Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Prof. Nelson Rosenvald Procurador de Justia do Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP Professor de Direito Civil no Curso Praetorium BH/RJ, especializado na preparao de candidatos a concursos na rea jur dica Membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Fam lia DIREITO CIVIL Teoria Geral Aula 1. Direitos da Personalidade - Teoria Geral; Aula 2. Direitos da Personalidade em espÄcie; Aula 3. Teoria das Incapacidades; Aula 4. Teoria Geral do NegÅcio JurÇdico; Aula 5. Defeitos do NegÅcio JurÇdico; Aula 6. PrescriÉÑo e decadÖncia; Prof. Nelson Rosenvald 2 Este trabalho destina-se ao grupo do mdulo de Direito Civil do Prof. Nelson Rosenvald, Parte Geral. Aula 02 - 26/03/2010 – Direito Civil – Nelson Rosenvald. Introduo: Boa noite, gente. Prazer em rev-los. Nosso segundo encontro de Direito Civil. Agradeo a vocs por aguentar hoje at as dez da noite. o nico encontro em que ficaremos quatro horas. Nas pr ximas vezes prometo que termino no horrio normal e hoje qual o nosso tema? Continuando os direitos da personalidade estudaremos os direitos da personalidade em espcie. II - DIREITOS DA PERSONALIDADE EM ESPCIE J que no encontro passado vocs estudaram a teoria geral dos direitos da personalidade, ou seja, nosso primeiro encontro, n s vimos os traos gerais, as caractersticas dos direitos da personalidade, agora no. Agora, eu vou trazer, com mincias, os principais grupos de direitos da personalidade. Qual a nossa trajet ria? Comearemos a aula de hoje falando de direito ao corpo, depois falaremos do direito ao nome, posteriormente do direito imagem e depois o direito privacidade e, finalmente, o direito honra. So os cinco blocos de direitos da personalidade mais importantes para o nosso estudo. Aquele que vai demandar uma interveno de maior tempo o direito ao corpo. Com ele que n s comearemos a aula e sempre lembrem, n s abordaremos isso com a necessidade que vocs estejam com o C.C. na mo, quem no estiver com o C.C. se aconchegue no amigo do lado. Porque h uma necessidade de consulta permanente para a aula ficar mais valorizada. Direito ao corpo Senhores, quando eu falo de direito ao corpo, eu coloco apenas uma pergunta a vocs: O Joo, por exemplo, ele pode usar da autonomia, da autodeterminao, do consentimento dele para praticar atos de disposio do pr prio corpo? A resposta traz inmeras consequncias de Direito civil constitucional. Essa aula interessante porque traz perguntas de concurso tanto de Direito civil quanto de Direito constitucional o tempo inteiro. Para que vocs possam me responder, como guia: o art. 13, C.C. Art. 13. Salvo por exigncia mdica, defeso o ato de disposio do pr prio corpo, quando importar diminuio permanente da integridade fsica, ou contrariar os bons costumes. Pargrafo nico. O ato previsto neste artigo ser admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. Pela leitura textual desse artigo, vocs tm 50% de chance de acertar. Qual a regra do C.C.? Pode dispor do pr prio corpo ou no pode? Porque vocs sempre respondem que no? claro que pode, ou seja, a regra geral que pode sim dispor do Aula 02 – Direito Civil – Parte Geral 3 pr prio corpo desde que no exista reduo permanente da integridade fsica ou no ocorra ofensa aos bons costumes. Ento, regra geral, Joo, voc pode dispor do seu pr prio corpo desde que isso no acarrete reduo permanente de integridade fsica ou ofensa aos bons costumes. Vou fazer duas perguntas para vocs para saber se vocs esto de olho no art. 13. Primeira pergunta: Uma mulher tem problema mdico gravssimo, cncer, precisa fazer histerectomia ou mastectomia. Isto implica na reduo da integridade fsica, ela ter que retirar o tero, por exemplo, ou ter que retirar a mama, eu pergunto, quer dizer que pelo C.C. esse ato dela de disposio do pr prio corpo proibido porque acarreta reduo permanente de integridade fsica? Como permitido, no isso que est no art. 13? Porque leia, no art. 13, no incio: “salvo exigncia mdica”. Ento, existe sim, dentro do art. 13, C.C. uma exceo a essa regra geral, ou seja, a reduo permanente da integridade fsica passa a ter legitimidade quando atenda a uma exigncia mdica ou finalidade teraputica como essa. Amiga Maria, uma pergunta para voc: Se um rapaz dessa sala, ou uma moa chegando o vero quer fazer uma lipoaspirao para tirar o excesso. Lipoaspirao acarreta reduo permanente da integridade fsica, a pessoa est cortando na carne, est tirando ali alguns quilos do seu corpo, isso seria proibido pelo ordenamento jurdico? No existe exigncia mdica em uma cirurgia meramente esttica. Seria proibido? Quando o C.C. fala em exigncia mdica, ele tanto quer se referir ao bem estar fsico quanto ao bem estar psquico do paciente e aqui se inclui as cirurgias estticas de carter embelezador. Nesse mesmo sentido, prezados alunos, o Enunciado 6, CJF que diz: 6 – Art. 13: a expresso “exigncia mdica”, contida no art.13, refere-se tanto ao bem-estar fsico quanto ao bem-estar psquico do disponente. J que vocs perceberam que a disposio do pr prio corpo s pode ser obstaculizada nessas situaes, reduo permanente da integridade fsica, bons costumes, mas com esse salvo conduto do “salvo exigncia mdica”, me digam o seguinte, quero perguntar a vocs: Quando a pessoa faz tatuagem. O ordenamento jurdico permite que voc faa tatuagem? Pode fazer piercing? Se voc for um cara com a mente aberta, voc pode fazer manchas pretas no seu corpo e ficar igual a uma vaca holandesa? Pode? Mas, espera, tatuagem, piercing, essas manchas de vaca, isso no reduo permanente da integridade fsica. Isso algo que o C.C. no tratou que seria uma reduo no permanente da integridade fsica, ou seja, quando a pessoa pratica esses atos, isto se chama: body art. O body art algo que permitido pelo ordenamento jurdico, porque so atos de determinao, onde as pessoas usam da sua expresso Prof. Nelson Rosenvald 4 artstica, ou seja, ela quer se desenvolver como ser humano, demonstrar as suas potencialidades individuais, praticando esses atos que lhe do uma certa autonomia perante o mundo. O que eu quero dizer que apesar do C.C. no ter se referido a reduo no permanente da integridade fsica, essas atividades so manifestaes culturais da pessoa que so plenamente aprovadas pelo ordenamento jurdico como legtimas. Agora, e se por acaso, Joo, se voc resolve ir alm e resolve pedir ao mdico para modelar as suas orelhas como a de duende ou alterar a sua lngua para parecer a de um rptil ou colocar pr teses na testa para parecer o demnio, o capeta. Isto permitido pelo ordenamento jurdico? Isto chamado de body transformation. Tambm permitido pelo ordenamento jurdico, manifestao de autodeterminao, onde h uma reduo no permanente da integridade fsica, ou seja, voc no est de forma nenhuma destacando partes do seu corpo, mas que dentro de um ordenamento jurdico marcado pela pluralidade algo que tem que ser aceito. Mas uma pessoa que faz essas coisas, isso repugnante para os bons costumes, deveria ser ofensivo esse ato contra o pr prio corpo. Amigos que esto em sala de aula: a doutrina civil constitucional no aceita essa expresso “bons costumes”. Quero dizer que em um Estado plural, onde existe o multipluralismo, onde as pessoas pensam de uma maneira muito diferente umas das outras, esse conceito de bons costumes extremamente subjetivo e fluido. Pelo seguinte, se uma pessoa faz uma transformao do seu corpo, pode ser que para uma parte conservadora da sociedade, esse ato seja condenvel, reprimvel, ilcito, mas essa pessoa que transformou o seu corpo, elapassa, a partir daquele momento, a ser extremamente aceita pelo grupo social com o qual ela convive, ou seja, para aquelas pessoas que desfrutam do mesmo modo de pensar, aquela conduta uma manifestao muito legtima de direitos da personalidade. Ento, no podemos aceitar essa expresso bons costumes, repito, extremamente subjetiva e que traria muita dificuldade para o legislador e o juiz interpretar cada caso. Qual a proposta? Onde se l bons costumes leia-se que a pessoa no poder dispor do pr prio corpo quando essa disposio implique em leso liberdade e garantias fundamentais, a no pode. Exemplo: Teve um programa de rdio nos EUA, h pouco tempo, que oferecia um Nintendo, olha como a necessidade faz com que o ser humano se coisifique, para a pessoa que bebesse mais litros de gua durante um certo tempo. O que aconteceu? Uma mulher l, bebeu, bebeu, ganhou o Nintendo e o que aconteceu no final? Ela morreu na sada do programa. Isso caso real. Aconteceu em Miami. claro que isso foi um ato de disposio do pr prio corpo que jamais poderia ser tolerado pelo ordenamento jurdico porque ofendia a liberdade e garantias fundamentais, ou seja, a pessoa era instrumentalizada pela sua necessidade, em virtude da sua necessidade, ela se tornava frgil, se coisificava e acabava dispondo do Aula 02 – Direito Civil – Parte Geral 5 pr prio corpo. Ento, notem sempre, os limites para a disposio do pr prio corpo: reduo permanente da integridade fsica e qualquer ato que implique em frustrao de liberdades e garantias fundamentais. Ento, body art e body transformation so legtimas manifestaes da personalidade aceitas pelo ordenamento jurdico. Ento, deixa eu ver. Joo, e se por acaso, voc um cara chiqurrimo, frequenta Barcelona e l tem um neg cio legal. Voc pode introduzir um micro chip intracutneo para entrar na ala VIP de uma boate? Ao invs de voc ser identificado por um carto, voc pe o seu pulso, tem um micro chip e voc entra. Voc pode praticar esse ato que um ato de reduo no permanente da integridade fsica, porque pode retirar, mas esse ato de disposio do pr prio corpo aceito? Ou voc utilizar esse micro chip para abrir as portas da sua casa ou para algum mdico utilizar como um critrio de sade. Amanh, voc est l, doente no hospital e ele sabe seus dados pessoais. Ou para carto de crdito, ao invs de levar o carto, voc chega na loja, e mostra o seu pulso. Isto para vocs um ato de disposio do pr prio corpo admissvel? Claro que e sabe por qu? Porque, novamente, a finalidade desse ato atender aos interesses pessoais. So atos existenciais perfeitamente garantidos e tutelados pelo sistema. Diferente seria se minha amiga Maria, para voc ser admitida como funcionria para uma fbrica de lingeries, voc tivesse que colocar o micro chip para que todos os dias, na hora de entrar no servio, ao invs do carto de ponto, voc colocar o seu pulso. Esse ato seria legtimo? No. Por qu? No estaria atendendo a um interesse pessoal, estaria dispondo do seu corpo para atender um interesse patrimonial de terceiros. Isso seria uma ofensa s suas liberdades e garantias fundamentais que no seria justificada pelo ordenamento jurdico porque o sujeito colocar aquele neg cio no joelho, no p, preso para ser controlado quando ele est em regime de liberdade, existe uma justificativa constitucional que o direito segurana, para justificar essa restrio liberdade de uma garantia fundamental. Pois est, de certa forma, dispondo do seu pr prio corpo ao colocar a pulseira eletrnica. No uma reduo permanente, mas uma reduo no permanente da integridade fsica. Sabe o que eu quero com isso, eu jamais seria capaz nessa aula, de trazer todas as hip teses em que uma situao de disposio ao corpo por reduo permanente ou no permanente poderia acontecer. Meu objetivo com vocs trazer os critrios, mostrar, a partir do C.C., at que ponto existe manifestaes da personalidade de disposio do corpo que so toleradas pelo sistema e a partir de que sistema esses atos de liberdade j so considerados atos ilcitos. Para saber se vocs, verdadeiramente, entenderam eu pergunto: Se uma pessoa quer dispor do seu smen, um homem. Esse um ato de disposio do pr prio corpo? Prof. Nelson Rosenvald 6 . Mas no uma reduo permanente da integridade fsica porque o smen, assim como o sangue e a saliva, so as chamadas partes renovveis e destacveis do corpo humano. Sangue, esperma, vulo. Ento, mesmo que isso seja uma parte renovvel, existem vrias questes jurdicas que dizem respeito a um ato ligado a uma disposio de smen. Vou dar um exemplo em concurso pblico para que vocs possam responder trs questes. Maria, voc casado com Joo e ele falece em um acidente, mas antes de morrer, ele deixa em uma clnica de inseminao artificial o smen dele, com uma autorizao prvia para que, mesmo ap s a morte dele, voc junte o material gentico dele ao seu vulo e da venha o embrio. Como que n s chamamos isso? Inseminao hom loga que est previsto no art. 1597, III, C.C. Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constncia do casamento os filhos: III - havidos por fecundao artificial hom loga, mesmo que falecido o marido; Esse artigo permite e considera que haver presuno de paternidade quando o seu material gentico, ele juntado ao material gentico da sua esposa, mesmo ap s a sua morte. Porque hom loga? Porque o material do marido e da mulher. Pergunta a todos os alunos detrs. Nasceu a criana dois anos ap s a morte do Joo. Ele o pai? Sim, pois esse artigo afere a condio da presuno de paternidade. Est claro ali no caput. Esse menino vai herdar a fortuna dele? Em regra, no vai. Por qu? H um div rcio entre o mundo dos direitos da personalidade e o mundo do direito patrimonial. O art. 1798, C.C. diz: Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou j concebidas no momento da abertura da sucesso. “Aqueles que foram concebidos antes da morte”. E a concepo no aconteceu antes da morte. Aconteceu depois da morte. Antes, o que existia, era smen. E smen no pessoa. bem da personalidade. Ento no h possibilidade, a priori, deste menino que vem a nascer herdar. Pergunta de concurso: qual a nica chance deste moleque herdar? Se, antes de morrer, Joo fizer o testamento com uma clusula de disposio em favor de prole eventual. Art. 1800, 4, C.C. Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herana sero confiados, aps a liquidao ou partilha, a curador nomeado pelo juiz. 4 Se, decorridos dois anos aps a abertura da sucesso, no for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposio em contrrio do testador, cabero aos herdeiros legtimos. Mas, como o C.C. no quer criar situao de insegurana, mesmo quando voc fizer essa clusula, sabe o que o 4 diz? Que ap s a sua morte esse moleque tem que ser concebido no prazo mximo de dois anos a contar da data da morte. Justamente para que essa herana no fique vaga por muito tempo. Se ento a concepo ocorreu ap s dois anos da sua morte, esse valor do patrimnio vai para os Aula 02 – Direito Civil – Parte Geral 7 demais herdeiros legtimos. Percebam como uma questo que ligada a uma parte renovvel do corpo humano exorbita o mundo dos direitos da personalidade e vem para o direito patrimonial. E a segunda. A Maria est reclamando, dizendo que voc um marido fraco, ausente, que no comparece, que est com os “far is arriados”. Ela anda muito deprimida. Um dia, ela chegou aqui no curso, toda feliz, rindo: Amor, porque esse semblante to belo, voc que estava to deprimida esses anos todos? que vou ser me. Como voc vai ser me se eu no estou contribuindo? Voc vai serpai porque eu fui a uma clnica de reproduo artificial e eu peguei o smen de um alemo, 1.96 de altura, loiro de olhos azuis, Q.I. 180, campeo olmpico de ginstica e eu vou ser me e voc vai ser pai. Primeiro: porque voc ser pai? Porque o art. 1597, V, C.C. diz que isso uma inseminao artificial heter loga. Por qu? Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constncia do casamento os filhos: V - havidos por inseminao artificial heterloga, desde que tenha prvia autorizao do marido. O material gentico do progenitor no ser o mesmo do marido da mulher grvida, ou seja, o progenitor um, s que o pai afetivo outro. Uma inseminao heter loga, na qual, o que o alemo fez? Fez uma cesso de material gentico, um contrato, onde ele cedeu uma parte destacada do seu corpo e voc, em contraposio, que o marido, assinou um termo na qual voc concorda com a doao do material gentico. Por esse artigo quando nasce aquela criana, h uma presuno de que a paternidade sua. uma paternidade afetiva presumida pelo C.C. Pergunta de concurso pblico: Essa criana que a Maria teve, quando nasceu, era to parecida com o pai biol gico, alemo, que com seis meses de idade essa criana j falava quatro lnguas e a primeira frase que essa criana balbuciou com seis meses foi: ”Eu querer conhecer meu pai”. Eu pergunto para voc: Essa criana pode ajuizar ao de investigao de paternidade contra o alemo? No. Por qu? Porque a paternidade pela presuno do art. 1597 absoluta do pai afetivo. Constituiu-se a paternidade s cio afetiva, ou seja, a figura do pai do marido da me. Quem prestara o nome o Joo, quem prestar alimentos o Joo. Amanh o direito a sucesso dir respeito ao Joo. No h legitimao nem interesse de agir para ajuizar uma ao de investigao de paternidade porque a ao de investigao de paternidade s se ajuza quando voc tem um buraco na sua paternidade, no existe algum para compor o papel paterno e j existe. No h uma ao de investigao de paternidade, mas eu indago a toda a sala de aula. Esse moleque pode ajuizar uma ao de conhecimento de origem gentica? Sim. Por qu? Essa ao no uma ao de direito de famlia, e sim de direito da personalidade. E qual a finalidade dela? para que esta criana tenha acesso a sua origem biol gica. A sua ascendncia gentica, que ela saiba de onde veio. Trocando Prof. Nelson Rosenvald 8 em midos, quando essa ao de conhecimento de origem gentica for julgada procedente, o que o juiz, apenas, vai dizer? Ele vai declarar que o alemo o progenitor, mas no haver efeitos de direito de famlia, o pai continua sendo voc com todos os consectrios patrimoniais da decorrentes. Ento, notem, por isso que o Enunciado 104, C.C. diz: 104 – Art. 1.597: no mbito das tcnicas de reproduo assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto ftico da relao sexual substitudo pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situao jurdica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presuno absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da me da criana concebida, dependendo da manifestao expressa (ou implcita) da vontade no curso do casamento. Ou seja, essas consideraes que eu fao e trago para vocs agora so para mostrar a todos como: discusso do art. 13, C.C. Qual a discusso? Disposio do pr prio corpo. Sempre levem em considerao. H reduo permanente de integridade fsica? Essa reduo justificada por uma exigncia mdica? H uma ofensa liberdade e garantias fundamentais e que na reduo no permanente da integridade fsica, tambm, o ato legtimo? Quando se trata de partes renovveis tambm, h toda uma discusso no C.C. Essa a primeira parte, ou seja, eu comecei, para quem chegou atrasado, indagando uma f rmula geral se o brasileiro pode usar do seu consentimento, da sua liberdade para dispor do seu pr prio corpo. Em princpio, vocs esto vendo que a resposta, com certas ressalvas, positiva, mas o meu objetivo ir alm. O que eu coloco para vocs? O Joo estava falando para mim, antes da aula comear: Nelson j que a sua aula sobre direitos da personalidade, tenho uma situao que me aflige desde criana. Qual o seu problema? Nelson, desde pequeno, eu me sinto no corpo como se fosse Maria. Ento voc um transexual. Quem o transexual? aquela pessoa, segundo a medicina, sofre de uma patologia chamada disforia de gnero. Essa patologia seria, na verdade, uma inadequao psicofsica. Como assim? O transexual, o caso do Joo, vamos supor, tem um corpo masculino, a morfologia masculina, s que o sexo psquico dele feminino. H uma incompatibilidade entre a fisiologia dele e toda a forma dele pensar e refletir a sua condio e orientao sexual, ou seja, o transexual uma pessoa que sofre demais. como fosse, no teu caso, um homem que viesse ao mundo com um rgo obsoleto, viesse com um defeito de fbrica, com um rgo sem serventia nenhuma. E qual o maior desejo do transexual? Fazer uma cirurgia de transgenitalizao ou tambm chamada de redesignao do estado sexual, para que haja essa adequao psicofsica. A medicina permite essa cirurgia? Sim, j existe h muito tempo a resoluo 1652 de 2002, do Conselho Federal de Medicina permitindo a cirurgia de transgenitalizao desde que o transexual tenha vinte e um anos de idade e tenha sido submetido a uma junta Aula 02 – Direito Civil – Parte Geral 9 mdica que comprovou o diagn stico de transexualismo. A o cara vai para a faca e sofre a cirurgia de oblao do rgo sexual. Aquele rgo sexual obsoleto suprimido e ele sai da cirurgia com o corpo de Maria, mulher no corpo. Ele vai a uma vara de famlia no RJ pleiteando a alterao do seu prenome e do seu sexo. Ele leva? O que eu vou dizer : questo de concurso pblico. Porque 50% dos tribunais so favorveis a alterao do prenome e do sexo e 50% dos tribunais so contra? Quais so os argumentos e seriam trs argumentos da doutrina conservadora que seria contrria a alterao? Primeiro: Seria que a Lei de registros pblicos que trata de alterao de nome no prev a alterao do nome do transexual e as hip teses de alterao dessa lei seriam numerus clausulus. Ento no haveria a possibilidade, segundo a legislao vigente, de alterao do nome do transexual. Lei 6.015/73. Segundo: Seria que, por mais que o transexual tenha uma inadequao psicofsica, o sexo da pessoa no seria um sexo psquico e sim cromossmico, gentico. E muitos transexuais, apesar de terem um diagn stico de transexualismo, a carga de cromossomas deles masculina. Roberta Close, o mais famoso transexual do RJ, teve o seu primeiro pedido denegado na justia carioca porque a carga cromossomial era masculina. Terceiro: A meu ver o mais esdrxulo. Se a justia permitisse a alterao do prenome e do sexo do transexual isso acarretaria insegurana jurdica. Imagina o Joo que fez a alterao e agora Maria, vai para a Europa, conhece um italiano, se apaixona pela Maria, sem saber que um dia j foi homem, casa-se com Maria e depois do casamento vem a descobrir qual o passado de Maria. Isso, portanto, geraria insegurana jurdica, uma quebra da paz social. Tem um examinador aqui no RJ, professor de direito de famlia, que no vem ao caso o nome, inclusive, nas aulas dele, contrrio a alterao do prenome e do sexo, e diz, que se isso for permitido , vai ter muita gente mudando de sexo para fugir de credor. Gente, a dvida tem que ser muito grande! O sujeito praticar fraude contra credores a ponto de mudar de sexo. Isso um absurdo. Quais so os trs argumentos civis constitucionais que determinam a procedncia? Primeiro: direito a diferena. O que ? Quando vocs estudam as dimenses de direitos fundamentaisexiste uma ordem. Primeira dimenso: os direitos ligados proteo da liberdade que vieram no sc. XIX. O cidado pleiteando um espao de autonomia, perante o jugo do Estado. Segunda gerao, qual , que veio ap s a 2 Guerra Mundial? Os direitos ligados igualdade social. Terceira dimenso de direitos fundamentais que veio ap s a Prof. Nelson Rosenvald 10 2 Guerra Mundial, qual seria? Os direitos ligados solidariedade, humanidade. Direito ao meio-ambiente, ao consumidor. E qual seria a 4 dimenso dos direitos fundamentais, que vem agora, no incio desse sculo? Segundo Bobbio, seria exatamente o direito a diferena. O que ? Nas sociedades plurais como a nossa que so aquelas sociedades onde existe o multiculturalismo, sociedades democrticas onde existem diversas vises de mundo, pessoas que se colocam perante a vida de forma distinta, qual a conduta dos majoritrios? Aqueles que formam o pensamento majoritrio, sua posio, hoje em dia, de respeitar os diferentes. Quem so? Os minoritrios. E como que n s concedemos direitos aos diferentes, no caso, aos transexuais? Inserindo-os na sociedade respeitando as suas diferenas, ou seja, n s temos que conceder cidadania a essas pessoas, respeitando as suas peculiaridades. Vou dar um exemplo: Qual a moda que se pratica com um surdo-mudo? Tentar inserir ele na sociedade obrigando-o a falar, ou seja, voc est, na verdade, tendo uma conduta autoritria com o diferente. Vocs acham que algo democrtico trazer um transexual para a sociedade, mantendo o documento dele na condio inicial mesmo ap s a cirurgia? No? Ou colocando no documento dele que ele transexual? No. Como que n s respeitamos o direito a diferena do transexual? Dando a ele documentos que sejam fiis a sua atual condio humana. Isto que o respeito ao direito a diferena em um Estado plural. Segundo: o Direito constitucional liberdade de orientao sexual, ou seja, quando o art. 5, CRFB protege a liberdade do indivduo, essa liberdade no apenas uma liberdade de crena, opinio, uma liberdade, tambm, de orientao sexual e ele, vocs acabaram de ver, tem uma inadequao psquica porque ele se sente desde sempre como membro do outro sexo. Ento para que n s possamos conceder a essa pessoa o direito felicidade, para que ele possa desenvolver os seus direitos da personalidade, qual a autonomia que a Constituio lhe permite? Ajustar a sua orientao sexual ao seu corpo e aos seus documentos tambm. Terceiro e ltimo argumento: o princpio da Dignidade da Pessoa Humana. Por qu? Se o ordenamento jurdico no concede a um transexual que j fez a cirurgia a documentao que seja compatvel com a sua atual condio fsica, essa pessoa ser objeto de discriminao, ser coisificada, instrumentalizada e submetida a situaes altamente vexat rias. Pelo princpio da Dignidade da Pessoa Humana para que ele seja tratado como pessoa e respeitado h necessidade da alterao dos documentos e para a felicidade de vocs, o STJ tem trs precedentes favorveis alterao de prenome e sexo do transexual. Sendo que os dois ltimos so muito recentes. Informativo 415 e 411 do final de 2009. Informativo n. 411 ALTERAÄÅO. PRENOME. DESIGNATIVO. SEXO. O recorrente autor, na inicial, pretende alterar o assento do seu registro de nascimento civil, para mudar seu prenome, bem como modificar o designativo de Aula 02 – Direito Civil – Parte Geral 11 seu sexo, atualmente constante como masculino, para feminino, aduzindo como causa de pedir o fato de ser transexual, tendo realizado cirurgia de transgenitalizao. Acrescenta que a aparncia de mulher, por contrastar com o nome e o registro de homem, causa-lhe diversos transtornos e dissabores sociais, alm de abalos emocionais e existenciais. Assim, a Turma entendeu que, tendo o recorrente se submetido cirurgia de redesignao sexual nos termos do acrdo recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alterao do sexo indicado no registro civil, a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira funo, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivduo, deve ser alterado seu assento de nascimento para que nele conste o sexo feminino, pelo qual socialmente reconhecido. Determinou, ainda, que das certides do registro pblico competente no conste que a referida alterao oriunda de deciso judicial, tampouco que ocorreu por motivo de redesignao sexual de transexual. REsp 1.008.398-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/10/2009. Informativo n. 415 REGISTRO CIVIL. RETIFICAÄÅO. MUDANÄA. SEXO. A questo posta no REsp cinge-se discusso sobre a possibilidade de retificar registro civil no que concerne a prenome e a sexo, tendo em vista a realizao de cirurgia de transgenitalizao. A Turma entendeu que, no caso, o transexual operado, conforme laudo mdico anexado aos autos, convicto de pertencer ao sexo feminino, portando-se e vestindo-se como tal, fica exposto a situaes vexatrias ao ser chamado em pblico pelo nome masculino, visto que a interveno cirrgica, por si s, no capaz de evitar constrangimentos. Assim, acentuou que a interpretao conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei de Registros Pblicos confere amparo legal para que o recorrente obtenha autorizao judicial a fim de alterar seu prenome, substituindo-o pelo apelido pblico e notrio pelo qual conhecido no meio em que vive, ou seja, o pretendido nome feminino. Ressaltou-se que no entender juridicamente possvel o pedido formulado na exordial, como fez o Tribunal a quo, significa postergar o exerccio do direito identidade pessoal e subtrair do indivduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo sua nova condio fsica, impedindo, assim, a sua integrao na sociedade. Afirmou-se que se deter o julgador a uma codificao generalista, padronizada, implica retirar-lhe a possibilidade de dirimir a controvrsia de forma satisfatria e justa, condicionando- a a uma atuao judicante que no se apresenta como correta para promover a soluo do caso concreto, quando indubitvel que, mesmo inexistente um expresso preceito legal sobre ele, h que suprir as lacunas por meio dos processos de integrao normativa, pois, atuando o juiz supplendi causa, deve adotar a deciso que melhor se coadune com valores maiores do ordenamento jurdico, tais como a dignidade das pessoas. Nesse contexto, tendo em vista os direitos e garantias fundamentais expressos da Constituio de 1988, especialmente os princpios da personalidade e da dignidade da pessoa humana, e levando-se em considerao o disposto nos arts. 4 e 5 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil, decidiu-se autorizar a mudana de sexo de masculino para feminino, que consta do registro de nascimento, adequando-se documentos, logo facilitando a insero social e profissional. Destacou-se que os documentos pblicos devem ser fiis aos fatos da vida, alm do que deve haver segurana nos registros pblicos. Dessa forma, no livro cartorrio, margem do registro das retificaes de prenome e de sexo do requerente, deve ficar averbado que as modificaes feitas decorreram de sentena judicial em ao de retificao de registro civil. Todavia, tal averbao deve constar apenas do livro de registros, no devendo constar, nas certides do registro pblico competente, nenhuma referncia de que a aludida alterao oriunda de deciso judicial, tampouco de que ocorreu por motivo de cirurgia de mudana de sexo, evitando, assim, a exposio do recorrente a situaes constrangedoras e discriminatrias. REsp 737.993-MG, Rel. Min. Joo Otvio de Noronha, julgado em 10/11/2009 (ver Informativo n. 411). Nesses precedentes, tirou-se uma dvida. Vamos supor, Joo, voc conseguiu a sua alterao de prenome e sexo e na sua certido j est escrito Maria,sexo feminino, no documento dele, que fica na mo dele e demonstrado para qualquer Prof. Nelson Rosenvald 12 pessoa, ficar averbado que antes ele era homem e houve a alterao de sexo. Claro que no. O que acontece? No documento, na certido que ele tem em mos, no haver qualquer referncia ao fato da alterao sexual, contudo, no arquivo pblico, haver no livro de registro sim, essa meno, para que qualquer pessoa que prove ao juiz que tenha legtimo interesse em conhecer o passado daquela pessoa tenha acesso, ou seja, amanh vem um italiano que quer casar com a Maria, ele tem acesso porque um legtimo interesse. Tem um credor, vamos supor, que quer saber se aquela pessoa quem ela , ele tem legtimo interesse de acesso e por a vai. Voc defende aquela pessoa dentro da sua atual condio humana de transexualismo. Amigos, vou querer falar duas coisas para fechar essa idia. O transexual est dispondo o seu pr prio corpo, principalmente no caso do pr prio homem, ele est decepando um rgo do seu corpo, uma reduo permanente da sua integridade fsica, concordam? No coloquem em uma prova de concurso que essa reduo permanente da integridade fsica permitida porque h uma exigncia mdica. Vocs poderiam: Ah Nelson, est l no art. 13, C.C.: O transexual pode fazer cirurgia de oblao porque h uma exigncia mdica. Se vocs colocam que o caso transexual de exigncia mdica, vocs esto transformando a situao do transexual em uma patologia e o problema dele no uma patologia, uma questo de orientao sexual, ou seja, o que ele est afirmando uma garantia fundamental de acesso ao sexo novo e no uma simples doena sabe por qu? Porque se vocs entrarem nessa de que uma patologia vocs tambm vo aceitar, em uma questo de concurso, a possibilidade de amputao de membros do rabe. O que ? Eu coloco isso no meu livro de parte geral. Eles so pessoas compulsivas por amputao. So pessoas que tem problemas psquicos e at hoje no se descobriu a causa, mas eles entendem, por exemplo, que o brao dele no uma parte do corpo dele, como se fosse um filme de terror, como se fosse um rgo estranho ao corpo, ento, eles tem uma compulso enorme para se ver livre daquela parte do corpo. Se n s entendermos que a situao deles uma patologia, amanh, qualquer mdico permitir a reduo permanente, que o cara v se cortando, porque h uma exigncia mdica. S que vocs no tm que interpretar essa questo na base da tcnica porque nem tudo que tecnicamente admissvel eticamente justificvel. E a extirpao de rgos dessas pessoas eticamente no legitima, um ato ilcito porque no existe fundamento jurdico para que se permita que essa pessoa possa praticar ato de amputao do corpo, j para o transexual existe. uma questo de liberdade, de orientao sexual, n s temos que tratar de maneira diferente, apesar de que uma pessoa que queira discriminar acha que tudo maluco. Porque esse maluco pode tirar o pnis dele e esse maluco no pode tirar o brao dele? Aula 02 – Direito Civil – Parte Geral 13 E antes da pergunta do amigo mais duas colocaes. L no RS, eles j esto to a frente na questo do transexual, as cmeras cveis do TJ permitem que o transexual pea a alterao do prenome antes mesmo da cirurgia da transgenitalizaao. Porque a cirurgia apenas, o gran finale, o ato final, o diagn stico de transexualismo j bem anterior, portanto nada impede que ela altere o seu nome mesmo antes da cirurgia, mas s o nome. O sexo no, porque ele ainda pode reproduzir, se o caso de homem, antes da cirurgia. Ento olhem como j se avanou. Segundo: Hoje em metade dos estados da federao (porque so leis estaduais) j se permite aos transexuais, mesmo antes do xito no judicirio da alterao do prenome e do sexo, j se permite a eles a adoo do nome social. O que ? o nome de guerra. Ou seja, vrias leis estaduais, isso um avano, permitem, por exemplo, que o sujeito se chama Joo e como transexual ele a Maria e que na hora da chamada escolar ele s seja chamado por Maria, na lista de chamada, nas notas dele, no controle escolar, em todos os documentos escolares ele seja Maria. Esse ato interessantssimo porque essas pessoas, transexuais e travestis, no frequentam o colgio, justamente, em razo do preconceito. No conseguem ser atendidos pelo nome deles real. Ento com o nome social, voc no s respeita a condio humana diferenciada deles como promove a interao com as pessoas que so diferentes e majoritrias na sala e esse estigma passa a ser, de certa forma, mitigado. Ento o nome social no o nome registrado. aquele apenas utilizado em estabelecimentos pblicos, hospitais e colgios, para que, de certa forma, seja removida a repulsa que a sociedade tem perante aqueles que, em tese, so vistos como diferentes. Pergunta do Aluno: Resposta do Professor: Vara de famlia porque questo de estado. Sendo assim, a alterao do prenome e do sexo tem que ser feita na vara de famlia. Pergunta do Aluno: Resposta do Professor: Porque a lei de registros pblicos regula a alterao de prenome, s que essas alteraes, em 99% dos casos, no tem nada a ver com o estado da pessoa e aqui no , voc est tratando do estado porque existe uma alterao de sexo. Pessoal, essa questo de transexual foi regulada pelo Enunciado 276, CJF. 276 – Art.13. O art. 13 do Cdigo Civil, ao permitir a disposio do prprio corpo por exigncia mdica, autoriza as cirurgias de transgenitalizao, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a conseqente alterao do prenome e do sexo no Registro Civil. Eu concordo com o Enunciado no mrito, s no concordo que a justificativa seja a exigncia mdica do art. 13, C.C. Pergunta do Aluno: Prof. Nelson Rosenvald 14 Resposta do Professor: O hermafrodita. A “Buba”. Hermafrodita joga nas duas posies. Com relao a ele, n s tambm aplicamos a mesma l gica do transexual com as suas adaptaes. at menos traumtico, porque ele j porta, como se chama que o carro tem que pode usar tanto lcool ou gasolina? j “flex”. No tem tanta dificuldade, j tem uma resistncia menor com relao ao Judicirio. Agora, n s temos que entrar em um outro ponto, outra discusso sobre a disposio do pr prio corpo. Voc pode, hoje, escrever um documento dizendo: “depois da minha morte eu quero que os meus rgos sejam utilizados para fins de transplante para salvar a vida de outras pessoas”? Pode dispor do seu pr prio corpo, em vida, para depois da sua morte? Art. 14, C.C. Art. 14. vlida, com objetivo cientfico, ou altrustico, a disposio gratuita do prprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Pargrafo nico. O ato de disposio pode ser livremente revogado a qualquer tempo. J dei a resposta que pode, mas em um concurso pblico o que mais interessante que esta questo de disposio de rgos post mortem sofreu, em um intervalo de seis anos, trs fases: como se fossem trs captulos de uma novela mexicana que comea com a edio da lei 9434/97 at a vigncia do C.C. em 11/01/03. Em seis anos, muita coisa aconteceu. Por qu? O que dizia o art. 4 da lei de transplantes que ainda est em vigor. Redao original. Se qualquer brasileiro morresse sem declarar se seria favorvel ou contrrio a doao de seus rgos ele seria doador? REDAO ORIGINAL Art. 4 Salvo manifestao de vontade em contrrio, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doao de tecidos, rgos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou teraputica post mortem. ALTERADO PELA LEI N. 10.211 Art. 4 A retirada de tecidos, rgos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade teraputica,depender da autorizao do cnjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucess ria, reta ou colateral, at o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes verificao da morte. (Redao dada pela Lei n. 10.211, de 23.3.2001) Sim, era o sistema da doao presumida de rgos. Esse foi o primeiro sistema. O que era o sistema da doao presumida? Todo o brasileiro silente seria um doador de rgos. Eu, Nelson, achava timo esse sistema porque um sistema que enfatiza o altrusmo e a solidariedade. Por qu? Porque todo potencial doador um potencial receptor e se esse sistema permanecesse ia acabar com as interminveis filas de transplantes, pessoas desesperanadas que nunca tero um rgo disposio. Porm, houve uma reao do sistema jurdico. Porque muitos doutrinadores entenderam que essa doao presumida seria inconstitucional na medida em que uma doao no um ato de liberalidade? Ento toda doao tem que ser expressa, no pode ser presumida. O entendimento que se a doao fosse presumida: se voc morresse sem declarar nada, haveria uma estatizao do corpo humano, como se o seu corpo virasse res Aula 02 – Direito Civil – Parte Geral 15 nullius, coisa de ningum, e o Estado pudesse pegar o seu corpo para utilizar para a doao de rgos. Ento esse sistema foi substitudo em 2001. Em 2001 houve uma alterao do art. 4 desta lei e substituiu o sistema da doao presumida pela doao consentida. O que seria o sistema da doao consentida? Maria, se voc usasse uma camisa em vida, quero doar rgos e fizesse quinhentos documentos dizendo que voc doadora de rgos. Ap s a sua morte voc seria doadora de rgos pelo sistema da doao consentida? S se sua famlia quisesse. Por esse sistema a deciso no caberia mais a pessoa. Caberia a seus familiares ap s a sua morte. Olha que paradoxo, por mais que voc quisesse doar rgos, essa sua deciso no teria eficcia se a sua famlia fosse contrria a esse ato de disposio. Porque que eu sempre achei um absurdo o sistema da doao consentida. Porque, amigos, a famlia no mais uma instituio como outrora, no mais algo sagrado. Hoje a concepo da famlia p s moderna no mais a famlia instituio e sim a famlia instrumento. O que significa isso? A famlia, apenas, um instrumento de desenvolvimento de direitos da personalidade dos seus membros. A famlia, em outras palavras, apenas um local, um instrumento para que as pessoas que fazem parte dela possam desenvolver seus afetos e tambm colocar as suas situaes existncias em desenvolvimento. s isso. Ento, a famlia, olhem bem a inverso hermenutica dessa norma, no so as pessoas que existem em funo da famlia, a famlia que existe para proteger a liberdade de cada um dos seus membros, ou seja, um absurdo que a famlia possa dizer mais do que a pr pria pessoa sobre um ato de autonomia e disposio de rgos. Para a nossa felicidade o que aconteceu? Vocs leram o art. 14, C.C. e o que ele faz? Derroga o art. 4 da Lei de transplantes porque ele diz que, agora, o ato de doao de rgos p s mortem um ato de autonomia do doador. ele apenas que decide sem qualquer referendo da sua famlia. o ato de autodeterminao da pessoa, ou seja, se qualquer um de vocs hoje assinar um documento dizendo que sou doador de rgos, acabou. A famlia de vocs no pode mais barrar. o que diz o art. 14 e mais, se vocs forem no nico do art. 14: Pargrafo nico. O ato de disposio pode ser livremente revogado a qualquer tempo. Vocs podem revog-lo. Se um ato de autonomia, at o momento da morte, vocs que decidem se esse ato ser ou no eficaz, uma deliberao de cada um de vocs. Ento eu indago: qual a nica situao, hoje, que a famlia poder deliberar? Quando a pessoa morrer silente. A, subsidiariamente, entra a famlia para dizer se voc ser doadora ou se no ser. Prezados amigos, abram o Enunciado 277, CJF. 277 – Art.14. O art. 14 do Cdigo Civil, ao afirmar a validade da disposio gratuita do prprio corpo, com objetivo cientfico ou altrustico, para depois da morte, Prof. Nelson Rosenvald 16 determinou que a manifestao expressa do doador de rgos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicao do art. 4 da Lei n. 9.434/97 ficou restrita hiptese de silncio do potencial doador. Portanto, a aplicao do art. 4, C.C. da lei 9434 fica restrita a hip tese de silncio do potencial doador. Joo, voc um cara pobre, praticamente um indigente, no tem patrimnio nenhum, voc pode, hoje, fazer um testamento? Apenas para dizer, ap s a minha morte, eu quero ou doar meus rgos para fins de transplante ou doar meus rgos para a Universidade federal do RJ para fins de pesquisa, para os alunos de medicina estudarem. Vocs esto dizendo, que o testamento, que um neg cio jurdico patrimonial, pode ser feito apenas com disposies de carter existencial? Sem nenhuma norma, preceito de carter patrimonial? Vocs esto certos. O art. 1857, 2, C.C., uma norma nova, permite que uma pessoa faa um testamento sem qualquer preceito patrimonial, apenas com normas de carter existencial. Refora ento o art. 14, C.C. Coloca o ser humano como protagonista e no as relaes econmicas propriamente ditas. Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. 2 So vlidas as disposies testamentrias de carter no patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado. Saindo dessa discusso sobre doao de rgos o que eu quero perguntar para vocs outra coisa. Vamos supor, Joo, que voc est no mdico e voc tem uma determinada doena e o mdico diz: O tratamento esse e vai ser feito da seguinte forma e pronto, ou seja, se o mdico determina que o tratamento para ser realizado “x”, voc ter que seguir os desgnios do mdico? Existe um princpio tradicional na medicina que se chama princpio da beneficncia. O que quer dizer esse princpio? Quer dizer que o mdico, fez o juramento de Hip crates na Faculdade, quer salvar a sua vida custe o que custar. E como ele tem o conhecimento tcnico, vai impor a voc, paciente leigo, o melhor tratamento porque ele quer seu bem. Hoje o princpio da beneficncia no mais absoluto. Isso cai muito em concurso. Pelo art. 15, C.C. esse princpio hoje sofre uma ponderao com o princpio do consentimento informado. O que isso? Art. 15. Ningum pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento mdico ou a interveno cirrgica. Hoje a relao entre mdico e paciente no mais uma relao sujeito e objeto, o paciente no mais objeto da atuao mdica. O paciente o principal sujeito de direitos da relao mdica e paciente. O mdico s pode aplicar o tratamento se houver o consentimento desse paciente. Tem que haver a autorizao do paciente para que ele possa dispor do seu corpo. Tem que haver um ato de consentimento de autonomia para que possa acontecer o ato de disposio do corpo. Aula 02 – Direito Civil – Parte Geral 17 Esse consentimento informado. Por uma razo simples. A relao mdica e paciente uma relao de consumo. O mdico o fornecedor e o paciente o consumidor leigo que no tem conhecimentos das tcnicas mdicas. Ento o paciente s pode consentir ao tratamento ou recusar o tratamento se ele for devidamente esclarecido quanto a todos os riscos daquele procedimento, ou seja, esse consentimento tem que ser informado at para que o paciente possa assinar um TCI, termo de consentimento informado. Consentimento informado significa que a relao entre mdico e paciente no vertical, de submisso. uma relao horizontal, de cooperao, em que h boa fobjetiva. Porque o mdico tem que atender ao dever anexo de informao ao paciente. Esse o consentimento informado. H dois anos atrs teve uma prova da Magistratura no RJ que foi o seguinte: um sujeito tinha cncer de pr stata, o mdico fez a cirurgia com toda a tcnica mdica sem erro nenhum. Salvou o paciente, no teve mais cncer, s que com o resqucio o paciente ficou impotente. S que o paciente no foi informado pelo mdico de que haveria esse risco de impotncia que acontece em um percentual de casos nessa cirurgia, apesar dela ter sido tecnicamente um xito. H responsabilidade civil do mdico? Sim, porque h uma responsabilidade pelo defeito do servio (art. 14, CDC), porque no basta que o servio seja feito de forma tecnicamente exata. fundamental que o prestador do servio lhe d todas as informaes necessrias relativas aquele trabalho. E como houve uma falha de informao surgiu a responsabilidade do mdico e a da clnica tambm. Art. 14. O fornecedor de servios responde, independentemente da existncia de culpa, pela reparao dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos prestao dos servios, bem como por informaes insuficientes ou inadequadas sobre sua fruio e riscos. 1 O servio defeituoso quando no fornece a segurana que o consumidor dele pode esperar, levando-se em considerao as circunstncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a poca em que foi fornecido. 2 O servio no considerado defeituoso pela adoo de novas tcnicas. 3 O fornecedor de servios s no ser responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o servio, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 4 A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais ser apurada mediante a verificao de culpa. Pergunta do Aluno: Resposta do Professor: Na ligadura de trompas no aplicado? No conhecia esse caso. Depois voc me conta melhor no intervalo. Vou raciocinar. Prof. Nelson Rosenvald 18 Pergunta do Aluno: Resposta do Professor: Com relao cirurgia de cncer seria uma obrigao de meio. Mas quando se fala de obrigao de meio e resultado, diz respeito apenas tcnica mdica e aqui n s s estamos falando da informao. Tanto nas cirurgias de meio quanto nas de resultado, a informao um detalhe fundamental. comum nas duas. Esse consentimento informado to importante, vou entrar na parte fundamental da matria, nem pisca, olha o que diz o art. 15, C.C. Art. 15. Ningum pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento mdico ou a interveno cirrgica. Qualquer um de vocs, ap s ouvir do mdico as explicaes respeitantes ao procedimento, voc pode usar a sua autodeterminao para se recusar a se submeter a esse tratamento, ou seja, aqui diz que legtima a recusa ao consentimento informado. Exemplo: Jorge Guinle era um milionrio aqui do RJ. Com vinte anos de idade recebeu uma fortuna que hoje era algo em torno de cem milhes de d lares. O que ele fez dos vinte aos oitenta anos de idade? Torrou e no trabalhou. Foi um hedonista. Muitos homens queriam ser que nem ele. Ele teve palcio, manses, namorou as atrizes mais belas de Holywood, alm de ter sido um cara excessivamente generoso com os amigos. Porque ele calculou que iria gastar toda a fortuna aos oitenta? Aos oitenta eu vou morrer, morro sem nada, mas morri feliz. S que a vida traiu ele. No morreu aos oitenta. Estava pobre sem nada, s que por ele ter sido um sujeito to bacana com os amigos em vida, continua morando na sute do Copacabana Palace ajudado pelos amigos. Aos oitenta e sete anos, sete anos depois, sem dinheiro nenhum, comeou a ter dores de cabea e perguntou: Dr., o que eu tenho? Desculpe dizer, mas voc tem tumor cerebral. Quais so as minhas perspectivas? Vou ser direto. Voc tem 30 % de chance de sair da mesa de cirurgia morto, 30% de chance de sair um vegetal e mais 30% de sair vivo. Jorge Guinle falou: Dr. eu no vou me submeter a essa cirurgia. Recusou o consentimento informado. Chegou ao hotel, comeu a refeio predileta dele, o drink predileto dele e morreu dormindo. Teve uma morte to digna quanto a vida dele porque ele no quis ser submetido tortura ou tratamento degradante nos seus momentos finais. Usou a sua autodeterminao para se recusar ao consentimento informado. Percebam. O mdico, pelo C.C., tem que concordar medida que o paciente est em estado de conscincia, nitidamente capaz, ou seja, se o paciente est na sua frente, consciente, no doido, no est bbado, drogado, essa recusa ao consentimento informado vai ser perfeitamente legitimada pelo ordenamento jurdico. evidente que se o paciente chega mo do mdico, desacordado, em estado grave de risco de morte, nesse caso, o consentimento informado, a possibilidade de ele recusar no ocorrer porque prevalecer o chamado privilgio teraputico. O que ? aquela situao em que o mdico no consulta o paciente porque ele tem que agir. A interveno do mdico, o princpio da beneficncia vai Aula 02 – Direito Civil – Parte Geral 19 ponderar sobre o consentimento informado. Caso clssico de privilgio teraputico aquele, justamente, em que o paciente no tem possibilidade de consentir ou no, est em risco iminente de morte e a necessidade de atuao do mdico clara. Em concurso pblico o que mais se discute a respeito do consentimento informado quando acontece a chamada objeo de conscincia. O que ? O caso que vocs mais ouvem o do Testemunho de Jeov. No um doente mental nem perturbado, uma pessoa como qualquer um de n s, so milhes nos EUA para vocs terem uma idia, e eles h alguns sculos j, pela sua crena, fazem uma interpretao literal do livro Levticos. Para eles abominvel a recepo de sangue de outra pessoa. No aceitam a recepo do sangue alognico. um preceito vital para eles. S para vocs terem uma idia se um Testemunho de Jeov cai na rua, ningum sabe o que . Chega ao hospital, pergunta a enfermeira: onde estou? Voc est no hospital, salvamos a sua vida com uma transfuso de sangue. Esse cara vai levantar da maca e se jogar da primeira ponte porque a vida para essas pessoas insustentvel ap s a transfuso de sangue. Perdem o contato com a sua religio, perdem o contato com a famlia. Para eles h objeo de conscincia quando o tratamento vlido. Eu pergunto: Se h um testemunha de jeov consciente, adulto, maior e capaz, o mdico explica o tratamento e ele diz: Dr. no vou me submeter a esse tratamento porque tem transfuso de sangue. N s devemos respeitar a autodeterminao dessa pessoa. No estou falando isso isoladamente. a opinio de Luis Roberto Barroso, Daniel Sarmento. a opinio majoritria no direito norte americano e europeu e vou explicar o porqu. Existe aqui uma ponderao de direitos fundamentais: a vida, que pode chegar at mesmo a perder se recusar o tratamento versus a liberdade religiosa dele. A vocs falam: Nelson, claro que a vida muito mais importante. Eu tenho que fazer uma ponderao no caso concreto, olhando para a testemunha de Jeov e, vendo ali, naquela situao especfica, qual desses princpios o que est mais pr ximo da dignidade da pessoa humana. Eu garanto a vocs que, nesse caso concreto, a liberdade religiosa porque na cabea do testemunha de jeov a tbua axiol gica dele, o quadro valorativo dele, a liberdade religiosa tem um valor de precedncia com relao a qualquer outro direito fundamental, inclusive a vida. algo que est claro na mente dessa pessoa. Em funo disso, a posio atual de respeitar a auto determinao dessa pessoa. Inclusive, Ronald Dworkin tem uma frase, que eu acho exemplarsobre tudo isso, quando ele trabalha sobre os testemunha de jeov: “N s devemos respeitar as decises alheias, mesmo que as julguemos imprudentes, pois cada um sabe dos seus interesses”. Prof. Nelson Rosenvald 20 O Luis Roberto Barroso chama isso aqui de um desacordo moral razovel e quando isso acontece, o Estado de Direito deve respeitar a vontade dessa pessoa. Quais so as duas situaes que o Estado de Direito no vai respeitar a vontade da testemunha de Jeov? Quando ele chega desacordado em estado de grave risco de morte no hospital e a famlia dele fala: Dr., sem transfuso de sangue. Porque olha aqui, a declarao dele dizendo que testemunha de Jeov que fez isso quando consciente. Nesse caso, os mdicos no podem aceitar essa declarao, eles devem agir sobre o paciente por qu? Porque no est em estado consciente para emitir a sua vontade. A vontade dele no pode ser substituda pelos desgnios da sua famlia. At porque, n s no sabemos, se ele estivesse acordado na hora, no momento em que a “cobra est fumando” se ele no iria deixar um pouco de lado as suas convices religiosas para salvar a sua vida. Nesse caso, o privilgio teraputico se coloca em precedncia. Segunda situao. quando ele um “testemuinha de Jeov”. Imagina que ele tem dezesseis anos de idade e fala: Dr. estou consciente aqui na sua frente e no vou me submeter a esse tratamento porque tem transfuso de sangue. Azar. Se ele no quiser, o Juiz deve pedir uma ordem judicial para que ele seja submetido ao tratamento porque, apesar do adolescente pela Constituio Federal ter certa liberdade para a prtica de atos existenciais, ele ainda no tem discernimento suficiente para dispor da sua vida, afinal, aquela convico religiosa dos pais dele, ele ainda no pode como uma forma autnoma dizer que aquela convico dele. Ento h a necessidade de salvar a vida dele, at para que quando ele se torne adulto, ele tenha a liberdade para decidir, de forma refletida, se ele, em uma outra situao, ir querer ou no se submeter a esse tratamento mdico. Percebam que a hist ria dos testemunhas de Jeov est ligada a uma ponderao de interesses no caso concreto. Fiquem tranquilos que a medicina to fundamental que, hoje em dia, o risco de uma testemunha de Jeov morrer pela falta de transfuso de sangue baixssimo. Existem vrias tcnicas mdicas que a substituem. Em Ribeiro Preto fizeram uma cirurgia cerebral fantstica s para testemunhas de Jeov eliminando a transfuso de sangue. Tem autotransfuso, sangue artificial, tem uma srie de situaes. S uma observao para terminar. Quando eu digo objeo de conscincia no s testemunhas de Jeov no. Ano passado, no sei quem viu esse caso, tinha um ndio ianommi chamado ndio Zico que vivia em Manaus. Zico gostava de uma cachaa, bebeu muito, teve cirrose heptica, precisou fazer um transplante de fgado. Quando falaram para ele que precisava de um transplante de fgado: No vou fazer. Porque na crena dos ianommis no podemos receber rgos de outras pessoas. A Funai, que tem a tutela dos ndios, concordou com o ato dele de recusa ao tratamento e ele deve estar morto hoje em dia. Mas, foi respeitada a crena dele, ou seja, o que eu quero dizer, em Aula 02 – Direito Civil – Parte Geral 21 resumo, que muitas vezes o mdico no pode colocar o seu conhecimento tcnico acima das escolhas ticas dos seus pacientes. Essa que a questo da autodeterminao. Essa que a questo importante do consentimento informado. Quando eu trabalho esse art. 15, C.C. eu vou alm pelo seguinte. Se o C.C. diz: Art. 15. Ningum pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento mdico ou a interveno cirrgica. Esse artigo permite a ortotansia? O que ? Tem que saber a diferena entre trs palavras: eutansia, distansia e ortotansia. O que eutansia? Significa morte boa. Termo cunhado por Francis Bacon. um ato mdico intencional. O mdico v o seu paciente com grande sofrimento e dor e por comiserao, piedade o que esse mdico faz? Ele antecipa a morte do seu paciente. O mdico, intencionalmente, provoca a morte do seu paciente. Trocando em midos, esse paciente, apesar de sofrer demais, ainda teria um tempo indeterminado de vida, ainda poderia viver meses ou at anos. S que o mdico adianta o momento da morte, provoca intencionalmente a morte do seu paciente, seja ministrando algum medicamento, seja deixando de ministrar algum medicamento. Teve um caso, agora, gravssimo, na Frana, de uma mulher que tinha um cncer e ela ia perdendo partes do rosto, ia se desfigurando. E, como na Frana no h permisso de eutansia, ela pediu ao Presidente Sarkozy que autorizasse. Ele no concordou e ela acabou morrendo tempos depois em virtude de um grande sofrimento. No se pde antecipar o momento da morte dela. Isso eutansia. Agora, em um giro de 180 graus, o contrrio a distansia. Tambm um ato mdico. O que acontece? O paciente o terminal. Aquele que tem uma doena crnica, grave e incurvel. J entrou em processo de morte, sua morte certa, irreversvel. No se sabe se daqui h uma semana, um ms. O que o mdico faz? Ele, que no consegue entender que a morte um limite que no pode mais ser vencido, que no consegue perceber que a pessoa deve viver at o tempo que a natureza permite, ele procrastina o momento da morte do paciente. De que forma? D a esse paciente tratamentos fteis e desproporcionais que lhe causam excessivo sofrimento que fazem com que essa pessoa viva alm do tempo que a natureza lhe deveria ter concedido. Isso distansia. Hoje, s aumenta com as tcnicas atuais da medicina, ou seja, medida que ela tem mquinas altamente modernas: ressuscitao artificial, reanimao cardiopulmonar, as chances de voc segurar uma pessoa viva s aumenta. Eutansia o ato mdico de abreviar a vida e a distansia o ato mdico de procrastinao da vida. Quem est no meio do caminho? A ortotansia. Prof. Nelson Rosenvald 22 Significa morte no tempo certo. A ortotansia no um ato mdico e sim de autonomia do paciente, de autodeterminao existencial do paciente. Na ortotansia, o paciente est passando por um momento chamado de terminalidade da vida. Ele um doente crnico, grave e incurvel, estado terminal, o processo de morte j se instalou. O que esse paciente que compreende seu estado terminal, que est consciente, porque na maior parte dos casos ele est consciente, o que ele pede ao seu mdico na ortotansia? A limitao de tratamento. Ele no quer sofrer tratamentos fteis e desproporcionais. No quer ser submetido a tratamentos dessarrazoados que causam intenso sofrimento. No quer isso. O que ele quer? Cuidados paliativos. o que aquela mdica japonesa da novela das oito que vocs no vem faz. O que ? Quer que o mdico lhe d medicamentos apenas como suporte de alimentao e que aplaquem a sua dor para que ele possa viver seus momentos finais, no isolado, entubado em uma UTI, mas para que possa viver seus momentos finais ao lado da sua famlia, em sua casa, com apoio afetivo, psicol gico e religioso, se for o caso. Ele quer uma morte digna. Quer que a morte dele ocorra no seu tempo certo, nem antes nem depois. Quer que a natureza siga o seu curso. O mdico que a pratica, entende que chega certo momento a doena um inimigo que no pode mais ser vencido. Que existe uma hora que no mais para olhar para a doena e sim para o doente. Tem uma hora que no mais para curar e sim cuidar, humanizar a morte e isso que defende a ortotansia. Vamos ao que cai no concurso. Pelo C.P. a ortotansia conduta ilcita? Sim, para ele, infelizmente, eutansia e ortotansia a mesma coisa, ou seja, o artigo 121, C.P. entende que tudo homicdio. A nica diferena para esse artigo que a eutansia seria um homicdio comissivo e a ortotansia seria um homicdio por omisso, um crime comissivo impr prio. Seria essa a distino, mas os dois seriam ilcitos penais. O que eu quero explicar a vocs? Art 121. Matar algum: Pena - recluso, de seis a vinte anos. Caso de diminuio de pena 1 Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domnio de violenta emoo, logo em seguida a injusta provocao da vtima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um tero. Homicdio qualificado 2 Se o homicdio cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo ftil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - traio, de emboscada, ou mediante dissimulao ou outro recurso que dificulte ou torne impossvel a defesa do ofendido; Aula 02 – Direito Civil – Parte Geral 23 V - para assegurar a execuo, a ocultao, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena - recluso, de doze a trinta anos. Homicdio culposo 3 Se o homicdio culposo: (Vide Lei n. 4.611, de 1965) Pena - deteno, de um a trs anos. Aumento de pena 4 No homicdio culposo, a pena aumentada de 1/3 (um tero), se o crime resulta de inobservncia de regra tcnica de profisso, arte ou ofcio, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro vtima, no procura diminuir as conseqncias do seu ato, ou foge para evitar priso em flagrante. Sendo doloso o homicdio, a pena aumentada de 1/3 (um tero) se o crime praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redao dada pela Lei n. 10.741, de 2003) 5 - Na hip tese de homicdio culposo, o juiz poder deixar de aplicar a pena, se as conseqncias da infrao atingirem o pr prio agente de forma to grave que a sano penal se torne desnecessria. (Includo pela Lei n. 6.416, de 24.5.1977) Gente, porque que se discute e j h, foi no final do ano passado aprovado pela Comisso de Constituio e Justia, uma reforma do C.P. excluindo a ilicitude da ortotansia. Ento, provavelmente no ano que vem, no mximo, isso vai acontecer. Sabe por qu? A ortotansia um fato atpico e por qu? A eutansia, eu entendo que possa ser um homicdio, mesmo que privilegiado, porque o mdico que provoca a morte do paciente, mas na ortotansia no h nexo causal entre a conduta do mdico e a morte, ou seja, simplesmente, a morte aconteceu dentro do seu tempo normal, a vida seguiu o seu curso natural. A interferncia do mdico no provocou a morte desse paciente. Seria um fato atpico. Essa uma primeira explicao, mas eu vou mais. Aconteceu um ba-f-f nos ltimos dois anos violento. Em 2006, o Conselho Federal de Medicina expediu uma resoluo. Resoluo 1805/06. Sabe o que diz? Que se o paciente for terminal e tivesse diagn stico de terminalidade ele pode pedir aos seus mdicos que sejam limitados os tratamentos e os cuidados paliativos. Ele pode pedir a ortotansia. E que o mdico no comete nenhum ilcito administrativo. Sabe o que o meu MP fez? Ajuizou uma ACP para revogar essa resoluo dizendo que ela inconstitucional porque o CFM estaria usurpando os poderes do Congresso Nacional, estaria legislando sobre a vida e a morte e s o Congresso que pode descriminalizar a ortotansia. A juza da 14 vara federal caiu nessa conversa, e em antecipao de tutela suspendeu essa resoluo. Essa questo vai para o STF. Tem muito pano para a manga, mas o que o importante dessa resoluo mesmo que suspensa? Tem muito penalista que entra na sala de aula e fala o seguinte: que a ortotansia seria crime sim, comissivo por omisso, porque o mdico um garante da vida do paciente. Ento tem um dever de proteger o paciente, se ele se omitiu esse j um ato que deve ser tipificado. O que eu tenho para dizer a vocs? Realmente, o Prof. Nelson Rosenvald 24 mdico um garante da vida do paciente, mas eu lhe indago at aonde vai o dever do mdico de garantir a vida do paciente? Quem que diz at aonde vai esse dever? Quem diz o Conselho Federal de Medicina. Sabe o que o CFM diz? Que o mdico o garante at o momento da terminalidade, porque nesse momento ele no mais o garante da sua vida e sim da sua autonomia, sua dignidade. Por isso que hoje eu vou falar uma coisa para vocs. Eu nunca gosto de discutir religio, at porque existe um princpio na Constituio que a laicidade, art. 19, CRFB que diz: Art. 19. vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencion-los, embaraar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relaes de dependncia ou aliana, ressalvada, na forma da lei, a colaborao de interesse pblico; II - recusar f aos documentos pblicos; III - criar distines entre brasileiros ou preferncias entre si. No nosso Estado de Direito todas as discusses so baseadas na tica. H muito tempo j houve a secularizao da vida poltica e que essas questes religiosas so questes de foro privado, de cada um. Mas todas as religies concordam com a ortotansia. Elas concordam porque, justamente, aqui a morte qualificada pelo predicado da dignidade, no submetida tortura, tratamento degradante nos seus momentos finais. A pessoa no instrumentalizada, pode opinar por si mesma, para que a morte acontea no tempo certo. Agora, vou falar algo que vai cair em concursos, prova oral certo. O examinador vai perguntar: Meu amigo Joo, voc hoje est feliz, timo de sade, forte, voc pode sair daqui, nesse momento da aula, ou amanh de manh escrever um documento dizendo: Eu, se no futuro, por um acidente ou alguma doena estiver em estado de terminalidade no quero ser submetido a tratamentos desproporcionais ou excessivos. E esse documento tem eficcia. Pode fazer isso? Isso se chama testamento biol gico ou vital. So disposies antecipadas de vontade. Daquela pessoa que no quer, no futuro, caso esteja em situao de terminalidade, ser submetida a tratamentos desproporcionais e excessivos. Porque essa uma questo da ordem? Porque quase todos os pases da Europa j legislam sobre testamente biol gico. EUA tambm. E um timo meio de no Brasil, a sociedade, atravs de documentos, registrados no seu pronturio mdico, da pessoa em situao de conscincia, j manifestar quais so os tratamentos que ela quer e que ela no quer, porque normalmente pode ser que no momento de terminalidade, pode ser que ela esteja inconsciente e no possa se manifestar sobre isso. E porque o testamento biol gico chamado de testamento? Porque, normalmente, o testamento tem duas caractersticas: um ato patrimonial e neg cio jurdico que s produz efeitos ap s a morte. Este no, um testamento que produz efeitos em vida, porque os efeitos se do no momento da terminalidade da vida. Ento Aula 02 – Direito Civil – Parte Geral 25 essas diretivas antecipadas no foram objeto, ainda, de legislao no Brasil, mas eu quero dizer que o art. 15, C.C. permite, implicitamente, a ortotansia. Quero dizer que, apesar da discusso contra essa resoluo, esse artigo ao ver de muitos civilistas, permitiria essa situao. Quais so os dois assuntos de direito ao corpo que nos levaro ao intervalo da aula? So dois assuntos que foram discutidos no STF. Um j foi julgado e o outro ser julgado no mximo no ano que vem. O que j foi julgado, h dois anos atrs, a ADIN 3510/DF, STF. Discutiu-se nessa ADIN a constitucionalidade do art. 5 da Lei 11.105/05. Vamos ao mrito. Essa lei a de biossegurana. Informativo n. 0497 ADI e Lei da Biossegurana - 1 O Tribunal iniciou julgamento deao direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador- Geral da Repblica contra o art. 5 da Lei federal 11.105/2005 (Lei da Biossegurana), que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilizao de clulas-tronco embrionrias obtidas de embries humanos produzidos por fertilizao in vitro e no usados no respectivo procedimento, e estabelece condies para essa utilizao. O Min. Carlos Britto, relator, julgou improcedente o pedido formulado, no que foi acompanhado pela Min. Ellen Gracie. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510) ADI e Lei da Biossegurana - 2 Salientou, inicialmente, que o artigo impugnado seria um bem concatenado bloco normativo que, sob condies de incidncia explcitas, cumulativas e razoveis, contribuiria para o desenvolvimento de linhas de pesquisa cientfica das supostas propriedades teraputicas de clulas extradas de embrio humano in vitro. Esclareceu que as clulas-tronco embrionrias, pluripotentes, ou seja, capazes de originar todos os tecidos de um indivduo adulto, constituiriam, por isso, tipologia celular que ofereceria melhores possibilidades de recuperao da sade de pessoas fsicas ou naturais em situaes de anomalias ou graves incmodos genticos. Asseverou que as pessoas fsicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, dotadas do atributo a que o art. 2 do C digo Civil denomina personalidade civil, assentando que a Constituio Federal, quando se refere “dignidade da pessoa humana” (art. 1, III), “direitos da pessoa humana” (art. 34, VII, b), “livre exerccio dos direitos... individuais” (art. 85, III) e “direitos e garantias individuais” (art. 60, 4, IV), estaria falando de direitos e garantias do indivduo-pessoa. Assim, numa primeira sntese, a Carta Magna no faria de todo e qualquer estdio da vida humana um autonomizado bem jurdico, mas da vida que j pr pria de uma concreta pessoa, porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5 diria respeito exclusivamente a um indivduo j personalizado. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510) ADI e Lei da Biossegurana - 3 Reconheceu, por outro lado, que o princpio da dignidade da pessoa humana admitiria transbordamento e que, no plano da legislao infraconstitucional, essa transcendncia alcanaria a proteo de tudo que se revelasse como o pr prio incio e continuidade de um processo que desaguasse no indivduo-pessoa, citando, no ponto, dispositivos da Lei 10.406/2002 (C digo Civil), da Lei 9.434/97, e do Decreto-lei 2.848/40 (C digo Penal), que tratam, respectivamente, dos direitos do nascituro, da vedao gestante de dispor de tecidos, rgos ou partes de seu corpo vivo e do ato de no oferecer risco sade do feto, e da criminalizao do aborto, ressaltando, que o bem jurdico a tutelar contra o aborto seria um organismo ou entidade pr-natal sempre no interior do corpo feminino. Aduziu que a lei em questo se referiria, por sua vez, a embries derivados de uma fertilizao artificial, obtida fora da relao sexual, e que o emprego das clulas-tronco embrionrias para os fins a que ela se destina no implicaria aborto. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510) ADI e Lei da Biossegurana - 4 Afirmou que haveria base constitucional para um casal de adultos recorrer a tcnicas de reproduo assistida que inclusse a fertilizao in vitro, que os artigos 226 e seguintes da Prof. Nelson Rosenvald 26 Constituio Federal disporiam que o homem e a mulher so as clulas formadoras da famlia e que, nesse conjunto normativo, estabelecer-se-ia a figura do planejamento familiar, fruto da livre deciso do casal e fundado nos princpios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsvel (art. 226, 7), inexistindo, entretanto, o dever jurdico desse casal de aproveitar todos os embries eventualmente formados e que se revelassem geneticamente viveis, porque no imposto por lei (CF, art. 5, II) e incompatvel com o pr prio planejamento familiar. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510) ADI e Lei da Biossegurana - 5 Considerou, tambm, que, se lei ordinria seria permitido fazer coincidir a morte enceflica com a cessao da vida de uma certa pessoa humana, a justificar a remoo de rgos, tecidos e partes do corpo ainda fisicamente pulsante para fins de transplante, pesquisa e tratamento (Lei 9.434/97), e se o embrio humano de que trata o art. 5 da Lei da Biossegurana um ente absolutamente incapaz de qualquer resqucio de vida enceflica, a afirmao de incompatibilidade do ltimo diploma legal com a Constituio haveria de ser afastada. Por fim, acrescentou a esses fundamentos, a rechaar a inconstitucionalidade do dispositivo em questo, o direito sade e livre expresso da atividade cientfica. Frisou, no ponto, que o 4 do art. 199 da CF (“A lei dispor sobre as condies e os requisitos que facilitem a remoo de rgos, tecidos e substncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfuso de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercializao.”) faria parte, no por acaso, da seo normativa dedicada sade, direito de todos e dever do Estado (CF, art. 196), que seria garantida por meio de aes e servios qualificados como de relevncia pblica, com o que se teria o mais venturoso dos encontros entre esse direito sade e a pr pria Cincia (CF, art. 5, IX). Ap s, pediu vista dos autos o Min. Menezes Direito. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510) Informativo n. 0508 ADI e Lei da Biossegurana - 6 Em concluso, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ao direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da Repblica contra o art. 5 da Lei federal 11.105/2005 (Lei da Biossegurana), que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilizao de clulas-tronco embrionrias obtidas de embries humanos produzidos por fertilizao in vitro e no usados no respectivo procedimento, e estabelece condies para essa utilizao - v. Informativo 497. Prevaleceu o voto do Min. Carlos Britto, relator. Nos termos do seu voto, salientou, inicialmente, que o artigo impugnado seria um bem concatenado bloco normativo que, sob condies de incidncia explcitas, cumulativas e razoveis, contribuiria para o desenvolvimento de linhas de pesquisa cientfica das supostas propriedades teraputicas de clulas extradas de embrio humano in vitro. Esclareceu que as clulas-tronco embrionrias, pluripotentes, ou seja, capazes de originar todos os tecidos de um indivduo adulto, constituiriam, por isso, tipologia celular que ofereceria melhores possibilidades de recuperao da sade de pessoas fsicas ou naturais em situaes de anomalias ou graves incmodos genticos. Asseverou que as pessoas fsicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, dotadas do atributo a que o art. 2 do C digo Civil denomina personalidade civil, assentando que a Constituio Federal, quando se refere "dignidade da pessoa humana" (art. 1, III), aos "direitos da pessoa humana" (art. 34, VII, b), ao "livre exerccio dos direitos... individuais" (art. 85, III) e aos "direitos e garantias individuais" (art. 60, 4, IV), estaria falando de direitos e garantias do indivduo-pessoa. Assim, numa primeira sntese, a Carta Magna no faria de todo e qualquer estdio da vida humana um autonomizado bem jurdico, mas da vida que j pr pria de uma concreta pessoa, porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5 diria respeito exclusivamente a um indivduo j personalizado. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.5.2008. (ADI-3510) ADI e Lei da Biossegurana - 7 O relator reconheceu, por outro lado, que o princpio da dignidade da pessoa humana admitiria
Compartilhar