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entre si. Esse estudo, conduzido mais a partir da observac¸a˜o dos comportamentos individuais do que do funcionamento das instituic¸o˜es, visa evidenciar a especificidade das personalidades culturais, bem como das produc¸o˜es culturais caracter´ısticas de uma etnia ou nac¸a˜o. Disso decorre a Subespecialidades: etnolingu¨´ıstica, etnomedicina, etnopsiquiatria, etnomusicologia, de que so´ se domina a pra´tica para uma a´rea geogra´fica limitada. Andre Sobrinho Underline 6.2. DETERMINAC¸O˜ES CULTURAIS 77 importaˆncia, nos Estados Unidos, das relac¸o˜es da etnologia com a psicologia ou a psicana´lise: 2) a antropologia americana na˜o se interessa apenas pelos processos de in- terac¸a˜o entre os indiv´ıduos e sua cultura, mas tambe´m entre as pro´prias1 culturas: forjou, em especial, o conceito de ”aculturac¸a˜o”ao qual voltaremos mais adiante; 3) nunca foi confrontada, ao contra´rio do que ocorreu na Franc¸a e na Ingla- terra, aos processos da colonizac¸a˜o e descolonizac¸a˜o, mas, em contrapartida, aos problemas colocados por suas pro´prias minorias (negra, ı´ndia e portorri- quenha); 4) acrescentemos finalmente que se a antropologia americana contribuiu muito cedo em grande parte (Boas) para poˆr um fim a` arrogaˆncia das reconstituic¸o˜es histo´ricas especulativas, reatualizou e renovou ao mesmo tempo, em seus de- senvolvimentos contemporaˆneos, a abordagem evolucionista sob a forma do que e´ hoje chamado neo-evolucionismo A antropologia britaˆnica: Seu crescimento, tambe´m muito ra´pido, como nos Estados Unidos, deve ser relacionado a` importaˆncia de seu impe´rio colonial. Pode ser caracterizada da seguinte maneira: 1) e´ uma antropologia antievolucionista, que se constituiu desde Malinowski em oposic¸a˜o a uma compreensa˜o histo´rica do social (as reconstruc¸o˜es hi- pote´ticas dos esta´gios, indo das sociedades ”primitivas”a`s ”civilizadas”, bem como a abordagem da historiografia). Dedica-se preferencialmente a` inves- tigac¸a˜o do presente a partir de me´todos funcionais (Malinowski), e, em se- guida, estruturais (Radcliffe-Brown): uma sociedade deve ser estudada em si, independentemente de seu passado, tal como se apresenta no momento no qual a observamos. O modelo pode portanto ser qualificado de sincroˆnico, enquanto a pesquisa baseia-se no levantamento da totalidade dos aspectos que constituem uma determinada sociedade: a monografia; 2) e´ uma antropologia antidifusionista, o que a opo˜e a` antropologia ame- ricana, a qual se preocupa em compreender o processo de transmissa˜o dos elementos de uma cultura para outra. Para a maioria dos pesquisadores ingleses, uma sociedade na˜o deve ser explicada nem pelo que herda de seu passado, nem pelo que empresta a seus vizinhos; Andre Sobrinho Highlight Andre Sobrinho Highlight Andre Sobrinho Highlight Andre Sobrinho Highlight Andre Sobrinho Highlight 78 CAPI´TULO 6. INTRODUC¸A˜O: 3) e´ uma antropologia de campo, que se desenvolve muito rapidamente, a partir do in´ıcio do se´culo, com Malinowski e, antes, com Radcliffe-Brown, o qual e´, mais ainda que Malinowski, um dos pais fundadores de quem a maio- ria dos antropo´logos britaˆnicos contemporaˆneos se considera sucessora. Esse cara´ter emp´ırico (observac¸a˜o direta de uma determinada sociedade, a partir de um trabalho exigindo longas estadias no campo) e indutivo da pra´tica dos antropo´logos ingleses apo´ia-se numa longa tradic¸a˜o britaˆnica: o empirismo dos filo´sofos desse pa´ıs, que se pode opor ao racionalismo e ao idealismo do pensamento franceˆs. Hoje ainda, um antropo´logo que pode ser conside- rado como um dos mais importantes da Gra˜-Bretanha, Leach, na˜o hesita em qualificar-se de ”empirista”, e ate´ de ”materialista”, e veˆ a abordagem de um Le´vi-Strauss como tipicamente francesa: racionalista e idealista; 4) finalmente, e´ uma antropologia social que, ao contra´rio da antropologia americana, privilegia o estudo da organizac¸a˜o dos sistemas sociais em detri- mento do estudo dos comportamentos culturais dos indiv´ıduos. A antropologia francesa: A Franc¸a esta´ praticamente ausente da cena da antropologia social e cul- tural da segunda metade do se´culo XIX. Nenhum pesquisador franceˆs teve, nessa e´poca, a influeˆncia de um Tylor (ingleˆs) ou de um Morgan (americano). As preocupac¸o˜es da antropologia francesa estavam voltadas para outra a´rea. Quando se falava de antropologia, tratava-se da antropologia f´ısica, que era enta˜o ilustrada pelos trabalhos de Broca, Quatrefages ou Topinard, que pu- blicou em 1876 uma obra intitulada simplesmente A Antropologia.2 Esse atraso da etnologia francesa – muito importante se considerarmos a intensa atividade que se desenvolvia do outro lado do canal da Mancha e do Atlaˆntico – na˜o sera´ recuperado no in´ıcio do se´culo XX. Enquanto que um campo emp´ırico e teo´rico considera´vel se constitu´ıa tanto nos Estados Unidos como na Gra´-Bretanha; enquanto, nesses dois pa´ıses, administradores utili- zavam cada vez mais os servic¸os de antropo´logos formados nas universidades, a etnologia francesa dessa e´poca permanecia ainda uma etnologia selvagem, que na˜o era praticada por etno´logos e sim por missiona´rios e por alguns ad- 2Notemos que Gobineau, que considera o estudo do homem apenas sob o aˆngulo da rac¸a, nunca das culturas (Essai sur ilne´galite´ des Races Humaines, 1853) era franceˆs. Lembremos tambe´m a importaˆncia que teve a antropologia f´ısica e pre´-histo´rica na Franc¸a (em relac¸a˜o notadamente a` influeˆncia considera´vel exercida no final do se´culo XIX pelas cieˆncias positivas e experimentais no pa´ıs de Pasteur e de Claude Bernard) Andre Sobrinho Highlight Andre Sobrinho Highlight Andre Sobrinho Highlight Andre Sobrinho Underline Andre Sobrinho Highlight Andre Sobrinho Underline 6.2. DETERMINAC¸O˜ES CULTURAIS 79 ministradores de coloˆnias francesas.3 Mais uma vez, as preocupac¸o˜es francesas esta˜o voltadas para outros aspec- tos: trata-se dessa vez de preocupac¸o˜es teo´ricas de filo´sofos e socio´logos que, sem du´vida, exercera˜o uma influeˆncia decisiva na constituic¸a˜o cient´ıfica da etnologia, mas na˜o sa˜o sustentadas por nenhuma pra´tica etnogra´fica. Nem Durkheim (cujo pensamento vai impregnar profundamente a antropologia in- glesa), nem Le´vy-Bruhl efetuaram qualquer observac¸a˜o. O pro´prio Mauss, que e´ paradoxalmente autor de uma excelente obra, manual de investigac¸a˜o etnogra´fica (1967), nunca realizou uma investigac¸a˜o no campo. Sera´ preciso esperar os anos 30 para que uma verdadeira etnografia pro- fissional comece a se constituir na Franc¸a. A primeira missa˜o de cara´ter cient´ıfico (a famosa ”Dacar-Djibuti”) sera´ efetuada por Mareei Griaule e seus colaboradores em 1931. A partir da mesma e´poca, Maurice Leenhardt, que permaneceu por mais de 20 anos na Nova Caledoˆnia como missiona´rio protestante, empreendeu trabalhos (1946, 1985) que podem ser qualificados de pioneiros, enquanto Paul Rivet passava a ser um dos principais artesa˜os da organizac¸a˜o da antropologia no nosso pa´ıs. A partir dessa e´poca, mas so´ a partir dela, pode-se considerar que, com o impulso especialmente dos homens que acabamos de citar, a antropologia francesa entrou em sua maturi- dade. A partir desse momento, as pesquisas foram prosseguindo, estendendo o aprofundando-se em um ritmo ininterrupto. Seria dif´ıcil, principalmente em algumas frases, caracterizar os desenvolvi- mentos propriamente contemporaˆneos dessa pesquisa francesa, cuja riqueza na˜o tem mais nada a invejar dos Estados Unidos ou da Inglaterra. Lembre- mos apenas aqui alguns aspectos relevantes: • as preocupac¸o˜es teo´ricas dos antropo´logos franceses que aparecem par- ticularmente quando confrontamos seus trabalhos (e debates) a` pra´tica da antropologia anglo-saxoˆnica, frequ¨entemente mais emp´ırica; • um objeto de predilec¸a˜o que e´ o estudo dos sistemas de ”representac¸o˜es” 3Clozel e Delafosse estudaram no in´ıcio do se´culo o sistema jur´ıdico das populac¸o˜es do Suda˜o. O segundo se tornou professor na Escola