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Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 1 Hermenêutica constitucional: comparação das teorias de Konrad Hesse e Friedrich Müller. Marco Túlio Reis Magalhães Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília – UnB Sumário: 1 Introdução – 2 A concretização na visão/concepção de Friedrich Muller - 3 A concretização na visão/concepção de Konrad Hesse - 4 Conclusões - 5 Referências bibliográficas 1 Introdução O momento constitucional brasileiro está a exigir reflexões, pois comunga com a perplexidade que assola o constitucionalismo mundial: qual o caminho do constitucionalismo e da teoria constitucional para este século XXI? No mundo, o constitucionalismo tem gerado um duplo sentimento: satisfação pela sofisticação que adquiriu a teoria constitucional nas últimas décadas, mas por outro lado, angústia, em face da latente ameaça que o modelo tradicional de Constituição, concebido para o Estado-nação,(1) vem sofrendo. A idéia de território livre, em virtude da formação de blocos econômicos transnacionais, tem como principal conseqüência o enfraquecimento do modelo tradicional de constitucionalismo.(2) Exemplo de tal fenômeno é a atual polêmica que circunscreve o interesse da União Européia em se adotar uma constituição única, dado que importantes países integrantes (França e Holanda) rejeitaram a idéia na primeira tentativa de tal mister. Nesse contexto, surge como paradigma metodológico intransponível a necessidade de estabelecimento de critérios razoavelmente claros para uma hermenêutica constitucional(3) adequada à realidade constitucional instaurada no Brasil a partir de 1988, privilegiando o desenvolvimento de métodos específicos para concretizar os comandos normativos contidos na Constituição de 1988, os quais levem em consideração a história de nosso país e sua inserção no cenário mundial. Para tanto, a análise e a comparação das modernas teorias metodológicas desenvolvidas por Konrad Hesse e Friedrich Müller na Alemanha, principalmente a partir da segunda metade do século XX, parecem servir de contribuição para a discussão acima contextualizada, na busca de otimização do desenvolvimento constitucional brasileiro quanto à concretização de normas constitucionais, pois tais teorias surgiram em face da necessidade de uma nova perspectiva hermenêutica na Europa, no que tange à questão da interpretação constitucional,(4) necessidade esta semelhante à realidade presente em nossa realidade constitucional vigente. Ressalta Paulo Bonavides em que contexto(5) estes autores estão inseridos: Os constitucionalistas do Estado social, nomeadamente Kriele, Hesse, Häberle, Horst Ehmke e Friedrich Müller, valeram-se da metodologia tópica para restaurar o prestígio da hermenêutica jurídica no Direito Constitucional. Emanciparam-na da servidão à metodologia clássica de Savigny, nascida de inspirações jusprivatistas. Os velhos métodos trasladados ao Direito Público tiveram duvidosos efeitos em sua aplicação desde Artigos Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 2 que o Estado de moldes liberais do século XIX tomou configuração definitivamente social. Com as mudanças e transformações operadas em quase todos os institutos jurídicos, difícil se tornou para a metodologia de bases jusprivatistas conciliar o Direito com a Sociedade, a Constituição com a realidade, a norma com o fato.(6) Nesse sentido, a compreensão, comparação e sistematização de seus métodos de concretização de normas constitucionais podem contribuir na verificação de sua aplicabilidade à jurisdição constitucional(7) brasileira e sua contribuição na viabilização de uma hermenêutica constitucional(8) voltada à realidade pátria, que gere maiores ganhos objetivos na concretização de direitos fundamentais.(9) Suas concepções teóricas ensejam grandes reflexões no constitucionalismo moderno e mostram-se essenciais contribuições para o debate de um novo estágio do constitucionalismo moderno brasileiro na busca por modelos hermenêuticos(10) adequados para o nosso modelo de Constituição.(11) Portanto, mais do que buscar exaurir todas as definições e conceitos teóricos de ambas as teorias, intenta-se aqui a apresentação de pontos de vista comuns e divergentes entre elas, bem como, posteriormente, esclarecer as vantagens e contribuições que podem trazer ao constitucionalismo brasileiro, sob o recorte teórico do entendimento da necessidade de concretização de normas constitucionais. 2 A concretização na visão/concepção de Friedrich Müller É necessário entender aqui, ainda que de forma sucinta, como funciona e com base em que elementos a metódica jurídica normativo-estruturante de Müller - enquanto parte de sua Teoria Estruturante do Direito(12) - se organiza,(13) buscando esclarecer os principais pontos de destaque para a concretização das normas constitucionais.(14) Müller revela os desafios do enfoque de uma Metódica constitucional: Nesse sentido a metódica do direito constitucional encontra-se em situação especialmente precária por defrontar-se a partir do seu objeto normativo com dificuldades amplificadas, que surgem além disso também à medida que ela não pode invocar, diferentemente do Direito Civil e do Direito Penal, uma concepção global já realizada pela história da ciência. Muito mais do que o Direito Administrativo, o Direito Constitucional é o campo de trabalho de uma disciplina jovem, relativamente pouco diferenciada em termos técnicos e formais.(15) O que Müller ressalta pode ser evidenciado em diversas questões constitucionais discutidas no Brasil, diante dos desafios de se concretizar a norma constitucional, ainda mais quando estas questões são recentes no ordenamento jurídico pátrio, sobre elas a doutrina pátria pouco tenha se debruçado e a jurisprudência, em termos gerais, pouco tenha se manifestado. Nesse sentido, é inevitável concluir que não há ainda uma "concepção global" das questões postas. A percepção dos desafios de se concretizar as normas constitucionais não passa despercebida por renomados constitucionalistas modernos, como evidencia também Gomes Canotilho, ao ressaltar que: (…) se a uma teoria da constituição se pergunta, em geral, pelas condições de concretização de uma lei fundamental (debate sobre a facticidade e normatividade do direito constitucional e sobre os pressupostos da força normativa da constituição), à metódica constitucional interessa sobretudo clarificar o processo de concretização (aplicação, interpretação e controlo).(16) Para a metódica estruturante de Müller, o processo de concretização vai além da interpretação, que seria somente um dos elementos do método.(17) Esta metódica se baseia na idéia de que o processo de concretização da norma é estruturado, ou seja, existem vários Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 3 elementos de concretização a serem considerados e há uma vinculação entre eles, pois estariam sobrepostos. (18)Nesse sentido, destaca: (…) a norma jurídica apresenta-se ao olhar realista como uma estrutura composta pelo resultado da interpretação de dados lingüísticos (programa da norma) e do conjunto de dados reais conformes ao programa da norma (âmbito normativo). Nessa estrutura a instância ordenadora e a instância a ser ordenada devem ser relacionadas por razões inerentes à materialidade da questão [sachlich zusammengehören]. O texto da norma não é aqui nenhum elemento conceitual da norma jurídica, mas o dado de entrada/input mais importante do processo de concretização, ao lado do caso a ser decidido juridicamente.(19) O processo estruturante pode ter que passar por todos eles para que se chegue à decisão do caso concreto, ou por apenas alguns. Nesse sentido, busca-se clarificar o processo de decisão, tentando torná-lo mais claro e controlável. Principalmente, quando se trabalhacom normas constitucionais que, normalmente, carecem de preenchimento de sentido, conteúdo e delimitação de alcance. Assim, a idéia de concretização(20) visa evidenciar que a normatividade(21) se dá na decisão do caso concreto,(22) bem como evidencia que a norma e seu texto são distintos e que esta normatividade não reflete necessariamente o que esteja positivado, mas vai além. Segundo Müller: Essa propriedade do direito, de ter sido elaborado de forma escrita, lavrado e publicado segundo um determinado procedimento ordenado por outras normas, não é idêntica à sua qualidade de norma. Muito pelo contrário, ela é conexa a imperativos do Estado de Direito e da democracia, característicos do Estado Constitucional burguês da modernidade. Mesmo onde o direito positivo dessa espécie predominar, existe praeter constitutionem um direito constitucional consuetudinário com plena qualidade de norma. Além disso, mesmo no âmbito do direito vigente a normatividade que se manifesta em decisões práticas não está orientada lingüisticamente apenas pelo texto da norma jurídica concretizanda. A decisão é elaborada com a ajuda de materiais legais, de manuais didáticos, de comentários e estudos monográficos, de precedentes e de material de Direito Comparado, que dizer, com ajuda de numerosos textos que não são idênticos ao e transcendem o teor literal da norma.(23) Desta forma, o conceito de norma (que abrange o programa e o âmbito da norma),(24) normatividade (considerada num processo estruturado) e o texto da norma são distintos. A norma não é idêntica ao teor literal da norma.(25) O texto da norma, por sua vez, é a ponta do iceberg neste processo, ou seja, o ponto inicial da concretização. O teor literal expressa o programa da norma(26) ou a ordem da norma (mas não o é) enquanto que o âmbito da norma é o recorte da realidade social na sua estrutura básica, que o programa da norma "escolheu" para si ou em parte criou para si como seu âmbito de regulamentação (...) pode ter sido gerado (prescrições referentes a prazos, datas, prescrições de forma, regras institucionais e processuais, etc) ou não pelo direito. (27) O âmbito da norma ou domínio normativo(28) é um fator co-constitutivo da normatividade para esta teoria. Müller estrutura o processo de concretização a partir de determinados elementos, a saber: elementos metodológicos strictiore sensu (interpretações gramatical, genética, histórica e teleológica; bem como os conhecidos princípios isolados de interpretação da constituição, como o princípio da interpretação conforme a constituição, da unidade e da concordância prática), elementos do âmbito da norma (que podem ser ou não gerados pelo direito), elementos dogmáticos (jurisprudência e doutrina), elementos de teoria (ligados às próprias Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 4 teorias de direito, Estado e constituição), elementos de técnica de solução, elementos de política do direito e política constitucional. (29) Os primeiros três elementos estariam diretamente referidos a normas (o terceiro em parte), enquanto que os demais não estariam diretamente referidos a normas e teriam uma função auxiliar no processo de concretização. Desta forma, o autor busca um processo normativo vinculante, em que estes elementos devem atuar vinculadamente, de modo estrutural, em que um complementaria o outro, sempre partindo do texto como marco inicial, para se aferir o programa da norma e o seu âmbito e nesse processo recíproco, ao conjugar a aplicação destes elementos, concretizar a norma ao caso em questão. (30) Para Müller, esta metódica funciona para qualquer área onde se trabalhe com normas, pois serve como método de trabalho. Seria uma teoria geral para produção e controle de normas, enquanto método. Na verdade, Friedrich Müller quer garantir um controle racional da decisão, e esta metódica serve tanto para o direito infraconstitucional, como constitucional, seja ou não recente.(31) Entretanto, segundo ele, mostra-se mais profícua ao direito constitucional, no sentido de que ali diariamente surgem problemas novos que os métodos clássicos já não se mostram capazes de resolver sozinhos. Além disso, ressalta que a tarefa de concretização não é afeta somente aos juízes e tribunais, embora normalmente partícipes deste processo, mas envolve um conjunto de atores legitimados pela Constituição e que legitimam o processo de decisão. Nesse sentido: Não é o teor literal de uma norma (constitucional) que regulamenta um caso jurídico concreto, mas o órgão legislativo, o órgão governamental, o funcionário da administração pública, o tribunal que elaboram, publicam e fundamentam a decisão regulamentadora do caso, providenciando, quando necessário, a sua implementação fáctica – sempre conforme o fio condutor da formulação lingüística dessa norma (constitucional) e com outros meios metódicos auxiliares da concretização.(32) Por fim, vale ressaltar que a proposta da metódica estruturante, baseada no processo de concretização da norma, é trazer elementos adicionais a este processo, que de forma alguma prescindem dos métodos tradicionais de interpretação das normas, que são passos obrigatórios e que têm utilidade prática em diversos casos. Nesse sentido, ressalta Müller: A distinção entre âmbito material, âmbito da norma e programa da norma, sua diferenciação ulterior com referência à peculiaridade do caso jurídico decidendo e a operação com esses conceitos estruturais não podem assegurar decisões corretas nem substituir os recursos metódicos auxiliares tradicionais e mais recentes. Esses aspectos estruturais oferecem elementos adicionais de diferenciação metódica, de um estilo de fundamentação e exposição detalhadas. Para a metódica do direito constitucional eles comprovaram a sua necessidade como meios da jurisprudência e da análise da jurisprudência. Para o direito administrativo tais pontos de vista para conceitos normativos formais de orientação necessariamente material como "proporcionalidade", "necessidade", "adequação" etc. (para problemas de uso comum, da transformação da norma ou da transformação do objeto ["Sachwandel"]) podem ser aplicados com fecundidade na fundamentação material de conceitos de apreciação [Ermessensbegriffen] e conceitos jurídicos indeterminados e em nexos similares.(33) Portanto, Müller tenta destacar a importância da função da realidade no processo de concretização, embora deixe claro que esta permanece normativamente vinculada aos limites do programa normativo. Ele busca recuperar ou realçar a realidade social, normativamente vinculada ao caso concreto pela norma de decisão, que o positivismo tradicional deixou de considerar como importante,(34) embora não a tenha rejeitado de forma expressa.(35) Além disso, destaca o caráter dinâmico do direito, em que ordenação Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 5 jurídica e realidade ordenada estariam em contínua interação e, nesse processo normativamente estruturado, busca-se delimitar o programa e o âmbito normativos, para se chegar à norma de decisão. 3 A concretização na visão/concepção de Konrad Hesse Sempre que se fala em Konrad Hesse, logo vem à mente sua fundamental contribuição para a discussão do constitucionalismo moderno, no que se refere à formulação e fundamentação da força normativa da Constituição,(36) em contraposição(37) à concepção de Constituição formulada por Ferdinand Lassalle,(38) "concepção esta mecanicista das relações entre a Constituição e as forças sociais."(39) Eis a questão central colocada por Hesse a respeito desta força normativa: A questão que se apresenta diz respeito à força normativa da Constituição. Existiria, ao lado do poder determinante das relações fáticas, expressas pelas forças políticas e sociais, também uma força determinante do Direito Constitucional?Qual o fundamento e o alcance dessa força do Direito Constitucional? Não seria essa força uma ficção necessária para o constitucionalista, que tenta criar a suposição de que o direito domina a vida do Estado, quando, na realidade, outras forças mostram-se determinantes? Essas questões surgem particularmente no âmbito da Constituição, uma vez que aqui inexiste, ao contrário do que ocorre em outras esferas da ordem jurídica, uma garantia externa para a execução de seus preceitos.(40) Para dar conta destas indagações, Hesse indica três proposições para a análise da questão e para a busca de uma resposta fundamentada, a saber: a presença de um condicionamento recíproco(41) existente entre a Constituição e a realidade político-social; a identificação dos limites e das possibilidades de atuação da Constituição Jurídica e o atendimento dos pressupostos para a eficácia da Constituição. Quanto ao condicionamento recíproco, destaca Hesse que: O significado da ordenação jurídica na realidade e em face dela somente pode ser apreciado se ambas – ordenação e realidade – forem consideradas em sua relação, em seu inseparável contexto, e no seu condicionamento recíproco. Uma análise isolada, unilateral, que leve em conta apenas um ou outro aspecto, não se afigura em condições de fornecer resposta adequada à questão. (…) A radical separação, no plano constitucional, entre realidade e norma, entre ser (Sein) e dever ser (Sollen) não leva a qualquer avanço na nossa indagação. (42) Hesse realça a necessidade de superação de um isolamento entre norma e realidade, presente no pensamento constitucional do passado recente,(43) "como se constata tanto no positivismo jurídico de Escola de Paul Laband e Georg Jellinek, quanto no "positivismo sociológico" de Carl Schmitt." (44) Nesse sentido, Hesse entende que a Constituição necessita de existência vinculada à realidade, quer dizer, deve estar numa constante referência(45) às condições históricas e naturais de cada situação concreta, embora não possa extrapolá-las. Segundo ele, a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade. Essa pretensão de eficácia (Geltungsanspruch) não pode ser separada das condições históricas de sua realização, que estão, de diferentes formas, numa relação de interdependência, criando regras próprias que não podem ser desconsideradas. (…) Mas, - esse aspecto é decisivo – a pretensão de eficácia de uma norma constitucional não se confunde com as condições de sua realização; a pretensão de eficácia associa-se a essas condições como elemento autônomo. (…) Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. (…) A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia.(46) Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 6 Em seguida, ao analisar os limites e possibilidades de realização da Constituição Jurídica,(47) que se refere à Constituição escrita, afirma que ela não é capaz de por si só realizar nada, mas pode impor tarefas, ou seja, "transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, (…) se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem."(48) Nesse sentido, ele destaca que esta transformação em força ativa estaria a depender da presença não só na consciência geral, mas principalmente na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional, não só da vontade de poder, mas também da vontade de Constituição.(49) Portanto, Hesse entende que a realização da Constituição importa na capacidade de se operar "na vida política, nas circunstâncias da situação histórica e, especialmente, na vontade de Constituição".(50) Arremata o catedrático de Friburgo: Essa vontade de Constituição origina-se de três vertentes diversas. Baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. Reside, igualmente, na compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos (e que, por isso, necessita de estar em constante processo de legitimação). Assenta-se, também, na consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana. Essa ordem adquire e mantém sua vigência através de atos de vontade. (…) A força que constitui a essência e a eficácia da Constituição reside na natureza das coisas, impulsionando-a, conduzindo-a e transformando-se, assim, em força ativa. Como demonstrado, daí decorrem os seus limites. Daí resultam também os pressupostos que permitem a Constituição desenvolver de forma ótima a sua força normativa.(51) Já os pressupostos para a eficácia e atuação ótima da Constituição referem-se tanto ao conteúdo dela quanto à práxis constitucional. Nesse sentido, em relação ao conteúdo, quanto mais a Constituição lograr corresponder à natureza singular do presente, mais seguro será o desenvolvimento da força normativa. Mais do que isto, como seu requisito essencial, esta força deve levar em conta não só os elementos políticos, sociais, econômicos dominantes, mas também deve incorporar "o estado espiritual(52) (geistige Situation) de seu tempo." (53) A Constituição deve estar apta a se adequar a eventuais mudanças desses elementos condicionantes, ou seja, deve ter mecanismos que viabilizem esta adequação; "deve limitar- se, se possível, ao estabelecimento de alguns poucos princípios(54) fundamentais,(55) cujo conteúdo específico, ainda que apresente características novas em virtude das céleres mudanças na realidade sócio-política, mostre-se em condições de ser desenvolvido."(56) Ele informa também a importância destes princípios para a interpretação dos direitos fundamentais, principalmente pelo Tribunal Constitucional Alemão.(57) Ademais, a Constituição não deve se fundar numa estrutura unilateral. Nesse sentido, destaca Hesse que: Se pretende preservar a força normativa dos seus princípios fundamentais, deve ela incorporar, mediante meticulosa ponderação, parte da estrutura contrária. Direitos fundamentais não podem existir sem os deveres, a divisão de poderes há de pressupor a possibilidade de concentração de poder, o federalismo não pode subsistir sem uma certa dose de unitarismo. Se a Constituição tentasse concretizar um desses princípios de forma absolutamente pura, ter-se-ia de constatar, inevitavelmente – no mais tardar em momento de acentuada crise – que ela ultrapassou os limites de sua força normativa. A realidade haveria de pôr termo à sua normatividade; os princípios que ela buscava concretizar estariam irremediavelmente derrogados.(58) Quanto aos pressupostos de eficácia ótima da força normativa da Constituição relacionados à práxis constitucional, destaca Hesse inicialmente que todos os partícipes da vida Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 7 constitucional devem congregar daquela vontade de Constituição (preservação da Constituição). Além disso, deve-se evitar o recurso reiterado à revisão constitucional (reforma constitucional), tanto por abalar a confiança no valor inquebrantável da Constituição, quanto por dar-se, efetiva ou aparentemente, mais valor aos elementos fáticos do que à ordem normativa vigente. Por último e com maior interesse a este estudo, apresenta-se como fator fundamental e decisivo para o fortalecimento da força normativa a interpretação constitucional.(59) Ela está "submetida ao princípio da ótima concretização da norma (Gebot optimaler Verwirklichung der Norm). Evidentemente, esse princípio de ótimaconcretização da norma não pode ser aplicado com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e pela construção conceitual."(60) Hesse entende que a interpretação da Constituição, por estar condicionada a fatos concretos da vida, não pode ignorá-los. Quanto à interpretação e a necessidade de concretização constitucional, destaca Hesse: A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação. Em outras palavras, uma mudança das relações fáticas pode – ou deve – provocar mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo tempo, o sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação e, por conseguinte, o limite de qualquer mutação normativa. A finalidade (Telos) de uma proposição constitucional e sua nítida vontade normativa não devem ser sacrificadas em virtude de uma mudança da situação. (…) Uma interpretação construtiva é sempre possível e necessária dentro desses limites. A dinâmica existente na interpretação construtiva constitui condição fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade. Caso ela venha a faltar, torna-se inevitável, cedo ou tarde, a ruptura da situação jurídica vigente.(61) Portanto, Hesse atribui à interpretação constitucional, submetida ao princípio da ótima concretização,(62) papel fundamental para a eficácia da força normativa. Em outras palavras, "atribui-se ao Direito Constitucional a tarefa de concretização(63) da força normativa da Constituição, sobretudo porque esta não está assegurada de plano."(64) Segundo ele: Interpretação constitucional é concretização. Exatamente aquilo que, como conteúdo da Constituição, ainda não é unívoco deve ser determinado sob a inclusão da "realidade" a ser ordenada. Nesse aspecto, interpretação jurídica tem caráter criador: o conteúdo da norma interpretada conclui-se primeiro na interpretação, naturalmente, ela tem também somente nesse aspecto caráter criador; a atividade interpretativa permanece vinculada à norma. (65) Condição necessária para esta interpretação é a pré-compreensão,(66) pois para Hesse "concretização pressupõe um "entendimento" do conteúdo da norma a ser concretizada. Esse não se deixa desatar da "(pré)-compreensão"(67) do intérprete e do problema concreto a ser resolvido, cada vez," dado que o intérprete "não pode compreender o conteúdo da norma de um ponto situado fora da existência histórica, por assim dizer, arquimédico (grifei), senão somente na situação histórica concreta, na qual ele se encontra."(68) Nesse sentido, ao comentar sobre os elementos/condições de possibilidade à concretização normativo constitucional da teoria de Hesse, destaca Kelly Silva o seguinte: Não basta decidir por apresentar uma decisão, em princípio, porque não há método de interpretação autônomo separado dos fatores de uma realidade histórica concreta. Diante disso. K. Hesse considera como elementos ou condições necessárias à realização da concretização normativo-constitucional conceitos chave da hermenêutica ontológica (M. Heidegger) e da hermenêutica filosófica (H. G. Gadamer). Constituem condições de possibilidade para isso, portanto, em primeiro lugar, a Vorverständnis (pré-compreensão) (M. Heidegger) do intérprete (…). Em segundo lugar, a consciência histórica e/ou hermenêutica (H. G. Gadamer), pois somente quando o intérprete possui uma consciência Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 8 histórica pode livrar-se do Vorurteil, Vorhabe, Vorgriff (prejuízo, ter-prévio e preconceito) e olhar as coisas mesmas (K. Hesse), e decidir conforme a natureza das coisas (Fr. Müller), não de acordo com o arbítrio e a estreiteza dos hábitos de pensar. A tarefa de uma Vorverständnis (pré-compreensão), em vista disso, segundo K. Hesse, cabe à Teoria da Constituição, que não é discricional se obtida com vista à ordem constitucional concreta e, contínuo dar e tomar, confirmada e corrigida pela prática do caso concreto – o que, segundo Fr. Müller, ocasiona uma divisão do trabalho entre Teoria da Constituição e Metodologia. Em terceiro lugar, um entendimento ou uma compreensão somente é possível com vista a um problema concreto (situação hermenêutica) (…). (69) Além disso, Hesse também entende que as regras tradicionais de interpretação não podem ser tomadas mais como suficientes, embora ainda necessárias, principalmente no direito constitucional. Destaca Hesse: As "regras de interpretação tradicionais", das quais o Tribunal Constitucional Federal expressamente se declara partidário, dão, com isso, somente explicação limitada sobre a maneira na qual o tribunal chega às suas decisões. (…) A restrição às "regras de interpretação tradicional" não compreende o objetivo da interpretação constitucional; ela deixa a estrutura interna e as limitações do procedimento de interpretação, em grande medida, de lado e pode, por conseguinte, também só limitadamente vencer a tarefa de interpretação exata segundo princípios firmes. Se a prática, diante daquelas regras, efetua uma recorrência à interpretação vinculada à matéria e ao problema, então isso não é acaso, senão expressão e conseqüência justamente dessa situação de fato. Tanto mais necessário é naturalmente prestar-se contas sobre a própria atividade, não postular um procedimento de formação da sentença que não se deixa observar, senão seguir as condições, possibilidades e limites reais da interpretação constitucional.(70) Hesse destaca quanto ao procedimento de concretização de normas constitucionais que este deve "ser determinado pelo objeto da interpretação, pela Constituição e pelo problema respectivo."(71) Isto porque não deve haver método que desconsidere estes três aspectos, mas deve sempre estar a eles vinculados, como também à "(pré)-compreensão". Se "a Constituição, como mostrado, não contém um sistema concluído e uniforme, lógico- axiomático ou hierárquico de valores – e a interpretação de suas normas não só pode estar na assimilação de algo determinado,"(72) requer-se, pois, um procedimento de concretização adequado a este entendimento.(73) Hesse, assim como Müller, entende que para a concretização constitucional é fundamental o entendimento da estrutura interna da norma, bem como a necessidade de diferenciação do texto da norma(74) da norma em si e de que a norma não tem existência autônoma e acabada, totalmente desvinculada da realidade histórica concreta, ou seja, das condições da realidade concreta que a norma deve ordenar. Assim: As particularidades, muitas vezes, já moldadas juridicamente, dessas condições formam o "âmbito da norma" que, da totalidade das realidades, afetadas por uma prescrição, do mundo social, é destacada pela ordem, sobretudo expressada no texto da norma, o "programa da norma", como parte integrante do tipo normativo. Como essas particularidades, e com elas o "âmbito da norma", estão sujeitas às alterações históricas, podem os resultados da concretização da norma modificar-se, embora o texto da norma (e, com isso, no essencial, o "programa da norma") fique idêntico. Disso resulta uma "mutação constitucional" permanente, mais ou menos considerável, que não se deixa compreender facilmente e, por causa disso, raramente fica clara.(75) 4 Conclusões Em primeiro lugar, busca-se ressaltar os pontos de convergência e/ou semelhanças entre as teorias dos autores estudados. A seguir, ressalta-se, a partir das teorias como premissa, algumas reflexões mais gerais. Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 9 Mister esclarecer aqui, para que não haja uma falsa sinalização histórica e de autoria, que Hesse assimila diversas formulações da teoria geral de Friedrich Müller, perceptível não só no estudo da força normativa da Constituição, mas tambémem seu livro "Elementos de Direito Constitucional da República Federativa da Alemanha" (Grundzüge des Verfassungsrechts). Principalmente no que tange ao tópico da interpretação constitucional como, por exemplo, no que se refere à concepção geral de concretização da norma (constitucional), à diferença entre norma e texto da norma e ao estudo da estrutura da norma – programa normativo e âmbito normativo. Esta assimilação se verifica não só pelo fato de Müller ter seu livro Normstruktur und Normativität (1966) pronto e publicado antes da primeira edição do livro de Hesse (Grundzüge des Verfassungsrechts), mas também pelo fato de Hesse citar no prefácio à primeira edição de seu livro a contribuição, dentre outros, do professor Friedrich Müller (que, inclusive, foi professor assistente de Hesse na Universidade Albert-Ludwigs, na cidade de Freiburg im Breisgau, época em que Hesse conheceu estas formulações de Müller ainda em seu manuscrito).(76) Hesse e Müller não entendem como descartáveis ou obsoletas as regras tradicionais de interpretação, que remontam a Savigny. Em verdade, partindo-se, como exemplo, do binômio necessário-suficiente, fica claro que ambos definem o papel daquelas regras como necessário – enquanto utilizados para a interpretação de dados lingüísticos (voltada para o texto normativo, onde se destaca frequentemente uma "equivocidade semântica" ou caráter não unívoco),(77) mas não mais suficiente – enquanto parte do processo de concretização normativa (constitucional), principalmente diante de uma nova postura hermenêutica voltada para o Direito Constitucional. (78) Nesse sentido, arrisca-se aqui dizer que suas teorias se mostram como tendências pós- positivistas, no sentido de que buscam resgatar exatamente aquele isolamento entre o ser e o dever-ser, entre a norma e a realidade a ser ordenada, diminuindo-se o abismo existente entre estes dois aspectos essenciais a qualquer interpretação/concretização. É de certa forma um resgate do valor que deve ser dado à realidade a ser ordenada, enquanto elemento integrante da norma. Müller dá grande destaque a esta questão em sua análise,(79) enquanto Hesse, sem perder tal constatação de vista, preocupa-se sobremaneira em garantir o equilíbrio(80) entre a "dimensão normativa" da Constituição e a "realidade fática". Em verdade, Hesse e Müller não se coadunam com as limitações impostas por uma explicação da interpretação constitucional, que parte somente de uma concepção de lógica subsuntiva ou silogística(81) (extremamente simplista)(82) ou de uma concepção meramente casuística (porque incontrolável). Estes autores propõem um terceiro caminho, que busca um caminho que não desconsidera a realidade e não acredita na possibilidade de existir uma norma pré-existente já capaz de, por si só, resolver sozinha todas as questões constitucionais. Um ponto interessante é a contribuição da Tópica para o desenvolvimento das teorias de Hesse e Müller, dado que ambos desmistificam a idéia de sistema jurídico fechado e completo, em que haja uma perfeita unidade do ordenamento jurídico. Eles estão mais interessados em destacar o pensar direcionado ao problema, normativamente vinculado, buscando destacar pontos de vista que possam, enquanto hipótese de trabalho, direcionar o processo de concretização.(83) Ao se constatar que a Tópica teve influência sobre as teorias aqui estudadas, vale ressaltar, a partir daí, como se situam tais teorias dentro do contexto histórico que surgiram e quais as suas propostas, em linhas gerais. Paulo Bonavides ressalta o seguinte sobre tal ponto: Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 10 Os intérpretes concretistas têm da Constituição normativa uma concepção diferente daquela esposada pelos adeptos de outros métodos, porquanto não consideram a Constituição um sistema hierárquico-axiológico, como os partidários da interpretação integrativa ou científico-espiritual, nem como um sistema lógico-axiomático, como os positivistas mais modernos. Ao contrário, rejeitam o emprego da idéia de sistema e unidade da Constituição normativa, aplicando um "procedimento tópico" de interpretação, que busca orientações, pontos de vista ou critérios-chaves, adotados consoante a norma e o problema a ser objeto de concretização. É uma metodologia positivista, de teor empírico e casuístico, que aplica as categorias constitucionais à solução direta dos problemas, sempre atenta a uma realidade concreta, impossível de conter-se em formalismos meramente abstratos ou explicar-se pela fundamentação lógica e clássica dos silogismos jurídicos.(84) Hesse e Müller são considerados concretistas, conforme denominação de Paulo Bonavides, tendo em vista que assumem que a norma constitucional deve ser concretizada. Desta forma, a interpretação, considerada em sentido amplo, é concretização.(85) No sentido tradicional (insuficiente para eles), a interpretação estaria vinculada a um aspecto parcial do processo de concretização, ou seja, interpretação como procedimento de apreensão do sentido trazido somente pelos dados lingüísticos constantes do texto normativo. Conforme destacado na análise das teorias em separado, Hesse e Müller partem de algumas premissas comuns, principalmente no que tange à estrutura da norma (sendo fundamental uma clara compreensão deste aspecto), à diferenciação entre texto da norma e norma, entre âmbito normativo e programa normativo, e na sua inter-relação constante no processo de concretização, o que, inclusive, influenciou posteriormente as construções teóricas de Canotilho. (86) Esta estrutura reflete um ponto fundamental na teoria de Hesse e Müller, pois evidencia exatamente a correlação necessária entre o programa normativo e o âmbito normativo, capazes de, num procedimento tópico, vinculado normativamente, alcançar a decisão para o problema do caso concreto. Na concepção de Hesse(87) é o chamado condicionamento recíproco, que reflete a necessidade de contínua inter-relação entre a realidade a ser ordenada e a ordem a ser concretizada (Constituição), entre a dimensão normativa e a dimensão fática que permeiam o processo de concretização. É a ação recíproca que, dirigindo-se ao problema, busca concretizar a norma constitucional.(88) Um ponto comum entre o entendimento de Müller e Hesse se refere à idéia de que nenhum deles concebe que a norma (constitucional) tenha existência autônoma em face da realidade, ou seja, não admitem uma norma completa e pré-acabada, capaz de solucionar todas as questões jurídicas (constitucionais). Nesse sentido, Hesse destaca que a norma se faz presente em sua vigência, enquanto Müller aponta que a norma é norma concretizada, ou seja, a norma de decisão do caso concreto. Outro ponto fundamental nas teorias estudadas diz respeito à importância dada à noção de pré-compreensão,(89) o que se mostra fundamental para o processo de concretização da norma constitucional, enfatizando a relativização das posições rígidas entre sujeito e objeto da interpretação/concretização (inexistência de um ponto arquimédico de análise), bem como demonstrando a necessidade de se manter os olhos voltados para o objeto, para a Constituição e para o problema a ser resolvido.(90) Um aspecto comum de ambas as teorias é a busca contínua na tentativa de clarificar o processo de decisão, tornando-o mais controlável, claro e capaz de ser compreendido por todos aqueles que participam do processo de decisão. Hesse e Müller(91) levam em conta que a decisão não pode ser totalmente controlável e objetiva (caráter subjetivo), mas buscam, até onde for possível, realizar tal escopo. Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 11 Em verdade, estão estes autores às voltas da questão da mutação constitucional(92) no direito constitucional alemão. Isto porque buscaram continuamente prover o direito constitucionalde recursos, para que este não venha a sucumbir simplesmente aos fatores reais de poder, ou que se veja sempre submetido às reformas constitucionais, sempre que uma nova questão surja, a fim de evitar a falta de legitimidade e o desprestígio da dimensão normativa da Constituição. (93) É diante desta questão da mutação constitucional que ambos os autores têm como característica em suas teorias o destaque à interpretação/concretização construtiva ou criadora do Direito. Nesse sentido, destacam-se teorias e métodos que buscam possibilitar uma leitura capaz não de reproduzir, mas sim de atualizar as normas constitucionais. Nesse contexto é que se evidencia este novo estágio da hermenêutica jurídica,(94) não mais contemplativa, mas sim construtiva. Passam a tentar legitimar, como outros autores no âmbito desta nova hermenêutica, a Jurisprudência (constitucional) – principalmente a partir da jurisdição constitucional(95) (nos países que a adotam) – como fonte criadora do Direito, exaltando a importância do papel dos juízes como agentes fundamentais neste processo. Devido a este último fator é que se percebe um dos motivos pelos quais Hesse e Müller passam a dedicar uma atenção especial à práxis jurídica, quer dizer, ao aspecto prático do direito, do trabalho que possibilita congregar a dimensão normativa e fática da Constituição, somente possível a partir do caso concreto, de um problema a ser resolvido. Diante destas várias ponderações acerca das teorias de Müller e Hesse, pode-se entender que hoje, a partir de tais autores, o Direito Constitucional tem buscado um novo horizonte, principalmente a partir de uma hermenêutica jurídica que seja capaz de congregar os diferentes métodos e teorias, ou seja, a partir da diversidade de pontos de vista e problemáticas em discussão. Nesse sentido é que Inocêncio Coelho destaca a necessidade de uma "postura conciliatória"(96) dos diversos instrumentos hermenêuticos voltados à realidade constitucional. Este pluralismo pode trazer contribuição fundamental e tem se refletido de forma muito perceptível no campo jurídico relacionado à interpretação/concretização, pois o intérprete tem que se manter ciente das diversas influências dos mais diversos campos do conhecimento.(97) Nesse sentido, percebe-se que a hermenêutica jurídica atual dota de certa complexidade, que deve sempre ser levada em conta na interpretação constitucional. Uma das maiores contribuições destes autores parece estar na exploração do conceito de concretização, que evidencia exatamente outros aspectos do processo interpretativo, que não somente os destacados pela hermenêutica jurídica tradicional, ou seja, elementos não diretamente relacionados ao texto normativo. A concretização de normas e princípios constitucionais parece querer dotar exatamente o direito constitucional de melhores instrumentos que habilitam o intérprete na resolução das diversas questões constitucionais diariamente surgidas da realidade histórica concreta. O papel atual fundamental da interpretação constitucional parece residir em dois enfoques distintos, a saber: na reivindicação do caráter jurídico ou normativo da interpretação, bem como na busca de respostas e fundamentação aos problemas específicos que as diversas questões constitucionais exigem. Nesse contexto, estão presentes as teorias de Hesse e Müller. Hesse quer garantir o equilíbrio entre a dimensão normativa e as condições da realidade, bem como garantir que não se mantenha uma consideração formalista da norma jurídica, que a deixe sem conteúdo e alheia à realidade. É neste segundo ponto que vai ao encontro dos anseios já externados por Müller, que preocupado com a falta de fundamentação detalhada e demonstrada do processo interpretativo na realidade alemã, quer garantir metodologicamente a demarcação dos passos a serem seguidos no processo de Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 12 concretização, de forma a tornar o processo de decisão mais claro, coerente e controlável (dentro da margem de controle possível, ou seja, fora daquele subjetivismo que não se controla). Os diversos pontos analisados pelos autores e destacados aqui servem de contribuição para a realidade constitucional brasileira contemporânea, não só porque o Brasil detém um modelo peculiar de jurisdição constitucional, mas também porque todas estas questões da hermenêutica jurídica constitucional ainda carecem de maior consciência pela maioria dos agentes ligados à interpretação jurídica, especialmente à constitucional. A formação jurídica brasileira ainda se encontra muito arraigada a um dogmatismo que isola a norma de um aspecto seu fundamental, qual seja: a realidade a ser ordenada (a função da realidade). Além disso, o modelo de subsunção e silogismo na aplicação da norma é encarado como necessário e suficiente por diversos partícipes do processo de interpretação, o que se mostra crítico no âmbito constitucional. Vê-se diariamente, com especial ênfase na interpretação constitucional, a confusão entre o texto da norma e norma e a descaracterização da importância do âmbito da norma (diferente do âmbito material), enquanto elemento normativo fundamental no processo de concretização. Portanto, o que se intentou aqui, não foi buscar exaurir os modelos estudados ou apresentar as críticas a ele formuladas, mas sim destacar os pontos de vista que certamente contribuem no desenvolvimento de um constitucionalismo e hermenêutica voltados para a realidade histórica brasileira. Mais do que isto, a intenção era apresentar trabalho que pudesse persuadir a comunidade jurídica da necessidade de uma maior reflexão e aprofundamento no estudo desta temática, visto que o Brasil tem se visto às voltas de inúmeras emendas constitucionais (reformas constitucionais) que vêm certamente gerando descréditos quanto ao fortalecimento da dimensão normativa da Constituição, sem que se apresente uma alternativa plausível para essa cultura reformista. 5 Referências bibliográficas ADEODATO, João Maurício Leitão. A concretização constitucional de Friedrich Müller. Revista da Esmape, S.l., v. 2, n. 3, p.223-232, jan/fev., 1997. BONAVIDES, Paulo. A teoria estruturante do direito e a nova hermenêutica: parecer. In: ________. Reflexões: política e direito. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 393-398. ________. Curso de Direito Constitucional. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. _______. O método concretista da Constituição aberta. 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As expressões mais típicas desse novo enfoque constitucional são justamente o reconhecimento de autonomias regionais internas de âmbito mais ou menos amplo e o expresso reconhecimento de direitos específicos de minorias. Também nesta área a "inclusividade" ("Constituição inclusiva" é o lema) tornou-se uma nova exigência do Constitucionalismo do futuro". MOREIRA, Vital. O Futuro da Constituição. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (orgs). Direito Constitucional: Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 321. (2) Afirma Vital Moreira: "Com efeito, hoje estão em curso movimentos de integração política, que implicam uma crescente partilha de poderes outrora considerados exclusivos do Estado Nacional. O processo mais avançado é notoriamente o da União Européia, em que os poderes exercidos pelas instâncias de integração abrangem poderes legislativos em muitas áreas, poderes administrativos e poderes jurisdicionais. A criação de uma moeda única européia e a perspectiva de uma política de defesa e de relações externas comuns testemunham a profundidade do movimento de integração." MOREIRA, [ nota 01], p. 329. (3) Nesse contexto, ressalta Inocêncio Coelho: "(…) quanto aos problemas ligados aos métodos e princípios da interpretação, o primeiro grande embaraço para a racionalidade hermenêutica – apesar das respeitáveis opiniões em contrário – parece residir na multiplicidade e imprecisão desses instrumentos de trabalho (…) Afinal de contas – para ficarmos apenas no âmbito das leituras da lei fundamental – o que significam, objetivamente, expressões como unidade da constituição, concordância prática, interpretação conforme, exatidão funcional ou máxima efetividade, com o que se rotulam os princípios da interpretação constitucional, se também estas locuções estão sujeitas a contradições e conflitos de interpretação? A que resultados, minimamente controláveis, se pode chegar partindo de métodos cuja esotérica denominação – hermenêutico-concretizador, científico- espiritual ou normativo-estruturante, por exemplo - mais confunde do que orienta os que adentram ao labirinto de sua utilização? Apesar ou por causa das incertezas daí decorrentes, autores existem, hoje em maioria, que enaltecem as virtudes dessa riqueza instrumental com o argumento de que, em face da extrema complexidade do trabalho hermenêutico, todo plurarismo é saudável, não se constitui obstáculo, antes colabora, de modo decisivo, para o conhecimento da verdade (…)." COELHO, Inocêncio Mártires. Racionalidade Hermenêutica: Acertos e Equívocos. In: Revista Direito Público, Ano I – n. 1, jul./ago./set. de 2003, p. 70-71. (4) Destaca Hesse: "Para o Direito Constitucional, interpretação tem importância decisiva, porque, em vista da abertura e amplitude da Constituição, problemas de interpretação nascem mais frequentemente do que em âmbitos jurídicos cujas normalizações entram mais no detalhe. Essa importância é aumentada em uma ordem constitucional com jurisdição constitucional extensamente ampliada como aquela da Lei Fundamental. Se o Tribunal Constitucional interpreta aqui a Constituição com efeito vinculativo não só para os cidadãos, mas também para os órgãos do Estado restantes, então a idéia, fundamentadora e legitimadora dessa vinculação, da vinculação de todo poder estatal à Constituição, somente então pode converter-se em realidade quando as decisões do tribunal expressam o conteúdo da Constituição – embora na interpretação do tribunal." HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 54. O interesse para o modelo brasileiro está no fato de também se ter aqui um modelo de jurisdição constitucional, com efeito vinculante, a partir da atuação do Supremo Tribunal Federal – STF. (5) Ressalta ainda João Maurício Adeodato que: "a hermenêutica jurídica atual tem partido de um debate já clássico que pode ser didaticamente resumido na dicotomia subsunção versus casuísmo. (…) Nesse contexto, aqui muito simplesmente resumido, diversos autores procuram um terceiro caminho, não tão simplista quanto a postura da École d’Éxégèse, mas Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 15 também sem tornar a interpretação incontrolável, a bel-prazer do operador jurídico. Na Alemanha, juristas como Theodor Viehweg, Robert Alexy, Peter Häberle, Konrad Hesse e Winfried Hassemer, entre muitos outros, sugerem alternativas. Também é esta a pretensão de Friedrich Müller, que diante da controvérsia aparentemente excludente entre a possibilidade de uma interpretação objetiva e a resignação diante da subjetividade, defende a tese de que a norma é produzida por um processo complexo que vai muito além daquilo que está escrito na Constituição." ADEODATO, João Maurício Leitão. A concretização constitucional de Friedrich Müller. In: Revista da Esmape, vol. 2, n. 3, jan/mar, 1997, p. 224- 225. (6) BONAVIDES, Paulo. O método concretista da Constituição Aberta. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, vol. 25, nº 1, jan./jun., 1984, p. 40. (7) Klaus Stern ressalta que: "Na Europa e especialmente na Alemanha o Poder Judiciário experimentou uma enorme valorização no decorrer do estabelecimento do Estado de Direito e da Democracia. Tornou-se – em oposição exata a Montesquieu – um autêntico poder de Estado, nomeadamente na jurisdiçãoconstitucional, que, no Brasil, contrariamente à maioria dos países europeus, não é tarefa de um tribunal constitucional autonomizado, mas do Supremo Tribunal Federal – uma construção que foi muito bem refletida e com razão não escolhida na Alemanha." STERN, Klaus. O Juiz e a Aplicação do Direito. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (orgs). Direito Constitucional: Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 510. (8) Segundo Gilmar Mendes: "De uns tempos para cá tem-se enfatizado a importância da hermenêutica jurídica, especialmente da hermenêutica constitucional, na solução dos graves problemas jurídico-políticos que afetam os vários Estados Democráticos. (…) A questão metodológica coloca-se no centro da reflexão sobre o papel que deve desempenhar a Corte Constitucional ou o órgão dotado de competência para aferir a legitimidade das leis e demais atos normativos, como é o caso do Supremo Tribunal Federal, entre nós. Evidentemente, a supremacia da Constituição em face da lei coloca o órgão incumbido da jurisdição constitucional em um papel diferenciado e destacado." MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 461-462. (9) Vital Moreira ressalta que: "Em certo sentido, a história do Constitucionalismo é a história dos direitos fundamentais, ou seja, a história da sua afirmação inicial e depois do seu alargamento e da construção e aperfeiçoamento dos mecanismos da sua tutela. O Estado Constitucional moderno é cada vez mais um "Estado de direitos fundamentais" (um Grundrechtstaat)." MOREIRA, [nota 01], p. 322. (10) Afirma Lênio Streck: "Arrisco dizer, assim, que defender, hoje, a existência de uma hermenêutica constitucional (repetindo, enquanto "método" autônomo) é perceber a Constituição como uma ferramenta, cujo conteúdo vem/virá a ser "confirmado" (ou não) pela técnica específica de interpretação (denominada de hermenêutica constitucional). Nesse sentido, registre-se as bem fundadas críticas de Friedrich Müller às técnicas/regras/métodos de interpretação." STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. rev. atual..Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 307. (11) Já na década de 80 ressaltava Paulo Bonavides que: "toda a metodologia contemporânea do Direito Constitucional que se inspira na tópica busca, portanto, como solução para um de seus problemas essenciais, compatibilizar a Constituição com a realidade. Se refletirmos sobre a realidade brasileira veremos que essa metodologia cresce de importância a cada passo. Profunda é a consciência de que todas as instituições no País Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 16 funcionam mal, sendo uma das razões que conduzem a esse resultado de ruptura que ocorre entre a legalidade e a legitimidade, entre o País da Constituição e o País da realidade. Nação e Estado se separaram num divórcio ruinoso que só não percebem os governantes abraçados a um statu quo de perpetuidade e permanente indiferença às aspirações populares." BONAVIDES, [nota 06], p. 42. (12) Segundo Müller, "enquanto concepção sistematicamente pós-positivista, a Teoria Estruturante do Direito não aposentou apenas a redução da norma ao seu texto, do ordenamento jurídico a uma ficção artificial, da solução do caso a um processo logicamente inferível por meio do silogismo, mas desenvolveu, partindo da estrutura de normas jurídicas, a proposta de um modelo de teoria e práxis que abrange a dogmática, a metódica, a teoria do direito e não continua devendo a resposta ao positivismo." MÜLLER, Friedrich. Positivismo. Tradução de Peter Naumann e revisão de Paulo Bonavides. In: Boletim dos Procuradores da República. Ano III, n. 29, setembro, 2000, p. 07. (13) Segundo Canotilho: "Os postulados básicos da metódica normativo-estruturante são os seguintes: (1) a metódica jurídica tem como tarefa investigar as várias funções de realização do direito constitucional (legislação, administração, jurisdição); (2) e para captar a transformação das normas a concretizar numa <<decisão prática>> (a metódica pretende-se ligada à resolução de problemas práticos); (3) a metódica deve preocupar-se com a estrutura da norma e do texto normativo, com o sentido de normatividade e processo de concretização, com a conexão da concretização normativa e com as funções jurídico- práticas; (4) elemento decisivo para a compreensão da estrutura normativa é uma teoria hermenêutica da norma jurídica que arranca da não identidade entre norma e texto normativo; (5) o texto de um preceito jurídico positivo é apenas a parte descoberta do iceberg normativo (F. Müller), correspondendo em geral ao programa normativo (ordem ou comando jurídico na doutrina tradicional); (6) mas a norma não compreende apenas o texto, antes abrange um <<domínio normativo>>, isto é, um <<pedaço de realidade social>> que o programa normativo só parcialmente contempla; (7) consequentemente, a concretização normativa deve considerar e trabalhar com dois tipos de elementos de concretização: um formado pelos elementos resultantes da interpretação do texto da norma (= elemento literal da doutrina clássica); outro, o elemento de concretização resultante da investigação do referente normativo (domínio ou região normativa)." CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra, Portugal: Livraria Almedina, 2001, p. 1177. (14) Segundo Marcelo Neves: "A "Teoria Estruturante", proposta por Friedrich Müller, embora se mantenha na perspectiva semântico-pragmática – ou seja, continue enfatizando a dimensão semântica da interpretação -, vai dar uma maior relevância ao fator pragmático do processo interpretativo do que a tradição hermenêutica que remonta a Gadamer." NEVES, Marcelo. A Interpretação Jurídica no Estado Democrático de Direito. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (orgs). Direito Constitucional: Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 360. (15) MÜLLER, Friedrich. Métodos de Trabalho de Direito Constitucional. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 47. (16) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2. ed. Coimbra, Portugal: Coimbra, 2001, p. 190. (17) Canotilho esclarece o que seja a concretização, conceito do qual Müller se vale: "Concretizar a constituição traduz-se, fundamentalmente, no processo de densificação de regras e princípios constitucionais. A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado) para uma norma concreta – norma Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 17 jurídica – que, por sua vez, será apenas um resultado intermediário,, pois só com a descoberta da norma de decisão para a solução dos casos jurídico-constitucionais teremos o resultado final da concretização. Esta <<concretização normativa>> é, pois, um trabalho técnico-jurídico; é, no fundo, o lado <<técnico>> do procedimento estruturante da normatividade. A concretização.como se vê, não é igual à interpretação do texto da norma; é, sim, a construção de uma norma jurídica." CANOTILHO, [nota 13], p. 1165. (18) Destaca Müller: "Em correspondência ao seu procedimento estruturante essa metódica não fala de "graus" ou "estágios" da interpretação, mas de "elementos" do processo de concretização." MÜLLER, [nota 15], p. 69. (19) MÜLLER, [ nota 12], p. 07. (20) Segundo Larenz, "Müller contesta a contraposição estrita entre ser e dever ser, entre norma e a realidade a que ela se dirige. Indaga sobre <<a estrutura no fundamental comum da concretização normativa referidaao caso>>, sendo que para ele a <<concretização>> não significa apenas densificar a norma que é dada, torná-la <<mais concreta>>, mas produzir pela primeira vez a norma de acordo com a qual o caso é então decidido." LARENZ, KARL. Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulberkian, 1997, p. 183. (21) Destaca Canotilho: "Da compreensão da norma constitucional como estrutura formada por duas componentes – o <<programa da norma>> e o <<domínio da norma>> - deriva o sentido de normatividade constitucional: normatividade não é uma <<qualidade>> estática do texto da norma ou das normas mas o efeito global da norma num processo estrutural e dinâmico entre o programa normativo e o sector normativo. Este processo produz, portanto, um efeito que se chama normativo, ou, para dizermos melhor, a normatividade é o efeito global da norma (com as duas componentes atrás referidas) num determinado processo de concretização. Compreende-se, assim, a necessidade de manter sempre clara a distinção entre norma e formulação (disposições, enunciados) da norma: aquela é objecto da interpretação; esta é o produto ou resultado da interpretação." CANOTILHO, [nota 13], p. 1180. (22) Segundo Müller, "a normatividade comprova-se apenas na regulamentação de questões jurídicas concretas." MÜLLER, [nota 15], p. 61. (23) MÜLLER, [nota 15], p. 55-56. (24) Canotilho destaca: "Componentes fundamentais da norma são o programa normativo e o domínio normativo e, por isso, a norma só pode compreender-se como uma articulação destas duas dimensões." CANOTILHO, [nota 13], p. 1179. (25) Canotilho destaca que: "O recurso ao <<texto>> para se averiguar o conteúdo semântico da norma constitucional não significa a identificação entre texto e norma. Isto é assim mesmo em termo lingüísticos: o texto da norma é o <<sinal lingüístico>>; a norma é o que se <<revela>> ou <<designa>>." CANOTILHO, [nota 13], p. 1181. (26) Segundo Canotilho: "o programa normativo é o resultado de um processo parcial de concretização (inserido, por conseguinte, num processo global de concretização) assente fundamentalmente na interpretação do texto normativo. Daí que se tenha considerado o enunciado lingüístico da norma como ponto de partida do processo de concretização (dados lingüísticos)." CANOTILHO, [nota 13], p. 1179. (27) MÜLLER, [nota 15], p. 57. Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 18 (28) Canotilho destaca que: "Por sua vez, o sector normativo é o resultado de um segundo processo parcial de concretização assente sobretudo na análise dos elementos empíricos (dados reais, ou seja, dados da realidade recortados pela norma). Desta forma a norma jurídico-constitucional é um modelo de ordenação orientado para uma concretização material, constituído por uma medida de ordenação, expressa através de enunciados lingüísticos, e por um <<campo>> de dados reais (factos jurídicos, factos materiais)." CANOTILHO, [nota 13], p. 1179-1180. (29) MÜLLER, [nota 15], p. 71-97. (30) Müller evidencia este processo, afirmando: "Não é possível descolar a norma jurídica do caso jurídico por ela regulamentado nem o caso da norma. Ambos fornecem de modo distinto, mas complementar, os elementos necessários à decisão jurídica. Cada questão jurídica entra em cena na forma de um caso real ou fictício. Toda e qualquer norma jurídica somente faz sentido com vistas a um caso a ser (co) solucionado por ela. Esse dado fundamental [Grundtatbestand] da concretização jurídica circunscreve o interesse de conhecimento peculiar da ciência e da práxis jurídicas, especificamente jurídico, como um interesse de decisão. A necessidade de uma decisão jurídica (também de um caso fictício) abrange a problemática da compreensão, os momentos e procedimentos cognitivos. No entanto, a decisão jurídica não se esgota nas suas partes cognitivas. Ele aponta para além das questões "hermenêuticas" da "compreensão", no sentido genericamente peculiar que "hermenêutica" e "compreensão" têm nas ciências humanas [Geisteswissenschaften]. É claro que a relação entre os elementos cognitivos e os elementos não-cognitivos no processo de concretização muda conforme a função jurídica exercida e que e. g. o interesse de "conhecimento" cognitivo passa, na concretização científica diante de um caso fictício, nitidamente para o primeiro plano. A força enunciativa [Aussagekraft] de uma norma para um caso é por assim provocada por esse mesmo caso. Em um procedimento, que ganha gradualmente em precisão por meio de verificação recíproca da(s) prescrição (prescrições) jurídica(s) considerada(s) relevante(s) junto aos componentes para elas relevantes do conjunto de fatos e, inversamente, dos componentes do conjunto dos fatos – tratados, à guisa de hipótese de trabalho, como relevantes junto à norma que lhes é provisoriamente atribuída (ou junto a várias prescrições jurídicas) -, os elementos normativos e os elementos do conjunto de fatos assim relacionados, "com vistas à sua reciprocidade"continuam sendo concretizados, igualmente "com vistas à sua reciprocidade", uns juntos aos outros (e sempre com a possibilidade de insucesso, i. é, da necessidade de introduzir outras variantes de normas ou normas à guisa de hipótese de trabalho). A solução, i. é, a concretização da norma jurídica em norma de decisão e do conjunto dos fatos, juridicamente ainda não decidido deve comprovar a convergência material de ambos, publicá-la e fundamentá-la." MÜLLER, [nota 15], p. 63-64. (31) Interessante aplicação da Teoria de Müller, em relação a um problema concreto de interpretação de norma infra-constitucional brasileira, que envolvia também a interpretação constitucional, foi intentada em parecer da lavra de Paulo Bonavides, a partir de consulta de um desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Nesse sentido, destacou Paulo Bonavides: "Aqui, sim, percorrer-se-á, de necessidade, uma artéria interpretativa propriamente dita, de cunho concretizante, vazada na obra jurídica do prof. Friedrich Müller, "o jurista da segunda metade do século XX."" BONAVIDES, Paulo. A teoria estruturante do direito e a nova hermenêutica (parecer). In: Reflexões: política e direito, 3. ed. rev. e ampl. São Paulo, Malheiros, 1998, p. 393-398. Para outra análise interessante sobre questão constitucional brasileira, sob a ótica da teoria de Müller, consultar p. 226 e segs. do texto de João Adeodato: ADEODATO, [nota 05], p. 223-232. (32) MÜLLER, [nota 15], p. 54. (33) MÜLLER, [nota 15], p. 89-90. Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 19 (34) Müller afirma que: "somente a ciência dos pandectas e o positivismo legalista exageraram nesse enfoque na direção da pretensão de poder operar a ciência jurídica como sistema conceitual coerente, de poder derivar decisões por via da lógica a partir do sistema, do conceito e da doutrina [Lehrsatz] e de poder solucionar casos jurídicos por meio da subsunção silogística. (…) A realidade é reprimida da área de atuação do trabalho jurídico. O positivismo pergunta como a ciência jurídica se poderia tornar autônoma, como ela poderia proceder de modo puramente jurídico." MÜLLER, Friedrich. Unidade do Ordenamento Jurídico. Tradução de Peter Naumann e revisão de Paulo Bonavides. In: Boletim dos Procuradores da República. Ano III, n. 30, outubro, 2000, p. 08. (35) Müller destaca que: "os nexos sociais não são negados, mas postos de lado por não interessarem a ciência jurídica. A dogmática deve ser escoimada da história, da filosofia, da política e da economia, quer dizer, de todos os elementos <<não-jurídicos>>. Esse resultado responde à pergunta inicial do positivismo: como a ciência jurídica pode ser uma ciência autônoma? Segundo ele as normas jurídicas não devem ser tratadas como conexas a dados sociais." MÜLLER, [nota 12], p. 06. (36) Inocêncio Coelho sintetiza o seguintea respeito da obra de Hesse intitulada "A Força Normativa da Constituição": "(…) a publicação deste Escrito parece-nos extremamente importante, porque a idéia central desse precioso estudo é, precisamente, a de que, embora não disponha de existência autônoma em relação à realidade, da qual, aliás, não pode estar desvinculada, a Constituição não é imposta, simplesmente, por essa mesma realidade: em outros termos, embora condicionada pela realidade político-social, a Constituição não é determinada por essa mesma realidade." COELHO, Inocêncio Martins. Konrad Hesse: uma nova crença na Constituição. In: Revista de Direito Público, ano 24, n. 96, out./dez. de 1990, p.. 167. (37) Há quem entenda, como Iacyr Vieira, que trata-se na verdade de uma complementação: "Relativizando a concepção de Lassalle, a completa (grifei); trazendo-a para uma nova realidade, realça o caráter normativo da Constituição." VIEIRA. Iacyr de Aguiar. A essência da Constituição no pensamento de Lassale e de Konrad Hesse. In: Revista de Informação Legislativa, ano 35, n. 139, jul./set. de 1998. Brasília, p. 72. (38) Segundo Iacyr Vieira, o pensamento de Lassale pode ser assim resumido: "os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas de poder; a verdadeira constituição de um país somente tem por base os valores reais e efetivos do poder que naquele vigem; as constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os valores que imperam na realidade social. Uma constituição escrita pode ser boa e duradoura quando corresponder à Constituição real e tiver suas raízes nos fatores do poder que regem o país. Caso contrário, irrompe inevitavelmente um conflito impossível de ser evitado e no qual a Constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá, necessariamente, perante a Constituição real, a das verdadeiras forças vitais do País." VIEIRA, [nota 37], p. 78. (39) COELHO, [nota 36], p. 168. (40) HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Die Normative Kraft der Verfassung. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991, p. 11-12. (41) Destaca Inocêncio Coelho: "(…) Konrad Hesse opõe, para nós com inegável vantagem, uma visão do problema que até certo ponto se poderia considerar dialética, na medida em que, sem desprezar a importância das forças sócio-políticas para a criação e a sustentação da Constituição jurídica, nos sugere admitir, como ponto de partida para a análise do Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 20 fenômeno, a existência de um condicionamento recíproco entre a Lei Fundamental e a realidade político-social subjacente." COELHO, [nota 36], p. 168. (42) HESSE, [nota 40], p. 13-14. (43) Comentando este trecho, Inocêncio Coelho destaca a contribuição preciosa de Hermann Heller em destacar esta unilateralidade extrema entre um normativismo e um sociologismo exagerado, bem como ressalta que isto ocorreu "em razão do que juristas e sociólogos do direito, de costas voltadas uns para os outros, acabaram por encastelar em posições extremadas, mas igualmente estéreis, levados que foram em direção a uma norma despida de qualquer elemento de realidade, ou uma realidade esvaziada de qualquer conteúdo normativo". COELHO, [nota 36], p. 169. (44) HESSE, [nota 40], p. 13-14. (45) Segundo Inocêncio Coelho, "Hesse ressalta que ambos os elementos, a pretensão de eficácia e as condições de sua realização, interagem reciprocamente, embora se mantenham distintos na especificidade de suas funções; por isso, podem e devem ser diferenciados, embora não possam, e não devam se separados nem confundidos". COELHO, [nota 36], p. 170. (46) HESSE, [nota 40], p. 14-16. (47) Segundo Hesse: "A Constituição jurídica não significa simples pedaço de papel, tal como caracterizada por Lassalle. Ela não se afigura "impotente para dominar, efetivamente, a distribuição de poder", tal como ensinado por Georg Jellinek e como, hodiernamente, divulgado por um naturalismo e um sociologismo que se pretende cético. A Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta do seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis (realizierbare Voraussetzungen) que, mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição." HESSE, [nota 40], p. 25. (48) HESSE, [nota 40], p. 19. (49) Segundo Inocêncio Coelho: "Como o próprio Hesse enfatiza que a força normativa impõe-se de forma tanto mais enfática quanto mais ampla for a convicção sobre a inviolabilidade da Constituição e quanto mais intensa for a vontade de Constituição, disso se conclui que a sua construção teórica assenta-se num dado eminentemente axiológico, pois a eficácia da Constituição fica a depender, ao limite, ao menos da realidade, do que do respeito que lhe devotam exatamente aqueles que a podem violar ou destruir. Trata-se, portanto, de uma postura também essencialmente idealista, na medida em que ele desloca, do plano da condicionalidade fática para o condicionamento ético, o problema da eficácia da Constituição, convertendo, assim, numa questão de fé o que antes era apenas uma questão de força. Por isso insistimos que ele encarna uma nova crença na Constituição (…)." COELHO, [nota 36], p. 176. (50) VIEIRA, [nota 37], p. 72. (51) HESSE, [nota 40], p. 19-20. (52) "Há de ser, igualmente, contemplado o substrato espiritual que se consubstancia num determinado povo, isto é, as concepções sociais concretas e o baldrame axiológico que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas." HESSE, [nota 40], p. 15. Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 75, p.01-25, out/nov, 2005 21 (53) HESSE, [nota 40], p. 20. (54) Para uma análise mais detalhada destes princípios, vide o seguinte: HESSE, [nota 04], p. 65 e segs. (55) Segundo Maria Seraphico, Hesse: "atribui aos princípios da interpretação constitucional a missão de orientar e encaminhar o processo de relação, coordenação e valoração dos pontos de vista ou considerações que devem levar à solução do problema. Refere-se aos princípios da unidade da Constituição, em íntima relação com o qual concebe o princípio da concordância prática, o da correção funcional, o princípio da eficácia integradora dando ainda destaque para o princípio da força normativa da Constituição." SILVA, Maria de Lourdes Seraphico Peixoto da. Considerações a respeito da interpretação da norma constitucional. O papel da pré-compreensão. In: Revista dos Tribunais, ano 07, n. 28, jul./set. De 1999, p. 54. (56) HESSE, Konrad. [nota 40], p. 21. (57) "El Tribunal Constitucional, como es sabido, identifica en los derechos fundamentales, junto con su función de defensa frente a las intervenciones del poder público, principios objetivos no sólo del ordenamiento constitucional, sino sencillamente del ordenamiento jurídico en su conjunto: la Ley Fundamental, que no quiere ser un orden valorativamente neutral, ha erigido en la sección relativa a los derechos fundamentales un orden objetivo de valores, y ello expresa un reforzamiento de principio de la fuerza vinculante de los derechos fundamentales. Este sistema de valores debe regir en todos los ámbitos del Derecho; la legislación, la administración y la jurisprudencia reciben de él directrices e impulsos. (…) Todos ellos deben tener en cuenta tal influencia de los derechos fundamentales en la creación, interpretación y aplicación de las normas jurídicas. Si no cumplen con esta tarea, su decisión infringe los derechos fundamentales y puede ser anulada por el Tribunal Constitucional." HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y Derecho Privado; traduccion e introduccion de Ignacio Gutiérrez
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