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de Filadélfia. Sua concepção otimista do homem, sua convicção de que o mundo deve ser governado pelo homem comum exerceram enorme influência nos Estados Unidos e em todos os países da América. O estudante brasileiro José Joaquim da Maia foi visitar Jefferson, quando ministro em França, para solicitar seu apoio à causa da libertação do Brasil. Desde então Jefferson se interessou especialmente pela Independência do Brasil e talvez venha dessa inclinação favorável do patriarca americano a posição que ele assumiu, desde o princípio, sobre o destino da América. A América deveria, no entender de Jefferson, adotar duas máximas fundamentais: não se imiscuir nas querelas da Europa nem suportar intervenção europeia nos negócios deste lado do Atlântico. Sustentava ademais que o continente americano tinha 67 Nicholas Murray. Los Constructores de los Estados Unidos, Habana, 1933, cap. IV. 138 História da política exterior do Brasil Renato Mendonça de ser um refúgio seguro para o espírito liberal e ao mesmo tempo, um terreno inóspito para o despotismo e a intolerância. Em sua essência, não foi outra a origem da doutrina de Monroe, que colocava as nações jovens da América sob o patrocínio moral de um irmão maior, os Estados Unidos. A doutrina de Monroe dirigiu-se em 1823 principalmente contra os planos de reconquista traçados pela Santa Aliança. Era uma advertência taxativa dirigida à Espanha, França, Rússia e Áustria. Por isso, o Império do Brasil, constituído a 7 de setembro de 1822, não vacilou em dar seu apoio imediato à famosa e debatida declaração internacional. Um mês depois de instituída, já a doutrina de Monroe recebia a adesão do Império, em princípios de 182468. Monroe antes de tomar essa resolução transcendental consultou com Madison e com Jefferson. E fato pouco conhecido – que merece o destaque devido – a doutrina de Monroe só foi aprovada pelos estadistas ouvidos a respeito, depois que Canning, o Ministro do Exterior inglês, assegurou ao ministro americano, Richard Rush, que a Grã-Bretanha e sua esquadra sustentariam os Estados Unidos. A doutrina de Monroe resultou assim de um pacto com Inglaterra, cujo interesse comercial pelas nações latino-americanas chocava com os pontos de vistas retrógrados da Santa Aliança. O liberalismo de Jefferson e Madison escudava-se no comercialismo britânico, cujos veleiros mercantes começavam a inflar os panos, de tanta prosperidade. É certo que esse entendimento com a Inglaterra de Canning, básico na manutenção e prestígio da doutrina de Monroe, nunca 68 O. Lima. Aspectos da História e da Cultura do Brasil, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1923, p. 90. 139 As ideias liberais na América e a Santa Aliança. O reconhecimento do Império pelos Estados Unidos da América foi confessado publicamente e ainda hoje muitos americanos ignoram a história inteira69. Como John Quincy Adams assinalou, naquela época a potência naval dos Estados Unidos era para a da Grã-Bretanha “as a cockboat in the wake of the British man-of-war”. Os países da América Latina conheciam a realidade e por isso sempre buscaram o apoio da Inglaterra, cuja força estava mais consolidada que nunca oito anos depois da derrota de Napoleão em Waterloo70. O Brasil como os demais países da América do Sul muito devem de sua integridade territorial e soberania nacional àquela polícia efetiva dos mares pela esquadra britânica. Sem isto, Monroe e sua doutrina não passariam então de um gesto de vago protecionismo, incapaz de evitar aventuras internacionais como a que ocorreu depois no México com Maximiliano. O Continente estava, porém, maduro para a Independência e os Estados Unidos reconheceram em 1822 as nações hispano- -americanas. O reconhecimento do Brasil pelos Estados Unidos não seria, pois, difícil diante dos precedentes. Se há um alimento seguro para o nacionalismo, é o estudo das condições em que um grupo social deixa de ser um aglomerado de populações, para transformar-se numa unidade política. E um dos favores externos mais importantes da constituição dessa unidade política é justamente o seu reconhecimento pelas outras unidades já existentes. 69 Walter Lippmann. U. S. Foreign Policy, Little, Brown and Company, Boston 1943, p. 18. 70 A esse respeito vale a pena aduzir o conceito de J. F. Normano: “A história da América do Sul é inseparável da Inglaterra; a história da dívida pública da América do Sul constitui um capítulo da história econômica britânica”. Particularmente o Brasil foi por largo tempo um membro não oficial do Império econômico da Grã-Bretanha. Ver Evolução Econômica do Brasil, São Paulo, 1939, pp. XXI e 197. 140 História da política exterior do Brasil Renato Mendonça O reconhecimento do Brasil nem sempre foi coisa tão fácil como por parte dos Estados Unidos. A Espanha, sobretudo, desgastou a paciência do nosso enviado especial. Portugal só se conformou com a perda da Colônia depois de desvanecidas as últimas esperanças e de entrar nas libras inglesas oferecidas por Pedro I. A Inglaterra, até a vinda de Canning para o Foreign Office, ouviu apenas os seus interesses imediatos. E foi mais a perspectiva de um bom mercado, o que levou os negociantes insulares a reconhecerem a independência do Brasil. Os Estados Unidos, pelo contrário, desde cedo revelaram seu interesse pelos povos do continente, hipotecando-lhe nas ocasiões oportunas as maiores demonstrações de simpatia e solidariedade. Examinando a posição dos Estados Unidos em face dos países americanos, Hildebrando Accioly mostra como o governo daquela república, desde 1809, indagava de seus representantes no Rio e em Buenos Aires, a respeito de “todos os fatos ocorridos na América Espanhola, que possam ter resultado da atual luta na Espanha”71. E apesar de republicano, insistia que “qualquer que possa ser, afinal, a forma de governo ali estabelecida, a nossa política está em harmonia com ela”. Duas causas, todavia, perturbaram a política exterior norte- -americana orientada por Monroe. Primeiro, a guerra com a Grã-Bretanha, que durou de 1812 até princípios de 1815. Depois, a formação territorial que desejava alcançar o limite natural da Flórida, em mãos ainda da Espanha. 71 O Reconhecimento do Brasil pelos Estados Unidos da América, Rio, 1936. 141 As ideias liberais na América e a Santa Aliança. O reconhecimento do Império pelos Estados Unidos da América E realmente a incorporação da Flórida consumiu muito tempo, pois a Espanha se servia daquela península como arma política contra a nação yankee. Mesmo concluído o tratado da cessão territorial a 22 de fevereiro de 1819, o governo espanhol levou ainda dois anos para ratificá-lo. Até então, os Estados Unidos nada de positivo poderiam fazer pelas antigas colônias espanholas, muitas já independentes há alguns anos. A posse da Flórida foi assim o alívio definitivo. Monroe, de Secretário de Estado, passa a Presidente da República e tem o ensejo feliz de propor ao Congresso em mensagem de 3 de dezembro de 1821, o reconhecimento das colônias espanholas, autônomas sob um governo de fato. Uma vez aprovado o reconhecimento, foram designados agentes diplomáticos para as novas repúblicas do México, Colômbia, Buenos Aires, Peru e Chile. Firmado o precedente, o Brasil navegaria nas mesmas águas. Antônio Gonçalves da Cruz, nomeado para ser o primeiro representante oficial do Brasil independente, não chega a assumir as funções nos Estados Unidos. Moço rico, entrado no serviço diplomático sem passar pela Secretaria de Estado, Gonçalves da Cruz não sabia que para ser Cônsul se tornava indispensável uma Carta Patente. Por isso o governo norte-americano nunca lhe concedeu exequatur. Gonçalves da Cruz permaneceu apenas em caráter oficioso, mandando informes