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1- Acadêmica da disciplina de Direito do Consumidor do curso de Bacharelado em Direito da UNIJUÍ. karinearnemann@hotmail.com O SUPERENDIVIDAMENTO DA ATUAL SOCIEDADE DE CONSUMO Karine Arnemann¹ Vivemos em uma sociedade capitalista marcada pelo intenso consumo de bens e serviços, onde o consumidor pode ser racional, quando sabe o que precisa comprar, impulsivo, quando o ato de comprar produz uma sensação de prazer, e compulsivo. Diante dessa sociedade de consumo, o crédito tornou-se muito importante, pois ele pode ser entendido como o tempo que o consumidor tem para pagar a sua divida, ou seja, o crédito é um serviço especializado e oneroso. O endividamento gerado pela expansão irresponsável do crédito é um fato inerente à vida atual na sociedade de consumo, pois faz parte da liberdade das pessoas no mercado. Constatado que o superendividamento é um problema, foi criado em 2012 um projeto de Lei do Senado que auxilia na prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do endividamento excessivo, incentivando as práticas de crédito responsável. Este artigo visa conceituar o superendividamento, e esclarecer quem são os consumidores que possuem esse direito de proteção, apresentando os requisitos necessários para caracteriza-los, também será abordado o superendividamento no Brasil, comparando com aquele existente na União Européia e no Mercosul. E por fim, será apresentado o projeto de atualização do atual Código de Defesa do Consumidor. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, buscando entender o que é o superendividamento, inclusive adotou-se uma abordagem de estudo de caso, em função da necessidade de conhecer, de forma mais detalhada, os procedimentos que devem ser seguidos para o consumidor superendividado participar do projeto “Quero conciliar – Superendividamento”. O Superendividamento ocorre quando o consumidor, pessoa física, contraí o crédito de boa-fé, mas no momento do adimplemento não consegue saldar todas as suas dividas. Para ser considerado um consumidor superendividado é necessário alguns pressupostos: deve ser uma pessoa física, onde há impossibilidade manifesta de adimplemento e o crédito deve ser tomado de boa-fé. Segundo Cláudia Lima Marques (2006, p. 256) “o superendividamento pode ser definido como a impossibilidade global do devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos) em um tempo razoável com sua capacidade atual de rendas e patrimônio.” O superendividamento pode ser classificado em passivo e ativo. Passivo quando ocorrem situações alheias à vontade do consumidor, ou seja, não depende dele, como por exemplo, a separação de um casal e a morte de uma pessoa próxima. E ativo, por um ato voluntário do consumidor, o superendividamento ativo ainda se subdivide em consciente, quando o crédito é adquirido de má-fé, e inconsciente quando o consumidor através de um impulso adquire o crédito, ou seja, quando o credor utiliza a publicidade e grandes ofertas para impulsionar o consumidor a adquirir um crédito inconscientemente. O superendividamento é um problema que afeta o mundo todo, diante disso a Federação Mundial de Organizações de Consumidores, desenvolveu uma campanha de informação, visando a implementação de políticas onde o Estado proteja os consumidores do superendividamento. No Brasil, o superendividamento é um fenômeno que ainda se encontra sem um amparo legal específico, mas na União Europeia e nos Estados Unidos já há algumas soluções para os efeitos do mau uso do crédito, garantindo a manutenção de um mínimo existencial para os superendividados, e impondo ao fornecedor o dever de renegociar, além de permitir o perdão da dívida em alguns casos. Foi realizado um estudo entre os países do Mercosul para analisar a situação dos consumidores superendividados frente aos bancos, sendo a alta taxa de juros um dos principais problemas detectados. No ordenamento jurídico de cada um dos Estados-Membros do Mercosul não há lei especial que regule o contrato de crédito aos consumidores em todas as suas fases. Já na União Européia, os Estados-Membros são obrigados a “transferir” para os seus ordenamentos o que está determinado em uma diretiva que harmoniza as relações de crédito. No Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, as normas que fazem referência aos contratos de crédito restringem-se as informações dadas para os consumidores no momento da concessão do crédito, sem desenvolver nenhum meio de proteção eficaz. Nos casos em que o consumidor superendividado agiu de boa-fé é necessário que haja uma regulamentação para que a sua dignidade seja preservada, ou seja, um sistema de renegociação das dividas, para que ele tenha a chance de se reestruturar financeiramente. A Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, dispõem sobre a disciplina do crédito ao consumidor e a prevenção do superendividamento, porém no ano de 2012 foi feito um Projeto de lei do Senado com o intuito de atualizar esta lei no que se refere ao superendividamento. O Projeto de Lei nº 283 de 2012, visa instituir mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento, garantindo o mínimo existencial e a dignidade humana. O projeto define como superendividamento o “comprometimento de mais de 30% da renda líquida mensal do consumidor com o pagamento do conjunto das dívidas não profissionais, exigíveis e vincendas, excluído o financiamento para a aquisição de casa para a moradia, e desde que inexistentes bens livres e suficientes para liquidação do total do passivo”. Tal projeto foi aprovado no dia 30 de Setembro de 2015 pelo Senado. O PLS 281/2015, também aprovado, cria uma nova seção no Código de Defesa do Consumidor para tratar do comércio eletrônico, divulgando dados do fornecedor, do direito de arrependimento da compra e das penas para práticas abusivas contra o consumidor. Agora ambos os projetos vão para a votação em turno suplementar e depois serão encaminhados à Câmara. O Anteprojeto de Lei que complementa o Código de Defesa do Consumidor seguiu o modelo francês, porém teve-se algumas dificuldades em adaptar o sistema francês a realidade brasileira, pois o Banco Central brasileiro não se interessa tanto pela defesa do consumidor. Os principais países de direito comparado são a França, Alemanhã, os Países Baixos, os Estados Unidos e o Reino Unido. A experiência do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul com o movimento “Conciliar é Legal”, do Conselho Nacional de Justiça, foi apresentado em uma reunião do Mercosul, como um modelo para concretização do Direito do Consumidor. Tal procedimento está em execução desde o ano de 2006. O projeto piloto, ganhador do prêmio Innovare em 2008, seguiu o modelo europeu tendo como fundamento a prevenção e o tratamento do superendividamento, Tem como objetivo fazer uma mediação entre o credor e o consumidor para que as dividas sejam renegociadas, de forma amigável, obedecendo ao orçamento do consumidor, pois este não pode deixar de ter elementos básicos para seu sustento. Para fazer a mediação não é necessária a constituição de advogado, basta procurar o judiciário e preencher um formulário padrão com seus dados sócio-ecônomicos e fazer um mapa dos credores. Depois de preenchido o formulário e identificado os credores é feita uma carta convite para informar os credores dasintenções do devedor, e então é marcada a audiência. Esta audiência é realizada na presença de todos os credores que comparecerem, e assim são renegociadas as dividas, sempre respeitando o valor mínimo legal. Na Comarca de Sapiranga, foram feitos 254 atendimentos a consumidores superendividados, entre os anos de 2007 a 2013. Através destes atendimentos foi possível ilustrar o perfil dos consumidores superendividados. A maioria dos consumidores superendividados são do sexo feminino, possuem entre 27 e 35 anos, são empregados so setor privado, grande parte é casada, possui uma renda individual mensal e familiar mensal entre 1 e 2 salários minímos. Além disso, os devedores que se declaram superendividados, na sua maioria, possuem apenas 1 credor. E a principal causa do superendividamento é o fato de que ele gastou mais do que ganha. Foi registrado na Comarca, o percentual de 87,3% de êxito no resultado das audiências. Aplicando os conceitos apresentados, foi realizada uma entrevista com um consumidor endividado, aplicando o formulário do projeto “Quero conciliar – Superendividamento” (anexo A). O Consumidor é mecânico, possui 34 anos, é casado, tem 2 filhos, e possui o 1º grau incompleto. Sua renda mensal individual é de R$ 1.800,00, já a sua renda familiar mensal é de R$ 2.588,00. A família do consumidor endividado gasta mensalmente cerca de R$ 2.862,90, mas infelizmente sua esposa perdeu o emprego e seu salário atual reduziu cerca de R$ 512,00 comparado com o anterior. A família fez um financiamento na Caixa Econômica Federal para adquirir sua casa própria, e diante da necessidade em adquirir um meio de locomoção, compraram uma moto parcelada. Mas, o maior motivo do superendividamento são os altos juros do cartão de crédito, aproximadamente 11% ao mês. Portanto, a família tem uma renda mensal de R$ 2.588,00 e sua divida está em torno de R$ 5.832,00, pois possuem parcelas atrasadas da casa (R$ 860,00), da moto (R$ 492,00) e do cartão de crédito (R$ 4.480,00). O consumidor ainda não tentou renegociar com nenhum dos seus credores, mas concorda que o projeto é um meio prático e de fácil acesso para quem quer renegociar suas dívidas. Portanto, o crédito possui importante papel na atual sociedade de consumo, e sua ausência impossibilita o individuo de honrar os seus compromissos, fazendo com que aqueles consumidores que adquiriram o crédito de boa-fé tornem-se superendividados. Vários fatores levam ao endividamento do consumidor, não somente a facilidade da oferta do crédito, porém se o Código de Defesa do Consumidor fosse observado pelos fornecedores e controlados pelo poder público, o superendividamento da sociedade não estaria em um nível tão elevado, trazendo consequências como a exclusão social. Logo, se faz necessária a existência de uma regulamentação sobre a concessão de crédito no país, para manter o acesso dos consumidores ao mercado, além de obrigar e informar os direitos e deveres que cada um possui. Por esse motivo a aprovação do Projeto de Lei do Senado 283/2012 é tão importante, pois ele oferece medidas de prevenção do superendividamento, além de preservar a dignidade do consumidor, e lhe dar a chance de se reestruturar financeiramente. E, como foi possível visualizar no decorrer deste artigo a aplicação do projeto piloto obteve grande êxito. Palavras-Chave: Crédito; Regulamentação; Código de Defesa do Consumidor. REFERÊNCIAS: AMORIM, Eduardo Antônio Andrade. O Superendividamento do Consumidor. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/17597/o-superendividamento-do-consumidor#ixzz3oV2BKba8 >. Acesso em: Outubro de 2015. BERTONCELLO, Karen Rick Danilevicz. Tratamento do Superendividamento no Poder Judiciário: Análise de Caso-Referência (Comarca de Sapiranga). 2014. FOSSA, Carolina Olivaes. O Superendividmento de Acordo com o Projeto de Lei de Reforma do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2012_2/carolin a_fossa.pdf >. Acesso em: Outubro de 2015. FREITAS. Danielli Xavier. Senado Aprova Propostas que Atualizam o CDC. Disponível em: <http://daniellixavierfreitas.jusbrasil.com.br/noticias/238320843/senado-aprova-propostas- que-atualizam-o-cdc?ref=topic_feed>. Acesso em: Outubro de 2015. LIMA, Clarissa Costa de. O Mercosul e o Desafio do Superendividamento. Revista Direito do Consumidor, n. 73, p. 11-49, 2010. LIMA, Paola. Projetos de atualização do Código de Defesa do Consumidor começam a tramitar no Senado. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2012/08/02/projetos-de-atualizacao-do- codigo-de-defesa-do-consumidor-comecam-a-tramitar-no-senado>. Acesso em: Outubro de 2015. MARQUES, Cláudia Lima. Algumas Perguntas e Respostas Sobre Prevenção e Tratamento do Superendividamento dos Consumidores Pessoas Físicas. Revista Direito do Consumidor, n. 75, p. 9-42, 2010.
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