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• JUNG oMAPA DA ALMA Uma Introdução MURRAY STEIN Tradução ÁLVARO CABRAL Revisãotécnica MARCIA TABONE ~ EDITORA CULTRIX SãoPaulo Sumário Agradecimentos 9 Introdução 11 1. Superfície(ConsciênciadoEgo) 21 2. O interiorpovoado(Os Complexos) 40 3. Energiapsíquica(Teoriada libido) 60 4. As fronteirasdapsique(Instintos,Arquétiposeo Inconsciente Coletivo) 81 5. O reveladoe o ocultonasrelaçõescomoutros(Personae Sombra) 97 6. O caminhoparao interiorprofundo(AnimuseAnima) 115 7. O centrotranscendentee a integridadedapsique(O Si-Mesmo) 137 8. O surgimentodo si-mesmo(Individuação) 153 9. Do tempoe eternidade(Sincronicidade) 176 Notas 196 Glossário 205 Referências 207 Índice 209 .i Agradecimentos Estelivronãoteriasidopossívelsemapacientedatilografiaeassistênciaedito- rialdeLynneWalter.Queroagradecer-lheporsuadedicaçãoe inabaláveloti- mismo.Tambémgostariadeagradecera Jan Marlanpor seuestímuloe entu- siásticoapoio.Aquelesqueassistiramaminhasconferênciasaolongodosanos reconhecerãosuascontribuiçõesnosmuitospontosde detalhequenãoesta- riamnestetextosenão fossemsuasindagaçõese observações.O meumuito obrigadoa todos. Introdução ErapossívelexplorartimidamenteascostasdaÁfricapara o sul,masserumassemparaoestenadaencontrariam excetoomedo,odesconhecido,nãooMare Nostrum mas oMardoMistério,oMare Ignotum. CarlosFuentes O EspelhoEnterrado No verãoemqueJung faleceu,eu estavamepreparandoparaingressarna universidade.Era 1961.Os sereshumanostinhamcomeçadoaexploraro espa- çoexterior,e acorridaestavaemplenocursoparaverquemseriamosprimei- rosa chegaràLua,osamericanosouosrussos.Todososolharesestavamcon- centradosnagrandeaventuradaexploraçãoespacial.Pelaprimeiraveznahis- tóriahumana,pessoastinhamlogradozarparde terrafirma e viajadorumoàs estrelas.Não medeicontanaépocadequeo nossoséculotinhasidomarcado de umaformaigualmentedecisivapelasjornadasparao interior,asgrandes exploraçõesdo mundoíntimopelosparesdeCarl Jungnasdécadasqueante- cederamo Sputnikea Apollo.O queJohn GlenneNeil Armstrongsignifica- ramparanóscomoexploradoresdo espaçoexterior,Jung significaemrelação aoespaçointerior,umcorajosoe intrépidoviajantepenetrandono desconhe- cido. Jungfaleceuempazna suacasadosarredoresdeZurique,numquartode frenteparao lagotranqüiloaoeste.Parao sul,podia-sedivisarosAlpes.No dia anterioraodeseupassamento,pediuaofilho queo ajudassea ir atéa janela paraumaderradeiravisãodesuasamadasmontanhas.Passaraumavidainteira explorandoo espaçointerioredescrevendoemseusescritosoqueaídescobriu. Porcoincidência,aconteceuqueno anoemqueNeil Armstrongcaminhouna superfíciedaLuaembarqueinumaviagemaZurique,afimdeestudarno Insti- tutoJung.O queestoucompartilhandocomosleitoresnestevolumeéaessên- ciadequasetrintaanosdeestudodomapadaalmatraçadoporJung. A finalidadedestelivroé descreverasconclusõesa queJung chegou,tal comoasapresentouemseusescritospublicados.DescobrirJungpodeser,antes demaisnada,algocomomergulharnaquele"Mar deMistério"acujorespeito 12 Jung - O Mapa daAlma Introdução 13 Fuentesescreveuemseurelatosobreosprimeirosexploradoresqueseaventu- raramacruzaroAtlânticodesdeaEspanha.É comumasensaçãodeexcitação, mastambémdemedo,queumhomempenetranessasremotasparagens.Re- cordoasminhasprimeirastentativas.Senti-medominadoportamanhaexcita- çãoqueprocureiansiosamenteo conselhodemuitosdosmeusprofessoresuni- versitários.Perguntava-meseissoera"seguro".Jung eratão atraentequeme pareciaserbomdemaisparaserverdadeiro!Ver-me-iaperdido,confuso,deso- rientado?Felizmenteparamim,essesmentoresderam-mea luzverde,e estou viajandoe descobrindotesourosdesdeentão. A jornadaoriginaldopróprioJung foi aindamaisassustadora.Ele não ti- nha, literalmente,nenhumaidéiasobreseiria encontrarum tesouroou des- pencardabordadomundono espaçoexterior.O inconscienteera,naverdade, umMare IgnotumquandoJungpelaprimeiravezpenetrounele.Maserajovem e corajoso,e estavadeterminadoa realizaralgumasnovasdescobertas.Assim, nãohesitouemseguiradiante. Jung referiu-se,comfreqüência,a si mesmocomoumpioneiroe explora- dordo mistérioinexploradoqueéa almahumana.Parecetertidoumespírito arrojado.Paraele- comoparanósainda- a psiquehumanaeraumvasto territórioe,noseutempo,nãotinhasidoaindamuitoestudada.Eraummisté- rio quedesafiavaos aventureiroscoma perspectivadericasdescobertase as- sustavaos tímidoscoma ameaçade insanidade.ParaJung,o estudoda alma tornou-setambémumaquestãode grandeimportânciahistórica,vistoque, comoelecertavezdisse,o mundointeiroestápendentedeumfio, eessefioé a psiquehumana.É vitalquenosfamiliarizemostodoscomisso. A grandeinterrogação,claro,é esta:Podea almahumanaseralgumavez conhecida,suasprofundezassondadas,seuvastoterritórioexploradoemapeado? Foi talvezalgumresíduodagrandiosidadecientíficadoséculoXIX o quelevou pioneirosdapsicologiadaprofundidade,comoJung,FreudeAdler,aempreen- der esseesforçoe a pensarquepoderiamdefinira inefávele supremamente inescrutávelpsiquehumana.Mas estavamdispostosa penetrarnesseMare llmotumeJung tornou-seumCristóvãoColombodo mundointerior.O século temsidoumaeradegrandesavançoscientíficose maravilhastecnológicas todaa espécie;tambémtemsido umaidadede profundaintrospecçãoe mvestigaçãodenossacomumsubjetividadehumana,o queresultounocampo hOJeamplamenteconhecidocomopsicologiadaprofundidade. Um mododenosfamiliarizarmoscomapsiqueconsisteemestudarosma- pasqueessesgrandespioneirostraçaramdelae colocaramànossadisposição. Em suasobras,podemosencontrarmuitospontosdeorientaçãoparanóspró- prios,e talvezsejamostambémestimuladosa realizarinvestigaçõesadicionaise a fazernovasdescobertas.O mapadapsiqueelaboradopor]ung,pormaispre- liminare talveznão-refinadoqueseja,por maisabertoe semlimitesprevia- mentefixadosqueseapresente- comosãotodasasprimeirastentativasde mapearterritóriosdesconhecidos-, aindapodeserde grandeproveitopara aquelesquequerempenetrarnoespaçointerior,omundodapsique,enãoficar completamenteperdidospelocaminho. Neste livro, aceitoJung em seupapelautodesignadode exploradore cartógrafo,e deixoqueessaimagemmeguieao apresentarestaintroduçãoà suateoriadapsiquehumana.A psiqueéo território,o domíniodesconhecido queeleestavaexplorando;asuateoriaéo mapaporelecriadoparacomunicar o seuentendimentodapsique.Assim,éomapadaalmaoferecidoporJungque eu tentareidescrevernestelivro, conduzindoo leitorpeloterritóriode seus escritos.Ao fazê-Io,estouapresentandoummapadeummapa,masqueespero sejaútil quandoo leitordecidirempreenderpor contaprópriasuasincursões navidaeobradeJung. Comotodososcartógrafos,Jung trabalhoucomosinstrumentos,asprovas e ostestemunhosdequepodiadisporemseutempo.Nascidoem 1875,con- cluiuo cursodemedicinanaUniversidadedeBasiléia,naSuíça,em1900,efez suaespecializaçãoempsiquiatrianoHospitalBurghõlzli,emZurique,até1905. Sua importantecolaboraçãocomFreuddecorreuentre1907e 1913,apóso queconsumiualgunsanosentreguea umaprofundaauto-análise,delaemer- gindoentãocom a suaprópriae distintateoriapsicológica- denominada psicologiaanalítica- a qualapresentouao mundoem 1921no livro Tipos Psicológicos.lEm 1930,aos55 anosde idade,ele tinha criadoa maioriadas característicasbásicasdesuateoriamasnãodetalharaaindaumcertonúmero de importantespontos.Os detalhesseriamapresentadosnosanosseguintesa 1930econtinuariamfluindodapenadeJungatéa suamorteem1961. O projetode explorarcientificamentea psiquehumanafoi iniciadonos primeirosanosdavidaadultadeJung.A suaprimeiraexpediçãooficialé des- critaemsuatesedoutoral,On thePsychologyand Pathologyof So-Called Occult Phenomena(Sobrea Psicologiae PatologiadosChamadosFenômenosOcultos).2 O estudofornece-nosumadescriçãopsicológicado mundointeriorde umajo- veme talentosa mulherque,sabemoshoje,eranarealidadesuaprópriaprima HelenePreiswerk.Quandoadolescente,elatinha a capacidadeincomumde atuarcomomédiumparaosespíritosdemortos,quefalariamatravésdelacom vozese acentoshistóricosnotavelmenteprecisos.Jungestavafascinadoe em- penhou-seementendereinterpretaressedesconcertantefenômenopsicológi- co.Persistindonesseintento,usouo testedeassociaçãoverbalparadesvendar característicasocultasdapaisagempsíquicaquenãotinhamsidoclassificadas antes.Divulgou-asemnumerososartigosqueestãohojereunidosno volume2 desuasObras Completas.A essasrecém-descobertascaracterísticasdo incons- 1\ 14 Jung - O MapadaAlma Introdução 15 cientedeuo nomede "complexos",um termoqueperduroue o fezfamoso. Depoisdisso,ocupou-sede doissériosproblemaspsiquiátricos,a psicosee a esquizofrenia,e produziuumlivro,A Psicologiada DementiaPraecox,3queen- viou a Freudcomoexemplode seutrabalhoe comosugestãoparaa forma comoalgumasdasidéiasdeFreudpodiamseraplicadasempsiquiatria(Freud eraneurologista).ApósrecebercalorosaeentusiásticarespostadeFreud,esta- beleceucomesteum assíduorelacionamentoprofissionale tornou-serapida- menteo líderdo incipientemovimentopsicanalítico.Teveentãoinícioo seu estudodassombriasregiõesdascondiçõesneuróticas,chegandofinalmenteà descobertademaisoumenosinvariantesfantasiasepadrõesdecomportamen- to universais(osarquétipos)numaáreada psiqueprofundaa quechamouo "inconscientecoletivo".A descriçãoe o relatodetalhadodo arquétipoe do inconscientecoletivoconverter-se-iamna suaassinatura,a marcaquedistin- gueo seumapadosde todosos outrosexploradoresda psiqueprofunda,o inconsciente. O anode 1930dividea vidaprofissionaldeJung emduasmetadesquase exatamenteiguais:em1900,iniciousuaespecializaçãoe estudospsiquiátricos no HospitalBurgholzli,eem 1961faleceucomoumsábioanciãoemsuaresi- dênciadeKüsnacht,àsmargensdo lagoZurique.Em retrospecto,pode-sever que os primeirostrinta anosde atividadeprofissionalforamprofundamente criativos.Duranteessesanos,gerouoselementosbásicosdeumamonumental teoriapsicológica,assimcomoabordouimportantesquestõescoletivasdo seu tempomasquenãoestãoisentasdepermanenteatualidade.Os segundostrin- taanosforamtalvezmenosinovadoresno tocanteanovosconceitosteóricos, masa produçãode livrose artigosfoi atémaiordo queno primeiroperíodo. Foramos anosde aprofundamentoe validaçãodehipótesese intuiçõesante- riores.Ampliouaindamaissuasteoriasparaincluirestudosdehistória,cultura e religião,eparacriarumaligaçãoessencialcomafísicamoderna.A atividade clínicadeJung compacientespsiquiátricose comanalisandosfoi maisabsor- ventee intensana primeirametadedesuavidaprofissional;reduziu-sea um mínimodepoisde 1940,quandoa guerrainterrompeua vidacoletivanormal na EuropaeJung tambémsofreria,poucodepois,umataquecardíaco. A investigaçãode Jung dapsiquetambémfoi eminentementepessoaLA uaexploraçãodamenteinconscientenãofoi realizadaunicamentecomsujei- tosexperimentaise pacientes.Ele tambémseanalisou.De fato,duranteum certotempo,tornou-seo seuprópriosujeitoprimordialdeestudo.Observando cuidadosamenteseusprópriossonhose desenvolvendoa técnicade imagina- çãoativa,encontrouumcaminhoparapenetrarcadavezmaisprofundamente nosespaçosmaisrecônditosedemaisdifícilacessodoseumundointerior.Para entenderseuspacientese a si mesmo,desenvolveuummétododeinterpreta- çãoquesebaseouemestudoscomparativosdeculturahumana,mitoe reli- gião;defato,usoutodoequalquermaterialprovenientedahistóriadomundo que tivessealgumarelaçãocomos processosmentais.Deu a essemétodoo nomede"ampliação". As principaisfontese origensdo pensamentode Jung aindanão foram claramenteelaboradasemdetalhe.Em seusescritos,reconheceuumadívida paracom muitospensadoresque o antecederam,entreelesGoethe,Kant, Schopenhauer,Carus,HartmanneNietzsche;damaiorimportânciaéo fatode sesituara si própriona linhagemdosgnósticosantigose dosalquimistasme- dievais.SeufilósofopreferidoeraKant. A influênciada dialéticadeHegelé tambémevidenteemsuateorização.E Freuddeixouvisíveismarcas.Conquan- topossaserdemonstradoqueo pensamentodeJungdesenvolveu-see cresceu aolongodosanosquesuacarreiraabrangeu,existe,porém,umanotávelcon- tinuidadeemsuaorientaçãointelectualbásica.AlgunsleitoresdeJungencon- traramsementesdesuasulterioresteoriaspsicológicasjá evidentesemalgumas daspalestrasuniversitáriaslidasemsuaassociaçãoacadêmicaepublicadascomo As PalestrasZofingia.Estasforamredigidasantesde1900,quandoeleeraainda um estudantena Universidadede Basiléia.O historiadorHenry Ellenberger chegaao pontode afirmarque"a célulagerminalda psicologiaanalíticade JungseráencontradaemseusdebatesnaAssociaçãoAcadêmicaZofingiaeem seusexperimentoscoma suajovemprima,amédiumHelenePreiswerk".4As palestrasZofingiamostramos primeirosconfrontosde Jung comasquestões queo ocupariamduranteavidainteira,comoaquestãodeexpora religiãoe a experiênciamísticaà investigaçãoempírica,científica.Mesmojovem,Jung já nessaalturaargumentavaquetaisassuntosdeviamseracessíveis.àpesquisa empíricaeabordadoscomespíritoaberto.QuandoseencontroucomWilliam Jamesem 1909na Clark University[emWorscester,Massachusetts],essefoi umpontoaltodesuasconversas,porqueJamestinhaadotadoamesmaposição eproduzirao seuestudoclássico,As Variedadesda ExperiênciaReligiosa,usando precisamenteessetipodemétodo. Da totalidadedesseestudoe experiência,portanto,Jungextraiuummapa daalmahumana.É um mapaquedescreveapsiqueemtodasassuasdimen- sões,e tambémprocuraexplicarsuadinâmicainterna.MasJungerasempre cuidadosoa respeitodo mistériosupremodapsique.Suateoriapodeserlida comoummapadaalma,maséomapadeummistérioquenãopode,emúltima instância,sercaptadoemtermosecategoriasracionais.É o mapadeumacoisa viva,palpitante,mercurial- apsique. Ao lerJung,tambéménecessárioteremmentequeomapanãoéo territó- rio.O conhecimentodomapanãoéamesmacoisaqueterumaexperiênciada psiqueprofunda.No máximo,o mapapodeseruminstrumentoútil paraaque- 16 Jung - OMapa daAlma Introdução 17 lesquequeremorientaçãoeguia.Paraalgunsqueseperdemou seextraviam, podeseratéum salva-vidas.Paraoutros,estimularáum poderosodesejode experimentaraquilosobrequeJung estáfalando.Eu comeceia escreveros meussonhosquandoli Jung pelaprimeiravez.Mais tarde,viajeia Zuriquee estudeidurantequatroanosno InstitutoJung.Pelaanálisee experiênciapes- soaldo inconsciente,obtiveconhecimentoemprimeiramãode muitasdas descobertasdeJung. E, no entanto,o meumundointeriornãoé idênticoao dele.Seumapainteriorpodemostraro caminhoe indicarosprincípiosgerais, masnãooferecequalquerconteúdoespecífico.Estedeveserdescobertopela própriapessoa. Paramuitascaracterísticasdo mapa,Jung confiouna intuiçãocientíficae numaimaginaçãoespantosamentevigorosa.Os métodosadotadospelaciência do seutemponãopodiamprovarnemrefutara suahipótesesobreo incons- cientecoletivo,porexemplo.Hoje,estamosbemmaispróximosdepodercom- provara suaexistência.À semelhançadaquelesmaravilhosamenteilustrados mapasda Antigüidadee da Renascença- desenhadosantesda cartografia tornar-secientífica- o mapaqueJungcriouédeslumbrante,nãosóabstrato. Aí podemosencontrarsereiasedragões,heróisepersonagensperversas.Como investigadorcientífico,é claro,ele eraobrigadoa testarempiricamenteseus palpiteseconceitoshipotéticos.Masissoaindadeixavamuitoespaçolivrepara a imaginaçãomítica. Jung trabalhouna disciplinadapsiquiatria,ou psicologiamédica,comoàs vezesselhe referia.Seuprincipalprofessornosprimeirosanosdeseuaprendi- zadono HospitalBurghõlzliemZuriquefoi o célebrepsiquiatrasuíçoEugen Bleuler,inventordo termo"esquizofrenia"parareferir-sea umadasmaisseve- rasenfermidadesmentais,eautordenumerosostextossobreaquestãopsicoló- gicadaambivalência.Tantoquantopossível,Jungprocurousempreemfontes alheiasa si e à suaprópriaexperiênciaimediataasprovase a verificaçãopara suasteoriase hipóteses.Suagamadeleiturae estudoeravastíssima.Suapre- tensãoeradeque,comoinvestigadorempíricodapsique,o mapaporeletraça- dodescrevessenãosóo territóriodoseuprópriomundointeriormassereferis- seàscaracterísticasdaalmahumanaemgeral.À semelhançadeoutrosgran- desartistas,os quadrosqueele pintouteriamo poderde falara pessoasde muitasgeraçõese culturas. A minhaopiniãoéadequeessepsicólogosuíço,cujonomeéhojeuniver- salmenteconhecidoe altamenterespeitado,mascuja obra,comfreqüência, nãoécuidadosamentelidaemuitasvezescriticadaporserincoerenteecontra-ditória,produziuna realidadeumateoriapsicológiéacoerente.Yejo-a como ummapatridimensionalquemostraosníveisdapsiqueassimcomoasrelações dinâmicasentreeles.É umaobradeartecujaspartesestãoemperfeitaharmo- niaentresi,atraindoe seduzindoa unsenãoaoutros.Os seuspostuladossão moldadoscomoproposiçõescientíficase,nãoobstante,muitosdelessãoextre- mamentedifíceisdeprovarou refutarno planoempírico.Importantestraba- lhosestãoemcursonessaáreamas,sejamquaisforemosresultadosqueeles venhama mostrar,o conjuntoda obradeJung continuaráa atrairatençãoe admiração.As obrasdeartenuncasetornamobsoletas,emboraosmapaspos- samperdersuaimportânciacom o progressodo tempoe asmudançasna metodologia. Descrevero mapajunguianodapsiquenumpequenolivronãoéumproje- to completamentenovo,e outros,comdestaqueparaJolandeJacobie Frieda Fordham,produziramobrasintrodutóriassemelhantesemtemposidos.O que estemeutrabalhoacrescenta,assimespero,é a ênfasesobrea coerênciada teoriacomoum todoe suaredesutil de interconexões.Tal comoa teoriaé freqüentementeapresentada,há umpoucodistoe umpoucodaquilo,eo fato dequetodasaspeçaspromanamdeumasóvisãounificada- queeuentendo comoumavisãosublimedaalma- nãoé tãoóbvia.É tambémo casodeque umconsiderávelnúmerodeanostranscorreudesdequeessasmaisantigasin- troduçõesà teoriadeJung foramoferecidaseo tempoficoumaduroparauma novaintrodução. O meuobjetivoé mostrarqueemboralacunase incoerênciase}Çistamno mapadeJung,há umaprofundaunidadesubjacentedevisãoquesuperacom larga.margemosocasionaislapsosdeprecisãológica.O meuprincipalinteresse nestaexposiçãonãoé mostraro desenvolvimentodo pensamentodeJung ou considerarem detalheas suasaplicaçõespráticasempsicoterapiae análise. Consiste,antes,emassinalara unidadeintelectualsubjacenteao tumultode comentáriose detalhesqueconstituema suaobracompleta.O leitoratento sairá,espero,daleituradestelivrocomumquadrogeraldateoriadepsicologia analíticatalcomofoiexpostapelopróprioJung,assimcomoteráadquiridoum conhecimentodosmaisimportantesdetalhese comopertencemeseintegram numúnicotodo. A razãodanotávelunidadedadescriçãodapsiquequeJung nosoferece provém,creioeu,deumacaracterísticadoseupensamentoquenãoé frutode suametodologiaempírica.Jung eraumintuitivopensadorcriativoà maneira defilósofoscomoPlatãoeSchopenhauer.Criouo seumapadapsiqueapartir de idéiasemcursona comunidadecientíficae intelectualdo seutempó,mas deuaessasidéiasumafeiçãoímpar.Emvezdeseapresentarcomnovase radi- caisnoções,optoupor recorreràsidéiasgeralmentedisponíveise com elas modelarumnovopadrãosumamentedistinto.Comoumgrandeartistaplásti- co trabalhandonumadeterminadatradiçãodepintura,usouasimagense os materiaisquelheeramacessíveis,ecrioualgonovo,algoquejamaisforavisto'li antes,emborausandoexatamenteasmesmascombinaçõesdeelementos. 18 Jung - OMapa da Alma Introdução 19 Jung eratambémumvisionáriona tradiçãode MestreEckhart,Boehme, BlakeeEmerson.Muitasdassuasmaisimportantesintuiçõesoriginaram-seem suasexperiênciasdosublime,asquaislhechegaramemsonhos,visõese imagi- naçãoativa.Ele confessaissoabertamenteemsuaautobiografia,ondeescreve queoseuprincipalprofessorsobrea"realidadedapsique"foiafiguraPhilemon, quelheapareceuprimeironumsonhoe comquemseengajoudepois,durante anos,num processode imaginaçãoativa.5 A experiênciadiretada almaé a fonteprimordialda teoriadeJung e issoexplicasuaprofundaunidadee coe- rênciainternas. Mas Jung tambémeraum cientistadedicado,e issoseparasuaobrados escritosdepoetasemísticos.Trabalhoucomo métodocientífico,o quesignifi- couqueconsideravasuaobrapassíveldeprestarcontasàcomunidadecientífi- ca,e submeteu-aa testesempíricos.Às suasvisões,intuiçõese percepçõesin- ternasnãoerasimplesmentepermitidoapoiarem-seemseusprópriosméritos; elaseramcolocadasemconfrontocomaevidênciafornecidapelaexperiência humanaemgeral.A fortenecessidadede Jung de sercientíficoe empírico explicaoslimitesmaldefinidosemsuateoria,astoscasaproximaçõesquepo- deriamtersidotrabalhadasdeformamuitomaisrefinadapelopurointelectoe a imaginação.O mundoempírico- a vida tal comoé experimentada- é confuso,desordenado,enãoseencaixaperfeitamentenosmoldescriadospelo pensamentoepelaimaginaçãohumanos.ComoJungeraum"visionáriopensa- dorintuitivoe,aomesmotempo,umcientistaempírico,o seumapadapsique humanaé coerentee, no entanto,só vagamentesistemáticoe com todasas suaspartesemrecíprocaharmonia. UmarazãoporquecontinuoaapreciarosescritosdeJungeo venholendo assiduamentehá maisde 25 anosé ele não sercompulsivamentecoerente. Quando estudeipensadoresverdadeiramentesistemáticos,comoTillich ou Hegel,sempremesenticontorcendo-menasdurase ásperasgarrasde suas mentesinflexíveis.Seuspensamentosestão,paramim,organizadosde forma elevadademais,soberbademais.Onde estáa desordem,o colorido,o sucoda vida?Issolevou-mearecorreraosartistasepoetasembuscadesabedoria,em vezde,emprimeirolugar,afilósofose teólogos.Desconfiodossistemasrígidos. Acho-osparanóides.Os escritosdeJungnuncameafetaramdessemodo. LendoJung,sentisempreo seuprofundorespeitopelosmistériosdapsique humana,e essaatitudepermitequeoshorizontescontinuememexpansão.O seumapaabrepanoramasemvezdeosbloquear.Esperosercapazdecomuni- caressamesmaimpressãoaoleitor. Esteéumlivrointrodutório.Emboraeuesperequemesmoestudantesavan- çadosdapsicologiadeJungsebeneficiemcomasualeitura,o meuverdadeiro públicoéformadoporaquelesquegostariamdesabero queJungdissemasnão encontraramaindao modocorretode ingressaremseusmaciçosescritose complexopensamento.Cadacapítulodestelivrofocalizaumtemadesuateo- ria.AbordoaquelaspassagensespecíficasdesuasObras Completasqueexpõem essetrechodo seumapa.O leitorespecialmentemotivadoe diligentepode consultaressasreferênciasmaistarde,comacabeçarepousada.A minhaapre- sentaçãocentradano textooferecerá,assimespero,umamistosoconvitepara mergulharnosdocumentosprimáriose enfrentaro desafiode implicarcomo significadoporvezesobscurodeJung ederefletirsobre"assuasimplicações. A seleçãodessasleiturasé minhaprópriaescolhapessoal.Outrostextos igualmentevaliosospoderiamter sidocitadose usados.Procureiescolheros maisclarose representativosensaiose trechosdaobradeJung parademons- trar a coerênciaessencialda suavisão.O mapajunguianoda psiqueé uma realizaçãomaciçade intelecto,observaçãoe intuiçãocriativa.Poucospensa- doresmodernoschegarampertode igualaressaimponenteobra,a qualestá alojadanosdezoitovolumesdasObras Completas,ostrêsvolumesdeCartas,as váriascoletâneasdeentrevistaseescritosocasionais,esuaautobiografia(escri- tacomAnielaJaffé).Dessamontanhadematerial,escolhiostópicosqueper- tencemmaisessencialmenteà suateoriae pusdeladoaquelesqueserelacio- namcoma práticaanalíticae a interpretaçãode cultura,históriae religião. Retornoàperguntaqueformuleiantes:Existerealmenteumsistemanasobras de Jung?É ele um pensadorsistemático?A respostaé, provavelmente,um circunspectosim.A teoriaé coesa,da mesmaformaquea Suíçaé um país coesoemboraa populaçãofalequatrolínguasdiferentes.O todoestáunido, emboraaspartespareçamcomosepudessemmanter-sesozinhase funcionar deformatotalmenteindependente.Jungnãopensousistematicamentedomodo queumfilósofopensa,construindosobrepremissasbásicasecertificando-sede queas partesseajustame se combinammutuamentesemcontradição.Ele afirmouserum cientistaempíricoe, assim,a suateorizaçãocombinacomo caráterdesordenadodomundoempírico.Pensadorintuitivo,Jungexpõegran- desconceitos,elabora-osemalgumdetalhee depoissegueemfrenteparaou- trosgrandesconceitos.Fazfreqüentementemarchaà ré,repete-seevaitapan- do lacunasàmedidaqueavança.Temqueseconhecertodaa suaobraparase obterumquadrocorreto.Seelefor lido deummodomaisou menosaleatório poralgumtempo,o leitorcomeçaráadesconfiardequeaspeçasseajustam,de umaformaoudeoutra,naprópriamentedeJung,massódepoisdelidatodaa suaobraerefletindosobreelapormuitotempo,équeo leitorpoderávercomo realmenteissoocorre. PensoqueJungsentiuque,tendoadquiridoconsciênciadaprofundidadee vastaextensãodapsiquehumanaatravésdeseutrabalhoclínicoedesuaexpe- riênciapessoal,tinhade trabalharpacientementeduranteconsiderávelperío-do detempo,a fimdeformulardeummodoresponsávelessavisãosublimeda almahumana.Não seprecipitaria,e nãoforampoucasasvezesemqueprote- lou umapublicaçãopor váriosanos,enquantotrabalhavana construçãode estruturasquepudessemsustentaro seupensamentona comunidadeintelec- tual.Como tentamosapreenderessavisãoemtodaa suamagnitude,precisa- moster em mentequeJung a elaborouao longode um períodode sessenta anos.Não devíamosestarabertamenteobcecadoscom a consistênciaexata numaobradessaamplitudeequeestáafinadacoma realidadeempírica. SeusestudantesemZuriquecontamumahistóriaa respeitodeJung.Certa vez,quandoeracriticadoporserin'consistenteemalgunspontosdateoria,ele respondeu:Tenhoo meuolharconcentradono fogocentral,e estoutentando colocaralgunsespelhosem volta a fim de mostrá-Ioa outros.Por vezes,as bordasdessesespelhosdeixamlacunase nãoseajustamtodascomexatidão. Não possoevitarisso.Vejamo queeuestoutentandoassinalar! Consideroserminhatarefadescrevertãorigorosamentequantopossívelo queJungmostranessesespelhos.É umavisãoquetemsustentadomuitagente emnossageraçãoe podeserumavisãoparao futuroprevisível.Sobretudo,os seusescritosfornecem-nosimagensde umgrandemistério:apsiquehumana. 20 Jung- O Mapa daAlma ITJ I Superfície (Consciênciado Ego) Começareiadesenrolaro mapadapsiquetraçadoporJungexaminandoasua descriçãoda consciênciahumana,bemcomode suacaracterísticamaiscen- tral,o ego."Ego"éumtermotécnicocujaorigeméapalavralatinaquesignifica "eu".Consciênciaéapercepçãodosnossosprópriossentimentoseno seucen- tro existeum "eu".Esteé umóbviopontodepartidae o portalparaingressar no vastoespaçointerioraquedamoso nomedepsique.É tambémumacom- plexacaracterísticadapsique,aqualaindacontémmuitosenigmaseperguntas semresposta. EmboraJungestivessemaisinteressadoemdescobriro quehaviaporbaixo da consciência,nasregiõesinterioresda psique,ele tambémassumiua tarefa dedescrevere explicara consciênciahumana.Desejavacriarum mapacom- pletodapsique,de modoqueissofoi inevitável:a consciênciado egoé uma característicaprimordialdo territórioqueeleestavaexplorando.Jungnãopode realmenteserqualificadocomoumpsicólogodo egomas,defato,atribuiuum valorsocialaoego,ofereceuumadescriçãodasfunçõesdo egoe reconheceua importânciacríticademaiorconsciênciaparao futurodavidahumanae para acultura.Além disso,tinhaumanoçãoperfeitadequeaconsciênciadoegoé, per se,a condiçãopréviaparaa investigaçãopsicológica.É a ferramenta.O nossoconhecimentocomosereshumanossobrequalquercoisaécondicionado pelascapacidadese limitaçõesdanossaconsciência.Portanto,estudara cons- 22 Jung- O Mapa daAlma Superfície 23 ciênciaédirigiraatençãoparao instrumentoqueseestáusandoparaa inves- tigaçãoe exploraçãopsicológicas. Porqueé tãoimportante,sobretudoempsicologia,entendera naturezada consciênciado ego?Porquehá a necessidadede procedera ajustesparaa distorção.DisseJungquetodaapsicologiaéumaconfissãopessoaL'Todopsi- cólogocriativoestálimitadoporsuasprópriaspreferênciaspessoaise porseus pressupostosnãoexaminados.Nem tudoo quepareceserverdadeiroatépara a consciênciado maissérioe maissinceroinvestigadorconstituinecessaria- menteum conhecimentopreciso.Muito do quepassapor serconhecimento entreos sereshumanosé, na realidade,apósinspeçãomaisrigorosae mais crítica,meropreconceitoou crençabaseadaemdistorção,prevenção,boato, especulaçãooupurafantasia.As crençaspassamporserconhecimentoeade- re-seaelascomosefossemcertezasdignasdecrédito."Eucreioa fimdepoder entender",umfamosocomentáriodeSantoAgostinho,podeparecerhojees- tranhoaosnossosouvidosmodernose, no entanto,é essefreqüentementeo casoquandoaspessoascomeçama falarsobrerealidadepsicológica.Jung em- penhou-seseriamenteemexaminarosfundamentosdeseuprópriopensamen- to medianteumexamecríticodo instrumentoqueestavausandopararealizar suasdescobertas.Argumentouvigorosamentequeumentendimentocríticoda consciênciaé essencialparaa ciência,tantoquantoo é paraa filosofia.O entendimentocorretodapsiqueou, a bemdizer,dequalqueroutracoisa,de- pendedoestadodeconsciênciadecadaum.Jungqueriaoferecerumentendi- mentocríticodaconsciência.Essefoi o seuobjetivoprimacialaoescreversua obra-chave,TiposPsicológicos,aqualdescreveoitoestiloscognitivosquedistin- guema consciênciahumanae processamdemododiferentea informaçãoe aexperiênciadevida. A Relaçãodo Egocoma Consciência Jung, portanto,escrevemuitosobreconsciênciado egoemgrandepartede suasobraspublicadas.Paraosmeuspropósitosaqui,examinareiinicialmenteo primeirocapítulo,intitulado"O Eu", de um de seusúltimoslivros,Aion _ EstudosSobreo SimbolismodoSi-Mesmo,assimcomoalgunstextose passagens afins.Elessumariamadequadamenteasuaposiçãoe representamo seupensa- mentomadurosobreo assunto.No finaldestecapítuloincluireialgumasrefe- rênciasa TiposPsicológicos. Aion podeserlidoemmuitosníveisdiferentes.É, comodissemos,umaobra dosúltimosanosdeJung e refleteseuprofundoenvolvimentocoma história intelectualereligiosaocidentaleseufuturo,bemcomoosseusmaisdetalhados pensamentosacercado arquétipodo si-mesmo.Os primeirosquatrocapítulos foramadicionadosao livro maistardea fim de dotaro novoleitorcomuma introduçãoà suateoriapsicológicagerale oferecerum pontode entradano vocabuláriodapsicologiaanalítica.Sebemqueessaspáginasintrodutóriasnão sejamdetalhadasnem particularmentetécnicas,elascontêmas maiscon- densadasconsideraçõesdeJungsobreasestruturaspsíquicasdenominadasego, sombra,anima,animuse si-mesmo. Jung defineaí o "ego"nosseguintestermos:"Entendemospor egoaquele fatorcomplexocomo qual todosos conteúdosconscientesserelacionam.É estefatorqueconstitui,por assimdizer,o centrodo campodaconsciência,e dadoqueestecampoincluitambémapersonalidadeempírica,o egoéo sujeito detodososatosconscientesdapessoa."2A consciênciaéum"campo"eaquilo aqueJungchamaaquia "personalidadeempírica"é anossapersonalidadetal comoa conhecemose a vivenciamosdiretamente.O ego, como"sujeitode todosos atospessoaisdeconsciência",ocupao centrodessecampo.O termo egorefere-seàexperiênciaqueapessoatemdesi mesmacomoumcentrode vontade,dedesejo,dereflexãoe ação.Essadefiniçãodoegocomoo centroda consciênciamantém-seconstantedocomeçoaofimdosescritosdeJung. Jungdáprosseguimentoaessetextocomumcomentáriosobreafunçãodo egodentroda psique:"A relaçãode qualquerconteúdopsíquicocom o ego funcionacomocritérioparasaberseesteúltimoéconsciente,poisnãohácon- teúdoconscientequenãosetenhaapresentadoantesaosujeito.")O egoéum "sujeito"a quemosconteúdospsíquicossão"apresentados".É comoumespe- lho.Além disso,a ligaçãocomo egoéacondiçãonecessáriaparatomarqual- quercoisaconsciente- um sentimento,umpensamento,umapercepçãoou umafantasia.O egoéumaespéciedeespelhonoqualapsiquepodever-seasi mesmae podetomar-seconsciente.O grauemqueum conteúdopsíquicoé tomadoerefletidopeloegoéograuemquesepodeafirmarqueelepertenceao domíniodaconsciência.Quandoumconteúdopsíquicosóévagaoumarginal- menteconsciente,é porquenãofoi aindacaptadoe mantidoemseulugarna superfícierefletoradoego. Naspassagensqueseseguema essadefiniçãodoego,Jungestabeleceuma distinçãocrucialentrecaracterísticasconscientese inconscientesda psique: consciênciaéo queconhecemose inconsciênciaé tudoaquiloqueignoramos. Um outroestudo,escritomaisoumenosnamesmaépoca[A Naturezada Psi- que),tomaessadistinçãoumpoucomaisprecisa:"O inconscientenãoseiden- tificasimplesmentecomo desconhecido;é anteso psíquicodesconhecido,ou seja,tudoaquiloquepresumivelmentenãosedistinguiriadosconteúdospsí- quicosconhecidos,quandochegasseà consciência."4A distinçãoentrecons- cienteeinconsciente,tãofundamentalna teoriageraldapsiquedeJung,como 24 Jung- O Mapa daAlma Superfície 25 é, aliás,paratodaapsicologiadaprofundidade,postulaquealgunsconteúdos sãorefletidospeloegoemantidosnaconsciência,ondepodemserexaminados e manipuladosde novo, ao passoqueoutrosconteúdospsíquicossituam-se forada consciência,sejatemporária,sejapermanentemente.O inconsciente inclui todososconteúdospsíquicosqueseencontramforadaconsciência,por qualquerrazãoouqualquerduração.Narealidade,essaéagrandemassacons- tituintedo mundopsíquico.O inconscienteeraa principaláreadeinvestiga- çãoempsicologiadaprofundidadeeo maisapaixonadointeressedeJungesta- vanaexploraçãodesseterritório.Mas voltaremosa falardissomaisadiante. Emseusescritos,Jung refere-sefreqüentementeaoegocomoum"comple- xo",termoestequeseráextensamentediscutidono próximocapítulo.Na pas- sagemdoAion,entretanto,elechama-lhesimplesmenteumconteúdoespecífi- co da consciência,afirmandoassimque a consciênciaé umacategoriamais ampladoqueo egoecontémmaisdoquesomenteo ego. O queéentãoaconsciência,essecampoondeo egoestálocalizadoecujo centroé poresteúltimoocupadoe definido?A consciênciaé,muitosimples- mente,o estadodeconhecimentoeentendimentodeeventosexternose inter- nos.É o estardespertoe atento,observandoe registrandoo queaconteceno mundoemtornoedentrodecadaumdenós.Os humanosnãosão,éclaro,os únicosseresconscientessobrea Terra.Outrosanimaistambémsãoconscien- tes,umavezquepodem,obviamente,observare reagiraoseurespectivomeio ambienteemtermoscuidadosamentemodelados.A sensibilidadedasplantas parao seumeioambientetambémpodesertomadacomoumaformadecons- ciência.A consciência,perse,nãoseparanemdistinguea espéciehumanade outrasformasdevida.Nem aconsciênciaéalgoqueseparaoshumanosadul- tosdascrianças.Strictosensu,aconsciênciahumananãodependeemabsoluto, no tocanteà suaqualidadeessencial,de idadeou desenvolvimentopsicológi- co. Um amigomeuqueobservouo nascimentode suafilha disse-mecomo ficouprofundamentecomovidoquando,depoisdaplacentaserremovidae os olhosdobebêseremlimpos,elaosabriuepasseouo olharpelasala,assimilan- do-a.Issoera,obviamente,umsinaldeconsciência.O olhoé umindicadorda presençadeconsciência.Suavivacidadeemovimentoéo sinaldequeumser vígilestáobservandoo mundo.A consciênciadependenãosódavista,éclaro, mastambémdosoutrossentidos.No ventrematerno,antesdosolhosdobebê estaremfuncionandoparaver,ele registrasons,reagea vozese a música,e indicaumnotávelgraudereceptividade.Aindanãosabemosexatamentequan- do o embrião atinge pela primeira vez um certo nível de percepçãoe receptividadequepossaserdefinidocomoconsciência,maséumprocessoque seiniciamuitocedoe certamenteno períodopré-natal. O opostodeconsciênciaéo sonoprofundoe semsonhos,a ausênciatotal dereatividadee dacapacidadedepercebere sentir.E a permanenteausência deconsciênciadeumcorpoépraticamenteumadefiniçãodemorte,excetoem casosdeprolongadocoma.A consciência,mesmoquesetrateapenasdo po- tencialparaconsciênciafutura,é o "fatorvital";elepertenceacorposvivos. O queo desenvolvimentofazà consciênciaé adicionar-lheum conteúdo específico.Em teoria,a consciênciahumanapodeserseparadadoseuconteú- do- ospensamentos,lembranças,identidade,fantasias,emoções,imagense palavrasque aflueme se aglomeramno seuespaço.Mas, na prática,issoé quaseimpossível.De fato,só os iniciadosespirituaisde um nível avançado parecemsercapazesdefazeressadistinçãodeummodoconvincente.É verda- deiramenteumsábioquempodesepararaconsciênciadoseuconteúdoe logra manterumacoisaseparadada outra,aquelecujaconsciêncianãoé definida por identificaçõescompensamentose imagensselecionados.Paraa maioria daspessoas,porém,a consciênciasemum estávelobjetoparaservir-lhede âncora,de fundamento,pareceserumacoisaextremamenteefêmerae transi- tória.A substancialidadedaconsciênciae o sentimentodesolidezsãotipica- mentefornecidosporobjetoseconteúdosestáveistaiscomoimagens,recorda- çõesepensamentos.Substânciae continuidadeemconsciênciasãofeitasdis- so.Entretanto,comoo atestamasvítimasdederramecerebral,osconteúdose atéasfunçõesegóicasda consciência- pensar,recordar,denominare falar, reconhecerimagens,pessoase facesfamiliares- são,narealidade,maistran- sitóriosefrágeisdoqueaprópriaconsciência.É possívelpertencerinteiramen- te à própriamemória,por exemplo,e aindaserconsciente.A consciênciaé comoumquartocujasquatroparedescercamo conteúdopsíquicoquetempo- rariamenteo ocupa.E a consciênciaprecedeo ego,o qualseconverte,em últimainstância,no seucentro. O ego,comoa consciência,tambémtranscendee sobreviveao conteúdo específicoque,emqualquermomentodeterminado,ocupao quartodacons- ciência.O egoé o pontofocalno interiordaconsciência,a suacaracterística maiscentrale talvezmaispermanente.Contraa opiniãodo Oriente,Jungar- gumentaque semum ego,a própriaconsciênciatorna-sediscutível.Mas é verdadequecertasfunçõesdo egopodemsersuspensasou aparentemente obliteradassemdestruira consciênciapor completoe, assim,umaespéciede consciênciasemego,umtipodeconsciênciaqueapresentamuitopoucaspro- vasevidentesdeumcentroobstinado,deum"eu",éumapossibilidadehuma- na,pelomenosdurantecurtosperíodosdetempo. ParaJung,o egoformao centrocríticodaconsciênciae,defato,determina emgrandemedidaqueconteúdospermanecemno domíniodaconsciênciae quaisseretiram,poucoapouco,parao inconsciente.O egoéresponsávelpela retençãodeconteúdosna consciência,e tambémpodeeliminarconteúdosda consciênciadeixandodeosrefletir.Paraempregaro termodeFreud,queJung 26 Jung - O Mapa da Alma Superfície 27 considerouútil,o egopode"reprimir"conteúdosquenãolheagradam,ouque consideraintoleravelmentepenososou incompatíveiscomoutrosconteúdos. Tambémpoderecuperarconteúdosda armazenagemno inconsciente(istoé, dobancodememória)desdeque(a)nãoestejambloqueadospormecanismos dedefesa,comoarepressão,osquaismantêmosconflitosintoleráveisforade alcancee (b)tenhamumaligaçãoassociativasuficientementefortecomo ego - istoé, foram"aprendidos"comsuficientesolidez. O egonão é fundamentalmenteconstituídoe definidopelosconteúdos adquiridosdaconsciência,taiscomoasidentificaçõesmomentâneasoumesmo crônicas.É algocomoum espelhoou um ímãqueseguraum conteúdonum pontofocalda consciência.Mas tambémquere age.Como centrovital da consciência,precedea aquisiçãoda linguagem,a identidadepessoale atéo conhecimentodeumnomepessoal.As aquisiçõessubseqüentes,comoo reco- nhecimentodo própriorostoe nome,sãoconteúdosque se aglomeramem tornodessecentrodeconsciênciaetêmoefeitodedefiniro egoeampliarasua faixadecomandoexecutivoe autoconhecimento.Fundamentalmenteo egoé um centrovirtualde percepçãoconscienteque existe,pelomenos,desdeo nascimento,o olhoquevêesempreviu omundodesdeessavantajosaposição, desdeessecorpo,desdeessepontode vistaindividual.Em si mesmo,não é nada,querdizer,nãoé umacoisa.Portanto,é algosumamenteesquivoe im- possívelde imobilizar.Pode-seaténegarqueele exista.E, no entanto,está semprepresente.Não éo produtodecriação,crescimentooudesenvolvimen- to.É inato.Emborapossasermostradoquesedesenvolveeadquirevigordesse pontoemdiante,atravésde "colisões"coma realidade(veradiante),o seu núcleoé "dado".Chegacomacriançarecém-nascida. Da formacomoJung descrevea psique,existeumaredede associações entreos váriosconteúdosda consciência.Todoselesestãoligadosdiretaou indiretamenteàagênciacentral,o ego.O egoéo centrodaconsciência,nãosó geográficamastambémdinamicamente.É o centrodeenergiaquemovimenta osconteúdosdaconsciênciae osorganizaporordemdeprioridade.O egoé o locusdatomadadedecisõese do livre-arbítrio.Quandodigo"Estouindo aos Correios",o meuegotomouumadecisãoemobilizaa energiafísicae emocio- nal necessáriaparacumprira tarefa.O egoconduz-meaosCorreiose faz-me chegarlá.É o executivoquefixaasprioridades:"Vá aosCorreiosenãosedeixe levarpeloseudesejode ir passearno parque."Emborao egopossaservisto comoo centrode todaa condutainteresseira(ego-ismo), eleé tambémo do altruísmo.Em e desi mesmo,o ego,tal comoJung o entendeue descreveu,é moralmenteneutro,nãouma"coisaruim",comoo ouvimossercitadoemlin- guagemvulgar("oh,eletemumtaldeego!"),masumapartenecessáriadavida psicológicahumana.O egoé o queseparaoshumanosdeoutrascriaturasda naturezaquetambémpossuemconsciência;é tambémo queseparao serhu- manoindividualdeoutrossereshumanos.É o agenteindividualizantenacons-ciênciahumana. O egofocalizaaconsciênciahumanaeconfereà nossacondutaconsciente suadeterminaçãoedireção.Porquetemosumego,possuímosa liberdadepara fazerescolhasquepodemdesafiarosnossosinstintosdeautopreservação,pro-pagaçãoe criatividade.O egocontémanossacapacidadeparadominarema- nipularvastassomasde materialdentroda consciência.É um poderosoímã associativoe umagenteorganizacional.Umavezqueoshumanospossuemtal forçano centroda consciência,elesestãoaptosa integrare dirigirgrandes quantidadesdedados.Um egoforteé aquelequepodeobteremovimentarde formadeliberadagrandessomasde conteúdoconsciente.Um egofraconão podefazergrandecoisadessegênerodetrabalhoe sucumbemaisfacilmentea impulsose reaçõesemocionais.Um egofracoé facilmentedistraídoe,porcon- seqüência,carecedefocoe motivaçãoconsistente. É possível,paraos humanos,permaneceremconscientesmesmoquesus- pendamboapartedo funcionamentonormaldoego.Peloexercíciodavonta- de,podemosdirigir-nosparaserpassivose inativos,eobservarsimplesmenteo mundointeriorou exterior,comoumamáquinafotográfica.Normalmente, porém,nãoépossívelmanterpormuitotempoumaconsciênciaobservacional volitivamenterestringida,porqueo usualéo egoeapsiquequeo integraserem rapidamenteenvolvidospeloqueestásendoobservado.Quandoassistimosa um filme,por exemplo,podemoscomeçarsimplesmenteobservandoe rece- bendopessoase cenários.Masnãotardaremosemidentificar-noscomesteou aquelepersonagem,e asnossasemoçõessãoativadas.O egoprepara-separa agireseapessoatemdificuldadeemdistinguirentreimagenscinematográficas e realidade(umaoutrafunçãodo ego),elapodesertentadaa enveredarpor umcomportamentofísico.O corpoéentãomobilizadoeo egovisaaumdeter- minadocursode açãoe intenta concretizá-Io.Com efeito,os filmessão estruturadosdemodoqueos espectadorestomememocionalmentepartidoe apóiemsejao queforqueumdeterminadopersonagemestiverfazendoousen- tindo.Envolvidodessemodo,o egoéativadocomocentrodedesejos,esperan- çase talvezatéintenções.É concebívelque umapessoaresolvatomaruma importantedecisãoemsuavidaenquantovê umfilme,emconseqüênciados sentimentosepensamentosgeradosnaconsciênciaporessasimagens.Sabe-se depessoasquesaíramdeumcinemae tornaram-seviolentasou lascivascomo resultadodiretodo impactodo filme.O egofoi aliciadopelaemoção,identifi- caçãoedesejo,e usaasuafunçãodiretivae energiaparaatuar. Como fica evidenciado,a liberdadedo egoé limitada.Ele é facilmente influenciadoporestímulospsíquicosinternoseambientaisexternos.O egopode 28 Jung - O Mapa da Alma Superfície 29 respondera um estímuloameaçadorpegandoemarmase defendendo-se;ou podeserativadoe estimuladopor um irresistívelimpulsointeriorparacriar, amaroudesejarvingar-se.Tambémpodereagiraumimpulsodoego- istoé, deummodonarcisista.Pode,assim,ver-sedominadoporumanecessidadede vingança,porexemplo. A consciênciavígil é enfocada,pois,peloregistrodo egode estímulose fenômenosinternose ambientais,e pelacolocaçãodo corpoemmovimento. As origensdo ego,repetindo,situam-seantesdosprimeirosdiasda infância. Até mesmoumbebêde mesesnotaa ocorrênciade mudançasemseumeio ambiente,algumasdasquaislheparecemagradáveise estendeosbraçospara agarrá-Ias.Essessinaisprecocesdaintencionalidadedeumorganismosãopro- vasevidentesno tocanteàs raízesprimordiaisdo ego,a "egoidade"do indi- víduo. Refletirsobreanaturezaeessênciadesse"eu"levaaprofundasindagações psicológicas.O queé, fundamentalmente,o ego?O que soueu?Jung diria simplesmentequeo egoé o centrodaconsciência. O "eu"sente,talvezingenuamente,quesuaexistênciaé eterna.Até mes- monoçõessobrevidasanterioresadquirem,porvezes,umtimbredeverdadee derealidade.É umaquestãoemabertoseo "eu"mudaessencialmenteaolongo deumavida.O "eu"quechoroupelamãeaosdoisanosnãoé o mesmoque choraporumamorperdidoaos45anosoupelofalecimentodeumcônjugeaos 85 anos?Emboramuitascaracterísticasdo egoclaramentesedesenvolvame mudem,sobretudono queserefereàcognição,autoconhecimento,identidade psicossocial,competência,etc.,umapessoatambémseapercebede umaim- portantecontinuidadenonúcleodoego.Muitaspessoasficamemocionadasao descobrira "criançaqueexistedentrodelas".Issonadamaisé doqueo reco- nhecimentodequeapessoaqueeueracomocriançaéamesmapessoaquesou comoadulto.Provavelmenteo núcleoessencialdo egonãomudaaolongoda vida.Issotalvezpudesseexplicartambémaforteintuiçãoeconvicçãodemui- taspessoasdequeessenúcleodoegonãodesaparececoma mortefísica,mas ou vaiparaumlugardeeternorepouso(céu,nirvana)ourenascenumaoutra vidano planofísico(reencarnação). Umacriançadizpelaprimeiravez"eu"porvoltadosdoisanos.Até então, ela refere-sea si mesmana terceirapessoaou pelo nome:"Dudu quer"ou "Tininhavai".Quandoumacriançaécapazdedizer"eu"epensaremreferên- ciaasimesma,colocando-seconscientementenocentrodeummundopessoal e atribuindoaessaposiçãoumespecíficopronomenaprimeirapessoa,eladeu um grandesaltoparadianteemconsciência.Mas issonãoé, emabsoluto,o nascimentodoegoprimordial.Muito antesdisso,consciênciaecomportamen- to foramorganizadosemtornodeumcentrovirtual.O egoexisteclaramente antesde podermosreferir-nosa elede umaformaconscientee reflexiva,e o processodeaprenderaconhecê-Ioégradualeprossegueaolongodavidaintei- ra.O processodeaquisiçãodaconsciênciadesimesmopassapormuitasetapas desdea infânciaatéaidadeadulta.UmadessasetapasédescritaporJungcom certodetalheemMemórias,Sonhos,Reflexões[Erinnerungen,Traume,Gedanken], quandofalaa respeitodesairdeumanuvemaos13anosdeidadee perceber pelaprimeiravez:"Agorasoueumesmo."5[Jetztbin ich,jetztbinichvorhanden.] É emvirtudedessacapacidadepararealizarumaltoníveldeconhecimento desi mesmoe decompreensãodasrazõesparao seuprópriocomportamento - ouseja,umegoauto-reflexivo- queaconsciênciahumanadiferedacons- ciênciaanimal,pelomenos,atéondechegamosnossosatuaisconhecimentos. Essadiferençaé atribuívelnãosó à capacidadeverbalhumana,a qualnosdá nãosóacompetênciaparafalarsobreo "eu"quesabemosquesomoseenrique- cerassima suacomplexidade,mastambémparaexercera purafunçãoauto- reflexivapresentenaconsciênciahumana.Estafunçãoépré-lingüísticae pós- lingüística.Consistena pessoasaberqueé (e,maistarde,quemorrerá).Em virtudedetermosumego- esseespelhoembutidona consciência- pode- mossaberquesomose o quesomos.Outrasespéciesanimaistambémdesejam claramentevivere controlarseumeioambiente,e dãoprovasevidentesde emoçãoeconsciência,assimcomodeintencionalidade,comprovaçãodareali- dade,autocontroleemuitomaisqueassociamosa umafunçãodoego.Masos animaisnãotêm,ou têmmuitomenosdessafunçãoauto-reflexivadentroda consciência.Têm menosego.Sabemelesquesão,quemorrerãoindividual- mente,quesãoindivíduosdistintos?É duvidoso.O poetaRilkesustentouque osanimaisnãoenfrentamamortedomodoqueoshumanosaenfrentam,eisso dá-Ihesa vantagemdevivermaisplenamenteno momentopresente.Os ani- maisnãotêmconsciênciadesimesmosdomesmomodoqueoshumanosesem linguagemnão podemexpressarcom qualquergraude refinamentoa auto- consciênciaqueporventuratenham,nemdiferençar-sedeoutroscomaespé- ciedeferramentaslingüísticasqueoshumanospossuem.6 Depoisde um certopontono desenvolvimento,o egohumanoe a cons- ciênciahumanapassama ser largamentedefinidose moldadospelomundo culturalemquea pessoacrescee é educada.Issoconstituiumacamada,ou invólucro,da estruturado egoem tornodo egocentral.À medidaqueuma criançacrescenumaculturae aprendesuasformasehábitosporintermédiode interaçõesfamiliareseexperiênciaseducacionaisnaescola,o invólucrodoseu egovai ficandocadavezmaisespesso.Jung refere-sea essasduascaracterísti- casdoegocomo"Personalidadenº 1"e "Personalidadenº 2".7 A Personalida- denº 1éo egonuclearinatoea Personalidadenº 2 éacamadaculturalmente adquiridado egoquecresceno transcorrerdo tempo. 30 Jung - O MapadaAlma Superfície 31 Algunsconteúdosespecíficosdaconsciênciadoegodeumapessoapodem apresentarconsiderávelgraude estabilidadeao longodo tempo.O próprio nomedeumapessoaé,usualmente,umacaracterísticaestáveldaconsciência. Podeatéparecer,depoisdeumcertoponto,estarpermanentementesoldadaao ego.Emboraumnomesejaumtratamentoimpessoalepertençaà arenapúbli- cacomopartedeumapersona(verocapítulo5),quandoéproferidopelospais, ou umfilho,ou o seramado,eletocaos maisíntimoslugaresdo nossosenti- mentocomopessoa.Deve,entretanto,seraindareconhecidoqueumnomeéumartefatoculturale,comotal,estámenossolidamentevinculadoaoegodo que,por exemplo,o corpo.Pessoastêmmudadoseusnomese continuaram sendoasmesmaspessoas.Até hoje,ninguémmudoucompletamentedecorpo paraverseaindaéesseocaso;se(ouquando)issoacontecer,descobriremosse o egotambémtranscendeo corpo.Suspeitode que a respostaseráqueele transcendeefetivamenteo corpo,muitoemboraasuarelaçãocomo corponos pareçatãocompletamenteunida. Poderíamossertentadosadefiniro egocomoaconsciênciadesimesmodo corpocomoentidadeatuante,individual,limitadae ímpar.Seapessoativesse recebidoumnomediferente,poder-se-iaargumentar,o seu"eu"essencialnão seriadiferentedo queé. Mas se tivesseum corpodiferente,seriao seuego essencialmenteoutro?O egoestáenraizadoprofundamentenumcorpo,até muitomaisdoqueemsuacultura,masatéquepontoessaconexãoéprofunda, eisumpontosuscetíveldedebate.Não obstante,o egotemeprofundamentea mortedocorpo.É o medodequeaextinçãodoegosesigaaodesaparecimento do corpo.SegundoJung,porém,o egonãoestáestritamentelimitadoà base somátka.EmAion, eledeclaraqueo ego"nãoéumfatorsimplesouelementar masum complexoque,comotal, não podeserexaustivamentedescrito.A experiênciamostraqueeleassentaemduasbasesaparentementediferentes,a somáticae a psíquica".8 No pensamentodeJung,apsiquenãopodeserreduzidaameraexpressão do corpo,o resultadodaquímicado corpoou de algumprocessodenatureza física.Poisapsiquetambémtemparticipaçãodamenteou espírito(apalavra greganouscaptamelhoro pensamentodeJungsobreesteponto)e, comotal, podetranscendere, ocasionalmente,transcendea sualocalizaçãofísica.Em capítulossubseqüentes,veremoscommaiorprecisãocomoJung derivaa psi- quedeumacombinaçãodenaturezafísicaeespíritooumentetranscendente, nous.Mas,poragora,ésuficientenotarquepsiqueecorponãosãocoinciden- tes,nemumderivadooutro.Tambémo ego,queépredominantementetrata- do porJung comoum objetocompletamentepsíquico,só emparterepousa numabasesomática.O egoestábaseadono corposomenteno sentidodeque experimentaa unidadecomo corpo,maso corpoqueo egoexperi~entaé psíquico.É umaimagemdocorpoenãooprópriocorpo.O corpoéexperimen- tado"a partirda totalidadede percepçõesendossomáticas",9ou seja,a partir do quea pessoapodeconscientementesentirdo corpo.Essaspercepçõesdo corpo"sãoproduzidasporestímulosendossomáticos,dosquaissomentealguns transpõemo limiarda consciência.Uma considerávelproporçãodessesestí- mulosocorreinconscientemente,isto é, subliminarmente... O fatode serem estímulossubliminaresnãosignificanecessariamentequeo seustatussejade meranaturezafisiológica,comotampoucoseriaverdadeiroapropósitodeum conteúdopsíquico.Porvezes,sãocapazesde transporo limiar,ou seja,de se converterempercepções.Mas não há dúvidade que umavastaproporção dessesestímulosendossomáticossãosimplesmenteincapazesdeconsciênciae tãoelementaresquenãohárazãoalgumaparaatribuir-Ihesumanaturezapsí- quica".10 Na passagemacima,observamosqueJung traçaa linha da fronteirada psiqueparaincluir a consciênciado egoe o inconsciente,masnão a base somáticacomotal. Muitosprocessosfisiológicosnuncatransitamparaa psi- que,nemmesmoparaa psiqueinconsciente.Em princípio,sãoincapazesdese tornaralgumavezconscientes.É evidentequeo sistemanervososimpático, porexemplo,é emsuamaiorparteinacessívelà consciência.Quandoo cora- çãopulsa,osanguecirculaeosneurôniosdisparam,algunsprocessossomáticos, masnãotodos,podemtornar-seconscientes.Não estáclaroemquemedidaa capacidadedoegoparapenetrarnabasesomáticapodeserdesenvolvida.Iogues treinadosafirmamsercapazesdeexercerconsiderávelcontrolesobreprocessos somáticos.Ficaramconhecidosporquereraprópriamorte,porexemplo,e ter simplesmenteparalisadoo coraçãopor sualivree espontâneavontade.A ca- pacidadedeumiogueparamudara temperaturasuperficialnapalmadamãoà SUavontadefoi testadae verificada:elepodiadeliberadamentealterá-Iapor dezouvintegraus.Issodemonstraumaconsiderávelcapacidadeparapenetrar e controlaro corpo,masaindadeixamuitoterritóriointocado.Até quepro- fundidadedasubestruturacelularpodeo egopenetrar?Podeumegotreinado reduzirumtumorcanceroso,porexemplo,oudominareficazmenteahiperten- são?Muitasindagaçõessubsistem. Cumpreteremmentequeexistemdoislimiares:o primeiroseparaacons- ciênciadoinconsciente,o segundoseparaapsique(conscienteeinconsciente) dabasesomática.Discutireiesseslimiaresemmaiordetalheemcapítulosulte- riores,masdeveserassinalado,desdeagora,quesetratadeamploslimiares,os quaisdevemserconcebidoscomofronteirasfluidas,nãocomobarreirasfixase rígidas.A psique,paraJung,abrangea consciênciae o inconsciente,masnão inclui todoo corpoemsuadimensãopuramentefisiológica.O ego,sustenta Jung,estábaseadono somapsíquico,istoé, numaimagemdocorpo,e nãono corpoperse.Portanto,o egoéessencialmenteumfatorpsíquico. 32 Jung - O Mapada Alma Superfície 33 A Localizaçãodo Ego Todoo territóriodapsiqueé quasecompletamentecoincidentecoma exten- sãopotencialdo ego.A psique,conformeJung a definenestapassagem,está restringidapor,e limitadaa, ondeo egopode,emprincípio,chegar.Isto não significa,entretanto,queapsiqueeo egosãoidênticos,umavezquea psique incluio inconscienteeo egoestámaisoumenoslimitadoàconsciência.Maso inconscienteé, pelomenos,potencialmenteacessívelaoego,mesmoseo ego, na realidade,não tenhamuitaexperiênciade contatoscomele.A questão, aqui,équea própriapsiquetemumlimite,e esselimiteé o pontoemqueos estímulosouconteúdosextrapsíquicosnãopodemmais,emprincípio,sercons- cientementeexperimentados.Na filosofiakantista,de queJung era adepto, essaentidadenão-experimentávelé denominadaa Ding an sich,a coisaemsi- mesma.A experiênciahumanaé limitada.A psiqueé limitada.Jung nãoera umpan-psiquista,ouseja,alguémqueafirmaqueapsiqueestáemtodaaparte eorganizatudo.O corpositua-seforadapsique,eomundoémuitíssimomaior do quea psique. Devemosevitar,entretanto,imporumaprecisãoexageradaao usodeter- minologiaporJung,sobretudoemtermostaiscomopsiquee inconsciente.Caso contrário,criaremosnoçõesmuitocompactase rigorosasondeJung deixou deliberadamentelacunase aberturas.A psiquenãoéprecisamentecoextensiva como territóriocombinadocohsciente-e-inconsciente,nemestáexatamente limitadaàextensãodoego.Nasmargens,ondepsiqueesomasejuntameonde psiquee mundoseencontram,existemnuançasde "dentro/fora".Essasáreas cinzentasforamqualificadasporJung depsicóides.Trata-sedeumaáreacujo comportamentoseassemelhaaodapsiquemasquenãoédetodopsíquica.É quase-psíquica.Nessasáreascinzentasencontram-seenigmaspsicossomáticos como,porexemplo,"De quemodomentee corposeinfluenciammutuamen- te?""Onde umaterminae a outracomeça?"Essasquestõesaindanãoforam respondidas. Jung traçaessassutisdistinçõesnapassagemdeAion ondedescreveabase psíquicado egonosseguintestermos:"Porum lado,o egoapóia-seno campo totalda consciênciae, por outro,na somatotalde conteúdosinconscientes. Estesenquadram-seemtrêsgrupos:primeiro,os conteúdostemporariamente subliminaresquepodemserreproduzidosvoluntariamente(memória)...segun- do,osconteúdosinconscientesquenãopodemserreproduzidosvoluntariamente ...terceiro,os conteúdosquesãototalmenteincapazesde tornar-seconscien- tes."!!Esteterceirogrupodeveria,por definiçõesanteriores,serdeixadofora do domíniodapsiquee Jung,nãoobstante,colocou-oaquidentrodo incons- ciente.É evidenteterelevistoqueo inconscienteatingeumlugarondejá não émaispsiqueepenetraemregiõesnão-psíquicas,istoé,no"mundo"paraalém da psique.E no entanto,paraumacertadistância,pelomenos,essemundo não-psíquicoestásituadodentrodo inconsciente.Nesteponto,acercamo-nos dasfronteirasde grandesmistérios:a baseparaa percepçãoextrapsíquica,a sincronicidade,ascurasmilagrosasdo corpoe outros. Comocientista,Jung tinhaquefornecerargumentoseprovasparahipóte- sestãoaudaciosasquantoaexistênciado inconsciente,emseusaspectostanto pessoaisquantocoletivos.Ele meramentealudeaquia essesargumentos,os quaissãodesenvolvidosemgrandedetalheemoutrasobras:"O grupodois podeserinferidoda irrupçãoespontâneana consciênciade conteúdossubli- minares."l2Aí sedescrevecomooscomplexosafetamaconsciência."O grupotrêséhipotético;éumainferêncialógicadosfatossubjacentesnogrupodois."l3 CertospadrõessistemáticosnoscomplexoslevaramJunga formularahipótese dosarquétipos.Se certosefeitossãosuficientementefortese persistentes,um cientistaformulaumahipóteseque,espera-se,expliqueosefeitose conduzaa novasinvestigações.!4 O ego,prossegueJung no Aion, assentaem duasbases:uma somática (corpórea)e umapsíquica.Cadaumadessasbasesé constituídademúltiplas camadaseexisteparcialmentenaconsciência,massobretudono inconsciente. Dizerqueo egoassentaemambasé dizerqueasraízesdo egomergulhamno inconsciente.Emsuaestruturasuperior,o egoéracional,cognitivoeorientado paraarealidade,masemsuascamadasmaisprofundaseescondidasestásujeito aofluxodaemoção,fantasiaeconflito,eàsintrusõesdosníveisfísicoepsíqui- co do inconsciente.O egopode,portanto,serfacilmenteperturbadoporpro- blemassomáticose porconflitospsíquicos.Entidadepuramentepsíquica,cen- trovitaldaconsciência,sededaidentidadeedavolição,o ego,emsuascama- dasmaisprofundas,é vulnerávela perturbaçõesoriundasdemuitasfontes. Comosublinheiacima,o egodeveserdistinguidodocampodaconsciência ondeestáalojadoe parao qualconstituio pontofocaldereferência.Escreve Jung:"Quandodigoqueo ego'fica'no campototaldaconsciência,nãoquero comissosignificarqueeleconsistenisso.Seassimfosse,seriaimpossíveldistin- gui-Iodocampodaconsciênciacomoumtodo."l5TalcomoWilliamJames,que distinguiuentreo "eu"eo "amim",l6Jungdescreveumadiferençaentreo ego e o queJameschamou"a correntede consciência".O egoé um pontoque mergulhana correntedeconsciênciae podeseparar-sedestaaodar-seconta dequeelaéalgodiferentedesimesmo.A consciêncianãoestátotalmentesob o controledoego,mesmoquesecoloquea umadistânciasuficientedelepara observare estudaro seufluxo.O egomovimenta-seno interiordo campoda consciência,observando,selecionando,dirigindoa atividademotoraatéuma certamedida,masignorandotambémumaconsiderávelsomadematerialque 34 Jung - O Mapa da Alma Superfície 35 a consciênciaestá,poroutrolado,tomandoemconsideração.Seconduzimos umautomóvelporumaestradaquenoséfamiliar,aatençãodoegodesviar-se- áfreqüentementeeocupar-se-ádeoutrosassuntosalheiosàcondução.Chega- mossãosesalvosaonossodestino,tendosuperadosinaisdetrânsitoenumero- sassituaçõesperigosasde tráfego,e perguntandoaosnossosbotõescomofoi queconseguimoschegarlá! O foco da atençãoestavaemoutro lugar,o ego divagaraeentregaraaconduçãodocarroàconsciêncianão-egóica.Nessemeio- tempo,aconsciência,apartadadoego,estáconstantementemonitorando,cap- tando,processandoereagindoàinformação.Seocorrerumacrise,oegoretoma e assumeo comando.O egoconcentra-semuitasvezesnumalembrança,num pensamentoousentimento,ouemplanosqueextraiudacorrentedeconsciên- cia. Deixaoutrasoperaçõesde rotinaparaumaconsciênciahabituada.Essa separabilidadedoegoedaconsciênciaéumaformaatenuadaenão-patológica dedissociação.O egopode,emcertamedida,dissociar-sedaconsciência. Emboraum egorudimentarou primitivopareçaestarpresentedesdeos maisrecuadosmomentosde consciênciacomoumaespéciedecentrovirtual ou pontofocal,elecrescee desenvolve-seemimportantesaspectosdurantea infância.EscreveJung:"Emboraassuasbasessejamrelativamentedesconheci- dase inconscientes,psíquicase somáticas,o egoé um fatorconscientepor excelência.É mesmoadquirido,empiricamentefalando,ao longoda vidado indivíduo.Parecesurgir,emprimeirolugar,dacolisãoentreo fatorsomáticoe o meioambiente,e, umavezestabelecidocomoumsujeito,continuaadesen- volver-seem conseqüênciade sucessivascolisõescom os mundosexteriore interior."l7O quefazo egocrescer,segundoJung,éo queeledesignapor"coli- sões".Por outraspalavras,conflito,dificuldades,angústia,pena,sofrimento. Sãoestesosfatoresquelevamo egoadesenvolver-se.As condiçõesexigidasa umapessoaparaadaptar-seaambientesfísicosepsíquicosapóiam-senumcen- tropotencialnaconsciênciae fortalecemasuacapacidadeparafuncionar,com o objetivodefazerconvergiraconsciênciaemobilizaro organismonumadire- çãoespecífica.Comocentrovirtualdaconsciência,o egoé inato,mascomo centrorealeefetivodevesuaestaturaàquelascolisõesentreo corpopsicofísico eummeioambientequeexigerespostaeadaptação.Umaquantidademodera- dadeconflitocomo meioambienteecertadosedefrustraçãosão,portanto,as melhorescondiçõesparao crescimentodo ego. Essascolisõespodem,porém,sercatastróficas,e acarretarsériosdanosà psique.Nessecaso,o egonascentenãoé fortalecidomas,pelocontrário,com- prometidoe tãoseveramentetraumatizadoqueo seufuncionamentoulterioré radicalmentedeteriorado.Maus-tratosa criançase traumassexuaisna infân- ciasãoey:::mplosdetaiscatástrofespsíquicas.Porcausadelas,o egoestá,com freqüência,permanentementedanificadoemseusregistrospsíquicosinferiores. No planocognitivo,podesercapazdefuncionarnormalmentemas,emsuas partesmenosconscientes,o tumultoemocionalea ausênciadeumaestrutura coesacriamseverosdistúrbiosdecarátere tendênciasdissociativas.Taisegos nãosãoapenasvulneráveisnumaacepçãonormal- comosãotodososegos _ mastambémsãofrágeise hiperdefensivos.Fragmentam-sefacilmentesob estresseemocionale tendem,portanto,a recorrera defesasprimitivas(mas muitopoderosas)paracolocarum muroentreelese o mundoe protegera psiquedeintrusõese possíveisdanos.Taispessoasnãopodemconfiarnasou- tras.Paradoxalmente,tambémsemostramdecepcionadasa todoo instante,e seriamentedesapontadaspelosoutrose a vidaemgeral.Poucoa pouco,essas pessoasisolam-sedo meiocircundante,queé percebidocomoinsuportavel- menteameaçador,e vivemsuasvidasemisolamentodefensivo. O egonascentepoderiaserdescritocomoum grito infantilde angústia, assinalandoumadiscrepânciaentrenecessidadee satisfação.A partirdaí,co- meçaa desenvolver-see acabapor tornar-se,finalmente,maiscomplexo.No momentoemqueo egodeumacriançadedoisanosestádizendo"não"a todo o mundo,ele não estáapenasenfrentandodesafiosambientais,masjá está tentandomudarou controlarmuitosaspectosdo seuambiente.O egodessa pessoapequenaestámuitoatarefadoemfortalecer-seatravésda criaçãode numerosascolisões,eesses"não!"e "nãoquero!"sãoexercíciosquefortalecem o egocomoentidadeseparadae comoum fortecentrointeriorde vontade, intencionalidadee controle. Um egoqueadquiriuautonomianainfânciatambémsentequeaconsciên- ciapodeserdominadaedirigidaàvontade.A circunspecçãocaracterísticada pessoamanifestamenteansiosaé umaindicaçãode queo egonão alcançou plenamenteesseníveldeconfianteautonomia.Mais franquezae flexibilidade sãopossíveisquandoo egoadquiriuumgraudecontrolesuficienteparaasse- gurara sobrevivênciae a satisfaçãodenecessidadesbásicas. A noçãodeJungdedesenvolvimentodoegoemconseqüênciadecolisões como meioambienteofereceummodocriativodeconsideraro potencialem todasessasinevitáveisexperiênciashumanasdefrustraçãoemfacedeumam- bientehostil.Quando o egotentaaplicarsuavontade,encontraumacerta medidaderesistênciado meioambiente,e seessacolisãoé bemconduzidao resultadoseráo crescimentodoego.Esseinsight tambémnosadvertecontraa tentativade fornecerexcessivoisolamentopara umacriança diante das investidasdeumarealidaderepletadedesafios.Paraestimularo crescimento doego,umambientepermanentementeclimatizadoesuperprotetornãoofere- cenadadeútil. Um breveexameda teoriade Jung de tipospsicológicostambémpertencea estecapítulosobreconsciênciado ego.Os organizadoresdaediçãoemlíngua inglesadasObras CompletasdeJung (CollectedWorks) citamJungemsuanota introdutóriaparaTipos Psicológicosquandodizemque consideramessaobra "umapsicologiadaconsciênciaencaradado quepoderiaserchamadoum ân- guloclínico".18As duasprincipaisatitudes,oudisposições(introversãoeextro- versão)e asquatrofunções(opensamento,o sentimento,asensaçãoea intui- ção)têmumaforteinfluênciasobreaorientaçãodoego,quandoesteempreen- dea realizaçãodesuastarefase requisitosdeadaptação.A disposiçãoinatado egonuclearparaassumirumadessasatitudese funçõesformaa suapostura característicaemfacedomundoe no tocanteà assimilaçãodaexperiência. As colisõescoma realidadedespertama nascentepotencialidadedo egoe desafiam-norelacionar-secomo mundo.Taiscolisõestambéminterrompemaparticipationmystiquel9 dapsiqueno mundoà suavolta.Uma vezdesperto,o egodeveadaptar-seà realidadeporquaisquermeiosdisponíveis.Jungelaborou a teoriasegundoa qualexistemquatrode taismeiosou funçõesdo ego;cada umadasquaispodeserorientadaporumaatitudeintrovertida(istoé,voltada paradentro)ou extrovertida(voltadaparafora).Após a ocorrênciade uma certasomadedesenvolvimentodoego,a tendênciainatadapessoaparaorien- tar-separao mundo,interioreexterior,revelar-se-ádecertosmodosdefinidos. ArgumentouJung queo egotemumatendênciainata,genética,parapreferir umdeterminadotipodecombinaçãodeatitudee função,eparaconfiarsecun- dariamentenumaoutracombinaçãocomplementarparaequilíbrio,comuma terceirae umaquartaficandomenosusadase,porconseguinte,menosacessí- veisedesenvolvidas.As combinaçõesconstituemo queeledesignoupor"tipos psicológicos". Por exemplo,umapessoanascecoma tendênciainataparaassumiruma atitudeintrovertidaem relaçãoao mundo.Issomanifesta-seprimeirocomo timideznacriançae maistardedesenvolve-senumapreferênciaporexplorar interessessolitários,comoa leiturae o estudo.Se issosecombinarentãocom umatendênciainataparaadaptar-seao seumeiousandoa funçãodepensar, essapessoavai sernaturalmentepropensaa exerceratividadesrelacionadas comaciênciaeaerudição,quecombinamcomessastendências.Emtaisdomí- nios,essapessoatemumbomdesempenho,sente-seconfiantee satisfeitapor trabalhardeummodoqueé inteiramentecompatívelcomsuapróprianature- za.Emoutrasáreas,comoo estabelecimentoderelaçõessociaisou avendade assinaturasde jornais de porta em porta,essaorientaçãodo pensamento introvertidoémuitomenosútil e apessoasente-seperdida,dominadamuitas vezesporconsiderávelconstrangimentoeestresse.Seessapessoanasceunuma culturaquetemmaisapreçopelaatitudeextrovertidadoquepelaintrovertida, ounumafamíliaquereforçanegativamentea introversão,o egoécompelidoa adaptar-seaomeiodesenvolvendoaextroversão.Issoé feitoa umaltopreço. A pessoaintrovertidanãotemoutrasaídasenãoaceitarconvivercomoestresse psicológicocrônicoparaquetal adaptaçãofuncione.Comoessaadaptaçãodo egonãoocorreunaturalmente,ela tambémchamaa atençãodo observador comoartificial.Não funcionamuitobemmas,no entanto,é necessária.Uma talpessoafuncionacomumadesvantagem,assimcomoumextrovertidonatu- ral estariaemdesvantagemnumaculturaintrovertida. Diferençastipológicasentrepessoaspodemlevara conflitossériosno seio defamíliasegrupos.Filhosquesãotipologicamentediferentesdeseuspaissão, com freqüência,incompreendidose podemsercoagidosa adotarumafalsa tipologiaqueseharmonizecomaspreferênciasparentais.O filhocomo perfil tipológico"correto"seráo preferidoe tornar-se-áo favorito.Issopreparao terrenoparaa rivalidadeeainvejaentreirmãos.Cadafilhonumagrandefamí- lia será,do pontode vistatipológico,um poucodiferentedosdemais,assim comoospaistambémcostumamser.Os extrovertidospodementurmarcontra osintrovertidos,e os introvertidosnãosãobonsemformargrupose equipes. Poroutrolado,osintrovertidossãomelhoresemesconder-se.Seasdiferenças de tipospodemserreconhecidascomoum valorpositivoe apreciado,pode haverumgrandeenriquecimentonavidafamiliarenosgrupospolíticos.Aqui- lo comqueumapessoapodecontribuirseráconsideradobenéficopor outras justamenteporqueelasnãoestãosintonizadasnomesmocomprimentodeonda. ·Reconhecimentoeapreciaçãopositivadediferençastipológicaspodemformar abaseparao pluralismocriativonavidafamiliare cultural. Essacombinaçãodeumafunçãosuperioredeumaatitudepreferidacons- titui a melhorarmado egoparaadaptar-see interagirnosmundosinteriore exterior.A quartafunçãoinferior,por outro lado,é a menosacessívelpara utilizaçãopeloego.A funçãosecundáriaé,logodepoisdafunçãosuperior,ade maiorutilidadeparao ego,easfunçõessuperioresecundáriaemcombinação sãoasmaisfreqüentese eficazmenteusadasparaorientaçãoe realização.Por via de regra,umadessasduasmelhoresfunçõesé extrovertidae a outra introvertida,a funçãoextrovertidadandoumaleituradarealidadeexternaea funçãointrovertidafornecendoinformaçãosobreo queestáacontecendointe- riormente.O egousaessasferramentaspara,damelhormaneiradequeé ca- paz,controlare transformarosmundosinteriore exterior. Muito do quesabemospor experiênciaa respeitodeoutraspessoase, na verdade,muitodo queacabamospor reconhecercomosendoasnossaspró- priaspersonalidades,nãopertenceàconsciênciadoego.A vitalidadequeuma 36 Jung - O Mapada Alma Tipos Psicológicos Superfície 37 38 ]ung - O MapadaAlma Superfície 39 pessoacomunica,asreaçõesespontânease asrespostasemocionaisaosoutros eàvida,aexplosãodehumoreasdisposiçõesdeânimoeacessosdetristeza,as enigmáticasedesconcertantescomplicaçõesdavidapsicológica- todasestas qualidadese atributospodemserimputadosaoutrosaspectosdapsiqueenão à consciênciado egocomotal.Assimé incorretopensarno egocomosendo equivalenteàpessoatoda.O egoé simplesmenteumagente,umfocodecons- ciência,umcentrodepercepçãosensível.Podemosatribuir-lheou qualidades demaisou qualidadesdemenos. LiberdadePessoal Umavezqueo egotenhaobtidosuficienteautonomiae umacertamedidade controlesobrea consciência,o sentimentode liberdadepessoaltorna-seuma fortecaracterísticadarealidadesubjetiva.Ao longode todaa infânciae ado- lescência,agamadeliberdadepessoalé testada,desafiadaeexpandida.Tipica- mente,umapessoajovemvivecoma ilusãodepossuirmuitomaiorautodomí- nioe livre-arbítriodoqueépsicologicamenteverdadeiro.Todasaslimitaçõesà liberdadeparecemserimpostasde fora,da sociedadee de regulamentações externas,epercebe-semuitopoucoatéquepontoo egoé controladoemigual medidadedentro.Umareflexãomaisatentarevelaquesomostãoescravosda nossaprópriaestruturadecaráteredemôniosinterioresquantodaautoridade externa.Com freqüência,issosóvema serpercebidona segundametadeda vida,quandotipicamenteocorreumaconsciênciacadavezmaisnítidadeque somososnossospioresinimigos,os nossosmaisimplacáveiscríticose os que maisexigimosdenósprópriosemnossotrabalho.O destinoé tecidodedentro, assimcomoditadodefora. Jung temalgumasreflexõesprovocadorasdemeditaçãoaoferecersobrea questãodesaberatéquepontoavontadeérealmentelivre.Comoveremosnos capítulosseguintes,o egoéapenasumapequenapartedeummundopsicológi- co muitomaisamplo,tal comoaTerraé umapequenapartedo sistemasolar. SaberqueaTerragiraaoredordoSolésemelhantea tomarconhecimentode queo egogravitaemtornodeumaentidadepsíquicamaior,o si-mesmo(seli). Ambosos insightssãoperturbadoresedesestabilizadoresparaapessoaqueco- locouo egono centro.A liberdadedo egoé limitada."Dentrodo campoda consciência[oego]tem,comodizemos,livre-arbítrio",escreveJung."Masnão atribuoa issoqualquersignificadofilosófico,apenaso bemconhecidofatopsi- cológicode'livreescolha',oumelhordizendo,o sentimentosubjetivodeliber- dade."20Centrodo seuprópriodomínio,a consciênciado egodispõede uma certaeevidenteliberdade.Mas qualé asuaextensão?E emquegraufazemos nossasescolhasnabasedecondicionamentoehábito?EscolherumaCocaem vezde umaPepsirefleteumamedidade liberdademas,de fato,essaescolha estálimitadaporumpréviocondicionamento,comoapublicidade,epelaexis- tênciaou ausênciadeoutrasalternativas.Uma criançapodeserencorajadaa exercitaro livre-arbítrioe a efetuardiscriminaçõesoferecendo-se-lheumaes- colhaentretrêstiposdecamisas,porexemplo.O egodacriançasente-segra- tificado,poisestálivreparaescolheraquelaquequer.Entretanto,avontadeda criançaé limitadapormuitosfatores:o sutildesejodeagradaraopai (oumãe) ou, inversamente,o desejoderebelar-secontraele(ouela);pelagamadepos- sibilidadesoferecidas;pelaspressõese exigênciasdosseusiguais.A nossareal gamadelivre-arbítrioé,comoadacriança,limitadaporhábito,pressão,dispo- nibilidade,condicionamentoe muitosoutrosfatores.Nas palavrasde Jung, "assimcomoo nossolivre-arbítriocolidecoma necessidadeno mundoexte- rior,tambémencontraseuslimitesforadocampodaconsciência,no subjetivo mundointerior,ondeentraemconflitocomosfatosdosi-mesmo".21 O mundo exteriorimpõelimitaçõespolíticase econômicas,masosfatoressubjetivosli- mitamigualmenteo nossoexercícioda livreescolha. Em termosgerais,é o conteúdodoinconscientequereduzo livre-arbítrio doego.O ApóstoloPauloexpressouissoclassicamentequandoconfessou:"Por- quenemmesmocompreendoo meuprópriomododeagir,poisnãofaçoo que prefiroe,sim,o quedetesto...Poiso querero bemestáemmim;não,porém,o fazê-lo."22Os demôniosda contradiçãoconflitamcomo ego.Jung concorda: "Assimcomocircunstânciase eventosexternosnos 'acontecem'e limitama nossaliberdade,tambémo si-mesmoagesobreo egocomoumaocorrência objetiva,queo livre-arbítriopodefazermuitopoucoparaalterar."23Quandoa psiquetomacontadoegocomoumaincontrolávelnecessidadeinterna,o ego sente-sederrotadoe temqueenfrentaraexigênciadeaceitarasuaincapacida- deparacontrolara realidadeinterna,assimcomotemdechegaraessaconclu- sãoarespeitodosmaisamplosmundossociaisefísicoscircundantes.A maioria daspessoas,nodecorrerdesuasvidas,acabapercebendoquenãopodecontrolar o mundoexterior,massãomuitopoucasasqueadquiremconsciênciadeque seusprocessospsíquicosinternostampoucoestãosujeitosaocontroledo ego. Com estasconsiderações,começamosingressandono territóriodo incons- ciente.Nos próximoscapítulos,descrevereia visãodeJung dasáreasincons- cientesdapsiquehumana,asquaisconstituemdelongeavastamaioriadoseu território. o interiorpovoado 41 [I] o interiorpovoado (Os Complexos) No capítuloprévio,vimosquea consciênciado ego- asuperfíciedapsique - estásujeitaaperturbaçõese reaçõesemocionaisquesãocriadasporcolisões entreo indivíduoe o ambienteexterno.ConsiderouJung queessascolisões entrea psiquee o mundotêmumafunçãopositiva.Se nãoforemexcessiva- menteseveras,tendema estimularo desenvolvimentodo egoporqueexigem maiorcapacidadedeconcentraçãoeissoleva,emúltimainstância,aumacom- petênciamaispronunciadapararesolverproblemase àmaiorautonomiaindi- vidual.Forçadaaefetuarescolhaseaassumirposições,umapessoadesenvolve acapacidadeparafazermaisomesmoefazê-locadavezmelhor.É comodesen- volverummúsculoaplicandotensãoisométrica.O egocresceatravésdemui- tasdessasvigorosasinteraçõescomo mundo.Perigos,atrações,contrarieda- des, ameaçase frustraçõescausadospor outras pessoase vários fatores ambientais,tudoissogerouum certonível de energiaconcentradana cons- ciência,e o egoé mobilizadoparalidarcomessesaspectosdasincursõesdo mundo. Existem,porém,outrasperturbaçõesde consciênciaquenãoestãoclara- mentevinculadasa quaisquercausasambientaise sãototalmentedespropor- cionaisemfacedosestímulosobserváveis.Essasperturbaçõesnãosãoprimaria- mentecausadasporcolisõesexternasesiminternas.As pessoasenlouquecem, àsvezes,compoucosmotivosaparentes.Ou têmbizarrasexperiênciasimagi- 40 náriasinternasqueredundamemformasinexplicáveisde comportamento. Tornam-sepsicóticas,têmalucinações,sonhamouficampuraesimplesmente loucas,ou apaixonam-se,ou sãodominadaspor umafúriaincontrolável.Os humanosnemsempreagemracionalmentee comportam-sede acordocom avaliaçõesclarasdo interessepessoal.O "homemracional",no qualsebaseia tantateoriaeconômica,éapenas,namelhordashipóteses,umadescriçãopar- cialdossereshumanostalcomorealmentefuncionam.Os humanossãoimpe- lidosporforçaspsíquicas,motivadosporpensamentosquenãosebaseiamem processosracionais,e sujeitosa imagense influênciasparaalémdaquelasque podemsermedidasnomeioambienteobservável.Emresumo,somoscriaturas impulsionadasporemoçõeseimagens,tantoquantosomosracionaiseambien- talmenteadaptadas.Sonhamostantoquantoponderamos,e'sentimosprova- velmentemuitomaisdo quepensamos.No mínimo,umagrandeparcelade pensamentoécoloridae modeladaporemoções,e amaioriadosnossoscálcu- losracionaisestásujeitaàsnossaspaixõesemedos.Foi opropósitodeentender esseladomenosracionaldanaturezahumanaquelevouJungaadotarasferra- mentasdo métodocientífico,e a dedicarsuavidaà investigaçãodo quedá formaemotivaaemoção,afantasiaeocomportamentohumanos.Essemundo interioreraumaterraincognitano seutempo.E eledescobriuqueelaestápo- voada. Atingindo o Inconsciente Imaginemosporummomentoqueapsiqueéumobjetotridimensionalcomoo sistemasolar.A consciênciadoegoé aTerra,terrafirma; éondevivemos,pelo menosduranteasnossashorasvígeis.O espaçoaoredordaTerraestácheiode satélitese meteoritos,algunsgrandes,outrospequenos.Esseespaçoé o que Jung chamouo inconsciente,e os objetoscomqueprimeironosdeparamos quandonosaventuramosnesseespaçosãoo queelechamouoscomplexos.O inconscienteépovoadoporcomplexos.Foi esseo territórioqueJungexplorou inicialmenteemsuacarreiracomopsiquiatra.Depoisdeu-lheo nomede in- conscientepessoal. Começoua mapearessaáreada psiquemesmoantesde examinarminu- ciosamenteo complexode egoou a naturezado inconsciente.Empreendeu essaexploraçãoinicial usandoum instrumentocientíficoquefoi altamente consideradona viradado século:o ExperimentodeAssociaçãoVerbal.lDe- pois,empregoutambémalgunsinsightscolhidosnos primeirosescritosde SigmundFreud.Armadocoma noçãode determinaçãoinconscientedepro- cessosmentaise como ExperimentodeAssociaçãoVerbal,Jungchefiouuma 42 Jung - O Mapa daAlma o interiorpovoado 43 equipede pesquisadoresno projetocientíficode conduçãode experimentos laboratoriaiscuidadosamentecontroladosa fimdeseapurarsetaisfatorespsi- cológicosinconscientespodiamserempiricamenteverificados. Os resultadosdesseprojetoforamcompiladosno livroEstudosdeAssocia- ção Verbal [DiagnostischeAssoziationstudien],editadopor Jung. Essesestudos foramrealizadosna Clínica Psiquiátricada Universidadede Zurique,como apoioe o incentivodeseuprofessor,EugenBleuler.2O projetofoi concebido em 1902e prosseguiuduranteos cinco anosseguintes.Os resultadosforam publicadosseparadamenteentre 1904e 1910no ]oumal für Psychologieund Neurologie.Foi no decorrerdessesestudosexperimentaisqueJung começoua usaro termo"complexo",quetomoudopsicólogoalemãoZiehenmasampliou e enriqueceucomumaconsiderávelcontribuiçãodesuasprópriaspesquisase formulaçõesteóricas.Essetermofoi adotadomaistardeporFreude largamen- teusadonoscírculospsicanalíticos3atéFreudeJungcortaremrelações,apóso quefoi maisou menoscompletamenteapagado,juntocomJunge tudoo que fosse"junguiano",do léxicofreudiano. A teoriadoscomplexosfoi amaisimportanteentreasprimeirascontribui- çõesdeJungparao entendimentodoinconscienteesuaestrutura.Parcialmen- te, foi o modode Jung conceituaro queFreudestiveraescrevendo,atéesse ponto,sobreos resultadospsicológicosda repressão,sobrea permanenteim- portânciadainfânciaparaaestruturadocaráteresobreaenigmáticaresistên- ciaemanálise.Continuaaserumútil conceitonapráticaanalíticaatéosdias dehoje.Comofoiqueelechegouà descobertaemapeamentodessacaracterís- ticado inconsciente? A questãoconsistiaemcomopenetrarnamenteparaalémdasbarreirasda consciência.A consciênciapodeserinvestigadamediantea simplesformula- çãode perguntase registrodasrespostasobtidas,ou por introspecção.Mas comopenetrarmaisfundono mundosubjetivoe explorarsuasestruturase operações?Paraabordaresseproblema,Jung e umaequipede residentespsi- quiátricosmontaramumasériede experimentoscomsujeitoshumanospara verse,bombardeandoa psiquecomestímulosverbaise observandoasrespos- tasnaconsciência- as"pistas",porassimdizer,desutisreaçõesemocionais-, poderiamencontrarprovasque evidenciassema existênciade estruturas subjacentes.Colaborandoestreitamentecom seuscolegasBleuler,Wehrlin, Ruerst,Binswanger,Nunberge, maisdestacadamente,comRiklin, Jung refi- nouprimeiroo ExperimentodeAssociaçãoVerbalparaosseuspropósitoses- pecíficose decidiu-sepor 400estímulosverbaiscomuns,cotidianose aparen- tementeneutros- palavrascomomesa,cabeça,tinta,agulha,pãoe lanter- na.4Disseminadasentreessaspalavrasestavamasmaisprovocantes- guerra, fiel,golpear,acariciar.Essenúmerofoi reduzidodepoisa 100.Essaspalavras- estímulos,lidasumaporumaaumsujeitoquetinhasidoinstruídopararespon- dercoma primeirapalavraquelhe acudisseà mente,suscitaramumagrande variedadedereações.Haverialongaspausas,respostassemnexo,respostascom rimae respostas"klang" [bombásticas],e atéreaçõesfisiológicasquepodiam sermedidasusandoum aparelhochamadopsicogalvanômetro.s A questãointeressanteparaJungera:O queestáacontecendona psique
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