Buscar

Amante de gadgets - Narciso como Narcose - Marshall McLuhan

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 6 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 6 páginas

Prévia do material em texto

4. O AMANTE DE “GADGETS” - Narciso como Narcose O mito grego 
de Narciso está diretamente ligado a um fato da experiência humana, 
como a própria palavra Narciso indica. Ela vem da palavra grega 
narcosis, entorpecimento. O jovem Narciso tomou seu próprio reflexo 
na água por outra pessoa. A extensão de si mesmo pelo espelho 
embotou suas percepções até que ele se tornou o servomecanismo 
de sua própria imagem prolongada ou repetida. A ninfa Eco tentou 
conquistar seu amor por meio de fragmentos de sua própria fala, mas 
em vão. Ele estava sonado. Havia-se adaptado à extensão de si 
mesmo e tornara-se um sistema fechado. O que importa neste mito 
é o fato de que os homens logo se tornam fascinados por qualquer 
extensão de si mesmas em qualquer material que não seja o deles 
próprios. Tem havido cínicos que insistem em que os homens se 
apaixonam profundamente por mulheres que reflitam sua própria 
imagem. Seja como for, a sabedoria do mito de Narciso de nenhum 
modo indica que ele se tenha enamorado de algo que ele tenha 
considerado como sua própria pessoa. É claro que seus sentimentos 
a respeito da imagem refletida teriam sido bem diferentes, soubesse 
ele que se tratava de uma extensão ou repetição de si mesmo. E não 
deixa de ser um sintoma bastante significativo das tendências de 
nossa cultura marcadamente tecnológica e narcótica Pág 59 o fato 
de havermos interpretado a história de Narciso como um caso de 
auto-amor e como se ele tivesse imaginado que a imagem refletida 
fosse a sua própria! Fisiologicamente, sobram razões para que uma 
extensão de nós mesmos nos mergulhe num estado de 
entorpecimento. Pesquisas médicas, como as de Hans Selye e 
Adolphe Jonas sustentam que todas as extensões de nós mesmos, 
na doença ou na saúde, não são senão tentativas de manter o 
equilíbrio. Encaram essa extensão como “auto-amputação” e acham 
que o dispositivo da estratégia ou da força auto-amputativa é 
acionado pelo organismo toda vez que a energia perceptiva não 
consegue localizar ou evitar a causa da irritação. Na linguagem 
corrente, possuímos várias expressões que se referem a essa auto-
amputação que nos é imposta pelas mais variadas pressões. Entre 
elas: “Não caber em si de contente”, “Estar fora de si”, “Estar 
baratinado”, “Nem piscou”, “Falta-lhe um parafuso”, “Ficar possesso”. 
E muitas vezes criamos situações artificiais que imitam as irritações 
e pressões da vida real, sob condições controladas (esporte e jogo). 
Embora não estivesse na intenção de Jonas e Selye fornecer uma 
explicação para a invenção e a tecnologia humanas, o certo é que 
nos deram uma teoria da doença que chega a explicar por que o 
homem é impelido a prolongar várias partes de seu corpo, numa 
espécie de auto-amputação. Sob pressão de hiperestímulos físicos 
da mais vária espécie, o sistema nervoso central reage para 
proteger-se, numa estratégia de amputação ou isolamento do órgão, 
sentido ou função atingida. Assim, o estímulo para uma nova 
invenção é a pressão exercida pela aceleração do ritmo e do 
aumento de carga. No caso da roda como extensão do pé, por 
exemplo, a pressão das novas cargas resultantes da aceleração das 
trocas por meios escritos e monetários criou as condições para a 
extensão ou “amputação” daquela função corporal. Em 
compensação, a roda, como contra-irritante das cargas crescentes, 
resultou em nova intensidade de ação pela amplificação de uma 
função separada ou isolada (o pé em rotação). O sistema nervoso 
soPág 60 mente suporta uma tal amplificação através do 
embotamento ou do bloqueio da percepção. A imagem refletida do 
moço é uma auto-amputação ou extensão provocada por pressões 
irritantes. Como contra-irritante, a imagem provoca um 
entorpecimento ou choque generalizado que obstrui o 
reconhecimento. A auto-amputação impossibilita o auto-
reconhecimento. O princípio da auto-amputação como alívio imediato 
para a pressão exercida sobre o sistema nervoso central 
prontamente se aplica à origem dos meios de comunicação, desde a 
fala até o computador. Fisiologicamente, o sistema nervoso central, 
essa rede elétrica que coordena os diversos meios de nossos 
sentidos. desempenha o papel principal. Tudo o que ameaça a sua 
função deve ser contido, localizado ou cortado, mesmo ao preço da 
extração total do órgão ofendido. A função do corpo, entendido como 
um grupo de órgãos de proteção e sustentação do sistema nervoso 
central é a de atuar como amortecedor contra súbitas variações do 
estímulo no âmbito físico e social. Um fracasso ou um vexame social 
é um choque de que muitos se “ressentem” ou que pode causar 
distúrbios musculares generalizados, sinal de que a pessoa deve 
subtrair-se à situação ameaçadora. A terapêutica física ou social é 
um contra-irritante que colabora para o equilíbrio dos órgãos físicos 
que protegem o sistema nervoso central. Enquanto o prazer é um 
contra-irritante (esportes, diversões, álcool), o conforto é a extirpação 
dos irritantes. Tanto o prazer como o conforto são estratégias de 
equilíbrio para o sistema nervoso central. Com o advento da 
tecnologia elétrica, o homem prolongou. ou projetou para fora de si 
mesmo, um modelo vivo do próprio sistema nervoso central. Nesta 
medida, trata-se de um desenvolvimento que sugere uma auto-
amputação desesperada e suicida, como se o sistema nervoso 
central não mais pudesse contar com os órgãos do corpo para a 
função de amortecedores de proteção contra as pedras e flechas do 
mecanismo adverso. Pode muito bem dar-se que as sucessivas 
mecanizações dos vários órgãos físicos, desde Pág 61 a invenção 
da imprensa, se tenha constituído numa experiência social por 
demais violenta e exacerbada para o sistema nervoso central. E ao 
falar da única causa plausível para um tal desenvolvimento, voltamos 
ao tema de Narciso. Se Narciso se hipnotiza pela sua própria imagem 
auto-amputada, há uma boa razão para o hipnotismo. Há um íntimo 
paralelo de reações entre as estruturas dos choques ou traumas 
físicos e mentais. Uma pessoa que subitamente perde seus entes 
queridos e uma que cai de uma altura de poucos metros apresentam 
ambas sintomas de estado de choque. A perda da família e a queda 
física são casos extremos de amputação do próprio ser. O choque 
produz um embotamento generalizado ou uma sensibilização do 
limiar da percepção. A vítima parece imune à dor e a outros 
estímulos. O choque de guerra criado pelo barulho violento foi 
adaptado à Odontologia mediante o dispositivo conhecido como 
audiac. O paciente coloca o aparelho de escuta e vai aumentando o 
volume do ruído até o ponto em que não mais sente a dor do motor. 
A seleção de um único sentido para estimulação intensa, ou, em 
tecnologia, de um único sentido “amputado”, prolongado ou isolado, 
é a razão parcial do efeito de entorpecimento que a tecnologia como 
tal exerce sobre seus produtores e consumidores. Pois o sistema 
nervoso central arregimenta uma reação de embotamento geral ao 
desafio de uma irritação localizada. A pessoa que sofre uma queda 
apresenta uma espécie de imunidade à dor ou aos estímulos 
sensórios porque o sistema nervoso central tem de se proteger 
contra os golpes violentos das sensações. Somente aos poucos o 
indivíduo reconquista sua sensibilidade normal à visão e ao som, 
momento em que pode começar a tremer e transpirar, como o teria 
feito se o sistema nervoso central estivesse preparado previamente 
para a queda que ocorreu inesperadamente. Dependendo de que 
sentido ou faculdade é prolongado tecnologicamente, ou “auto-
amputado”, o “fechamento” ou a busca de equilíbrio pelos demais 
sentidos é facilmente previsto. Ocorre com os sentidos o mesmo que 
ocorre comPág 62 a cor. A sensação se manifesta sempre na base 
de 100%, e a cor é sempre 100% cor, mas a relação entre os 
componentes da sensação ou da cor pode variar infinitamente. 
Entretanto, se o som, por exemplo, for intensificado, tato, paladar e 
visão serão afetados imediatamente. O efeito do rádio sobre o 
homem letrado ou visual foi o de reavivar suas memórias tribais, e o 
efeito do som acrescido ao cinema foi o de reduzir o papel da mímica, 
do tato e da cinestesia. Igualmente, quando o homem nômade se 
voltou para os meios sedentários e especializados, os sentidos 
também se especializaram. O desenvolvimento da escrita e da 
organização visual da vida possibilitou a descoberta do 
individualismo, da introspecção e assim por diante. Qualquer 
invenção ou tecnologia é uma extensão ou auto-amputação de nosso 
corpo, e essa extensão exige novas relações e equilíbrios entre os 
demais órgãos e extensões do corpo. Assim, não há meio de 
recusarmo-nos a ceder às novas relações sensórias ou ao 
“fechamento” de sentidos provocado pela imagem da televisão. Mas 
o efeito do ingresso da imagem da televisão variará de cultura a 
cultura, dependente das relações sensórias existentes em cada 
cultura. Na Europa tátil, visual, a TV intensificou o sentido visual, 
forçando-a em direção aos estilos americanos de acondicionamento 
e vestuário. Na América, cultura intensamente visual, a televisão 
abriu as portas da percepção audiotátil para o mundo não-visual das 
linguagens faladas, da alimentação e das artes plásticas. Como 
extensão e acelerador da vida sensória, todo meio afeta de um golpe 
o campo total dos sentidos, como já o dissera o Salmista, há muito 
tempo, no Salmo 113: Seus ídolos são prata e ouro, Obras de mão 
de homem. Têm boca e não falam; Têm ouvidos e não ouvem; Têm 
narizes e não cheiram; Têm mãos e não manejam; Têm pés e não 
caminham, Nem falam pelas suas gargantas. Quem os fez será como 
eles, Como eles todos os que neles confiam. Pág 63 O conceito de 
“ídolo”, para o Salmista hebreu, é muito semelhante ao de Narciso 
para o fazedor de mitos grego. E o Salmista insiste em que a 
contemplação dos ídolos. ou o uso da tecnologia, conforma os 
homens a eles: “Quem os fez será como eles.” Este é simplesmente 
um caso de privação ou “fechamento” de sentidos. O poeta Blake 
desenvolveu a idéia do Salmista numa teoria completa da 
comunicação e da mudança social. Em seu longo poema Jerusalém, 
ele explica por que os homens se tomaram naquilo que 
contemplaram. O que acontece, diz Blake, é que “o espectro da Força 
da Razão do Homem” tomou-se fragmentário, “separado da 
Imaginação e fechado em si mesmo como em aço”. Numa palavra, 
Blake vê o homem como que fracionado por suas tecnologias. Mas 
ele insiste em que essas tecnologias são auto-amputações de seus 
próprios órgãos. Quando amputado, cada órgão se torna um sistema 
fechado de nova e grande intensidade, que lança o homem “nos 
martírios e nas guerras”. Além disso. Blake anuncia que o seu tema, 
em Jerusalém, é o tema dos órgãos da percepção: Se os Órgãos 
Perceptivos se alteram, os Objetos de Percepção perecem alterarse; 
Se os Órgãos Perceptivos se fecham, seus Objetos também parecem 
fechar-se. Contemplar, utilizar ou perceber uma extensão de nós 
mesmos sob forma tecnológica implica necessariamente em adotá-
la. Ouvir rádio ou ler uma página impressa é aceitar essas extensões 
de nós mesmos e sofrer o “fechamento” ou o deslocamento da 
percepção, que automaticamente se segue. É a contínua adoção de 
nossa própria tecnologia no uso diário que nos coloca no papel de 
Narciso da consciência e do adormecimento subliminar em relação 
as imagens de nós mesmos. Incorporando continuamente 
tecnologias, relacionamo-nos a elas como servomecanismos. Eis por 
que, para utilizar esses objetos-extensões-de-nós-mesmos. 
devemos servi-los, como a ídolos ou religiões menores. Um índio é 
um servomecanismo de sua canoa, como o vaqueiro de seu cavalo 
e um executivo de seu relógio. Pág 64 Fisiologicamente, no uso 
normal da tecnologia (ou seja, de seu corpo em extensão vária), o 
homem é perpetuamente modificado por ela, mas em compensação 
sempre encontra novos meios de modificá-la. É como se o homem 
se tornasse o órgão sexual do mundo da máquina, como a abelha do 
mundo das plantas, fecundando-o e permitindo o evolver de formas 
sempre novas. O mundo da máquina corresponde ao amor do 
homem atendendo a suas vontades e desejos, ou seja, provendo-o 
de riqueza. Um dos méritos da pesquisa motivacional foi o da 
revelação da relação entre o Sexo e o carro. Socialmente, a 
acumulação de pressões e irritações grupais conduz à invenção e à 
inovação como contra-irritantes. A guerra e o temor da guerra sempre 
foram considerados os maiores incentivos à extensão tecnológica de 
nossos corpos. Lewis Mumford, em sua The City in History (“A Cidade 
na História”), chega mesmo a considerar a cidade murada como uma 
extensão da pele, a mesmo título da habitação e do vestuário. Mais 
ainda do que a preparação para a guerra, o período que sucede a 
invasão é um período tecnologicamente rico, porque a cultura tem de 
readaptar todas as suas relações sensórias para acomodar-se ao 
impacto da cultura invasora. Nesse intensivo e híbrido intercâmbio e 
luta de idéias e de formas é que são liberadas as maiores energias 
sociais, das quais nascem as mais avançadas tecnologias. 
Buckminster Fuller estima que desde 1910 os governos já gastaram 
três trilhões e meio de dólares em aviões. Isto corresponde a 63 
vezes os depósitos de ouro existentes no mundo. O princípio do 
embotamento vem à tona com a tecnologia elétrica, ou com qualquer 
outra. Temos de entorpecer nosso sistema nervoso central quando 
ele é exposto e projetado para fora: caso contrário, perecemos. A 
idade da angústia e dos meios elétricos é também a idade da 
inconsciência e da apatia. Em compensação, e surpreendentemente. 
é também a idade da consciência do inconsciente. Com nosso 
sistema nervoso central estrategicamente entorpecido, as tarefas da 
consciência e da organização são transferidas Pág 65 para a vida 
física do homem, de modo que. pela primeira vez, ele se tomou 
consciente do fato de que a tecnologia é uma extensão de nosso 
corpo físico. Aparentemente, isto não podia ter acontecido antes da 
era da eletricidade, que nos forneceu os meios da consciência 
imediata do campo total. Com essa consciência, a vida subliminar, 
privada e social, foi desvendada por completo, daí resultando que a 
“consciência social” nos é apresentada como a causa dos 
sentimentos de culpa. O existencialismo nos oferece uma filosofia de 
estruturas mais do que de categorias, e de envolvimento social total, 
em lugar do espírito burguês do isolamento individual e do ponto de 
vista. Na era da eletricidade, usamos toda a Humanidade como 
nossa pele.

Outros materiais