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uma interdependência entre aspectos semânticos e gramaticais da linguagem. A gramática estaria por trás da palavra, e a emissão verbal mais simples seria na verdade, não uma correspondência rígida entre som e significado, mas sim, um processo. As expressões verbais se desenvolvem gradualmente, e o processo de transição do significado para o som é complexo. Inicialmente, a criança utiliza as palavras sem consciência da distinção entre formas verbais e significados. Com o desenvolvimento, a criança começa a diferenciar os planos semântico e vocal. Para Vygotsky, portanto, a direção do desenvolvimento do pensamento não é do individual para o social, mas do social para o individual. A fala egocêntrica é então uma etapa intermediária, elo genético altamente relevante, anterior ao desenvolvimento da fala interna, que se processa por uma acumulação lenta de mudanças funcionais e estruturais da fala externa, e da diferenciação das funções social e egocêntrica da fala. Por essa ocasião, as estruturas da fala da criança se tornam estruturas básicas de seu pensamento. Ocorre então um salto, mudando a natureza da fala e do intelecto, que passa da esfera do biológico para o sociocultural. Vygotsky considera, portanto, que o pensamento verbal não é uma forma de comportamento inato, mas sim algo determinado por um processo histórico-cultural. A fala e o uso de instrumentos O estudo do uso de instrumentos isolados do uso de signos é habitual nas pesquisas a respeito da história natural do intelecto prático e nos estudos do desenvolvimento dos processos simbólicos na criança. Os psicólogos preferiram estudar o desenvolvimento do uso de signos como um exemplo de intelecto puro, e não como o produto da história do desenvolvimento da criança. Como afirmava A teoria de Vygotsky: pensamento e linguagem 69 W. Stern, o reconhecimento do fato de que esses signos verbais têm significado constitui “a maior descoberta da vida da criança”, atribuindo o uso desses signos à descoberta espontânea. Um exame detalhado do desenvolvimento da fala e de outras formas de uso de signos era considerado desnecessário. Em vez disso, tem-se admitido que a mente da criança contém todos os estágios do futuro desenvolvimento intelectual; eles existem já na sua forma completa, esperando o momento adequado para emergir. Mesmo quando o uso de instrumentos e a fala estavam intimamente ligados, eles eram estudados como processos separados e pertencentes a duas classes completamente diferentes de fenômenos. Embora a inteligência prática e o uso de signos possam operar independentemente em crianças pequenas, a unidade dialética desses sistemas no adulto constitui a verdadeira essência no comportamento humano complexo. Para Vygotsky, a atividade simbólica tem uma função organizadora específica que invade o processo do uso de instrumento e produz formas fundamentalmente novas de comportamento. O momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem. Assim que a fala e o uso de símbolos são incorporados a qualquer ação, esta se transforma e se organiza dentro de linhas inteiramente novas. Realiza-se, assim, o uso de instrumentos especificamente humanos, indo além do uso possível de instrumentos mais limitados pelos animais superiores. A criação dessas formas caracteristicamente humanas de comportamento produz, mais tarde, o intelecto, e constitui a base do trabalho produtivo: a forma especificamente humana de uso de instrumentos. Os experimentos realizados por Vygotsky demonstraram dois fatos importantes: A fala da criança é tão importante quanto a ação para atingir um objetivo. As crianças não ficam simplesmente falando o que elas estão fazendo; sua fala e ação fazem parte de uma mesma função psicológica complexa, dirigida para a solução do problema em questão. Quanto mais complexa a ação exigida pela situação e menos direta a solução, maior a importância que a fala adquire na operação como um todo. Às vezes, se não for permitido seu uso, as crianças pequenas não são capazes de resolver a situação. Essas observações nos levam a concluir que as crianças resolvem suas tarefas práticas com a ajuda da fala, assim como dos olhos e das mãos. Essa unidade de percepção, fala e ação, que, em última instância provoca a internalização do campo visual, constitui o objeto central de qualquer análise da origem das formas caracteristicamente humanas de comportamento. Para desenvolver o primeiro desses pontos devemos indagar: o que realmente distingue as ações de uma criança que fala das ações de um macaco na solução de problemas práticos? Teorias da Aprendizagem 70 A primeira coisa que impressiona é a liberdade incomparavelmente maior das operações das crianças, a sua maior independência em relação à estrutura da situação visual concreta. As crianças, com a ajuda da fala, criam mais possibilidades que aquelas que os macacos podem realizar com a ação. Em segundo lugar, as operações práticas de uma criança que pode falar tornam-se muito menos impulsivas e espontâneas do que as dos macacos. Esses, tipicamente realizam uma série de tentativas descontroladas de resolver o problema em questão. Diferentemente, a criança que usa a fala divide a atividade em duas partes consecutivas. Por meio da fala, ela planeja como solucionar o problema e então executa a solução elaborada por uma atividade visível. A manipulação direta é substituída por um processo psicológico complexo por meio do qual a motivação interior e as intenções, postergadas no tempo, estimulam o seu próprio desenvolvimento e realização. Essa forma nova de estrutura psicológica não existe nos macacos. A maior mudança na capacidade das crianças para usar a linguagem como instrumento para a solução de problemas acontece um pouco mais tarde no seu desenvolvimento, no momento em que a fala socializada (que foi previamente utilizada para dirigir-se a um adulto) é internalizada. Em vez de apelar para um adulto, as crianças passam a apelar a si mesmas; a linguagem passa, assim, a adquirir uma função intrapessoal além do seu uso interpessoal. A relação entre fala e ação é dinâmica no decorrer do desenvolvimento das crianças. Num primeiro estágio a fala acompanha as ações e reflete as vicissitudes do processo de solução do problema de uma forma dispersa e caótica. Num estágio posterior, a fala desloca-se cada vez mais em direção ao início desse processo, de modo a, com o tempo, preceder a ação. Concebe-se assim, a atividade intelectual verbal como uma série de estágios nos quais as funções emocionais e comunicativas da fala são ampliadas pelo acréscimo da função planejadora. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social. Interação entre aprendizado e desenvolvimento Essencialmente, encontramos três grandes posições teóricas na relação entre desenvolvimento e aprendizagem. A primeira diz respeito à independência do processo de desenvolvimento e do processo de aprendizagem. A aprendizagem é um processo puramente exterior, paralelo de certa forma ao processo de desenvolvimento da criança, mas que não participa ativamente neste e não o modifica absolutamente; utiliza os resultados do desenvolvimento, em vez de se adiantar ao seu curso e de mudar sua direção. Um exemplo típico dessa teoria é a concepção de Piaget, que estuda o desenvolvimento do pensamento da criança de forma completamente independente do processo de aprendizagem. A teoria de Vygotsky: pensamento e linguagem 71 Essa teoria chega a postular uma nítida separação de