiver agido com dolo eventual. 7.2.2 Forma qualificada O § 1º do art. 130 contém um tipo de perigo contágio doloso, com um elemento subjetivo a mais: o fim de transmitir a moléstia. O agente sabe que está contaminado, e 4 – Direito Penal II – Ney Moura Teles pratica os atos capazes de contagiar, com o objetivo de transmitir a doença à vítima. A pena é reclusão de um a quatro anos e multa. Trata-se de um crime de dano e não de perigo como na forma típica simples. É um crime formal, que se consuma independentemente da transmissão da moléstia. 7.2.3 Consumação e tentativa Em qualquer das formas típicas o crime se consuma com a prática das relações sexuais. Indispensável, portanto, o contato sexual entre agente e vítima. Não é necessário, entretanto, que ocorra o contágio, que é apenas o exaurimento do crime. Se a vítima já está contaminada, há crime impossível. Se ocorrer o contágio, claro que deve ser provado o nexo causal, demonstrando-se o contato sexual como causa da transmissão da moléstia. Se do contágio resultarem apenas lesões corporais leves, prevalece o crime do art. 130. Se resultarem lesões corporais graves ou gravíssimas, responderá o agente pelo crime do art. 129, § 1º ou § 2º. Se resultar morte, responderá por lesão corporal seguida de morte. Mas, na hipótese de perigo de contágio qualificado, quando seja intenção do agente transmitir a moléstia, é possível ver aí uma situação de homicídio doloso, com dolo eventual. Porque agiu com dolo de dano, vontade de transmitir a moléstia, pode, perfeitamente, ter atuado também com a previsão da morte, aceitando-a, se ela eventualmente ocorrer. É admissível a tentativa desse crime. 7.3 ILICITUDE Impensável, para esse crime, a incidência de uma das causas legais de exclusão da ilicitude. Discutível, entretanto, é o efeito do consentimento do ofendido. A doutrina se divide, havendo quem entenda que se a vítima sabe que o agente está contaminado, e consente nas relações sexuais ou libidinosas, o fato será lícito, tanto que o § 2º do art. 130 condiciona a ação penal à sua representação. Para outra corrente, mesmo que ela tenha consentido, Perigo de Contágio Venéreo - 5 poderá promover a representação, porque o crime subsiste. Penso que deve prevalecer o interesse coletivo, que é o da preservação da saúde de qualquer pessoa, daí que o consentimento da vítima não poderá ensejar a exclusão da ilicitude. A exigência da representação do ofendido atende apenas a razões humanitárias, porquanto, decorrente o perigo de contágio de relações sexuais ou libidinosas,a exposição pública do fato seria, como nos crimes não violentos contra a liberdade sexual, um gravame que o Estado não deveria impor a quem já tenha sofrido com a ação criminosa. Tendo natureza processual, o condicionamento da representação não pode ensejar a exclusão da ilicitude, questão puramente material. 7.4 AÇÃO PENAL A ação penal é pública condicionada à representação do ofendido. A competência para julgar os delitos descritos no caput do art. 130 é do juizado especial criminal, uma vez que a pena máxima cominada não é superior a um ano. É possível a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95, atendidos os seus pressupostos, inclusive quanto ao crime do § 1º, sancionado com pena mínima de um ano.
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