Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
os MISTÉRIOS DA INFLAÇÃO Idéias e propostas discutidas em VISÃO Artigos de Henry Maksoud e entrevistas com: Francisco Lafaiete Lopes • Octavio Gouvêa de Bulhões • André Lara Resende • Sérgio Quintela • Marcílio Marques Moreira • Paulo Rabello de Castro • Carlos Brandão • Edmar Bacha • Carlos Geraldo Langoni • Alberto Benegas Lynch • Mário Henrique Simonsen • Antônio Dias Leite • João Pedro Gouvêa Vieira São Paulo Editora Visão Ltda. 1986 Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita do Editor. Ficha catalográfica preparada pelo Setor de Documentação da Editora Visão: Os mistérios da inflação: idéias e propostas discutidas em Visão. M 6 7 8 SãO' Paulo, Visão, 1986. 12lp. I. Inflação I. Maksoud, Henry, ed. II. Lopes, Francisco Lafaiete III. Bulhões, Oétavio Gouvêa de IV. Resende, André Lara V. Quintela, Sér- gio VI. Moreira, Marcílio Marques VII. Castro, Paulo Rabello de VIII. Brandão, Carlos IX. Bacha, Edmar X. Langoni, Carlos Geraldo XI. Lynch, Alberto Berregas XII. Simonsen, Mário Henrique XIII. Leite, Antônio Dias XIV. Vieira, João Pedro Gouvêa. EDITORA VISÃO L TDA. Rua Afonso Celso, 243 04119- São Paulo - SP Brasil 1986 Impresso no Brasil Printed in Brasil CDD-332.41 SUMÁRIO Apresentação Abertura Os mistérios da inflação Entrevistas I- Francisco Lafaiete Lopes II- Octavio Gouvêa de Bulhões III- André Lara Resende IV- Sérgio Quintela V- Mar cílio· Marques Moreira VI- Paulo Rabello de Castro VII- Carlos Brandão VIII- Edmar Bacha IX- Carlos Geraldo Langoni X- Alberto Benegas Lynch XI- Mário Henrique Simonsen XII- Antônio Dias Leite XIII- João Pedro Gouvêa Vieira Artigos de Henry Maksoud O que é a inflação? Os mitos e a indigestão inflacionária O monetarismo keynesiano-estruturalista De quanto dinheiro precisamos? O remédio constitucional para as endernias econômicas 7 19 21 25 27 36 40 44 49 55 63 69 75 79 84 89 94 101 103 107 111 115 119 ..... , .. ' i • i' D e tanto ver proliferar interpretações desencontradas sobre o que causa a inflação e como acabar com ela, VISÃO lançou-se a campo objetivando esclarecer a ques- tão. Num trabalho coordenado pelo editor de Economia, Antônio Tofaneto, foram ouvidos especialistas de diferen- tes áreas de atividade, segundo um ternário básico, em en- trevistas individuais, em que cada qual teve oportunidade de analisar a fundo a inflação e sugerir a maneira que julga ser a mais eficiente de acabar com ela. Participaram do debate o professor Francisco Lafaiete Lopes (edição de 17-7-85), Octavio Gouvêa de Bulhões (31- 7-85), André Lara Resende (7-8-85), Sérgio Quintela (14-8- 85), Marcílio Marques Moreira (21-8-85), Paulo Rabello de Castro (4-9-85), Carlos Brandão (11-9-85), Edmar Bacha (18-9-85), Carlos Geraldo Langoni (25-9-85), Alberto Be- negas Lynch (2-10-85), Mário Henrique Simonsen (9-10- 85), Antônio Dias Leite (16-10-85) e João Pedro Gouvêa Vieira (23-1 0-85). Embora cada um dos entrevistados tenha identificado diferentes focos de pressão inflacionária, envolvendo a po- lítica econômica, a política monetária, o endividamento in- terno e externo, VISÃO entende que a verdadeira causa da inflação precisa ser explicitada com todas as letras: ela de- corre da emissão de dinheiro e títulos, efetuada para finan- ciar de forma inflacionária o déficit público, e que faz com que os meios de pagamento cresçam mais do que o produto nacional. Ou seja, o Governo "fabrica" dinheiro sem las- tro para tapar o buraco que surge por gastar acima de sua receita, em vez de cortar despesas. E a partir dessa emissão inflacionária, a verdadeira cau- 9 sa da inflação, segue-se uma série de artifícios econômicos que mascaram a causa e foram abordados pelos entrevista- dos, quais sejam: a indexação (que acaba determinando um valor nominal e outro real para a moeda); o controle de preços (que comprime as margens de lucro dos setores atin- gidos e distorce os sinais de oferta e demanda do mercado); o uso indevido do compulsório dos bancos (distorcendo o mecanismo de regulação de liquidez que deveria ser objeti- vo do instrumento de open market); o endividamento ex- terno excessivo (cujo custo descapitaliza o país); o endivi- damel).to interno também excessivo (sugando recursos do mercado, pressionando a taxa de juros e gerando aplica- ções especulativas em lugar das produtivas); o aumento da tributação (sugando mais recursos produtivos do mercado); políticas de achatamento de salários e controle de ganhos; programas subsidiados de crédito, etc. Resulta- do: quanto mais artifícios, mais distorções que causam ou- tras distorções em detrimento do livre mercado. Mas o pior efeito da inflação que o Governo gera, con- forme tem sido denunciado por VISÃO, é a reação equivo- cada que se estabeleceu em todos os segmentos da econo- mia, envolvendo trabalhadores de todos os níveis e empre- sários: em vez de exigir que o Governo acabe com a infla- ção (equilibre receita e despesa, parando de emitir), todos buscam mecanismos de defesa mais eficientes para prote- ger -se da inflação. V ale dizer, procuram conviver com a in- flação, tentando encurtar a velocidade de reajuste de pre- ços e salários, fazendo aplicações especulativas, etc. Dois absurdos ilustram isso: 1 ?) A elevação dos índices de preços passou a ser enten- dida como causa e não como conseqüência da inflação. E os reajustes de preços nominais (para manter o preço real das mercadorias) passou a ser confundido com as oscila- ções de preços decorrentes da lei da oferta e procura. 2?) As pessoas que buscam aplicações indexadas para manter o valor real de sua poupança passaram a confundir a simples correção monetária do seu capital com ganho real, reclamando quando as taxas de correção diminuem (quando a inflação é menor), pois confundem ganho nomi- nal com ganho real, o qual consiste apenas da parcela de juros, não da correção monetária. Como clarear as mentes e evitar tais confusões? Para is- 10 so, VISÃO deixa claro que a caUsa da inflação são as emis- sões de dinheiro e dá, a seguir, um resumo das propostas dos entrevistados. Francisco Lafaiete Lopes - O professor defende a aplica- ção do chamado "choque heterodoxo" da inflação, que consiste, basicamente, num realinhamento geral dos pre- ços (para que cheguem a seus níveis reais) e de salários, se- guido de um congelamento de preços e salários e de uma reforma monetária, criando-se uma nova moeda (o cruza- do) à razão de 1.000 cruzeiros por cruzado. Sua justificati- va: "Toda inflação crônica é predominantemente inerciai. Ao nível de 200117o ela já não responde ao tratamento orto- doxo (cortes no déficit público e não-emissão de moeda); se ele for gradual, ficamos no mesmo patamar até que o próximo choque (como o de salários) o empurre para cima; se for abrupto, caímos numa profunda recessão e acaba- mos matando a economia. Se não fizermos nada, caminha- mos para a hiperinflação. Com a adoção de um plano de estabilização, a moeda má é expulsa do mercado e a nova moeda nasce forte e confiável". Francisco Lafaiete Lopes chegou a apresentar a sua proposta ao presidente Tancredo Neves e o plano argentino inspirou-se no choque heterodo- xo que defende. Octavio Gouvêa de Bulhões - O professor defende a ex- tinção da correção monetária, dos subsídios, e uma políti- ca "que assegure a supressão de desequilíbrios orçamentá- rios, garanta a disciplina monetária, favoreça um clima de progresso". Embora defenda o "choque ortodoxo", Bu- lhões recebe como inovadora a proposição de Lopes. "Conseguindo o alinhamento dos preços, ou seja, a eficá- cia da relatividade dos preços, seria obtida aestabilidade do nível dos preços e, portanto, se tornaria desnecessária a correção monetária. Nessas condições, o déficit público deixaria de crescer, pois seu aumento de exercício para exercício advém da incorporação da inflação passada na estimativa dos dispêndios futuros ... " Bulhões defende também a capitalização das empresas, estimulando, por exemplo, a subscrição de ações novas com recursos do PIS, inclusive das empresas estatais, e cita a Companhia Vale do Rio Doce como exemplo a ser seguido. "O realce é 11 necessário pelo fato de ser de suma importância diminuir o débito das empresas estatais, como meio de reduzir o défi- cit público." André Lara Resende- O professor afirma que "a infla- ção brasileira pode ser absolutamente eliminada em menos de três meses, com medidas coerentes e sérias de redução do déficit público e, conseqüentemente, com menos emis- são sem lastro. Isso se consegue com medidas efetivas e não apenas com declarações de intenção. Primeiro, isso passaria por redução de gastos públicos e reforma fiscal. Depois, viria a reforma monetária, com a introdução da moeda indexada, para desindexar a economia e eliminar o problema da inércia da inflação". Para Lara Resende, controlar o déficit público não tem mistério algum: "Re- dução de despesa é redução de despesa e pronto. Agora, is- to tem certos custos políticos. Quer dizer, você precisa re- duzir gastos de custeio, reduzir pessoal, com efeitos sobre o emprego e a produção". E, quanto a desindexar a econo- mia, Lara Resende propõe a introdução de uma moeda in- dexada em relação ao cruzeiro, que batizou de "cruzeiro- ouro", valendo um décimo de ORTN. "O uso da nova moeda, quer como instrumento de troca, quer como uni- dade de conta, seria inteiramente facultativo. É óbvio, po- rém, que a nova moeda rapidamente expulsaria o cruzeiro de circulação e, assim, o sistema brasileiro de indexação morreria de morte natural, por falta de referencial." Sérgio Quintela - O empresário acredita que a inflação pode ser debelada rapidamente. "Mas para isso é preciso negociar a dívida externa de forma a viabilizar o desejo do país de honrar os compromissos sem exportar capital, con- ter de fato o déficit público, acabar com os subsídios e ter uma economia de mercado eficiente, mais aberta à compe- tição internacional.'' Quintela diz que precisamos de uma folga cambial, no período de reajustamento da economia, o que traria dois efeitos principais: "Primeiro, reduziria as taxas internas de juro e, conseqüentemente, aliviaria até o déficit público; segundo, liberaria mais as importações, o que provocaria queda da inflação por meio do maior grau de concorrência da indústria, serviços e produtos agríco- las". E para reduzir o déficit propõe fechar pura e simples- 12 mente as estatais que não estão desempenhando nenhuma função. Também acha fundamental recriar a Federação, transferindo aos Estados e municípios a maior parte possí- vel da arrecadação tributária, acompanhada das necessá- rias transferências de obrigações. Quanto à carga tributá- ria, é enfático: "Surpreendo-me quando vejo economistas respe~táveis afirmarem que a carga tributária vem caindo; só se Isso ocorreu por causa da recessão. Como empresário e como cidadão, garanto que pago mais impostos e taxas hoje do que pagava há dois ou três anos, seja de ICM, IR, ISS, IPTU, Previdência, etc. Não conheço um único im- posto que tenha sido reduzido". Marcílio Marques Moreira - O professor e banqueiro dis- corda de políticas de "choque". "As experiências históri- cas e recentes dos países industrializados mostram que, quando se combate a inflação de forma decidida e com cre- dibilidade, ela cai mais depressa do que se imagina.'' Nessa linha, propõe uma política monetária neutra ou ligeira- mente restritiva, a retirada do elemento realimentador da indexação, para que a correção monetária "deixe de ser unicamente um 'espelho retrovisor' ... O problema é a mo- netarização dos instrumentos financeiros de curto e curtís- simo prazo, até do overnight. Ou seja, papéis de médio ou longo prazo não deveriam ser usados para operações de curto prazo e os de curto prazo não deveriam ser indexa- dos". No caso das relações com o exterior, Moreira enten- de que "deveríamos examinar a vinculação do cruzeiro ao dólar, tanto do comércio como da dívida. Deveríamos di- versificar e, desde já, trabalhar com o marco, o iene, o franco ... Temos fluxos comerciais que viabilizam isso. No caso da dívida externa, o Brasil passaria, por exemplo, a dever aos bancos alemães em marco e não em dólar''. Paulo Rabello de Castro - O professor diz que o Estado- empresário é a causa da inflação. "A inflação deriva do desperdício no uso dos recursos reais postos à disposição da sociedade. O Governo, em vez de ser o organizador, coordenador e fiscalizador das ações sociais, passou a ope~ rar como empresário, numa subversão constitucional dos poderes. Através da inflação, ele subverte o sistema de pre- ços; através de um monstruoso déficit público, gera uma 13 • expansão monetária explosiva e desequilibra totalmente a economia. E acaba por destruir a moeda ao não fixar recei- tas e tarifas em cruzeiros reais.'' Rabello de Castro propõe que o Governo volte a seu papel, que as empresas estatais sejam desvinculadas do sistema de poder; que o Governo desoficialize o uso da correção monetária em contrato in- ferior a um ano, que facilite o uso de papéis prefixados, pois, "quando o sistema funciona com taxas pós-fixadas, ele fica preguiçoso em descobrir qual a inflação do futuro, porque tudo está coberto, qualquer que seja a inflação, por causa da correção monetá~ia ... "; prega uma ~ref?rma tributária, descentralizando o Sistema e as competencias, o imposto progressivo sobre a terra ociosa ("que seria uma verdadeira reforma agrária"). Quanto ao controle de pre- ços, afirma: "Não podemos controlar o rio no estl!ário: re- presa se faz na fonte. Na formação de preços, os msumos, energia, etc. estão nas mãos do Governo e seu ~usto é aso: ma da ineficiência". E, quanto ao déficit púbhco, conclm Rabello de Castro: "No dia em que o Governo perguntar qual o valor econômico e social de cada burocrata e de ca- da prego usado ... acabou o déficit ... ". Carlos Brandão - Um dos responsáveis pela criação do open market no Brasil e ex-presidente do Banco Central, o professor Carlos Brandão é enfático: "A inflação brasilei- ra tem origem no descontrole do setor público, que gasta mais do que pode porque é ineficiente e irresponsável. O déficit do setor público é pago dramaticamente pela socie- dade com emissões de moeda e títulos". Brandão diz que ' . a emissão normal não inflaciona. "O mal vem da emissão de moeda para cobrir o déficit do setor público, porque es- ta permanece na economia, aumentando os haveres finan- ceiros do país, fazendo crescer os depósitos à vista~ a pra- zo e a capacidade de comprar. Isso tudo, sendo maiOr que o crescimento do produto, inflaciona." Brandão entende que o Governo tem de controlar seu déficit desinchando a máquina estatal. "Se for cortada drasticamente a emissão inflacionária, é óbvio que as empresas que provocaram a pressão, gerando o déficit, ou se ajustariam r~pidament~ ou fechariam as portas, tudo de forma automática. Havera desemprego e uma série de conseqüências recessivas, mas tudo num período curto. Depois a economia fica saudável, 14 porque a doença acabou. As taxas de juro descem, acaba a confusão da especulação financeira. A economia entrará na normalidade, como em qualquer país desenvolvido, com a inflação ficando entre 4% e 6% ao ano." Brandão defende a redução do compulsório a um nível de 17,507o e insis_te em que se pare com a dívida interna, "que_já é de 5~ tnlhões de cruzeiros e se não se colocar ordem msso em dms anosse- rá igual à externa; o setor público vai desorganizar toda a economia brasileira, expulsando o setor privado". Edmar Bacha - O professor entende que "o grande pro- blema de pôr em prática um tratamento de choque para acabar com a inflação é que a proposta exige um consenso político que, aparentemente, ainda nã~ existe no país". Bacha afirma que "não podemos abstrau do contexto po- lítico e social a nossa aprovação ou não de uma proposta do tipo 'choque heterodoxo' da inflação, que, para sua im- plementação e sucesso, exige um grau de aceitação, uma concertação (com c) política que está difícil de ser executa- da neste período prenhe de eleições e de indefinições políti- co-partidárias que vão até a Constituinte". A. seu ver, o grosso do déficit público é nominal "e um Importante componente dele é juro real a taxas absurdas de 20% a 25% da dívida interna, contra 7% da dívi~a extern<l;. Se a gente tivesse condições, através de mecamsmos vanados, de fazer essa substituição, o Governo diminuiria de 25% para 8% o que paga de juro pela dívida interna. _É deixar de pagar dois terços de juros na dívida de 330 tnlhões _de cruzeiros". Por isso entende que é possível combater a m- flação por caminhos que passam pela contenção do déficit, da dívida interna e dos juros reais e da renegociação exter- na. "As projeções do 1? PND indicam que, se a emissão monetária acompanhar a inflação, se a dívida pública ex- pandir-se a taxa não maior que o crescimento de 6% do PIB e o Governo conter em 3% a taxa de crescimento do seu gasto, podemos colocar a casa em ordem. E isso é pos- sível de ser feito em 1986 e em 1987." Carlos Geraldo Langoni - O professor, ex-presidente do Banco Central, diz que "temos déficit público crônico e com tendência crescente, cada vez mais financiado pela ex- pansão monetária ... A aceleração monetária sanciona as 15 expectativas de mais inflação no futuro ... Um caminho ex- tremamente eficiente para eliminar ou reduzir substancial- mente o déficit é o Congresso Nacional proibir a emissão indiscriminada de moeda para cobrir o excesso de dispên- dio do setor público, outorgando autonomia ao Banco Central para impor a disciplina monetária". Segundo Lan- goni, assim acabaria o "automatismo da expansão mone- tária para cobrir os subsídios explícitos da conta petróleo e do trigo, o déficit da Previdência e o serviço da dívida das empresas estatais. A partir desse momento (a proibição de emissão), esses déficits terão de ser forçosamente elimina- dos ou então cobertos por fontes conhecidas de recursos fiscais". O ex-presidente do Banco Central lembra a estra- tégia argentina de "eliminar os focos primários de inflação e, em seguida, acabar com os mecanismos de realimenta- ção através de reajustes automáticos de salários e preços. Na realidade, o público argentino somente acreditou no congelamento de preços e salários porque ele foi acompa- nhado pela proibição, por lei, de o Banco Central emitir moeda para financiar o déficit público ... ". Alberto Benegas Lynch- O professor da Universidade de Buenos Aires vê com reservas a política monetária posta em prática na Argentina. Acha positivo o Governo ter re- conhecido sua responsabilidade pela inflação, bem como é positiva a proibição de o Banco Central emitir para cobrir o déficit, só sendo permitidas emissões contra a entrada de dólares, esterilizando-se contra a saída de dólares. Mas cri- tica o congelamento de preços, os novos gravames tributá- rios impostos e o aumento do endividamento, "o que pos- terga as emissões adicionais que serão suscitadas no mo- mento do vencimento dos juros, do resgate dos títulos ou, em geral, quando se tiver de fazer frente aos compromis- sos". Benegas Lynch acha de grande importância assinalar que "o objetivo final não deveria consistir em trocar o im- posto inflacionário pelo imposto propriamente dito, uma vez que, nessa situação, o cidadão continuaria sendo um escravo do sistema que deve atender aos anseios ilimitados do Estado megalómano". A seu ver, a chave da questão, neste aspecto, consiste "em reduzir o gasto público, elimi- nando todas aquelas funções que são incompatíveis com um governo republicano". 16 Mário Henrique Simonsen - O professor e ex-ministro é categórico: "Para zerar a inflação num curto espaço de tempo, até o fim de 1986, por exemplo, é preciso: a) sin- cronizar o combate ao déficit público, de forma a não te1 de fazer emissão de moeda ou títulos nesse volume atual, b) estabelecer a 'ORTnização' pelas médias (referenciar em ORTN os preços e salários pela média de um período); c) então, sim, fazer uma reforma monetária". Segundo Si- monsen, isso permitiria ter inflação anual de um dígito. Outra decisão que contribuiria para chegar a esse resultado é uma menor transferência de recursos para o exterior, o que, de acordo com o ex-ministro da Fazenda, exigiria ne- gociar em fóruns internacionais de modo a fixar um limite de 2507o da receita de exportações, contra os atuais 40%. "Esse nível de transferências é insustentável a longo prazo; reduzir esse percentual até 25% significará estímulo ao de- senvolvimento econômico interno, o que, por sua vez, vai expandir a exportação e, então, possibilitar o pagamento da dívida sem estrangulamentos." Antônio Dias Leite - O professor está convicto de que ''temos de abandonar o processo gradualista de controle da inflação e partir para um tratamento de choque. A mi- nha proposta envolve, obviamente, o controle do déficit do setor público e das emissões para cobri-lo atacando as causas: encargos da dívida interna e externa; redução da dívida interna resgatando as ORTNs em circulação via re- cursos tributários e pela troca de ações de estatais privati- záveis; corte seletivo nas estatais; fim da indexação de títu- los de curto prazo, etc.". Dias Leite propõe uma tributa- ção única, e de uma só vez, sobre o património acima de um certo nível de riqueza, principalmente os ativos finan- ceiros, e, com os recursos, resgatar uma quarta parte da dí- vida e acabar com sua "rolagem", "que tanto inflado- na''. A outra parte seria resgatada pela transferência de ações aos tomadores de ORTN. "Em resumo: retiro de cir- culação parte das ORTNs que estão imobilizadas, como as dos bancos no Banco Central, as das seguradoras e fundos de pensão, etc. e, em troca, entrego o equivalente em ações das empresas e transfiro, simultaneamente, o comando das empresas para o setor privado." 17 João Pedro Gouvêa Vieira- O empresário e membro da Comissão da Constituinte é de opinião que, para fazer bai- xar a inflação, "fundamentalmente temos é que aumentar a produção em todos os setores, particularmente na agroindústria; desestimular as aplicações especulativas, acabando já com o overnight indexado, por exemplo; re- duzir as práticas que sugam dinheiro do setor privado e im- pedem o desenvolvimento (caso das emissões de moeda e de títulos, o compulsório que tem efeito inflacionário); eli- minar as práticas distorcivas como o controle de preços (sem lucro ninguém produz); e, no caso dos salários, man- ter o seu poder de compra". Gouvêa Vieira afirma que, se não se aumentar a quantidade de mercadoria à disposição das pessoas, a euforia do trabalhador que recebe aumento de salário desaparece logo, por uma razão muito simples: "Aumentou-se a demanda e não a produção, a oferta; lo- go, as coisas custarão mais". As entrevistas são precedidas por um artigo de abertura, "Os mistérios da inflação,, de Henry Maksoud, que dá nome à obra e no qual o editor do livro denuncia a causa última da inflação: a 'fabricação de dinheiro, pelo Governo, que detém o monopólio de produção dessa mercadoria. Esta causa fundamental da infla- ção, bem como problemas colaterais, são também analisados em outros cinco textos de Maksoud, que se constituem em fechoà obra. Do total de seis escritos do editor que o livro contém, os quatro m«is recentes, entre os quais se inclui o artigo de abertura, estão sendo publicados em livro pela primeira vez, depois de te- rem aparecido originalmente em números do segundo semestre de 1985 do semanário VISÃO. Os dois mais antigos, respectiva- mente de 1983 e 1984, já fizeram parte do livro "Os poderes do Governo,, de 1984, depois de terem sido divulgados inicialmente na revista VISÃO. 18 ABERTURA Os mistérios da inflação N estes anos todos tenho escrito bastante sobre quem causa a inflação. Sempre deixo bem claro que a infla- ção é produzida pelo governo federal e que somente o go- verno federal pode acabar com ela. E que para acabar com ela bastaria haver contenção na 'fabricação de dinheiro' pelo governo o qual detém o monopólio de produção dessa mercadoria. Parece simples mas não é. A coisa é difícil porque a inflação complica tanto a economia que os técni- cos perplexos só conseguem propor medidas para comba- ter os efeitos e não a causa do fenômeno. Tudo fica tão confuso para o povo que aos governantes eventuais é mais fácil dissimular do que enfrentar o explosivo problema. E para os políticos abre-se ampla margem de manobra dema- gógica que favorece a devassidão monetária estimulada pe- los que crêem no crescente ativismo governamental. Já que o fenômeno é assim tão fantástico, vale a pena explorar mais um pouco seus misteriosos meandros. Num mercado livre (sem inflação, portanto), os preços relativos dos bens e serviços sempre mudam em resposta a variações da oferta e da demanda. Se os consumidores gas- tam mais cruzeiros num dado produto, eles têm de gastar menos noutros. A redução de demanda a esses outros pro- dutos faz com que seus preços caiam. Assim, à medida que alguns preços sobem, outros devem cair. Os 'preços', con- vém ressaltar, são relações de câmbio entre o cruzeiro e a unidade de cada um dos produtos disponíveis. Como se dá então a alta generalizada dos preços? Co- mo é possível chegar-se a uma situação na qual os preços de todos os bens e serviços sobem continuamente como agora? A resposta é uma só: há contínuo acréscimo de 21 oferta de dinheiro na economia. Quando há mais dinheiro procurando a mesma quantidade de bens, cada cruzeiro vale menos. Logo, são necessários mais cruzeiros para comprar um mesmo par de sapatos ou um quilo de feijão. Portanto, num regime em que a massa monetária foi infla- da, inflacionada, os preços todos sobem, não porque a produção é mais escassa do que antes, mas porque há supe- rabundância de cruzeiros. Não porque a demanda física aumentou nem porque os custos reais subiram, mas por- que há excesso de meios de pagamento na economia. A 'oferta de dinheiro' num dado momento pode ser avaliada pelo cômputo dos meios de pagamento que comu- mente inclui a soma do papel-moeda em poder do público mais depósitos à vista nos bancos comerciais, no Banco do Brasil, nas cayras econômicas, no BNCC e mais os depósi- tos a prazo. E o que chamam de M2. Uma outra medida dos meios de pagamento, talvez mais representativa da 'quantidade de dinheiro' no Brasil, é a denominada M4 que inclui, além dos montantes acima, os depósitos d~ poupança e os títulos públicos federais (ORTN e L TN) em poder do público. Para que se tenha uma idéia do aumento espantoso dos meios de pagamento nos últimos tempos basta citar que o total do M4 no final de 1979 era de 2.164 bilhões de cruzeiros e de 372.522 bilhões em junho de 1985. Esse aumento de cerca de 17.000% na 'oferta de dinheiro' (enquanto o PIB real para 1979/84 aumentou menos de 80Jo) foi sem dúvida a razão fundamental do aumento de mais de 14.000% no índice geral de preços (I GP /DI) ob- servado nestes mesmos cinco anos e meio. E como é que esses cruzeiros a mais entram em nossa economia? O novo dinheiro é simplesmente injetado no sistema financeiro pelo governo federal, já que o cruzeiro não possui nenhum suporte real como o ouro, a prata ou qualquer outra coisa que tenha valor real, nada impedindo portanto que ele seja 'criado' ilimitadamente. P ode-se dizer que o inflamento dos meios de pagamento começa quando o executivo governamental procura 'consertar' seu orçamento desequilibrado. Como o gover- no nos tempos atuais se acostumou a operar sempre com déficit orçamentário - gasta mais do que o que recebe - ele tem de cobrir a diferença. Ele resolveria essa questão 22 \ ·' I r r I I I I I I I I I I por métodos não inflacionários se o déficit pudesse ser co- berto por receitas tributárias adicionais, ou através de em- préstimos pagáveis inteiramente por poupanças reais. Mas as dificuldades para aplicação de qualquer destes métodos são tão grandes, devido aos contínuos e pesados déficits, que é quase inevitável recorrer à fabricação inflacionária de dinheiro. É quando se dá o procedimento que os economistas chamam curiosamente de 'monetização do débito'. É um método sinuoso de produzir inflação. Para 'dar um jeito' no continuamente crescente déficit orçamentário o gover- no arranja dinheiro 'emprestado' através da e~issão de Obrigações e Letras do Tesouro. Parte destes títulos é ven- dida aos bancos e outros tomadores que em pagamento transferem recursos próprios para o Tesouro. A outra par- te fica na carteira de títulos públicos do Banco Central que 'paga' o Tesouro emitindo moeda e/ou usando recursos dos depósitos compulsórios que os bancos são obrigados a manter no BC. (Atualmente o total de títulos públicos fe- derais é de 288 trilhões de cruzeiros, dos quais 60% estão no mercado e 40% na carteira do BC.) De outro lado, o Banco Central também entra em cena para resgatar e/ ou recomprar no mercado (bancos e público) os títulos do Te- souro. Quando não joga no mercado novos títulos para 'girar a dívida', o Banco Central ou cria 'reservas' em no- me dos bancos ou faz outra vez a Casa da Moeda imprimir novas notas para entregar aos portadores dos títulos. Além dessas emissões, o BC também ordena as emissões para co- brir as contas trigo, o crédito agrícola e o débito externo vencido das estatais. É óbvio que ninguém antes possuía o dinheiro que o BC emitiu em todas essas operações. Esse dinheiro foi criado de simples penadas como um artifício monetário para cobrir o excesso de gastos do governo. Num curto período de tempo, portanto, maciças quantida- des de dinheiro são introduzidas no mercado sem um cor- respondente aumento da oferta de bens e serviços. É esse novo dinheiro 'tirado do ar' que produz a inflação. É sim- plesmente essa a causa da inflação. E mbora bastasse parar com o aumento da quantidade de moeda e crédito para acabar com a inflação, essa solução envolve pormenores complexos e aparentemente 23 enigmáticos que causam temor aos governantes. Se os go- vernantes e os políticos se convencessem que a inflação é extremamente danosa não só ao público mas a eles tam- bém, talvez enfrentassem decididamente este problema. É preciso, no entanto, afirmar que o mais difícil não é acabar com a inflação. O mais difícil, perto do impossível numa economia altamente estatizada, é evitar a inflação com um contínuo e pesado déficit. Porque qualquer tentativa de manter esse déficit por meios não inflacionários, através de pagamentos em atraso (calotes), de empréstimos públicos e por meio de impostos pesados, certamente resultará em de- sestímulo à iniciativa empreendedorial, na redução e que- bra da produção e finalmente na completa destruição de toda a capacidade empresarial. O remédio para os gigan- tescos gastos governamentais não é esse de fazer também gigantescos empréstimos públicos e continuar aumentando os impostos. É acabar com os enormes gastos improduti- vos, o que só será possível limitando o campode ação do governo e estimulando a empresa privada. VISÃO, 13-11-85 24 I I I I I ,I I I I l I I . I I I I I I I ENTREVISTAS I ! ' ' I I I I ,I I I 1 I -Entrevista com Francisco Lafaiete Lopes "Toda inflação crônica é predominantemente inerciai. Ao nível de 200o/o ela já não responde ao tratamen- to ortodoxo (cortes no déficit público e não-emissão de moeda); se ele for gradual, ficamos no mesmo patamar até que o próximo choque (como o de salários) o empurre para cima; se for abrupto, caímos numa profunda recessão e matamos a economia. Se não fizermos nada, caminhamos para a hiperinflação como a que se verificou na Argentina recentemente, de mais de 1.000%, ou na Alemanha de 1923 (30.000% só no mês de outubro) ou na Áustria de 1922 (80% só em setembro). Todas elas caíram depois para zero, em função dos planos de estabilização adotados. A moeda má foi expulsa do mercado e a nova moeda nasceu forte e confiável." As palavras são do professor Francisco Lafaiete Lopes, organizador e coordenador do Curso de Mestrado em Eco- nomia da PUC-RJ, formado pela UFRJ, com mestrado na FGV e doutorado Ph.D. pela Universidade de Harvard (EUA). Filho do ex-ministro Lucas Lopes, 39 anos, seu no- me ganhou destaque por terem suas teorias inspirado os economistas argentinos na recente reforma econômica efe- tuada naquele país e que redundou no fim da inflação, criação de uma nova moeda e congelamento de preços e salários. Como quase todo economista moderno, Francisco La- faiete Lopes acredita que, num ambiente de inflação crôni- ca, mais vale um bom plano do que mil forças espontâneas de um mercado livre. "Preferimos encarar imediatamente o grande desafio que os espisódios da hiperinflação colo- cam ao modelo da inflação inerciai: o seu fim surpreenden- temente abrupto (como na Alemanha e na Áustria na déca- da de 20)." Por isso, o seu trabalho não analisa o desgo- verno que causa a inflação (inflamento da base monetária) para cobrir o déficit, nem discute também origens e causas do processo de aceleração vertiginosa da alta de preços ("embora não pretenda minimizá-los"). Nesta entrevista a Antônio Tofaneto, editor de Econo- mia de VISÃO, Francisco Lafaiete Lopes explica como se 27 pode, no Brasil, zerar a inflação e retomar o crescimento econômico sem maiores traumas. Uma proposta que ele apresentou a Tancredo Neves em novembro de 1984 suge- rindo sua implementação logo após a posse do no;o Go- verno, e que foi discutida em reunião do IPEA da qual participaram, dentre outros, Francisco Dornelles, Antônio Carlos Lemgruber, Luís Paulo Rosemberg, Mário Henri- que Simonsen. A proposta de Francisco L~faiete Lopes, levada a Tan- credo, consiste em três medidas básicas: uma reforma mo- netária, um pacto nacional de estabilização e uma política nacional de preços,· a saber: "l.a) Reforma monetária - O Governo enviará ao Congresso projeto de reforma constitucional, estabelecen- do que a partir de 1? de janeiro de 1986 a moeda de curso legal em todo o território nacional passará a ser o cruzado (na falta de nome melhor). A conversão de cruzeiros em cruzados dar-se-á à razão de 1.000 cruzeiros por cruzado. 2.a) Pacto nacional de estabilização - O Governo en- viará ao Congresso projeto de lei propondo as seguintes bases para o pacto: a) A partir de 1? de janeiro de 1986 serão proibidos con- tratos de qualquer tipo com cláusulas de indexação que contemplem correção monetária de prazo inferior a um ano. b) As Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional se- rão substituídas nesta mesma data (1 ?-1-86) por Obriga- ções do Tesouro Nacional sem correção monetária, deno- minadas OTNs, com base no valor equivalente em cruza- dos da ORTN do mês. Os contratos privados de crédito com cláusula de correção monetária poderão ser similar- mente convertidos em contratos sem correção monetária. c) A conversão dos salários de cruzeiros para cruzados dar -se-á para todos os trabalhadores em 1 ? -1-86 com base: 1) no poder aquisitivo médio do salário nos seis meses compreendidos entre outubro de 1984 e março de 1985, atualizado pelo INPC para cruzeiros equivalentes de janei- ro de 1986; 2) multiplicado por um fator de reposição sala- rial a ser livremente negociado entre as partes interessadas. d) A partir de 1? -1-86 os salários serão livremente nego- ciados em bases anuais, mantendo-se as atuais datas-base de negociação das diversas categorias. 28 I I I I I I e) Os contratos de aluguel em ORTNs serão convertidos em contratos em cruzados em 1? -1-86 com base no valor real médio da ORTN nos doze meses anteriores a esta data. 3.a) Política nacional de preços- O Governo anunciará sua intenção de definir no prazo máximo de noventa dias sua política de preços com os seguintes objetivos: a) Reestruturação funcional e administrativa dos órgãos existentes de controle de preços, particularmente CIP, SEAP e Sunab, com novas definições de seus critérios ope- racionais. O objetivo imediato deve ser a estabilidade da taxa de inflação, impedindo uma aceleração inflacionária especulativa na fase anterior à reforma monetária. b) Definição dos critérios de conversão em cruzados dos preços administrados pelo Governo, a serem aplicados em 1?-1-86. Em princípio, esses preços deverão ser converti- dos com base no valor real médio verificado nos seis meses compreendidos entre outubro de 1984 e março de 1985. c) Definição de critérios para acompanhamento de pre- ços públicos e privados após a conversão para cruzados em 1? -1-86. Em princípio, este acompanhamento deverá ba- sear-se na regra tradicional de aplicação de uma margem de lucro sobre os custos. O objetivo é a estabilidade dos preços expressos na nova moeda nacional''. VISÃO - Nessa sua proposta o senhor acha que os resulta- dos podem ser colhidos a curto prazo? Pode-se tomar co- mo exemplo a Argentina mas as peculiaridades brasileiras exigiriam uma moldagem diferente ... Francisco Lafaiete Lopes- Sim, cada caso é um caso. O da Argentina era muito mais sério com inflação de 3007o ao mês e estagnação da economia há muitos anos, o que tor- nou mais fácil fazer o que se pode chamar de "choque he- terodoxo". Aqui já não se pode fazer como Raúl Alfonsín, via decreto-lei; tem de ser por lei votada no Congresso, com discussão prévia, etc. VISÃO - No seu trabalho que propõe o combate a uma inflação inercia/, o senhor parece não considerar o déficit público e a conseqüente cobertura via emissão de moeda e títulos como causas primárias de inflação. Por quê? Lopes - Veja bem, os livros-textos de economia não fo- ram feitos para discutir inflação de 200%. Foram feitos em 29 países sem inflação, ou inflação de 5%. Se tivéssemos uma inflação de 5o/o ou 10% ao ano, aí nós iríamos discutir po- lítica monetária, fiscal, cambial, etc. O que nós temos feito aqui na PUC são estudos e experiências que se contrapõem à estratégia ortodoxa, a esse pensamento convencional, porque a nossa idéia é que uma inflação de 200% é um ani- mal diferente, um processo com lógica diferente e, por is- so, tem de ser tratado de forma diferente. Quando Ronald Reagan fez um programa ortodoxo e conseguiu reduzir uma inflação de cerca de 15% para 4%, fez um programa convencional. A Inglaterra também. É o que prega o FMI: eliminar o déficit público e a expansão monetária. Só que no Brasil esses programas não têm dado certo; conseguem-se pequenos ganhos como agora, que es- tabilizam a inflação no atual patamar, e só. Se formos apli- car o programa ao extremo, geraríamos uma tremenda re- cessão, levaríamos as empresas à falência, causaríamos o maior desemprego. Ou seja, para acabar com a inflação destruiríamos a economia.Isso não é um programa real. VISÃO - Mas o senhor concorda ou não que a emissão de moeda e o déficit público são causadores da inflação? Lopes - Se você me perguntar qual a causa da inflação na Itália ou no Canadá, no patamar de uns 15% ao ano, é cla- ro que é possível atribuí-la a questões fiscais e monetárias. Mas estamos falando da inflação brasileira, de 200%, ou da Argentina, de 1.000%. Quando o processo inflacioná- rio adquire este nível, de certo modo a emissão de moeda ou não e o déficit público deixam de ser fatores importan- tes. Se você parar totalmente de emitir conseguirá gerar uma enorme recessão com ganhos pequenos sobre a infla- ção. As estatísticas revelam que a emissão de moeda no Brasil tem sido contida em relação ao PIB nos últimos qua- tro anos e a inflação não caiu. VISÃO - Mas, então, controlar o déficit e a moeda não é ivzportante? Ou só o é quando se tem níveis normais de inflação? Lopes- Perfeitamente. Depois que o Brasil virar uma In- glaterra, não poderá ter uma economia com moeda estável se apresentar um déficit enorme. Um déficit pequeno é to- lerável. A Inglaterra não tem um déficit nulo; ele foi de 30 l I 12% em 1981, de 9% em 1982 e de 5% em 1983 (dados do FMI); sua inflação caiu de 12% para 5%. Por que o Cana- dá com um déficit de 7% do PIB tem uma inflação só de 10%? E temos a Itália com déficit de 16% e uma inflação de 15%. O Brasil tem um déficit de caixa de 100 trilhões para um PIB de 1.500 trilhões, o que dá cerca de 7%. O programa argentino prevê uma redução do déficit para 2,5% do PIB já no segundo semestre deste ano; em parte como resultado da própria queda da inflação. VISÃO - O professor Bulhões propõe acabar com a corre- ção monetária e com os subsidias ... Lopes - De certo modo o que nós estamos propondo é o inverso do que o professor Bulhões propõe. Ele quer aca- bar com a correção monetária e subsídios para acabar com a inflação. Nós queremos acabar com a inflação e, com ela sendo zero, a correção monetária é zero e os subsídios tam- bém. Além do que vejo com muito receio as propostas de moratória interna de acabar com a correção, o que geraria uma grande instabilidade. VISÃO - Vamos supor que a inflação caia para zero com seu plano. E o déficit residual? Exigirá aumento de tributação? Lopes - Numa economia em crescimento, um pequeno déficit é tolerável. Para eliminá-lo só é possível ou cortan- do os gastos ou aumentando os impostos. Mas, se é verda- de que a receita tributária caiu nos últimos anos, isso se de- ve à recessão e à inflação. Mesmo assim, hoje acredito que a receita tributária esteja subestimada e, com o crescimen- to econômico, haverá um conseqüente aumento da receita. De qualquer forma, terá de haver uma decisão política. Na Argentina, houve um corte do déficit de uns 10%; exigiu- se um investimento compulsório e se fará uma reforma tributária. VISÃO - Por que não adotar uma politica de redução de impostos como fez Ronald Reagan nos EUA, estimulando a economia e ganhando no atacado? Lopes- É possível. Na minha opinião, o que Reagan está fazendo é reduzir as taxas marginais de imposto e simplifi- car a tributação para tentar aumentar a receita tributária. 31 Ele também tem o problema do déficit, que é de 60Jo do PIB, o que a longo prazo pode pôr em perigo a estabilida- de do dólar. Acho que em matéria fiscal tem de ser estuda- do com muito cuidado o conflito entre o objetivo de efi- ciência (dar o máximo de estímulo à atividade empresarial, ao esforço do trabalho) e o objetivo de dar o máximo de eqüidade. Trata-se de uma decisão da sociedade. VISÃO - Mas, resumindo sua proposta, basta jazer uma reforma monetária, criar nova moeda, fixar o câmbio, congelar preços e salários, tudo ao mesmo tempo? Lopes - Não é só mudar o nome da moeda. Tem de haver um compromisso do Governo com a estabilidade, pois o congelamento tem de ser temporário; e os preços que fo- rem congelados têm de ser os preços de mercado, não re- primidos pelo controle de preços. Se não houver o alinha- mento dos preços o congelamento será artificial. Uma con- seqüência importante do alinhamento é que você resolve grande parte dos problemas do déficit público. Os argenti- nos eliminaram o subsídio da carne, tornaram as tarifas de preços públicos realistas, o do petróleo, etc. No Brasil se eliminariam todos os subsídios - ao trigo, açúcar, álcool. VISÃO - No realinhamento dos preços para níveis reais, tendo em conta o atual controle de preços, não poderia ha- ver especulação? Lopes- Esse é um problema a ser enfrentado. Os preços estratégicos da economia (petróleo, taxa de câmbio, aço, energia elétrica, trigo, etc.) teriam de ser acertados. Não haveria uma liberação pura e simples, mas vamos ter de sa- ber qual o preço de um automóvel em cruzados ... VISÃO - E, no caso, a indústria queixa-se do controle de preços e quer ... Lopes - Não há nenhum problema em dar à indústria o preço que estão pedindo, se justificável em termos de custo, taxa de comercialização, etc. A dificuldade atual é que o Governo faz o controle de preços para reduzir a in- flação, para abrandar a taxa mensal. Se vamos congelar, temos de fazê-lo fixando o preço marginal. VISÃO - O senhor está propondo uma economia sem arti ficia/ismos? 32 I I I ,I I I I j j I r I Lopes- Exato. Mas é preciso olhar bem o preço margi- nal. Por exemplo, no caso do petróleo, se você o extrai de três lugares, duas fontes baratas e uma cara, mas tem de- manda para esse petróleo, o preço marginal é o da fonte cara. Se os EUA, di'gamos, extraem petróleo, no Texas, na Califórnia e no Golfo do México e o custo de exploração no Texas é duas vezes o do Golfo do México, o preço mar- ginal será o do Texas; o que vai ocorrer é que a empresa privada que opera no Golfo do México vai ganhar muito mais dinheiro e a que opera no Texas vai ganhar menos. VISÃO- E o congelamento? Lopes - É mais simples administrar o congelamento do que fazer o controle de preços. Depois que você congela os • preços a níveis reais, eles adquirem valor econômico e vol- tam a ter a função de sinalizar o mercado. O povo saberá que o preço de um maço de cigarros, de uma refeição ou de um TV será "x" cruzados e ponto; ele mesmo se mobiliza para ver se os preços estão sendo praticados corretamente. Haverá variações em função de estoques, margens meno- res do comércio, etc., mas um preço real. VISÃO - Pode haver então fugas de capitais ... Lopes- Teria de haver um período de transição em que se tomem medidas de salvaguarda, como limitar movimento de capital (fuga para o dólar), restrições de crédito, etc. Mas isso é temporário. Acho que a experiência argentina nos pode ser muito útil. Veja, lá, no caso do dólar, houve um aumento muito grande no paralelo que se refletiu até no Brasil, mas já no dia 27 de junho o dólar estava cotado abaixo da taxa oficial, sendo comprado por 77 centavos de austral (80 centavos no oficial). VISÃO - Qual a quantidade que se deve emitir da nova moeda em relação ao PIB? Lopes - Na Argentina, Alfonsín se comprometeu a não emitir moeda para cobrir o déficit, mas pode haver emissão se houver aumento de reservas, por exemplo. O limite, a gente pode aprender com os países desenvolvidos, e tam- bém muito com a história das hiperinflações como a da Alemanha de 1922 e 1923. Quando ocorreu a estabilização no final de 1923, em 1924 a inflação foi zero e a quantidade 33 de moeda cresceu 1900Jo. Veja que coisa curiosa, acabou a inflação e a demanda pela moeda boa aumentou (o que ninguém queria era a moeda ruim). Nesse caso, se não houvesse emissão haveria uma grande pressão sobre a taxa de juro. Aliás, a quantidade correta de moeda, alcançada a estabilização, é determinada pela taxa de juros. Ela sinali- za;é só olhar: se ela subir, falta moeda. VISÃO - Mas qual seria a base, admitindo que se preten- de uma base real, não viciada? Lopes- Veja alguns dados de alguns países e a relação en- tre moeda e PIB: EUA (17%), Alemanha (16%), Inglater- ra (15%), França (24%). No caso do Brasil, a expansão foi • contida nos últimos quatro anos e em 1984 a emissão de moeda representava 6% do PIB, uma relação bastante bai- xa. Até porque com inflação em alta as pessoas não que- rem reter moeda ruim; logo, seu uso é extremamente pe- queno comparado com o que ocorre nos demais países de moeda estável. Se nós criarmos uma moeda boa, estável, possivelmente vamos ter de aumentar a atual relação moeda-PIB, pois a confiança na moeda aumenta e as pes- soas a querem ... VISÃO - Mas, no Brasil, os haveres não-monetários, os títulos da dívida são quase-moeda. Aliás, constituem um artifício à não-emissão de moeda, pois aumentam a veloci- dade de circulação do dinheiro, o que é até pior. Lopes - Concordo. Incluindo-se os ativos financeiros, a relação moeda-PIB aumentaria talvez ao nível de outros países ... VISÃO - Quais as repercussões de sua proposta no siste- ma financeiro? Lopes - É lógico que se eliminando a inflação e a indexa- ção também acaba aquilo que chamamos tecnicamente de "senhoragem" dos bancos - o lucro inflacionário, ou o ganho sobre os depósitos não-remunerados ou com remu- neração inferior, caso das cadernetas de poupança. Isso exigirá alguma compensação, como a redução do compul- sório e mais recursos livres no mercado. Não sei se o com- pulsório deve baixar para 20% ou a que nível; podemos to- mar como exemplo os níveis adotados nos países desenvol- 34 I I I r I I I I I I I I j ,J j .J I I I I i 1 I I I I ·~ .r I I I vidos com economia estabilizada como a que teremos. No caso do BNH também terá de ser encontrada uma fórmula estabilizadora, e assim por diante. VISÃO- E quanto à taxa de juros? Lopes- A taxa de juros no Brasil está muito alta. Ela é ir- real, assim como outras distorções da economia. Mas com a estabilidade, e numa economia com preços reais, ela cai- ria naturalmente a um nível razoável, sem congelamento. Até porque aí ela seria um importante indicador econômi- co de mercado. VISÃO - O senhor acha que o Governo da Nova Repúbli- ca adotaria sua proposta? Lopes - Deveria. Não podemos continuar atacando a in- flação no varejo, sacrificando a todos para mantê-la no mesmo patamar e correr riscos de choques que levem à hi- perinflação. É como descer uma escada de costas. Nesse caso é melhor pular! VISÃO, 17-7-85 35 • ll- Entrevista com Octavio Gouvêa de Bulhões "A meta é zero de inflação em 1986" foi o título da matéria com a qual VISÃO abriu o debate sobre as diversas propostas para acabar com a inflação (edição de 17-7-85, página 52), apresentando o plano do professor Francisco Lafaiete Lopes e uma entrevista exclusiva com o autor. Agora é o professor Octavio Gouvêa de Bulhões que contribui para o debate falando daquela proposta e apon- tando uma opção. VISÃO - Como o senhor vê a proposta do professor La- faiete Lopes? Octavio Gouvêa de Bulhões - Devemos receber como ino- vadora a preocupação daqueles que se manifestam contra a prolongada e intensificada prevalência inflacionária em nosso país. Afinal, o número de pessoas alheias aos males da inflação é significativo em nosso país, inclusive na área governamental. Segundo o depoimento de Francisco Lafaiete Lopes, ele e um grupo de professores sustentam a impossibilidade de pretender-se eliminar o déficit público com uma taxa de in- flação de 200% ao ano. A seu ver, o caminho indicado é o da substituição da presente moeda desvalorizada por ou- tra, nova, de valor estável. A substituição deve st:r feita du- rante um período de congelamento global da renda, perío- do de alinhamento dos preços, grande solução para os dé- ficits públicos. São suprimidos todos os artifícios, destaca- damente os subsídios. Conseguindo o alinhamento dos preços, ou seja, a eficácia da relatividade dos preços, como diria mais apropriadamente o professor Dias Leite, seria obtida a estabilidade do nível dos preços e, portanto, se tornaria desnecessária a correção monetária. Nessas condi- ções, o déficit público deixaria de crescer, pois seu aumen- to, de exercício para exercício, advém da incorporação da inflação passada na estimativa dos dispêndios futuros. Daí a afirmativa de ser impossível eliminar-se o déficit público quando a inflação atinge o nível de 200%. VISÃO- O senhor concorda com a proposta? 36 I I I I Bulhões - Acho que medidas eficazes de combate à infla- ção se impõem, até para viabilizar a taxa de crescimento de 50Jo .a 6% defendida pelo presidente José Sarney. Em tese apó1o a solução, que é semelhante à dada pela Argentina. Até porque defendo a extinção da correção monetária e dos subsídios. Mas voltemos à substituição da moeda, cujo êxito de- pende do valor estável da nova moeda, estabilidade ligada a um horizonte límpido, isento de nuvens carregadas de dé- ficit público. É indispensável vigorar uma política que aS·· segur~ a .supressão de, ~esequilíbrios orçamentários, garan· ta a d1sc1plma monetar1a, favoreça um clima de progresso .. VISÃO - Como evitar essas "nuvens, de déficit? Bulhões - Na expectativa de contribuir para o preparo e ~xecução dessa política construtiva é que insisto na capita- lização das empresas. Dentre as várias sugestões de estímu- lo à subscrição de ações novas, repito, agora, a que se refe- re à aplicação da receita do Programa de Integração Social (PIS) na compra de ações, em vez de empregá-la em em- préstimos ou utilizá-la em restituições. A finalidade é con- seguir um patrimônio crescente para os empregados. Sendo a finalidade do PIS suplementar os salários com dividendos, nada mais apropriado que utilizar as contribui- ções na atividade empresarial - reduzindo os débitos ou real~zando investimentos - e conceder, em importâncias eqmvalentes, ações escriturais aos empregados. As ações es- criturais, retidas nas empresas, seriam fonte de renda e não veículo de disponibilidade de capital. Haveria a preocupa- ção de diversificar as ações mantidas em patrimônio. A par- ticipação sendo diluída, ainda que no curso do tempo atin- gisse soma elevada, dificilmente representaria um nível que pudesse interferir na direção das empresas. VISÃO - Poderia dar um exemplo e sua relação com o dé- ficit público? Bulhões - É esse tema que desejamos ressaltar no caso, por exemplo, da Companhia Vale do Rio Doce. O realce é necessário pelo fato de ser de suma importância diminuir o débito das empresas estatais como meio de reduzir o déficit público. No Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Ge- 37 túlio Vargas, Eden Gonçalves de Oliveira estima que teria sido possível reduzir de 27o/o o endividamento das empre- sas estatais, caso a arrecadação de 1983 e 1984 do PISe do Pasep (respectivamente 3.156 bilhões e 1.137 bilhões de cruzeiros) tivesse sido aplicada em aumento de capital, em substituição ao aumento de empréstimos. A estimativa é feita com a correção monetária das arrecadações de 1983 e 1984, com base em dezembro de 1984, em confronto com o saldo dos empréstimos de dezembro de 1984 no valor de 39.836 bilhões de cruzeiros. Voltando à Vale do Rio Doce, a empresa, necessitando de recursos financeiros para executar os seus projetos de desenvolvimento (e, conseqüentemente, contribuindo para o progresso econômico do país), muito judiciosamente ve- rificou ser imprudente agravar seu débito. Impunha-se o aumento do capital. O Governo em estado deficitário não estaria em condições de subscrever o acréscimo requerido. Então a Vale fez ofertadas ações ao público. Com esse procedimento, a CVRD deixou de representar uma fonte de endividamento, agravante do déficit público, para transformar -se em empresa de indiscutível solidez econô- mica e financeira, em contraste com as demais empresas do Estado, conforme demonstra o quadro abaixo. Empresas estatais, excluída Vale do a Vale do Rio Doce Rio Doce (Bilhões de cruzeiros) 1982 1983 1982 1983 1984 a) Patrimônio líquido (Capital 14.665 43.110 410 1.an 7.495 e reservas) bl Exigível (Dívidas e 17.147 57.337 532 2.005 7.348 despesas a pagar) c) 8-A -2.472 -14.227 -122 -128 + 153 8/A 1,16 1,33 1,29 1,06 0,98 Fonte: Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas. VISÃO - Mas o Governo ... Bulhões - Em vez de o Governo demonstrar satisfação 38 I I I I ,I ii I \ I I I I I I I pelo bom resultado obtido, exemplo a ser seguido pelas de- mais empresas que continuam pesando sobre o déficit pú- blico, ele se sente amedrontado. Julga o Governo arriscada a sua posição de manter 68% das ações ordinárias e 46o/o das ações preferenciais. Se as ações vendidas ao público estiverem diluídas el\tre milhares de acionistas, ainda que as percentagens citadas viessem a cair à metade, o Governo estaria tranqüilo em seu poder de controle e tranqüilo estaria o país, pois a participa- ção de grande número de acionistas seria prova de descen- tralização da riqueza e presença moral para que a empresa atuasse em alto nível de eficiência e de lucratividade. VISÃO - Faltaria fé no mercado? Bulhões - No mundo em que vivemos, onde há limitações a serem enfrentadas, lembra Paul Samuelson fazer parte da educação das crianças compreenderem, desde cedo, que "ambos" é resposta inadmissível ao imperativo de uma es- colha. A situação em que nos encontramos no Brasil revela terem nossas autoridades olvidado por completo a lição da necessidade de optar no arrolamento de nossos dispêndios. Gastam a esmo e, em meio às dificuldades de obtenção de recursos, duvidam daqueles que contribuem para remover o obstáculo criado pela falta de capacidade de optar. Com tanta falta de lógica no gastar e tão arraigados preconceitos no auferir receitas, é duvidosa a expectativa de um horizonte límpido, necessário para se ter uma moe- da de valor estável. VISÃO, 31-7-85 39 .. III- Entrevista com André Lara Resende "A inflação brasileira pode ser absolutamente elimina- da em menos de três meses, com medidas coerentes e sérias de redução do déficit público e, conseqüentemente, com menos emissão sem lastro. Isso se consegue com medi- das efetivas e não apenas com declarações de intenção. Pri- meiro, isso passaria por redução de gastos públicos e refor- ma fiscal. Depois, viria a reforma monetária, com a intro- dução da moeda indexada, para desindexar a economia e eliminar o problema da inércia da inflação." As palavras são do professor André Lara Resende, co- lega do professor Francisco Lafaiete Lopes, co-autor das idéias de reforma monetária e de introdução de uma nova moeda, mas que discorda parcialmente da proposta de La- faiete Lopes publicada por VISÃO (edição de 17-7-85, pá- gina 52). Lara Resende expõe a seguir suas idéias, dando seqüên- cia ao debate aberto por VISÃO. VISÃO - No que o senhor discorda da proposta de La- faiete Lopes? André Lara Resende - A proposta do professor Francisco Lafaiete Lopes de estabelecer, em cima da reforma mone- tária e da nova moeda, um congelamento de salários e pre- ços é que não me parece uma necessidade. Controlar os preços é dispensável, embora possa também constituir-se em medida de segurança, para evitar os movimentos espe- culativos e, assim, aumentar a credibilidade, que será fun- damental no primeiro momento da nova moeda. Minha preocupação com esse controle de salários e pre- ços é mais um problema de administração. O importante é o bom funcionamento do mercado, e, para isto, é preciso evitar a intervenção do Estado, que afeta negativamente a livre iniciativa. Se esse controle tiver mesmo de ocorrer, dentro de um programa de estabilização econômica coe- rente, deverá ser por tempo claramente limitado. VISÃO - O senhor defende uma reforma fiscal. De que tipo? 40 I I I .I .I I I I I I Lara Resende - A reforma fiscal que defendo deverá ape- nas equilibrar a distribuição da carga tributária. Nada de aumentar ou criar impostos para setor algum. Falo em equilibrar e simplificar. A redução dos gastos públicos de- verá eliminar a necessidade de aumento dos impostos. A carga tributária no Brasil já é alta demais. Apesar disso, es- tou convencido de que a sociedade brasileira estaria dis- posta a aceitar até um eventual aumento de tributação, in- clusive o assalariado, que já é muito taxado, desde que eles fossem persuadidos de que "estamos fazendo uma refor- ma profunda, que vai exigir sacrifício, mas, em compensa- ção, arrumaremos definitivamente a casa e partiremos pa- ra uma economia saudável". Agora, o que não se pode fazer são medidas casuísticas de aumento de impostos, como a tentativa de congelar a tabela de cálculo de IR e outras coisas, enquanto o Gover- no nada faz para reduzir suas despesas. E ... pior: o que se vê são os "trens da alegria", a estatização do Sulbrasileiro e os escândalos de corrupção ... VISÃO - Como controlar o déficit? Lara Resende - Não tem mistério algum. Redução de des- pesa é redução de despesa e pronto. Agora, simplesmente, isso tem certos custos políticos. Quer dizer, você precisare- duzir gastos de custeio, reduzir pessoal, com efeitos sobre o emprego e a produção. VISÃO- Alega-se que isso seria recessivo ... Lara Resende - É um princípio relativamente recessivo, mas não geraria desemprego estrutural. A questão é por quanto tempo a medida será recessiva. Se você reduz a car- ga do Estado na economia, você fortalece a livre iniciativa. VISÃO- Há resposta do mercado. Lara Resende - Exato. As pessoas que forem, por exem- plo, demitidas do setor público terão emprego no setor pri- vado, porque com o' controle do déficit do Governo vem a redução das taxas de juro e a recuperação do investimento privado na economia, o que compensa a queda do gasto público. É bom lembrar o inegável dinamismo do setor pri- vado brasileiro. A demonstração da capacidade de pou- pança e de exportação da livre iniciativa nos últimos anos é impressionante. 41 • VISÃO - A emissilo sem lastro de moeda e títulos para co- brir o déficit público nilo é inflacionária, mesmo numa in- flaçilo alta ou "inerciai"? Lara Resende- Nessa economia de inflação inerciai, emi- tir moeda e títulos, acompanhando a inflação, não é uma decisão inflacionária, porque você está apenas mantendo o volume real do estoque de moeda constante. Se estivésse- mos em economia estável, a emissão não poderia ficar aci- ma da taxa de crescimento real da economia. Quando você estabiliza os preços de uma economia com inflação iner- cial, você pode emitir de acordo com a demanda de moeda, mas apenas num primeiro momento. Isso porque, com a estabilidade dos preços, a tendência é de a população reter dinheiro e isto aumenta a demanda por moeda. Passado o impacto da medida que causa o aumento da demanda por moeda, então se deve manter a emissão de títulos e dinhei- ro próxima da taxa de crescimento real da economia. VISÃO - O senhor propOe inclusive uma moeda estável, indexada. Lara Resende - Trata-se de desindexar a economia pela introdução de uma moeda indexada em relação ao cruzei- ro, que batizei como "cruzeiro-ouro", que valeria, diga- mos, um décimo de ORTN. O uso da nova moeda, quer como instrumento de troca, quer como unidade de conta, seria inteiramente facultativo. É óbvio, porém, que a nova moeda rapidamenteexpulsaria o cruzeiro de circulação e, assim, o sistema brasileiro de indexação morreria de morte natural, por falta de referencial. VISÃO- O déficit público deve ser zero? Lara Resende - Concordo com o professor Lafaiete Lo- pes que você não precisa ter uma economia com déficit pú- blico zero. Pode-se ter algum déficit, porque todas as eco- nomias o têm de alguma forma. Agora, é preciso sanear a economia brasileira. Pelo menos por um determinado tem- po, o setor público do nosso país deverá ser superavitário. A partir daí, poderá voltar a apresentar ligeiro déficit: 1 oro ou 201o do PIB é perfeitamente normal e tolerável. O pró- prio crescimento do setor privado permitirá esse nível de déficit, enquanto a dívida pública aumentaria, mas em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), ficando, por- tanto, constante. 42 I I I I I I I . I I I . I I I , I I . I I VISÃO- Isso significa menos governo e mais livre iniciativa? Lara Resende- Exato. Com o nível do déficit constante em relação ao PIB, o setor público se concentraria nas ati- vidades que lhe são próprias, as atividades sociais. Menos governo na economia permite mais governo no social, con- forme lembrou o presidente José Sarney. VISÃO, 7-8-85 43 • IV- Entrevista com Sérgio Quintela "A credito que a inflação pode ser debelada, em curto prazo, rapidamente. Mas para isso é preciso nego- ciar a dívida externa de forma a viabilizar o desejo do país de honrar os compromissos sem exportar capital, conter de fato o déficit público, acabar com os subsídios e ter uma economia de mercado eficiente." As palavras são do em- presário Sérgio Quintela, cinqüenta anos, membro do Conselho Monetário Nacional, participante da extinta Co- pag - Comissão para o Plano de Ação do Governo Tan- credo Neves, presidente da Internacional de Engenharia e vice-presidente do Grupo Montreal. Nesta entrevista exclusiva, Quintela expõe suas idéias, dando seqüência ao debate aberto por VISÃO. VISÃO - O que o senhor acha da proposta do professor Lafaiete Lopes para zerar a inflação em 1986? Sérgio Quintela - A proposta tem aspectos de inovação e de omissão. O professor Lopes avança, por exemplo, na tese do realinhamento dos preços. Ele quer liberar os pre- ços para, em seguida, fazer o congelamento. Duvido que isso possa ser aplicado no Brasil por algumas razões: 1) Porque na economia brasileira existe uma presença estatal excessiva, com preços monopolizados ou então oligopolizados. 2) Porque temos muitos preços que são difíceis de defi- nir ou de identificar se expressam ou não a realidade do li- vre mercado. 3) Porque temos barreiras de importação; portanto, sem a possibilidade de poder colocar tanto os produtores como os comerciantes em regime de concorrência. Quanto à idéia de se estabelecer o congelamento tempo- rário em cima das médias dos preços de outubro de 1984 a março de 1985, não se pode ignorar que nesse período ha- via preços e tarifas irreais, porque já estavam comprimidos como os salários. VISÃO- Como liberalizar e realinhar os preços? Quintela- Numa economia mais próxima do livre merca- 44 I r ,I I J I I I J J l I , I I I I I I I I I I do e mais aberta à competição internacional. Nesse caso, já existiria o realinhamento dos preços. Mas aí entra a omissão da proposta: não se examinaram os efeitos da dí- vida externa sobre nossa economia, especificamente sobre as taxas de juro, pressionando a poupança interna. Somos hoje exportadores de capital, porque transferimos para o exterior anualmente entre 40Jo e 5% do PIB. O que torna difícil estabilizar a economia sem renegociar a dívida em base diferente da que estamos praticando. VISÃO - Que. base de renegociação seria essa? Quintela - É uma tradição brasileira honrar os compro- missos e não há por que duvidar da capacidade do país de pagar a dívida. Precisamos é de uma folga cambial, no pe- ríodo de reajustamento da nossa economia. Isso traria dois efeitos principais: 1 ?) reduziria as taxas internas de juro e, conseqüentemente, aliviaria até o déficit público; 2?) libe- raria mais as importações, o que provocaria queda da in- flação por meio do maior grau de concorrência da indús- tria, serviços e produtos agrícolas. VISÃO - Quais os efeitos da dívida sobre o déficit e na economia? Quintela - São· grandes. Só o juro da dívida representa hoje cerca de dois terços do total da despesa financeira do Governo Federal. O Fundo Monetário Internacional quer que, em vez de um déficit modesto, o Brasil tenha superá- vit de 4% a 5% do PIB, o que é coerente com sua política mas com a qual não precisamos estar de acordo. Se faze- mos exportação líquida de recursos de 40Jo a 5% do PIB, é preciso financiar essa exportação de alguma forma sem pressionar de modo exagerado a poupança nacional. Uma maneira é gerar poupança interna de 4% a 5%. Os núme- ros não são casualmente iguais. E a negociação da dívida passa por aí. VISÃO -Além da dívida externa, o que mais causa o défi- cit público? Quintela - O déficit nosso é quantitativo e qualitativo. Não é apenas o fato de o Governo gastar mais do que arre- cada. É que dispomos de máquina estatal ineficiente, sem- pre no vermelho, principalmente nas áreas produtivas. São 45 • • déficits crônicos, diferentes dos que ocorrem, por exem- plo, nos Estados Unidos ou na Inglaterra, em que o Estado possa estar momentaneamente gastando mais do que lhe é possível em saúde pública ou em armamentos. Nesse caso, uma redução dos dispêndios equilibraria o orçamento. VISÃO- Como atacar fundo o déficit público? Quintela - Isso envolve a gerência das empresas estatais, a eliminação da ineficiência de algumas empresas e autar- quias tipo IBC, IAA, Embratur, etc. Não se trata apenas de correção meramente de natureza econômica, mas de modificações de natureza gerencial. Algumas empresas de- veriam ser simplesmente fechadas, porque não estão de- sempenhando nenhuma função. VISÃO- Quais, por exemplo? Quintela - Numerosas. A área de bens de capital é um exemplo. Não quero dar nomes porque os nomes são sem- pre combatidos de forma a desviar o assunto para confun- dir a opinião pública. Temos de aceitar a tese de que o Es- tado não pode ter envolvimento empresarial porque ele não é bom gerente e porque o setor privado em muitos ca- sos está presente competindo em igualdade de condições com empresas internacionais. O déficit público é de natu- reza estrutural e mistura empresas com falta de caixa mas com retorno garantido, como as usinas hidroelétricas, com outras operacionalmente deficitárias, e ainda com ativida- des deficitárias e mal geridas, como o sistema de previdên- cia social. VISÃO - O que representam os subsídios no déficit público? Quintela - Têm efeito importante e partilho integralmen- te da opinião do professor Octavio Gouvêa de Bulhões de que a fase atual de controle de preços é o momento ade- quado para se acabar com os subsídios. VISÃO - E o peso das emissões de dinheiro e títulos na inflação? Quintela - É direto, instantâneo e imediato sobre a eleva- ção dos preços. Aí é que está o círculo vicioso, que os eco- nomistas pretendem romper, de realimentação inflacioná- ria que se denomina ''inflação inerciai''. Há a necessidade 46 I I I I I I I I l I I I de emissão de dinheiro para financiar o aumento dos ati- vos decorrente da inflação passada. VISÃO- E quanto à taxa de juro elevada? O que jazer pa- ra baixá-la? Quintela - As formas de baixar os juros são as que estão em debate. De início, reduzir a pressão governamental de- mandando recursos, aqui entra a política fiscal. Em segui- da, acabar com a pressão da dívidaexterna sobre a pou- pança nacional. A taxa de juro é formada pelo custo administrativo do banco, que remunera o capital próprio, pelos impostos que incidem sobre a captação bancária e pelo compulsório. Na época da Copag, fizemos uma proposição que abrangia a tributação sobre a captação bancária. Era uma forte redu- ção, que iria diminuir a arrecadação, mas representaria uma queda real de juros e o Governo, conseqüentemente, pagaria menos para financiar o seu déficit. Quanto à redu- ção do compulsório, seria positiva porque daria maior li- berdade ao fluxo financeiro entre as várias instituições de crédito. Essa tem sido uma prática do Conselho Monetário Nacional, que, por orientação do ministro da Fazenda, vem avançando na liberalização do fluxo financeiro, e isso é uma das explicações pelas quais a taxa de juro tem caído nos últimos meses. VISÃO- E quanto à carga tributária e seus efeitos? Quintela - Surpreendo-me quando vejo economistas res- peitáveis afirmarem que a carga tributária vem caindo. Só se_isso ocorreu por causa da recessão. Como empresário e como cidadão garanto que pago mais imposto e taxas hoje do que pagava há dois ou três anos, seja de ICM, IR, ISS, IPTU, Previdência, etc. NãG> conheço um único imposto que tenha sido reduzido. VISÃO - Que sugestão o senhor teria para a reforma tri- butária em estudo? Quintela- É fundamental recriar a Federação. Transferir para os Estados e municípios a maior parte possível da ar- recadação tributária, acompanhada das necessárias trans- ferências de obrigações. Politicamente, é preciso instru- mentalizar os Estados e municípios para que reduzam as 47 : disparidades regionais e pessoais de renda. Numa econo- mia moderna, como a nossa pretende ser, não se pode ter diferenças extremas. Uma reforma tributária deve fazer com que os governos Federal e dos Estados se concentrem nas funções prioritárias: segurança do país e do cidadão, garantia dos direitos essenciais da vida, como educação, saúde, etc. VISÃO- E a nova moeda, o senhor aprova a idéia? Quintela - Dentro de um programa global de estabiliza- ção da economia, a nova moeda é importante, como o foi o cruzeiro novo em 1967. A nova moeda virá mais cedo ou mais tarde. Não temos condições de continuar com a moe- da no nível da atual. Daqui a pouco não se pode mais nem fazer a contabilidade das empresas. VISÃO, 14-8-85 48 li I I I I I I I I I I I I V-Entrevista com Marcílio Marques Moreira "As experiências históricas e recentes dos países indus- trializados mostram que, quando se combate a in- flação de forma decidida e com credibilidade, ela cai mais depressa do que se imagina. Podemos sair de uma inflação de 2000Jo este ano, com avanço substancial daí para a fren- te (120% em 1986, 60% em 1987), até zerarmos a inflação em três ou quatro anos. Isso sem sacrifício de outros obje- tivos da política econômica que compreendem o cresci- mento auto-sustentável e acabar com as desigualdades so- ciais que ensombrecem a consciência nacional." As palavras são de Marcílio Marques Moreira, banquei- ro (conselheiro de Administração do Unibanco) e prcfes- sor de Economia e Ciência Política. Esta entrevista dá se- qüência ao debate aberto por VISÃO. VISÃO - O senhor concorda com a proposta do professor Lafaiete Lopes para zerar a inflação já em 1986? Marcílio Marques Moreira- A proposta do professor La- faiete Lopes tem muitas virtudes. A principal delas é a prioridade dada ao combate à inflação. Também é impor- tante a abordagem da inflação inerciai. Há na inflação atual um elemento reprodutor e realimentador da própria inflação. Apesar disso, não me afino com a proposta por- que a considero um tratamento de choque heterodoxo. Também não me afino com o tratamento de choque, que considero ortodoxo, do professor Octavio Gouvêa de Bulhões. Muitas causas estão presentes na inflação. Esse momen- to inerciai, o déficit público, a política monetária, o fato psicológico e o fato de não termos tido uma política antiin- flacionária, nos últimos seis anos. Não houve o propalado fracasso do monetarismo no Brasil, simplesmente porque não existiu monetarismo algum. A Nova República tem credibilidade para atacar o problema e acho que isso deve ser feito dentro de uma estratégia econômica e social abrangente. VISÃO- Essa estratégia compreenderia o quê? 49 Marcílio - Não se desmembraria de maneira alguma da redução do déficit público. Compreenderia: 1 ?) uma polí- tica monetária coerente - neutra ou ligeiramente restriti- va; 2?) a retirada do elemento realimentador da indexação, procurando-se preservar os preços mais em relação ao fu- turo que ao passado; 3?) conseqüentemente, a redefinição da co.rreção monetária, para que deixe de ser unicamente um "espelho retrovisor". Como no Pacto de Moncloa, is- so levaria a uma política mais global de remuneração e va- lorização dos fatores de produção e a uma arrumação dos preços relativos. VISÃO - Como ficaria a indexação e a correção monetária? Marcílio - Em vez de continuar concentrada nos três meses passados, a indexação incluiria de 45 a sessenta dias para a frente e o mesmo para trás. Seria uma projeção realista. VISÃO - Qual o peso que atribui ao déficit público na in- flação e quais as formas de cobri-lo? Via emissão de moeda e de títulos? Marcílio - Não o considero o único fator inflacionário, nem acho que eliminá-lo zeraria a inflação. O problema do déficit é que é muito elevado (200Jo do PIB) e financiado de maneira inflacionária, por causa disso. E é elevado devido ao enorme desperdício com o dinheiro público, pela baixa produtividade tanto dos investimentos como do gasto cor- rente do setor público. VISÃO- E a influência disso sobre a taxa de juro? Marcílio - Diante dessa incapacidade de criar fluxos de recursos, quer de impostos e tarifas, quer da venda dos produtos e serviços para pagar a dívida e de uma estratégia coerente de combate à inflação, os juros sobem. Sobem so- bretudo pela percepção da sociedade de que o Governo não tem capacidade de arcar com sua dívida. Na medida ~m que essa percepção do mercado muda, os juros baixam. E o caso dos EUA, que têm uma dívida interna enorme e um déficit também. Mas lá se tem a percepção de que o Governo é capaz de gerar fluxos de retorno e que no futuro pagará a sua dívida. VISÃO - Reduzir a rentabilidade dos títulos públicos di- minui os juros? 50 I I I I I I I I I Marcílio- Acredito que sim, uma vez que não seja de ma- neira artificial. Deve estar no conjunto de medidas coeren- tes e de credibilidade. VISÃO - E a redução do recolhimento compulsório sobre os depósitos jeitos pelos bancos junto ao Banco Central, digamos a uns 20%, baixa os juros? Marcílio - Seria importante, porque a transação financei- ra no Brasil está-se tornando extremamente onerosa, tanto sobre a operação como sobre o aplicador; pela exigência do compulsório; pela exigência de destinação dos recursos captados, etc. Tudo isso pesa muito mais sobre o custo do dinheiro do que a taxa de intermediação cobrada pelo sis- tema financeiro. VISÃO - No "open market", a Carta de Recompra não o transformou num centro de especulação financeira às custas do Banco Central? Marcílio - A Carta de Recompra, em si, formaliza uma prática de mercado. O que no Brasil realmente preocupa não é a indexação dos instrumentos financeiros a médio prazo (acima de um ano); aliás, a proposta do professor La- faiete Lopes dá a entender isso claramente. O problema é a monetarização dos instrumentos financeiros de curto e cur- tíssimo prazo, até do overnight. Ou seja, papéis de médio prazo ou longo prazo não deveriam ser utilizados para ope- rações de curto prazo. E os de curto prazo não deveriam ser
Compartilhar