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STEIN jung O MAPA DA ALMA

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•
JUNG
oMAPA DA ALMA
Uma Introdução
MURRAY STEIN
Tradução
ÁLVARO CABRAL
Revisãotécnica
MARCIA TABONE
~
EDITORA CULTRIX
SãoPaulo
Sumário
Agradecimentos 9
Introdução 11
1. Superfície(ConsciênciadoEgo) 21
2. O interiorpovoado(Os Complexos) 40
3. Energiapsíquica(Teoriada libido) 60
4. As fronteirasdapsique(Instintos,Arquétiposeo Inconsciente
Coletivo) 81
5. O reveladoe o ocultonasrelaçõescomoutros(Personae Sombra) 97
6. O caminhoparao interiorprofundo(AnimuseAnima) 115
7. O centrotranscendentee a integridadedapsique(O Si-Mesmo) 137
8. O surgimentodo si-mesmo(Individuação) 153
9. Do tempoe eternidade(Sincronicidade) 176
Notas 196
Glossário 205
Referências 207
Índice 209
.i
Agradecimentos
Estelivronãoteriasidopossívelsemapacientedatilografiaeassistênciaedito-
rialdeLynneWalter.Queroagradecer-lheporsuadedicaçãoe inabaláveloti-
mismo.Tambémgostariadeagradecera Jan Marlanpor seuestímuloe entu-
siásticoapoio.Aquelesqueassistiramaminhasconferênciasaolongodosanos
reconhecerãosuascontribuiçõesnosmuitospontosde detalhequenãoesta-
riamnestetextosenão fossemsuasindagaçõese observações.O meumuito
obrigadoa todos.
Introdução
ErapossívelexplorartimidamenteascostasdaÁfricapara
o sul,masserumassemparaoestenadaencontrariam
excetoomedo,odesconhecido,nãooMare Nostrum mas
oMardoMistério,oMare Ignotum.
CarlosFuentes
O EspelhoEnterrado
No verãoemqueJung faleceu,eu estavamepreparandoparaingressarna
universidade.Era 1961.Os sereshumanostinhamcomeçadoaexploraro espa-
çoexterior,e acorridaestavaemplenocursoparaverquemseriamosprimei-
rosa chegaràLua,osamericanosouosrussos.Todososolharesestavamcon-
centradosnagrandeaventuradaexploraçãoespacial.Pelaprimeiraveznahis-
tóriahumana,pessoastinhamlogradozarparde terrafirma e viajadorumoàs
estrelas.Não medeicontanaépocadequeo nossoséculotinhasidomarcado
de umaformaigualmentedecisivapelasjornadasparao interior,asgrandes
exploraçõesdo mundoíntimopelosparesdeCarl Jungnasdécadasqueante-
cederamo Sputnikea Apollo.O queJohn GlenneNeil Armstrongsignifica-
ramparanóscomoexploradoresdo espaçoexterior,Jung significaemrelação
aoespaçointerior,umcorajosoe intrépidoviajantepenetrandono desconhe-
cido.
Jungfaleceuempazna suacasadosarredoresdeZurique,numquartode
frenteparao lagotranqüiloaoeste.Parao sul,podia-sedivisarosAlpes.No dia
anterioraodeseupassamento,pediuaofilho queo ajudassea ir atéa janela
paraumaderradeiravisãodesuasamadasmontanhas.Passaraumavidainteira
explorandoo espaçointerioredescrevendoemseusescritosoqueaídescobriu.
Porcoincidência,aconteceuqueno anoemqueNeil Armstrongcaminhouna
superfíciedaLuaembarqueinumaviagemaZurique,afimdeestudarno Insti-
tutoJung.O queestoucompartilhandocomosleitoresnestevolumeéaessên-
ciadequasetrintaanosdeestudodomapadaalmatraçadoporJung.
A finalidadedestelivroé descreverasconclusõesa queJung chegou,tal
comoasapresentouemseusescritospublicados.DescobrirJungpodeser,antes
demaisnada,algocomomergulharnaquele"Mar deMistério"acujorespeito
12 Jung - O Mapa daAlma Introdução 13
Fuentesescreveuemseurelatosobreosprimeirosexploradoresqueseaventu-
raramacruzaroAtlânticodesdeaEspanha.É comumasensaçãodeexcitação,
mastambémdemedo,queumhomempenetranessasremotasparagens.Re-
cordoasminhasprimeirastentativas.Senti-medominadoportamanhaexcita-
çãoqueprocureiansiosamenteo conselhodemuitosdosmeusprofessoresuni-
versitários.Perguntava-meseissoera"seguro".Jung eratão atraentequeme
pareciaserbomdemaisparaserverdadeiro!Ver-me-iaperdido,confuso,deso-
rientado?Felizmenteparamim,essesmentoresderam-mea luzverde,e estou
viajandoe descobrindotesourosdesdeentão.
A jornadaoriginaldopróprioJung foi aindamaisassustadora.Ele não ti-
nha, literalmente,nenhumaidéiasobreseiria encontrarum tesouroou des-
pencardabordadomundono espaçoexterior.O inconscienteera,naverdade,
umMare IgnotumquandoJungpelaprimeiravezpenetrounele.Maserajovem
e corajoso,e estavadeterminadoa realizaralgumasnovasdescobertas.Assim,
nãohesitouemseguiradiante.
Jung referiu-se,comfreqüência,a si mesmocomoumpioneiroe explora-
dordo mistérioinexploradoqueéa almahumana.Parecetertidoumespírito
arrojado.Paraele- comoparanósainda- a psiquehumanaeraumvasto
territórioe,noseutempo,nãotinhasidoaindamuitoestudada.Eraummisté-
rio quedesafiavaos aventureiroscoma perspectivadericasdescobertase as-
sustavaos tímidoscoma ameaçade insanidade.ParaJung,o estudoda alma
tornou-setambémumaquestãode grandeimportânciahistórica,vistoque,
comoelecertavezdisse,o mundointeiroestápendentedeumfio, eessefioé
a psiquehumana.É vitalquenosfamiliarizemostodoscomisso.
A grandeinterrogação,claro,é esta:Podea almahumanaseralgumavez
conhecida,suasprofundezassondadas,seuvastoterritórioexploradoemapeado?
Foi talvezalgumresíduodagrandiosidadecientíficadoséculoXIX o quelevou
pioneirosdapsicologiadaprofundidade,comoJung,FreudeAdler,aempreen-
der esseesforçoe a pensarquepoderiamdefinira inefávele supremamente
inescrutávelpsiquehumana.Mas estavamdispostosa penetrarnesseMare
llmotumeJung tornou-seumCristóvãoColombodo mundointerior.O século
temsidoumaeradegrandesavançoscientíficose maravilhastecnológicas
todaa espécie;tambémtemsido umaidadede profundaintrospecçãoe
mvestigaçãodenossacomumsubjetividadehumana,o queresultounocampo
hOJeamplamenteconhecidocomopsicologiadaprofundidade.
Um mododenosfamiliarizarmoscomapsiqueconsisteemestudarosma-
pasqueessesgrandespioneirostraçaramdelae colocaramànossadisposição.
Em suasobras,podemosencontrarmuitospontosdeorientaçãoparanóspró-
prios,e talvezsejamostambémestimuladosa realizarinvestigaçõesadicionaise
a fazernovasdescobertas.O mapadapsiqueelaboradopor]ung,pormaispre-
liminare talveznão-refinadoqueseja,por maisabertoe semlimitesprevia-
mentefixadosqueseapresente- comosãotodasasprimeirastentativasde
mapearterritóriosdesconhecidos-, aindapodeserde grandeproveitopara
aquelesquequerempenetrarnoespaçointerior,omundodapsique,enãoficar
completamenteperdidospelocaminho.
Neste livro, aceitoJung em seupapelautodesignadode exploradore
cartógrafo,e deixoqueessaimagemmeguieao apresentarestaintroduçãoà
suateoriadapsiquehumana.A psiqueéo território,o domíniodesconhecido
queeleestavaexplorando;asuateoriaéo mapaporelecriadoparacomunicar
o seuentendimentodapsique.Assim,éomapadaalmaoferecidoporJungque
eu tentareidescrevernestelivro, conduzindoo leitorpeloterritóriode seus
escritos.Ao fazê-Io,estouapresentandoummapadeummapa,masqueespero
sejaútil quandoo leitordecidirempreenderpor contaprópriasuasincursões
navidaeobradeJung.
Comotodososcartógrafos,Jung trabalhoucomosinstrumentos,asprovas
e ostestemunhosdequepodiadisporemseutempo.Nascidoem 1875,con-
cluiuo cursodemedicinanaUniversidadedeBasiléia,naSuíça,em1900,efez
suaespecializaçãoempsiquiatrianoHospitalBurghõlzli,emZurique,até1905.
Sua importantecolaboraçãocomFreuddecorreuentre1907e 1913,apóso
queconsumiualgunsanosentreguea umaprofundaauto-análise,delaemer-
gindoentãocom a suaprópriae distintateoriapsicológica- denominada
psicologiaanalítica- a qualapresentouao mundoem 1921no livro Tipos
Psicológicos.lEm 1930,aos55 anosde idade,ele tinha criadoa maioriadas
característicasbásicasdesuateoriamasnãodetalharaaindaumcertonúmero
de importantespontos.Os detalhesseriamapresentadosnosanosseguintesa
1930econtinuariamfluindodapenadeJungatéa suamorteem1961.
O projetode explorarcientificamentea psiquehumanafoi iniciadonos
primeirosanosdavidaadultadeJung.A suaprimeiraexpediçãooficialé des-
critaemsuatesedoutoral,On thePsychologyand Pathologyof So-Called Occult
Phenomena(Sobrea Psicologiae PatologiadosChamadosFenômenosOcultos).2 O
estudofornece-nosumadescriçãopsicológicado mundointeriorde umajo-
veme talentosa mulherque,sabemoshoje,eranarealidadesuaprópriaprima
HelenePreiswerk.Quandoadolescente,elatinha a capacidadeincomumde
atuarcomomédiumparaosespíritosdemortos,quefalariamatravésdelacom
vozese acentoshistóricosnotavelmenteprecisos.Jungestavafascinadoe em-
penhou-seementendereinterpretaressedesconcertantefenômenopsicológi-
co.Persistindonesseintento,usouo testedeassociaçãoverbalparadesvendar
característicasocultasdapaisagempsíquicaquenãotinhamsidoclassificadas
antes.Divulgou-asemnumerososartigosqueestãohojereunidosno volume2
desuasObras Completas.A essasrecém-descobertascaracterísticasdo incons- 1\
14 Jung - O MapadaAlma Introdução 15
cientedeuo nomede "complexos",um termoqueperduroue o fezfamoso.
Depoisdisso,ocupou-sede doissériosproblemaspsiquiátricos,a psicosee a
esquizofrenia,e produziuumlivro,A Psicologiada DementiaPraecox,3queen-
viou a Freudcomoexemplode seutrabalhoe comosugestãoparaa forma
comoalgumasdasidéiasdeFreudpodiamseraplicadasempsiquiatria(Freud
eraneurologista).ApósrecebercalorosaeentusiásticarespostadeFreud,esta-
beleceucomesteum assíduorelacionamentoprofissionale tornou-serapida-
menteo líderdo incipientemovimentopsicanalítico.Teveentãoinícioo seu
estudodassombriasregiõesdascondiçõesneuróticas,chegandofinalmenteà
descobertademaisoumenosinvariantesfantasiasepadrõesdecomportamen-
to universais(osarquétipos)numaáreada psiqueprofundaa quechamouo
"inconscientecoletivo".A descriçãoe o relatodetalhadodo arquétipoe do
inconscientecoletivoconverter-se-iamna suaassinatura,a marcaquedistin-
gueo seumapadosde todosos outrosexploradoresda psiqueprofunda,o
inconsciente.
O anode 1930dividea vidaprofissionaldeJung emduasmetadesquase
exatamenteiguais:em1900,iniciousuaespecializaçãoe estudospsiquiátricos
no HospitalBurgholzli,eem 1961faleceucomoumsábioanciãoemsuaresi-
dênciadeKüsnacht,àsmargensdo lagoZurique.Em retrospecto,pode-sever
que os primeirostrinta anosde atividadeprofissionalforamprofundamente
criativos.Duranteessesanos,gerouoselementosbásicosdeumamonumental
teoriapsicológica,assimcomoabordouimportantesquestõescoletivasdo seu
tempomasquenãoestãoisentasdepermanenteatualidade.Os segundostrin-
taanosforamtalvezmenosinovadoresno tocanteanovosconceitosteóricos,
masa produçãode livrose artigosfoi atémaiordo queno primeiroperíodo.
Foramos anosde aprofundamentoe validaçãodehipótesese intuiçõesante-
riores.Ampliouaindamaissuasteoriasparaincluirestudosdehistória,cultura
e religião,eparacriarumaligaçãoessencialcomafísicamoderna.A atividade
clínicadeJung compacientespsiquiátricose comanalisandosfoi maisabsor-
ventee intensana primeirametadedesuavidaprofissional;reduziu-sea um
mínimodepoisde 1940,quandoa guerrainterrompeua vidacoletivanormal
na EuropaeJung tambémsofreria,poucodepois,umataquecardíaco.
A investigaçãode Jung dapsiquetambémfoi eminentementepessoaLA
uaexploraçãodamenteinconscientenãofoi realizadaunicamentecomsujei-
tosexperimentaise pacientes.Ele tambémseanalisou.De fato,duranteum
certotempo,tornou-seo seuprópriosujeitoprimordialdeestudo.Observando
cuidadosamenteseusprópriossonhose desenvolvendoa técnicade imagina-
çãoativa,encontrouumcaminhoparapenetrarcadavezmaisprofundamente
nosespaçosmaisrecônditosedemaisdifícilacessodoseumundointerior.Para
entenderseuspacientese a si mesmo,desenvolveuummétododeinterpreta-
çãoquesebaseouemestudoscomparativosdeculturahumana,mitoe reli-
gião;defato,usoutodoequalquermaterialprovenientedahistóriadomundo
que tivessealgumarelaçãocomos processosmentais.Deu a essemétodoo
nomede"ampliação".
As principaisfontese origensdo pensamentode Jung aindanão foram
claramenteelaboradasemdetalhe.Em seusescritos,reconheceuumadívida
paracom muitospensadoresque o antecederam,entreelesGoethe,Kant,
Schopenhauer,Carus,HartmanneNietzsche;damaiorimportânciaéo fatode
sesituara si própriona linhagemdosgnósticosantigose dosalquimistasme-
dievais.SeufilósofopreferidoeraKant. A influênciada dialéticadeHegelé
tambémevidenteemsuateorização.E Freuddeixouvisíveismarcas.Conquan-
topossaserdemonstradoqueo pensamentodeJungdesenvolveu-see cresceu
aolongodosanosquesuacarreiraabrangeu,existe,porém,umanotávelcon-
tinuidadeemsuaorientaçãointelectualbásica.AlgunsleitoresdeJungencon-
traramsementesdesuasulterioresteoriaspsicológicasjá evidentesemalgumas
daspalestrasuniversitáriaslidasemsuaassociaçãoacadêmicaepublicadascomo
As PalestrasZofingia.Estasforamredigidasantesde1900,quandoeleeraainda
um estudantena Universidadede Basiléia.O historiadorHenry Ellenberger
chegaao pontode afirmarque"a célulagerminalda psicologiaanalíticade
JungseráencontradaemseusdebatesnaAssociaçãoAcadêmicaZofingiaeem
seusexperimentoscoma suajovemprima,amédiumHelenePreiswerk".4As
palestrasZofingiamostramos primeirosconfrontosde Jung comasquestões
queo ocupariamduranteavidainteira,comoaquestãodeexpora religiãoe a
experiênciamísticaà investigaçãoempírica,científica.Mesmojovem,Jung já
nessaalturaargumentavaquetaisassuntosdeviamseracessíveis.àpesquisa
empíricaeabordadoscomespíritoaberto.QuandoseencontroucomWilliam
Jamesem 1909na Clark University[emWorscester,Massachusetts],essefoi
umpontoaltodesuasconversas,porqueJamestinhaadotadoamesmaposição
eproduzirao seuestudoclássico,As Variedadesda ExperiênciaReligiosa,usando
precisamenteessetipodemétodo.
Da totalidadedesseestudoe experiência,portanto,Jungextraiuummapa
daalmahumana.É um mapaquedescreveapsiqueemtodasassuasdimen-
sões,e tambémprocuraexplicarsuadinâmicainterna.MasJungerasempre
cuidadosoa respeitodo mistériosupremodapsique.Suateoriapodeserlida
comoummapadaalma,maséomapadeummistérioquenãopode,emúltima
instância,sercaptadoemtermosecategoriasracionais.É o mapadeumacoisa
viva,palpitante,mercurial- apsique.
Ao lerJung,tambéménecessárioteremmentequeomapanãoéo territó-
rio.O conhecimentodomapanãoéamesmacoisaqueterumaexperiênciada
psiqueprofunda.No máximo,o mapapodeseruminstrumentoútil paraaque-
16 Jung - OMapa daAlma Introdução 17
lesquequeremorientaçãoeguia.Paraalgunsqueseperdemou seextraviam,
podeseratéum salva-vidas.Paraoutros,estimularáum poderosodesejode
experimentaraquilosobrequeJung estáfalando.Eu comeceia escreveros
meussonhosquandoli Jung pelaprimeiravez.Mais tarde,viajeia Zuriquee
estudeidurantequatroanosno InstitutoJung.Pelaanálisee experiênciapes-
soaldo inconsciente,obtiveconhecimentoemprimeiramãode muitasdas
descobertasdeJung. E, no entanto,o meumundointeriornãoé idênticoao
dele.Seumapainteriorpodemostraro caminhoe indicarosprincípiosgerais,
masnãooferecequalquerconteúdoespecífico.Estedeveserdescobertopela
própriapessoa.
Paramuitascaracterísticasdo mapa,Jung confiouna intuiçãocientíficae
numaimaginaçãoespantosamentevigorosa.Os métodosadotadospelaciência
do seutemponãopodiamprovarnemrefutara suahipótesesobreo incons-
cientecoletivo,porexemplo.Hoje,estamosbemmaispróximosdepodercom-
provara suaexistência.À semelhançadaquelesmaravilhosamenteilustrados
mapasda Antigüidadee da Renascença- desenhadosantesda cartografia
tornar-secientífica- o mapaqueJungcriouédeslumbrante,nãosóabstrato.
Aí podemosencontrarsereiasedragões,heróisepersonagensperversas.Como
investigadorcientífico,é claro,ele eraobrigadoa testarempiricamenteseus
palpiteseconceitoshipotéticos.Masissoaindadeixavamuitoespaçolivrepara
a imaginaçãomítica.
Jung trabalhouna disciplinadapsiquiatria,ou psicologiamédica,comoàs
vezesselhe referia.Seuprincipalprofessornosprimeirosanosdeseuaprendi-
zadono HospitalBurghõlzliemZuriquefoi o célebrepsiquiatrasuíçoEugen
Bleuler,inventordo termo"esquizofrenia"parareferir-sea umadasmaisseve-
rasenfermidadesmentais,eautordenumerosostextossobreaquestãopsicoló-
gicadaambivalência.Tantoquantopossível,Jungprocurousempreemfontes
alheiasa si e à suaprópriaexperiênciaimediataasprovase a verificaçãopara
suasteoriase hipóteses.Suagamadeleiturae estudoeravastíssima.Suapre-
tensãoeradeque,comoinvestigadorempíricodapsique,o mapaporeletraça-
dodescrevessenãosóo territóriodoseuprópriomundointeriormassereferis-
seàscaracterísticasdaalmahumanaemgeral.À semelhançadeoutrosgran-
desartistas,os quadrosqueele pintouteriamo poderde falara pessoasde
muitasgeraçõese culturas.
A minhaopiniãoéadequeessepsicólogosuíço,cujonomeéhojeuniver-
salmenteconhecidoe altamenterespeitado,mascuja obra,comfreqüência,
nãoécuidadosamentelidaemuitasvezescriticadaporserincoerenteecontra-ditória,produziuna realidadeumateoriapsicológiéacoerente.Yejo-a como
ummapatridimensionalquemostraosníveisdapsiqueassimcomoasrelações
dinâmicasentreeles.É umaobradeartecujaspartesestãoemperfeitaharmo-
niaentresi,atraindoe seduzindoa unsenãoaoutros.Os seuspostuladossão
moldadoscomoproposiçõescientíficase,nãoobstante,muitosdelessãoextre-
mamentedifíceisdeprovarou refutarno planoempírico.Importantestraba-
lhosestãoemcursonessaáreamas,sejamquaisforemosresultadosqueeles
venhama mostrar,o conjuntoda obradeJung continuaráa atrairatençãoe
admiração.As obrasdeartenuncasetornamobsoletas,emboraosmapaspos-
samperdersuaimportânciacom o progressodo tempoe asmudançasna
metodologia.
Descrevero mapajunguianodapsiquenumpequenolivronãoéumproje-
to completamentenovo,e outros,comdestaqueparaJolandeJacobie Frieda
Fordham,produziramobrasintrodutóriassemelhantesemtemposidos.O que
estemeutrabalhoacrescenta,assimespero,é a ênfasesobrea coerênciada
teoriacomoum todoe suaredesutil de interconexões.Tal comoa teoriaé
freqüentementeapresentada,há umpoucodistoe umpoucodaquilo,eo fato
dequetodasaspeçaspromanamdeumasóvisãounificada- queeuentendo
comoumavisãosublimedaalma- nãoé tãoóbvia.É tambémo casodeque
umconsiderávelnúmerodeanostranscorreudesdequeessasmaisantigasin-
troduçõesà teoriadeJung foramoferecidaseo tempoficoumaduroparauma
novaintrodução.
O meuobjetivoé mostrarqueemboralacunase incoerênciase}Çistamno
mapadeJung,há umaprofundaunidadesubjacentedevisãoquesuperacom
larga.margemosocasionaislapsosdeprecisãológica.O meuprincipalinteresse
nestaexposiçãonãoé mostraro desenvolvimentodo pensamentodeJung ou
considerarem detalheas suasaplicaçõespráticasempsicoterapiae análise.
Consiste,antes,emassinalara unidadeintelectualsubjacenteao tumultode
comentáriose detalhesqueconstituema suaobracompleta.O leitoratento
sairá,espero,daleituradestelivrocomumquadrogeraldateoriadepsicologia
analíticatalcomofoiexpostapelopróprioJung,assimcomoteráadquiridoum
conhecimentodosmaisimportantesdetalhese comopertencemeseintegram
numúnicotodo.
A razãodanotávelunidadedadescriçãodapsiquequeJung nosoferece
provém,creioeu,deumacaracterísticadoseupensamentoquenãoé frutode
suametodologiaempírica.Jung eraumintuitivopensadorcriativoà maneira
defilósofoscomoPlatãoeSchopenhauer.Criouo seumapadapsiqueapartir
de idéiasemcursona comunidadecientíficae intelectualdo seutempó,mas
deuaessasidéiasumafeiçãoímpar.Emvezdeseapresentarcomnovase radi-
caisnoções,optoupor recorreràsidéiasgeralmentedisponíveise com elas
modelarumnovopadrãosumamentedistinto.Comoumgrandeartistaplásti-
co trabalhandonumadeterminadatradiçãodepintura,usouasimagense os
materiaisquelheeramacessíveis,ecrioualgonovo,algoquejamaisforavisto'li
antes,emborausandoexatamenteasmesmascombinaçõesdeelementos.
18 Jung - OMapa da Alma Introdução 19
Jung eratambémumvisionáriona tradiçãode MestreEckhart,Boehme,
BlakeeEmerson.Muitasdassuasmaisimportantesintuiçõesoriginaram-seem
suasexperiênciasdosublime,asquaislhechegaramemsonhos,visõese imagi-
naçãoativa.Ele confessaissoabertamenteemsuaautobiografia,ondeescreve
queoseuprincipalprofessorsobrea"realidadedapsique"foiafiguraPhilemon,
quelheapareceuprimeironumsonhoe comquemseengajoudepois,durante
anos,num processode imaginaçãoativa.5 A experiênciadiretada almaé a
fonteprimordialda teoriadeJung e issoexplicasuaprofundaunidadee coe-
rênciainternas.
Mas Jung tambémeraum cientistadedicado,e issoseparasuaobrados
escritosdepoetasemísticos.Trabalhoucomo métodocientífico,o quesignifi-
couqueconsideravasuaobrapassíveldeprestarcontasàcomunidadecientífi-
ca,e submeteu-aa testesempíricos.Às suasvisões,intuiçõese percepçõesin-
ternasnãoerasimplesmentepermitidoapoiarem-seemseusprópriosméritos;
elaseramcolocadasemconfrontocomaevidênciafornecidapelaexperiência
humanaemgeral.A fortenecessidadede Jung de sercientíficoe empírico
explicaoslimitesmaldefinidosemsuateoria,astoscasaproximaçõesquepo-
deriamtersidotrabalhadasdeformamuitomaisrefinadapelopurointelectoe
a imaginação.O mundoempírico- a vida tal comoé experimentada- é
confuso,desordenado,enãoseencaixaperfeitamentenosmoldescriadospelo
pensamentoepelaimaginaçãohumanos.ComoJungeraum"visionáriopensa-
dorintuitivoe,aomesmotempo,umcientistaempírico,o seumapadapsique
humanaé coerentee, no entanto,só vagamentesistemáticoe com todasas
suaspartesemrecíprocaharmonia.
UmarazãoporquecontinuoaapreciarosescritosdeJungeo venholendo
assiduamentehá maisde 25 anosé ele não sercompulsivamentecoerente.
Quando estudeipensadoresverdadeiramentesistemáticos,comoTillich ou
Hegel,sempremesenticontorcendo-menasdurase ásperasgarrasde suas
mentesinflexíveis.Seuspensamentosestão,paramim,organizadosde forma
elevadademais,soberbademais.Onde estáa desordem,o colorido,o sucoda
vida?Issolevou-mearecorreraosartistasepoetasembuscadesabedoria,em
vezde,emprimeirolugar,afilósofose teólogos.Desconfiodossistemasrígidos.
Acho-osparanóides.Os escritosdeJungnuncameafetaramdessemodo.
LendoJung,sentisempreo seuprofundorespeitopelosmistériosdapsique
humana,e essaatitudepermitequeoshorizontescontinuememexpansão.O
seumapaabrepanoramasemvezdeosbloquear.Esperosercapazdecomuni-
caressamesmaimpressãoaoleitor.
Esteéumlivrointrodutório.Emboraeuesperequemesmoestudantesavan-
çadosdapsicologiadeJungsebeneficiemcomasualeitura,o meuverdadeiro
públicoéformadoporaquelesquegostariamdesabero queJungdissemasnão
encontraramaindao modocorretode ingressaremseusmaciçosescritose
complexopensamento.Cadacapítulodestelivrofocalizaumtemadesuateo-
ria.AbordoaquelaspassagensespecíficasdesuasObras Completasqueexpõem
essetrechodo seumapa.O leitorespecialmentemotivadoe diligentepode
consultaressasreferênciasmaistarde,comacabeçarepousada.A minhaapre-
sentaçãocentradano textooferecerá,assimespero,umamistosoconvitepara
mergulharnosdocumentosprimáriose enfrentaro desafiode implicarcomo
significadoporvezesobscurodeJung ederefletirsobre"assuasimplicações.
A seleçãodessasleiturasé minhaprópriaescolhapessoal.Outrostextos
igualmentevaliosospoderiamter sidocitadose usados.Procureiescolheros
maisclarose representativosensaiose trechosdaobradeJung parademons-
trar a coerênciaessencialda suavisão.O mapajunguianoda psiqueé uma
realizaçãomaciçade intelecto,observaçãoe intuiçãocriativa.Poucospensa-
doresmodernoschegarampertode igualaressaimponenteobra,a qualestá
alojadanosdezoitovolumesdasObras Completas,ostrêsvolumesdeCartas,as
váriascoletâneasdeentrevistaseescritosocasionais,esuaautobiografia(escri-
tacomAnielaJaffé).Dessamontanhadematerial,escolhiostópicosqueper-
tencemmaisessencialmenteà suateoriae pusdeladoaquelesqueserelacio-
namcoma práticaanalíticae a interpretaçãode cultura,históriae religião.
Retornoàperguntaqueformuleiantes:Existerealmenteumsistemanasobras
de Jung?É ele um pensadorsistemático?A respostaé, provavelmente,um
circunspectosim.A teoriaé coesa,da mesmaformaquea Suíçaé um país
coesoemboraa populaçãofalequatrolínguasdiferentes.O todoestáunido,
emboraaspartespareçamcomosepudessemmanter-sesozinhase funcionar
deformatotalmenteindependente.Jungnãopensousistematicamentedomodo
queumfilósofopensa,construindosobrepremissasbásicasecertificando-sede
queas partesseajustame se combinammutuamentesemcontradição.Ele
afirmouserum cientistaempíricoe, assim,a suateorizaçãocombinacomo
caráterdesordenadodomundoempírico.Pensadorintuitivo,Jungexpõegran-
desconceitos,elabora-osemalgumdetalhee depoissegueemfrenteparaou-
trosgrandesconceitos.Fazfreqüentementemarchaà ré,repete-seevaitapan-
do lacunasàmedidaqueavança.Temqueseconhecertodaa suaobraparase
obterumquadrocorreto.Seelefor lido deummodomaisou menosaleatório
poralgumtempo,o leitorcomeçaráadesconfiardequeaspeçasseajustam,de
umaformaoudeoutra,naprópriamentedeJung,massódepoisdelidatodaa
suaobraerefletindosobreelapormuitotempo,équeo leitorpoderávercomo
realmenteissoocorre.
PensoqueJungsentiuque,tendoadquiridoconsciênciadaprofundidadee
vastaextensãodapsiquehumanaatravésdeseutrabalhoclínicoedesuaexpe-
riênciapessoal,tinhade trabalharpacientementeduranteconsiderávelperío-do detempo,a fimdeformulardeummodoresponsávelessavisãosublimeda
almahumana.Não seprecipitaria,e nãoforampoucasasvezesemqueprote-
lou umapublicaçãopor váriosanos,enquantotrabalhavana construçãode
estruturasquepudessemsustentaro seupensamentona comunidadeintelec-
tual.Como tentamosapreenderessavisãoemtodaa suamagnitude,precisa-
moster em mentequeJung a elaborouao longode um períodode sessenta
anos.Não devíamosestarabertamenteobcecadoscom a consistênciaexata
numaobradessaamplitudeequeestáafinadacoma realidadeempírica.
SeusestudantesemZuriquecontamumahistóriaa respeitodeJung.Certa
vez,quandoeracriticadoporserin'consistenteemalgunspontosdateoria,ele
respondeu:Tenhoo meuolharconcentradono fogocentral,e estoutentando
colocaralgunsespelhosem volta a fim de mostrá-Ioa outros.Por vezes,as
bordasdessesespelhosdeixamlacunase nãoseajustamtodascomexatidão.
Não possoevitarisso.Vejamo queeuestoutentandoassinalar!
Consideroserminhatarefadescrevertãorigorosamentequantopossívelo
queJungmostranessesespelhos.É umavisãoquetemsustentadomuitagente
emnossageraçãoe podeserumavisãoparao futuroprevisível.Sobretudo,os
seusescritosfornecem-nosimagensde umgrandemistério:apsiquehumana.
20 Jung- O Mapa daAlma
ITJ
I Superfície
(Consciênciado Ego)
Começareiadesenrolaro mapadapsiquetraçadoporJungexaminandoasua
descriçãoda consciênciahumana,bemcomode suacaracterísticamaiscen-
tral,o ego."Ego"éumtermotécnicocujaorigeméapalavralatinaquesignifica
"eu".Consciênciaéapercepçãodosnossosprópriossentimentoseno seucen-
tro existeum "eu".Esteé umóbviopontodepartidae o portalparaingressar
no vastoespaçointerioraquedamoso nomedepsique.É tambémumacom-
plexacaracterísticadapsique,aqualaindacontémmuitosenigmaseperguntas
semresposta.
EmboraJungestivessemaisinteressadoemdescobriro quehaviaporbaixo
da consciência,nasregiõesinterioresda psique,ele tambémassumiua tarefa
dedescrevere explicara consciênciahumana.Desejavacriarum mapacom-
pletodapsique,de modoqueissofoi inevitável:a consciênciado egoé uma
característicaprimordialdo territórioqueeleestavaexplorando.Jungnãopode
realmenteserqualificadocomoumpsicólogodo egomas,defato,atribuiuum
valorsocialaoego,ofereceuumadescriçãodasfunçõesdo egoe reconheceua
importânciacríticademaiorconsciênciaparao futurodavidahumanae para
acultura.Além disso,tinhaumanoçãoperfeitadequeaconsciênciadoegoé,
per se,a condiçãopréviaparaa investigaçãopsicológica.É a ferramenta.O
nossoconhecimentocomosereshumanossobrequalquercoisaécondicionado
pelascapacidadese limitaçõesdanossaconsciência.Portanto,estudara cons-
22
Jung- O Mapa daAlma
Superfície 23
ciênciaédirigiraatençãoparao instrumentoqueseestáusandoparaa inves-
tigaçãoe exploraçãopsicológicas.
Porqueé tãoimportante,sobretudoempsicologia,entendera naturezada
consciênciado ego?Porquehá a necessidadede procedera ajustesparaa
distorção.DisseJungquetodaapsicologiaéumaconfissãopessoaL'Todopsi-
cólogocriativoestálimitadoporsuasprópriaspreferênciaspessoaise porseus
pressupostosnãoexaminados.Nem tudoo quepareceserverdadeiroatépara
a consciênciado maissérioe maissinceroinvestigadorconstituinecessaria-
menteum conhecimentopreciso.Muito do quepassapor serconhecimento
entreos sereshumanosé, na realidade,apósinspeçãomaisrigorosae mais
crítica,meropreconceitoou crençabaseadaemdistorção,prevenção,boato,
especulaçãooupurafantasia.As crençaspassamporserconhecimentoeade-
re-seaelascomosefossemcertezasdignasdecrédito."Eucreioa fimdepoder
entender",umfamosocomentáriodeSantoAgostinho,podeparecerhojees-
tranhoaosnossosouvidosmodernose, no entanto,é essefreqüentementeo
casoquandoaspessoascomeçama falarsobrerealidadepsicológica.Jung em-
penhou-seseriamenteemexaminarosfundamentosdeseuprópriopensamen-
to medianteumexamecríticodo instrumentoqueestavausandopararealizar
suasdescobertas.Argumentouvigorosamentequeumentendimentocríticoda
consciênciaé essencialparaa ciência,tantoquantoo é paraa filosofia.O
entendimentocorretodapsiqueou, a bemdizer,dequalqueroutracoisa,de-
pendedoestadodeconsciênciadecadaum.Jungqueriaoferecerumentendi-
mentocríticodaconsciência.Essefoi o seuobjetivoprimacialaoescreversua
obra-chave,TiposPsicológicos,aqualdescreveoitoestiloscognitivosquedistin-
guema consciênciahumanae processamdemododiferentea informaçãoe aexperiênciadevida.
A Relaçãodo Egocoma Consciência
Jung, portanto,escrevemuitosobreconsciênciado egoemgrandepartede
suasobraspublicadas.Paraosmeuspropósitosaqui,examinareiinicialmenteo
primeirocapítulo,intitulado"O Eu", de um de seusúltimoslivros,Aion _
EstudosSobreo SimbolismodoSi-Mesmo,assimcomoalgunstextose passagens
afins.Elessumariamadequadamenteasuaposiçãoe representamo seupensa-
mentomadurosobreo assunto.No finaldestecapítuloincluireialgumasrefe-
rênciasa TiposPsicológicos.
Aion podeserlidoemmuitosníveisdiferentes.É, comodissemos,umaobra
dosúltimosanosdeJung e refleteseuprofundoenvolvimentocoma história
intelectualereligiosaocidentaleseufuturo,bemcomoosseusmaisdetalhados
pensamentosacercado arquétipodo si-mesmo.Os primeirosquatrocapítulos
foramadicionadosao livro maistardea fim de dotaro novoleitorcomuma
introduçãoà suateoriapsicológicagerale oferecerum pontode entradano
vocabuláriodapsicologiaanalítica.Sebemqueessaspáginasintrodutóriasnão
sejamdetalhadasnem particularmentetécnicas,elascontêmas maiscon-
densadasconsideraçõesdeJungsobreasestruturaspsíquicasdenominadasego,
sombra,anima,animuse si-mesmo.
Jung defineaí o "ego"nosseguintestermos:"Entendemospor egoaquele
fatorcomplexocomo qual todosos conteúdosconscientesserelacionam.É
estefatorqueconstitui,por assimdizer,o centrodo campodaconsciência,e
dadoqueestecampoincluitambémapersonalidadeempírica,o egoéo sujeito
detodososatosconscientesdapessoa."2A consciênciaéum"campo"eaquilo
aqueJungchamaaquia "personalidadeempírica"é anossapersonalidadetal
comoa conhecemose a vivenciamosdiretamente.O ego, como"sujeitode
todosos atospessoaisdeconsciência",ocupao centrodessecampo.O termo
egorefere-seàexperiênciaqueapessoatemdesi mesmacomoumcentrode
vontade,dedesejo,dereflexãoe ação.Essadefiniçãodoegocomoo centroda
consciênciamantém-seconstantedocomeçoaofimdosescritosdeJung.
Jungdáprosseguimentoaessetextocomumcomentáriosobreafunçãodo
egodentroda psique:"A relaçãode qualquerconteúdopsíquicocom o ego
funcionacomocritérioparasaberseesteúltimoéconsciente,poisnãohácon-
teúdoconscientequenãosetenhaapresentadoantesaosujeito.")O egoéum
"sujeito"a quemosconteúdospsíquicossão"apresentados".É comoumespe-
lho.Além disso,a ligaçãocomo egoéacondiçãonecessáriaparatomarqual-
quercoisaconsciente- um sentimento,umpensamento,umapercepçãoou
umafantasia.O egoéumaespéciedeespelhonoqualapsiquepodever-seasi
mesmae podetomar-seconsciente.O grauemqueum conteúdopsíquicoé
tomadoerefletidopeloegoéograuemquesepodeafirmarqueelepertenceao
domíniodaconsciência.Quandoumconteúdopsíquicosóévagaoumarginal-
menteconsciente,é porquenãofoi aindacaptadoe mantidoemseulugarna
superfícierefletoradoego.
Naspassagensqueseseguema essadefiniçãodoego,Jungestabeleceuma
distinçãocrucialentrecaracterísticasconscientese inconscientesda psique:
consciênciaéo queconhecemose inconsciênciaé tudoaquiloqueignoramos.
Um outroestudo,escritomaisoumenosnamesmaépoca[A Naturezada Psi-
que),tomaessadistinçãoumpoucomaisprecisa:"O inconscientenãoseiden-
tificasimplesmentecomo desconhecido;é anteso psíquicodesconhecido,ou
seja,tudoaquiloquepresumivelmentenãosedistinguiriadosconteúdospsí-
quicosconhecidos,quandochegasseà consciência."4A distinçãoentrecons-
cienteeinconsciente,tãofundamentalna teoriageraldapsiquedeJung,como
24 Jung- O Mapa daAlma Superfície 25
é, aliás,paratodaapsicologiadaprofundidade,postulaquealgunsconteúdos
sãorefletidospeloegoemantidosnaconsciência,ondepodemserexaminados
e manipuladosde novo, ao passoqueoutrosconteúdospsíquicossituam-se
forada consciência,sejatemporária,sejapermanentemente.O inconsciente
inclui todososconteúdospsíquicosqueseencontramforadaconsciência,por
qualquerrazãoouqualquerduração.Narealidade,essaéagrandemassacons-
tituintedo mundopsíquico.O inconscienteeraa principaláreadeinvestiga-
çãoempsicologiadaprofundidadeeo maisapaixonadointeressedeJungesta-
vanaexploraçãodesseterritório.Mas voltaremosa falardissomaisadiante.
Emseusescritos,Jung refere-sefreqüentementeaoegocomoum"comple-
xo",termoestequeseráextensamentediscutidono próximocapítulo.Na pas-
sagemdoAion,entretanto,elechama-lhesimplesmenteumconteúdoespecífi-
co da consciência,afirmandoassimque a consciênciaé umacategoriamais
ampladoqueo egoecontémmaisdoquesomenteo ego.
O queéentãoaconsciência,essecampoondeo egoestálocalizadoecujo
centroé poresteúltimoocupadoe definido?A consciênciaé,muitosimples-
mente,o estadodeconhecimentoeentendimentodeeventosexternose inter-
nos.É o estardespertoe atento,observandoe registrandoo queaconteceno
mundoemtornoedentrodecadaumdenós.Os humanosnãosão,éclaro,os
únicosseresconscientessobrea Terra.Outrosanimaistambémsãoconscien-
tes,umavezquepodem,obviamente,observare reagiraoseurespectivomeio
ambienteemtermoscuidadosamentemodelados.A sensibilidadedasplantas
parao seumeioambientetambémpodesertomadacomoumaformadecons-
ciência.A consciência,perse,nãoseparanemdistinguea espéciehumanade
outrasformasdevida.Nem aconsciênciaéalgoqueseparaoshumanosadul-
tosdascrianças.Strictosensu,aconsciênciahumananãodependeemabsoluto,
no tocanteà suaqualidadeessencial,de idadeou desenvolvimentopsicológi-
co. Um amigomeuqueobservouo nascimentode suafilha disse-mecomo
ficouprofundamentecomovidoquando,depoisdaplacentaserremovidae os
olhosdobebêseremlimpos,elaosabriuepasseouo olharpelasala,assimilan-
do-a.Issoera,obviamente,umsinaldeconsciência.O olhoé umindicadorda
presençadeconsciência.Suavivacidadeemovimentoéo sinaldequeumser
vígilestáobservandoo mundo.A consciênciadependenãosódavista,éclaro,
mastambémdosoutrossentidos.No ventrematerno,antesdosolhosdobebê
estaremfuncionandoparaver,ele registrasons,reagea vozese a música,e
indicaumnotávelgraudereceptividade.Aindanãosabemosexatamentequan-
do o embrião atinge pela primeira vez um certo nível de percepçãoe
receptividadequepossaserdefinidocomoconsciência,maséumprocessoque
seiniciamuitocedoe certamenteno períodopré-natal.
O opostodeconsciênciaéo sonoprofundoe semsonhos,a ausênciatotal
dereatividadee dacapacidadedepercebere sentir.E a permanenteausência
deconsciênciadeumcorpoépraticamenteumadefiniçãodemorte,excetoem
casosdeprolongadocoma.A consciência,mesmoquesetrateapenasdo po-
tencialparaconsciênciafutura,é o "fatorvital";elepertenceacorposvivos.
O queo desenvolvimentofazà consciênciaé adicionar-lheum conteúdo
específico.Em teoria,a consciênciahumanapodeserseparadadoseuconteú-
do- ospensamentos,lembranças,identidade,fantasias,emoções,imagense
palavrasque aflueme se aglomeramno seuespaço.Mas, na prática,issoé
quaseimpossível.De fato,só os iniciadosespirituaisde um nível avançado
parecemsercapazesdefazeressadistinçãodeummodoconvincente.É verda-
deiramenteumsábioquempodesepararaconsciênciadoseuconteúdoe logra
manterumacoisaseparadada outra,aquelecujaconsciêncianãoé definida
por identificaçõescompensamentose imagensselecionados.Paraa maioria
daspessoas,porém,a consciênciasemum estávelobjetoparaservir-lhede
âncora,de fundamento,pareceserumacoisaextremamenteefêmerae transi-
tória.A substancialidadedaconsciênciae o sentimentodesolidezsãotipica-
mentefornecidosporobjetoseconteúdosestáveistaiscomoimagens,recorda-
çõesepensamentos.Substânciae continuidadeemconsciênciasãofeitasdis-
so.Entretanto,comoo atestamasvítimasdederramecerebral,osconteúdose
atéasfunçõesegóicasda consciência- pensar,recordar,denominare falar,
reconhecerimagens,pessoase facesfamiliares- são,narealidade,maistran-
sitóriosefrágeisdoqueaprópriaconsciência.É possívelpertencerinteiramen-
te à própriamemória,por exemplo,e aindaserconsciente.A consciênciaé
comoumquartocujasquatroparedescercamo conteúdopsíquicoquetempo-
rariamenteo ocupa.E a consciênciaprecedeo ego,o qualseconverte,em
últimainstância,no seucentro.
O ego,comoa consciência,tambémtranscendee sobreviveao conteúdo
específicoque,emqualquermomentodeterminado,ocupao quartodacons-
ciência.O egoé o pontofocalno interiordaconsciência,a suacaracterística
maiscentrale talvezmaispermanente.Contraa opiniãodo Oriente,Jungar-
gumentaque semum ego,a própriaconsciênciatorna-sediscutível.Mas é
verdadequecertasfunçõesdo egopodemsersuspensasou aparentemente
obliteradassemdestruira consciênciapor completoe, assim,umaespéciede
consciênciasemego,umtipodeconsciênciaqueapresentamuitopoucaspro-
vasevidentesdeumcentroobstinado,deum"eu",éumapossibilidadehuma-
na,pelomenosdurantecurtosperíodosdetempo.
ParaJung,o egoformao centrocríticodaconsciênciae,defato,determina
emgrandemedidaqueconteúdospermanecemno domíniodaconsciênciae
quaisseretiram,poucoapouco,parao inconsciente.O egoéresponsávelpela
retençãodeconteúdosna consciência,e tambémpodeeliminarconteúdosda
consciênciadeixandodeosrefletir.Paraempregaro termodeFreud,queJung
26 Jung - O Mapa da Alma Superfície 27
considerouútil,o egopode"reprimir"conteúdosquenãolheagradam,ouque
consideraintoleravelmentepenososou incompatíveiscomoutrosconteúdos.
Tambémpoderecuperarconteúdosda armazenagemno inconsciente(istoé,
dobancodememória)desdeque(a)nãoestejambloqueadospormecanismos
dedefesa,comoarepressão,osquaismantêmosconflitosintoleráveisforade
alcancee (b)tenhamumaligaçãoassociativasuficientementefortecomo ego
- istoé, foram"aprendidos"comsuficientesolidez.
O egonão é fundamentalmenteconstituídoe definidopelosconteúdos
adquiridosdaconsciência,taiscomoasidentificaçõesmomentâneasoumesmo
crônicas.É algocomoum espelhoou um ímãqueseguraum conteúdonum
pontofocalda consciência.Mas tambémquere age.Como centrovital da
consciência,precedea aquisiçãoda linguagem,a identidadepessoale atéo
conhecimentodeumnomepessoal.As aquisiçõessubseqüentes,comoo reco-
nhecimentodo própriorostoe nome,sãoconteúdosque se aglomeramem
tornodessecentrodeconsciênciaetêmoefeitodedefiniro egoeampliarasua
faixadecomandoexecutivoe autoconhecimento.Fundamentalmenteo egoé
um centrovirtualde percepçãoconscienteque existe,pelomenos,desdeo
nascimento,o olhoquevêesempreviu omundodesdeessavantajosaposição,
desdeessecorpo,desdeessepontode vistaindividual.Em si mesmo,não é
nada,querdizer,nãoé umacoisa.Portanto,é algosumamenteesquivoe im-
possívelde imobilizar.Pode-seaténegarqueele exista.E, no entanto,está
semprepresente.Não éo produtodecriação,crescimentooudesenvolvimen-
to.É inato.Emborapossasermostradoquesedesenvolveeadquirevigordesse
pontoemdiante,atravésde "colisões"coma realidade(veradiante),o seu
núcleoé "dado".Chegacomacriançarecém-nascida.
Da formacomoJung descrevea psique,existeumaredede associações
entreos váriosconteúdosda consciência.Todoselesestãoligadosdiretaou
indiretamenteàagênciacentral,o ego.O egoéo centrodaconsciência,nãosó
geográficamastambémdinamicamente.É o centrodeenergiaquemovimenta
osconteúdosdaconsciênciae osorganizaporordemdeprioridade.O egoé o
locusdatomadadedecisõese do livre-arbítrio.Quandodigo"Estouindo aos
Correios",o meuegotomouumadecisãoemobilizaa energiafísicae emocio-
nal necessáriaparacumprira tarefa.O egoconduz-meaosCorreiose faz-me
chegarlá.É o executivoquefixaasprioridades:"Vá aosCorreiosenãosedeixe
levarpeloseudesejode ir passearno parque."Emborao egopossaservisto
comoo centrode todaa condutainteresseira(ego-ismo), eleé tambémo do
altruísmo.Em e desi mesmo,o ego,tal comoJung o entendeue descreveu,é
moralmenteneutro,nãouma"coisaruim",comoo ouvimossercitadoemlin-
guagemvulgar("oh,eletemumtaldeego!"),masumapartenecessáriadavida
psicológicahumana.O egoé o queseparaoshumanosdeoutrascriaturasda
naturezaquetambémpossuemconsciência;é tambémo queseparao serhu-
manoindividualdeoutrossereshumanos.É o agenteindividualizantenacons-ciênciahumana.
O egofocalizaaconsciênciahumanaeconfereà nossacondutaconsciente
suadeterminaçãoedireção.Porquetemosumego,possuímosa liberdadepara
fazerescolhasquepodemdesafiarosnossosinstintosdeautopreservação,pro-pagaçãoe criatividade.O egocontémanossacapacidadeparadominarema-
nipularvastassomasde materialdentroda consciência.É um poderosoímã
associativoe umagenteorganizacional.Umavezqueoshumanospossuemtal
forçano centroda consciência,elesestãoaptosa integrare dirigirgrandes
quantidadesdedados.Um egoforteé aquelequepodeobteremovimentarde
formadeliberadagrandessomasde conteúdoconsciente.Um egofraconão
podefazergrandecoisadessegênerodetrabalhoe sucumbemaisfacilmentea
impulsose reaçõesemocionais.Um egofracoé facilmentedistraídoe,porcon-
seqüência,carecedefocoe motivaçãoconsistente.
É possível,paraos humanos,permaneceremconscientesmesmoquesus-
pendamboapartedo funcionamentonormaldoego.Peloexercíciodavonta-
de,podemosdirigir-nosparaserpassivose inativos,eobservarsimplesmenteo
mundointeriorou exterior,comoumamáquinafotográfica.Normalmente,
porém,nãoépossívelmanterpormuitotempoumaconsciênciaobservacional
volitivamenterestringida,porqueo usualéo egoeapsiquequeo integraserem
rapidamenteenvolvidospeloqueestásendoobservado.Quandoassistimosa
um filme,por exemplo,podemoscomeçarsimplesmenteobservandoe rece-
bendopessoase cenários.Masnãotardaremosemidentificar-noscomesteou
aquelepersonagem,e asnossasemoçõessãoativadas.O egoprepara-separa
agireseapessoatemdificuldadeemdistinguirentreimagenscinematográficas
e realidade(umaoutrafunçãodo ego),elapodesertentadaa enveredarpor
umcomportamentofísico.O corpoéentãomobilizadoeo egovisaaumdeter-
minadocursode açãoe intenta concretizá-Io.Com efeito,os filmessão
estruturadosdemodoqueos espectadorestomememocionalmentepartidoe
apóiemsejao queforqueumdeterminadopersonagemestiverfazendoousen-
tindo.Envolvidodessemodo,o egoéativadocomocentrodedesejos,esperan-
çase talvezatéintenções.É concebívelque umapessoaresolvatomaruma
importantedecisãoemsuavidaenquantovê umfilme,emconseqüênciados
sentimentosepensamentosgeradosnaconsciênciaporessasimagens.Sabe-se
depessoasquesaíramdeumcinemae tornaram-seviolentasou lascivascomo
resultadodiretodo impactodo filme.O egofoi aliciadopelaemoção,identifi-
caçãoedesejo,e usaasuafunçãodiretivae energiaparaatuar.
Como fica evidenciado,a liberdadedo egoé limitada.Ele é facilmente
influenciadoporestímulospsíquicosinternoseambientaisexternos.O egopode
28 Jung - O Mapa da Alma Superfície 29
respondera um estímuloameaçadorpegandoemarmase defendendo-se;ou
podeserativadoe estimuladopor um irresistívelimpulsointeriorparacriar,
amaroudesejarvingar-se.Tambémpodereagiraumimpulsodoego- istoé,
deummodonarcisista.Pode,assim,ver-sedominadoporumanecessidadede
vingança,porexemplo.
A consciênciavígil é enfocada,pois,peloregistrodo egode estímulose
fenômenosinternose ambientais,e pelacolocaçãodo corpoemmovimento.
As origensdo ego,repetindo,situam-seantesdosprimeirosdiasda infância.
Até mesmoumbebêde mesesnotaa ocorrênciade mudançasemseumeio
ambiente,algumasdasquaislheparecemagradáveise estendeosbraçospara
agarrá-Ias.Essessinaisprecocesdaintencionalidadedeumorganismosãopro-
vasevidentesno tocanteàs raízesprimordiaisdo ego,a "egoidade"do indi-
víduo.
Refletirsobreanaturezaeessênciadesse"eu"levaaprofundasindagações
psicológicas.O queé, fundamentalmente,o ego?O que soueu?Jung diria
simplesmentequeo egoé o centrodaconsciência.
O "eu"sente,talvezingenuamente,quesuaexistênciaé eterna.Até mes-
monoçõessobrevidasanterioresadquirem,porvezes,umtimbredeverdadee
derealidade.É umaquestãoemabertoseo "eu"mudaessencialmenteaolongo
deumavida.O "eu"quechoroupelamãeaosdoisanosnãoé o mesmoque
choraporumamorperdidoaos45anosoupelofalecimentodeumcônjugeaos
85 anos?Emboramuitascaracterísticasdo egoclaramentesedesenvolvame
mudem,sobretudono queserefereàcognição,autoconhecimento,identidade
psicossocial,competência,etc.,umapessoatambémseapercebede umaim-
portantecontinuidadenonúcleodoego.Muitaspessoasficamemocionadasao
descobrira "criançaqueexistedentrodelas".Issonadamaisé doqueo reco-
nhecimentodequeapessoaqueeueracomocriançaéamesmapessoaquesou
comoadulto.Provavelmenteo núcleoessencialdo egonãomudaaolongoda
vida.Issotalvezpudesseexplicartambémaforteintuiçãoeconvicçãodemui-
taspessoasdequeessenúcleodoegonãodesaparececoma mortefísica,mas
ou vaiparaumlugardeeternorepouso(céu,nirvana)ourenascenumaoutra
vidano planofísico(reencarnação).
Umacriançadizpelaprimeiravez"eu"porvoltadosdoisanos.Até então,
ela refere-sea si mesmana terceirapessoaou pelo nome:"Dudu quer"ou
"Tininhavai".Quandoumacriançaécapazdedizer"eu"epensaremreferên-
ciaasimesma,colocando-seconscientementenocentrodeummundopessoal
e atribuindoaessaposiçãoumespecíficopronomenaprimeirapessoa,eladeu
um grandesaltoparadianteemconsciência.Mas issonãoé, emabsoluto,o
nascimentodoegoprimordial.Muito antesdisso,consciênciaecomportamen-
to foramorganizadosemtornodeumcentrovirtual.O egoexisteclaramente
antesde podermosreferir-nosa elede umaformaconscientee reflexiva,e o
processodeaprenderaconhecê-Ioégradualeprossegueaolongodavidaintei-
ra.O processodeaquisiçãodaconsciênciadesimesmopassapormuitasetapas
desdea infânciaatéaidadeadulta.UmadessasetapasédescritaporJungcom
certodetalheemMemórias,Sonhos,Reflexões[Erinnerungen,Traume,Gedanken],
quandofalaa respeitodesairdeumanuvemaos13anosdeidadee perceber
pelaprimeiravez:"Agorasoueumesmo."5[Jetztbin ich,jetztbinichvorhanden.]
É emvirtudedessacapacidadepararealizarumaltoníveldeconhecimento
desi mesmoe decompreensãodasrazõesparao seuprópriocomportamento
- ouseja,umegoauto-reflexivo- queaconsciênciahumanadiferedacons-
ciênciaanimal,pelomenos,atéondechegamosnossosatuaisconhecimentos.
Essadiferençaé atribuívelnãosó à capacidadeverbalhumana,a qualnosdá
nãosóacompetênciaparafalarsobreo "eu"quesabemosquesomoseenrique-
cerassima suacomplexidade,mastambémparaexercera purafunçãoauto-
reflexivapresentenaconsciênciahumana.Estafunçãoépré-lingüísticae pós-
lingüística.Consistena pessoasaberqueé (e,maistarde,quemorrerá).Em
virtudedetermosumego- esseespelhoembutidona consciência- pode-
mossaberquesomose o quesomos.Outrasespéciesanimaistambémdesejam
claramentevivere controlarseumeioambiente,e dãoprovasevidentesde
emoçãoeconsciência,assimcomodeintencionalidade,comprovaçãodareali-
dade,autocontroleemuitomaisqueassociamosa umafunçãodoego.Masos
animaisnãotêm,ou têmmuitomenosdessafunçãoauto-reflexivadentroda
consciência.Têm menosego.Sabemelesquesão,quemorrerãoindividual-
mente,quesãoindivíduosdistintos?É duvidoso.O poetaRilkesustentouque
osanimaisnãoenfrentamamortedomodoqueoshumanosaenfrentam,eisso
dá-Ihesa vantagemdevivermaisplenamenteno momentopresente.Os ani-
maisnãotêmconsciênciadesimesmosdomesmomodoqueoshumanosesem
linguagemnão podemexpressarcom qualquergraude refinamentoa auto-
consciênciaqueporventuratenham,nemdiferençar-sedeoutroscomaespé-
ciedeferramentaslingüísticasqueoshumanospossuem.6
Depoisde um certopontono desenvolvimento,o egohumanoe a cons-
ciênciahumanapassama ser largamentedefinidose moldadospelomundo
culturalemquea pessoacrescee é educada.Issoconstituiumacamada,ou
invólucro,da estruturado egoem tornodo egocentral.À medidaqueuma
criançacrescenumaculturae aprendesuasformasehábitosporintermédiode
interaçõesfamiliareseexperiênciaseducacionaisnaescola,o invólucrodoseu
egovai ficandocadavezmaisespesso.Jung refere-sea essasduascaracterísti-
casdoegocomo"Personalidadenº 1"e "Personalidadenº 2".7 A Personalida-
denº 1éo egonuclearinatoea Personalidadenº 2 éacamadaculturalmente
adquiridado egoquecresceno transcorrerdo tempo.
30 Jung - O MapadaAlma Superfície 31
Algunsconteúdosespecíficosdaconsciênciadoegodeumapessoapodem
apresentarconsiderávelgraude estabilidadeao longodo tempo.O próprio
nomedeumapessoaé,usualmente,umacaracterísticaestáveldaconsciência.
Podeatéparecer,depoisdeumcertoponto,estarpermanentementesoldadaao
ego.Emboraumnomesejaumtratamentoimpessoalepertençaà arenapúbli-
cacomopartedeumapersona(verocapítulo5),quandoéproferidopelospais,
ou umfilho,ou o seramado,eletocaos maisíntimoslugaresdo nossosenti-
mentocomopessoa.Deve,entretanto,seraindareconhecidoqueumnomeéumartefatoculturale,comotal,estámenossolidamentevinculadoaoegodo
que,por exemplo,o corpo.Pessoastêmmudadoseusnomese continuaram
sendoasmesmaspessoas.Até hoje,ninguémmudoucompletamentedecorpo
paraverseaindaéesseocaso;se(ouquando)issoacontecer,descobriremosse
o egotambémtranscendeo corpo.Suspeitode que a respostaseráqueele
transcendeefetivamenteo corpo,muitoemboraasuarelaçãocomo corponos
pareçatãocompletamenteunida.
Poderíamossertentadosadefiniro egocomoaconsciênciadesimesmodo
corpocomoentidadeatuante,individual,limitadae ímpar.Seapessoativesse
recebidoumnomediferente,poder-se-iaargumentar,o seu"eu"essencialnão
seriadiferentedo queé. Mas se tivesseum corpodiferente,seriao seuego
essencialmenteoutro?O egoestáenraizadoprofundamentenumcorpo,até
muitomaisdoqueemsuacultura,masatéquepontoessaconexãoéprofunda,
eisumpontosuscetíveldedebate.Não obstante,o egotemeprofundamentea
mortedocorpo.É o medodequeaextinçãodoegosesigaaodesaparecimento
do corpo.SegundoJung,porém,o egonãoestáestritamentelimitadoà base
somátka.EmAion, eledeclaraqueo ego"nãoéumfatorsimplesouelementar
masum complexoque,comotal, não podeserexaustivamentedescrito.A
experiênciamostraqueeleassentaemduasbasesaparentementediferentes,a
somáticae a psíquica".8
No pensamentodeJung,apsiquenãopodeserreduzidaameraexpressão
do corpo,o resultadodaquímicado corpoou de algumprocessodenatureza
física.Poisapsiquetambémtemparticipaçãodamenteou espírito(apalavra
greganouscaptamelhoro pensamentodeJungsobreesteponto)e, comotal,
podetranscendere, ocasionalmente,transcendea sualocalizaçãofísica.Em
capítulossubseqüentes,veremoscommaiorprecisãocomoJung derivaa psi-
quedeumacombinaçãodenaturezafísicaeespíritooumentetranscendente,
nous.Mas,poragora,ésuficientenotarquepsiqueecorponãosãocoinciden-
tes,nemumderivadooutro.Tambémo ego,queépredominantementetrata-
do porJung comoum objetocompletamentepsíquico,só emparterepousa
numabasesomática.O egoestábaseadono corposomenteno sentidodeque
experimentaa unidadecomo corpo,maso corpoqueo egoexperi~entaé
psíquico.É umaimagemdocorpoenãooprópriocorpo.O corpoéexperimen-
tado"a partirda totalidadede percepçõesendossomáticas",9ou seja,a partir
do quea pessoapodeconscientementesentirdo corpo.Essaspercepçõesdo
corpo"sãoproduzidasporestímulosendossomáticos,dosquaissomentealguns
transpõemo limiarda consciência.Uma considerávelproporçãodessesestí-
mulosocorreinconscientemente,isto é, subliminarmente... O fatode serem
estímulossubliminaresnãosignificanecessariamentequeo seustatussejade
meranaturezafisiológica,comotampoucoseriaverdadeiroapropósitodeum
conteúdopsíquico.Porvezes,sãocapazesde transporo limiar,ou seja,de se
converterempercepções.Mas não há dúvidade que umavastaproporção
dessesestímulosendossomáticossãosimplesmenteincapazesdeconsciênciae
tãoelementaresquenãohárazãoalgumaparaatribuir-Ihesumanaturezapsí-
quica".10
Na passagemacima,observamosqueJung traçaa linha da fronteirada
psiqueparaincluir a consciênciado egoe o inconsciente,masnão a base
somáticacomotal. Muitosprocessosfisiológicosnuncatransitamparaa psi-
que,nemmesmoparaa psiqueinconsciente.Em princípio,sãoincapazesdese
tornaralgumavezconscientes.É evidentequeo sistemanervososimpático,
porexemplo,é emsuamaiorparteinacessívelà consciência.Quandoo cora-
çãopulsa,osanguecirculaeosneurôniosdisparam,algunsprocessossomáticos,
masnãotodos,podemtornar-seconscientes.Não estáclaroemquemedidaa
capacidadedoegoparapenetrarnabasesomáticapodeserdesenvolvida.Iogues
treinadosafirmamsercapazesdeexercerconsiderávelcontrolesobreprocessos
somáticos.Ficaramconhecidosporquereraprópriamorte,porexemplo,e ter
simplesmenteparalisadoo coraçãopor sualivree espontâneavontade.A ca-
pacidadedeumiogueparamudara temperaturasuperficialnapalmadamãoà
SUavontadefoi testadae verificada:elepodiadeliberadamentealterá-Iapor
dezouvintegraus.Issodemonstraumaconsiderávelcapacidadeparapenetrar
e controlaro corpo,masaindadeixamuitoterritóriointocado.Até quepro-
fundidadedasubestruturacelularpodeo egopenetrar?Podeumegotreinado
reduzirumtumorcanceroso,porexemplo,oudominareficazmenteahiperten-
são?Muitasindagaçõessubsistem.
Cumpreteremmentequeexistemdoislimiares:o primeiroseparaacons-
ciênciadoinconsciente,o segundoseparaapsique(conscienteeinconsciente)
dabasesomática.Discutireiesseslimiaresemmaiordetalheemcapítulosulte-
riores,masdeveserassinalado,desdeagora,quesetratadeamploslimiares,os
quaisdevemserconcebidoscomofronteirasfluidas,nãocomobarreirasfixase
rígidas.A psique,paraJung,abrangea consciênciae o inconsciente,masnão
inclui todoo corpoemsuadimensãopuramentefisiológica.O ego,sustenta
Jung,estábaseadono somapsíquico,istoé, numaimagemdocorpo,e nãono
corpoperse.Portanto,o egoéessencialmenteumfatorpsíquico.
32 Jung - O Mapada Alma
Superfície 33
A Localizaçãodo Ego
Todoo territóriodapsiqueé quasecompletamentecoincidentecoma exten-
sãopotencialdo ego.A psique,conformeJung a definenestapassagem,está
restringidapor,e limitadaa, ondeo egopode,emprincípio,chegar.Isto não
significa,entretanto,queapsiqueeo egosãoidênticos,umavezquea psique
incluio inconscienteeo egoestámaisoumenoslimitadoàconsciência.Maso
inconscienteé, pelomenos,potencialmenteacessívelaoego,mesmoseo ego,
na realidade,não tenhamuitaexperiênciade contatoscomele.A questão,
aqui,équea própriapsiquetemumlimite,e esselimiteé o pontoemqueos
estímulosouconteúdosextrapsíquicosnãopodemmais,emprincípio,sercons-
cientementeexperimentados.Na filosofiakantista,de queJung era adepto,
essaentidadenão-experimentávelé denominadaa Ding an sich,a coisaemsi-
mesma.A experiênciahumanaé limitada.A psiqueé limitada.Jung nãoera
umpan-psiquista,ouseja,alguémqueafirmaqueapsiqueestáemtodaaparte
eorganizatudo.O corpositua-seforadapsique,eomundoémuitíssimomaior
do quea psique.
Devemosevitar,entretanto,imporumaprecisãoexageradaao usodeter-
minologiaporJung,sobretudoemtermostaiscomopsiquee inconsciente.Caso
contrário,criaremosnoçõesmuitocompactase rigorosasondeJung deixou
deliberadamentelacunase aberturas.A psiquenãoéprecisamentecoextensiva
como territóriocombinadocohsciente-e-inconsciente,nemestáexatamente
limitadaàextensãodoego.Nasmargens,ondepsiqueesomasejuntameonde
psiquee mundoseencontram,existemnuançasde "dentro/fora".Essasáreas
cinzentasforamqualificadasporJung depsicóides.Trata-sedeumaáreacujo
comportamentoseassemelhaaodapsiquemasquenãoédetodopsíquica.É
quase-psíquica.Nessasáreascinzentasencontram-seenigmaspsicossomáticos
como,porexemplo,"De quemodomentee corposeinfluenciammutuamen-
te?""Onde umaterminae a outracomeça?"Essasquestõesaindanãoforam
respondidas.
Jung traçaessassutisdistinçõesnapassagemdeAion ondedescreveabase
psíquicado egonosseguintestermos:"Porum lado,o egoapóia-seno campo
totalda consciênciae, por outro,na somatotalde conteúdosinconscientes.
Estesenquadram-seemtrêsgrupos:primeiro,os conteúdostemporariamente
subliminaresquepodemserreproduzidosvoluntariamente(memória)...segun-
do,osconteúdosinconscientesquenãopodemserreproduzidosvoluntariamente
...terceiro,os conteúdosquesãototalmenteincapazesde tornar-seconscien-
tes."!!Esteterceirogrupodeveria,por definiçõesanteriores,serdeixadofora
do domíniodapsiquee Jung,nãoobstante,colocou-oaquidentrodo incons-
ciente.É evidenteterelevistoqueo inconscienteatingeumlugarondejá não
émaispsiqueepenetraemregiõesnão-psíquicas,istoé,no"mundo"paraalém
da psique.E no entanto,paraumacertadistância,pelomenos,essemundo
não-psíquicoestásituadodentrodo inconsciente.Nesteponto,acercamo-nos
dasfronteirasde grandesmistérios:a baseparaa percepçãoextrapsíquica,a
sincronicidade,ascurasmilagrosasdo corpoe outros.
Comocientista,Jung tinhaquefornecerargumentoseprovasparahipóte-
sestãoaudaciosasquantoaexistênciado inconsciente,emseusaspectostanto
pessoaisquantocoletivos.Ele meramentealudeaquia essesargumentos,os
quaissãodesenvolvidosemgrandedetalheemoutrasobras:"O grupodois
podeserinferidoda irrupçãoespontâneana consciênciade conteúdossubli-
minares."l2Aí sedescrevecomooscomplexosafetamaconsciência."O grupotrêséhipotético;éumainferêncialógicadosfatossubjacentesnogrupodois."l3
CertospadrõessistemáticosnoscomplexoslevaramJunga formularahipótese
dosarquétipos.Se certosefeitossãosuficientementefortese persistentes,um
cientistaformulaumahipóteseque,espera-se,expliqueosefeitose conduzaa
novasinvestigações.!4
O ego,prossegueJung no Aion, assentaem duasbases:uma somática
(corpórea)e umapsíquica.Cadaumadessasbasesé constituídademúltiplas
camadaseexisteparcialmentenaconsciência,massobretudono inconsciente.
Dizerqueo egoassentaemambasé dizerqueasraízesdo egomergulhamno
inconsciente.Emsuaestruturasuperior,o egoéracional,cognitivoeorientado
paraarealidade,masemsuascamadasmaisprofundaseescondidasestásujeito
aofluxodaemoção,fantasiaeconflito,eàsintrusõesdosníveisfísicoepsíqui-
co do inconsciente.O egopode,portanto,serfacilmenteperturbadoporpro-
blemassomáticose porconflitospsíquicos.Entidadepuramentepsíquica,cen-
trovitaldaconsciência,sededaidentidadeedavolição,o ego,emsuascama-
dasmaisprofundas,é vulnerávela perturbaçõesoriundasdemuitasfontes.
Comosublinheiacima,o egodeveserdistinguidodocampodaconsciência
ondeestáalojadoe parao qualconstituio pontofocaldereferência.Escreve
Jung:"Quandodigoqueo ego'fica'no campototaldaconsciência,nãoquero
comissosignificarqueeleconsistenisso.Seassimfosse,seriaimpossíveldistin-
gui-Iodocampodaconsciênciacomoumtodo."l5TalcomoWilliamJames,que
distinguiuentreo "eu"eo "amim",l6Jungdescreveumadiferençaentreo ego
e o queJameschamou"a correntede consciência".O egoé um pontoque
mergulhana correntedeconsciênciae podeseparar-sedestaaodar-seconta
dequeelaéalgodiferentedesimesmo.A consciêncianãoestátotalmentesob
o controledoego,mesmoquesecoloquea umadistânciasuficientedelepara
observare estudaro seufluxo.O egomovimenta-seno interiordo campoda
consciência,observando,selecionando,dirigindoa atividademotoraatéuma
certamedida,masignorandotambémumaconsiderávelsomadematerialque
34 Jung - O Mapa da Alma Superfície 35
a consciênciaestá,poroutrolado,tomandoemconsideração.Seconduzimos
umautomóvelporumaestradaquenoséfamiliar,aatençãodoegodesviar-se-
áfreqüentementeeocupar-se-ádeoutrosassuntosalheiosàcondução.Chega-
mossãosesalvosaonossodestino,tendosuperadosinaisdetrânsitoenumero-
sassituaçõesperigosasde tráfego,e perguntandoaosnossosbotõescomofoi
queconseguimoschegarlá! O foco da atençãoestavaemoutro lugar,o ego
divagaraeentregaraaconduçãodocarroàconsciêncianão-egóica.Nessemeio-
tempo,aconsciência,apartadadoego,estáconstantementemonitorando,cap-
tando,processandoereagindoàinformação.Seocorrerumacrise,oegoretoma
e assumeo comando.O egoconcentra-semuitasvezesnumalembrança,num
pensamentoousentimento,ouemplanosqueextraiudacorrentedeconsciên-
cia. Deixaoutrasoperaçõesde rotinaparaumaconsciênciahabituada.Essa
separabilidadedoegoedaconsciênciaéumaformaatenuadaenão-patológica
dedissociação.O egopode,emcertamedida,dissociar-sedaconsciência.
Emboraum egorudimentarou primitivopareçaestarpresentedesdeos
maisrecuadosmomentosde consciênciacomoumaespéciedecentrovirtual
ou pontofocal,elecrescee desenvolve-seemimportantesaspectosdurantea
infância.EscreveJung:"Emboraassuasbasessejamrelativamentedesconheci-
dase inconscientes,psíquicase somáticas,o egoé um fatorconscientepor
excelência.É mesmoadquirido,empiricamentefalando,ao longoda vidado
indivíduo.Parecesurgir,emprimeirolugar,dacolisãoentreo fatorsomáticoe
o meioambiente,e, umavezestabelecidocomoumsujeito,continuaadesen-
volver-seem conseqüênciade sucessivascolisõescom os mundosexteriore
interior."l7O quefazo egocrescer,segundoJung,éo queeledesignapor"coli-
sões".Por outraspalavras,conflito,dificuldades,angústia,pena,sofrimento.
Sãoestesosfatoresquelevamo egoadesenvolver-se.As condiçõesexigidasa
umapessoaparaadaptar-seaambientesfísicosepsíquicosapóiam-senumcen-
tropotencialnaconsciênciae fortalecemasuacapacidadeparafuncionar,com
o objetivodefazerconvergiraconsciênciaemobilizaro organismonumadire-
çãoespecífica.Comocentrovirtualdaconsciência,o egoé inato,mascomo
centrorealeefetivodevesuaestaturaàquelascolisõesentreo corpopsicofísico
eummeioambientequeexigerespostaeadaptação.Umaquantidademodera-
dadeconflitocomo meioambienteecertadosedefrustraçãosão,portanto,as
melhorescondiçõesparao crescimentodo ego.
Essascolisõespodem,porém,sercatastróficas,e acarretarsériosdanosà
psique.Nessecaso,o egonascentenãoé fortalecidomas,pelocontrário,com-
prometidoe tãoseveramentetraumatizadoqueo seufuncionamentoulterioré
radicalmentedeteriorado.Maus-tratosa criançase traumassexuaisna infân-
ciasãoey:::mplosdetaiscatástrofespsíquicas.Porcausadelas,o egoestá,com
freqüência,permanentementedanificadoemseusregistrospsíquicosinferiores.
No planocognitivo,podesercapazdefuncionarnormalmentemas,emsuas
partesmenosconscientes,o tumultoemocionalea ausênciadeumaestrutura
coesacriamseverosdistúrbiosdecarátere tendênciasdissociativas.Taisegos
nãosãoapenasvulneráveisnumaacepçãonormal- comosãotodososegos
_ mastambémsãofrágeise hiperdefensivos.Fragmentam-sefacilmentesob
estresseemocionale tendem,portanto,a recorrera defesasprimitivas(mas
muitopoderosas)paracolocarum muroentreelese o mundoe protegera
psiquedeintrusõese possíveisdanos.Taispessoasnãopodemconfiarnasou-
tras.Paradoxalmente,tambémsemostramdecepcionadasa todoo instante,e
seriamentedesapontadaspelosoutrose a vidaemgeral.Poucoa pouco,essas
pessoasisolam-sedo meiocircundante,queé percebidocomoinsuportavel-
menteameaçador,e vivemsuasvidasemisolamentodefensivo.
O egonascentepoderiaserdescritocomoum grito infantilde angústia,
assinalandoumadiscrepânciaentrenecessidadee satisfação.A partirdaí,co-
meçaa desenvolver-see acabapor tornar-se,finalmente,maiscomplexo.No
momentoemqueo egodeumacriançadedoisanosestádizendo"não"a todo
o mundo,ele não estáapenasenfrentandodesafiosambientais,masjá está
tentandomudarou controlarmuitosaspectosdo seuambiente.O egodessa
pessoapequenaestámuitoatarefadoemfortalecer-seatravésda criaçãode
numerosascolisões,eesses"não!"e "nãoquero!"sãoexercíciosquefortalecem
o egocomoentidadeseparadae comoum fortecentrointeriorde vontade,
intencionalidadee controle.
Um egoqueadquiriuautonomianainfânciatambémsentequeaconsciên-
ciapodeserdominadaedirigidaàvontade.A circunspecçãocaracterísticada
pessoamanifestamenteansiosaé umaindicaçãode queo egonão alcançou
plenamenteesseníveldeconfianteautonomia.Mais franquezae flexibilidade
sãopossíveisquandoo egoadquiriuumgraudecontrolesuficienteparaasse-
gurara sobrevivênciae a satisfaçãodenecessidadesbásicas.
A noçãodeJungdedesenvolvimentodoegoemconseqüênciadecolisões
como meioambienteofereceummodocriativodeconsideraro potencialem
todasessasinevitáveisexperiênciashumanasdefrustraçãoemfacedeumam-
bientehostil.Quando o egotentaaplicarsuavontade,encontraumacerta
medidaderesistênciado meioambiente,e seessacolisãoé bemconduzidao
resultadoseráo crescimentodoego.Esseinsight tambémnosadvertecontraa
tentativade fornecerexcessivoisolamentopara umacriança diante das
investidasdeumarealidaderepletadedesafios.Paraestimularo crescimento
doego,umambientepermanentementeclimatizadoesuperprotetornãoofere-
cenadadeútil.
Um breveexameda teoriade Jung de tipospsicológicostambémpertencea
estecapítulosobreconsciênciado ego.Os organizadoresdaediçãoemlíngua
inglesadasObras CompletasdeJung (CollectedWorks) citamJungemsuanota
introdutóriaparaTipos Psicológicosquandodizemque consideramessaobra
"umapsicologiadaconsciênciaencaradado quepoderiaserchamadoum ân-
guloclínico".18As duasprincipaisatitudes,oudisposições(introversãoeextro-
versão)e asquatrofunções(opensamento,o sentimento,asensaçãoea intui-
ção)têmumaforteinfluênciasobreaorientaçãodoego,quandoesteempreen-
dea realizaçãodesuastarefase requisitosdeadaptação.A disposiçãoinatado
egonuclearparaassumirumadessasatitudese funçõesformaa suapostura
característicaemfacedomundoe no tocanteà assimilaçãodaexperiência.
As colisõescoma realidadedespertama nascentepotencialidadedo egoe
desafiam-norelacionar-secomo mundo.Taiscolisõestambéminterrompemaparticipationmystiquel9 dapsiqueno mundoà suavolta.Uma vezdesperto,o
egodeveadaptar-seà realidadeporquaisquermeiosdisponíveis.Jungelaborou
a teoriasegundoa qualexistemquatrode taismeiosou funçõesdo ego;cada
umadasquaispodeserorientadaporumaatitudeintrovertida(istoé,voltada
paradentro)ou extrovertida(voltadaparafora).Após a ocorrênciade uma
certasomadedesenvolvimentodoego,a tendênciainatadapessoaparaorien-
tar-separao mundo,interioreexterior,revelar-se-ádecertosmodosdefinidos.
ArgumentouJung queo egotemumatendênciainata,genética,parapreferir
umdeterminadotipodecombinaçãodeatitudee função,eparaconfiarsecun-
dariamentenumaoutracombinaçãocomplementarparaequilíbrio,comuma
terceirae umaquartaficandomenosusadase,porconseguinte,menosacessí-
veisedesenvolvidas.As combinaçõesconstituemo queeledesignoupor"tipos
psicológicos".
Por exemplo,umapessoanascecoma tendênciainataparaassumiruma
atitudeintrovertidaem relaçãoao mundo.Issomanifesta-seprimeirocomo
timideznacriançae maistardedesenvolve-senumapreferênciaporexplorar
interessessolitários,comoa leiturae o estudo.Se issosecombinarentãocom
umatendênciainataparaadaptar-seao seumeiousandoa funçãodepensar,
essapessoavai sernaturalmentepropensaa exerceratividadesrelacionadas
comaciênciaeaerudição,quecombinamcomessastendências.Emtaisdomí-
nios,essapessoatemumbomdesempenho,sente-seconfiantee satisfeitapor
trabalhardeummodoqueé inteiramentecompatívelcomsuapróprianature-
za.Emoutrasáreas,comoo estabelecimentoderelaçõessociaisou avendade
assinaturasde jornais de porta em porta,essaorientaçãodo pensamento
introvertidoémuitomenosútil e apessoasente-seperdida,dominadamuitas
vezesporconsiderávelconstrangimentoeestresse.Seessapessoanasceunuma
culturaquetemmaisapreçopelaatitudeextrovertidadoquepelaintrovertida,
ounumafamíliaquereforçanegativamentea introversão,o egoécompelidoa
adaptar-seaomeiodesenvolvendoaextroversão.Issoé feitoa umaltopreço.
A pessoaintrovertidanãotemoutrasaídasenãoaceitarconvivercomoestresse
psicológicocrônicoparaquetal adaptaçãofuncione.Comoessaadaptaçãodo
egonãoocorreunaturalmente,ela tambémchamaa atençãodo observador
comoartificial.Não funcionamuitobemmas,no entanto,é necessária.Uma
talpessoafuncionacomumadesvantagem,assimcomoumextrovertidonatu-
ral estariaemdesvantagemnumaculturaintrovertida.
Diferençastipológicasentrepessoaspodemlevara conflitossériosno seio
defamíliasegrupos.Filhosquesãotipologicamentediferentesdeseuspaissão,
com freqüência,incompreendidose podemsercoagidosa adotarumafalsa
tipologiaqueseharmonizecomaspreferênciasparentais.O filhocomo perfil
tipológico"correto"seráo preferidoe tornar-se-áo favorito.Issopreparao
terrenoparaa rivalidadeeainvejaentreirmãos.Cadafilhonumagrandefamí-
lia será,do pontode vistatipológico,um poucodiferentedosdemais,assim
comoospaistambémcostumamser.Os extrovertidospodementurmarcontra
osintrovertidos,e os introvertidosnãosãobonsemformargrupose equipes.
Poroutrolado,osintrovertidossãomelhoresemesconder-se.Seasdiferenças
de tipospodemserreconhecidascomoum valorpositivoe apreciado,pode
haverumgrandeenriquecimentonavidafamiliarenosgrupospolíticos.Aqui-
lo comqueumapessoapodecontribuirseráconsideradobenéficopor outras
justamenteporqueelasnãoestãosintonizadasnomesmocomprimentodeonda.
·Reconhecimentoeapreciaçãopositivadediferençastipológicaspodemformar
abaseparao pluralismocriativonavidafamiliare cultural.
Essacombinaçãodeumafunçãosuperioredeumaatitudepreferidacons-
titui a melhorarmado egoparaadaptar-see interagirnosmundosinteriore
exterior.A quartafunçãoinferior,por outro lado,é a menosacessívelpara
utilizaçãopeloego.A funçãosecundáriaé,logodepoisdafunçãosuperior,ade
maiorutilidadeparao ego,easfunçõessuperioresecundáriaemcombinação
sãoasmaisfreqüentese eficazmenteusadasparaorientaçãoe realização.Por
via de regra,umadessasduasmelhoresfunçõesé extrovertidae a outra
introvertida,a funçãoextrovertidadandoumaleituradarealidadeexternaea
funçãointrovertidafornecendoinformaçãosobreo queestáacontecendointe-
riormente.O egousaessasferramentaspara,damelhormaneiradequeé ca-
paz,controlare transformarosmundosinteriore exterior.
Muito do quesabemospor experiênciaa respeitodeoutraspessoase, na
verdade,muitodo queacabamospor reconhecercomosendoasnossaspró-
priaspersonalidades,nãopertenceàconsciênciadoego.A vitalidadequeuma
36 Jung - O Mapada Alma
Tipos Psicológicos
Superfície 37
38 ]ung - O MapadaAlma Superfície 39
pessoacomunica,asreaçõesespontânease asrespostasemocionaisaosoutros
eàvida,aexplosãodehumoreasdisposiçõesdeânimoeacessosdetristeza,as
enigmáticasedesconcertantescomplicaçõesdavidapsicológica- todasestas
qualidadese atributospodemserimputadosaoutrosaspectosdapsiqueenão
à consciênciado egocomotal.Assimé incorretopensarno egocomosendo
equivalenteàpessoatoda.O egoé simplesmenteumagente,umfocodecons-
ciência,umcentrodepercepçãosensível.Podemosatribuir-lheou qualidades
demaisou qualidadesdemenos.
LiberdadePessoal
Umavezqueo egotenhaobtidosuficienteautonomiae umacertamedidade
controlesobrea consciência,o sentimentode liberdadepessoaltorna-seuma
fortecaracterísticadarealidadesubjetiva.Ao longode todaa infânciae ado-
lescência,agamadeliberdadepessoalé testada,desafiadaeexpandida.Tipica-
mente,umapessoajovemvivecoma ilusãodepossuirmuitomaiorautodomí-
nioe livre-arbítriodoqueépsicologicamenteverdadeiro.Todasaslimitaçõesà
liberdadeparecemserimpostasde fora,da sociedadee de regulamentações
externas,epercebe-semuitopoucoatéquepontoo egoé controladoemigual
medidadedentro.Umareflexãomaisatentarevelaquesomostãoescravosda
nossaprópriaestruturadecaráteredemôniosinterioresquantodaautoridade
externa.Com freqüência,issosóvema serpercebidona segundametadeda
vida,quandotipicamenteocorreumaconsciênciacadavezmaisnítidadeque
somososnossospioresinimigos,os nossosmaisimplacáveiscríticose os que
maisexigimosdenósprópriosemnossotrabalho.O destinoé tecidodedentro,
assimcomoditadodefora.
Jung temalgumasreflexõesprovocadorasdemeditaçãoaoferecersobrea
questãodesaberatéquepontoavontadeérealmentelivre.Comoveremosnos
capítulosseguintes,o egoéapenasumapequenapartedeummundopsicológi-
co muitomaisamplo,tal comoaTerraé umapequenapartedo sistemasolar.
SaberqueaTerragiraaoredordoSolésemelhantea tomarconhecimentode
queo egogravitaemtornodeumaentidadepsíquicamaior,o si-mesmo(seli).
Ambosos insightssãoperturbadoresedesestabilizadoresparaapessoaqueco-
locouo egono centro.A liberdadedo egoé limitada."Dentrodo campoda
consciência[oego]tem,comodizemos,livre-arbítrio",escreveJung."Masnão
atribuoa issoqualquersignificadofilosófico,apenaso bemconhecidofatopsi-
cológicode'livreescolha',oumelhordizendo,o sentimentosubjetivodeliber-
dade."20Centrodo seuprópriodomínio,a consciênciado egodispõede uma
certaeevidenteliberdade.Mas qualé asuaextensão?E emquegraufazemos
nossasescolhasnabasedecondicionamentoehábito?EscolherumaCocaem
vezde umaPepsirefleteumamedidade liberdademas,de fato,essaescolha
estálimitadaporumpréviocondicionamento,comoapublicidade,epelaexis-
tênciaou ausênciadeoutrasalternativas.Uma criançapodeserencorajadaa
exercitaro livre-arbítrioe a efetuardiscriminaçõesoferecendo-se-lheumaes-
colhaentretrêstiposdecamisas,porexemplo.O egodacriançasente-segra-
tificado,poisestálivreparaescolheraquelaquequer.Entretanto,avontadeda
criançaé limitadapormuitosfatores:o sutildesejodeagradaraopai (oumãe)
ou, inversamente,o desejoderebelar-secontraele(ouela);pelagamadepos-
sibilidadesoferecidas;pelaspressõese exigênciasdosseusiguais.A nossareal
gamadelivre-arbítrioé,comoadacriança,limitadaporhábito,pressão,dispo-
nibilidade,condicionamentoe muitosoutrosfatores.Nas palavrasde Jung,
"assimcomoo nossolivre-arbítriocolidecoma necessidadeno mundoexte-
rior,tambémencontraseuslimitesforadocampodaconsciência,no subjetivo
mundointerior,ondeentraemconflitocomosfatosdosi-mesmo".21 O mundo
exteriorimpõelimitaçõespolíticase econômicas,masosfatoressubjetivosli-
mitamigualmenteo nossoexercícioda livreescolha.
Em termosgerais,é o conteúdodoinconscientequereduzo livre-arbítrio
doego.O ApóstoloPauloexpressouissoclassicamentequandoconfessou:"Por-
quenemmesmocompreendoo meuprópriomododeagir,poisnãofaçoo que
prefiroe,sim,o quedetesto...Poiso querero bemestáemmim;não,porém,o
fazê-lo."22Os demôniosda contradiçãoconflitamcomo ego.Jung concorda:
"Assimcomocircunstânciase eventosexternosnos 'acontecem'e limitama
nossaliberdade,tambémo si-mesmoagesobreo egocomoumaocorrência
objetiva,queo livre-arbítriopodefazermuitopoucoparaalterar."23Quandoa
psiquetomacontadoegocomoumaincontrolávelnecessidadeinterna,o ego
sente-sederrotadoe temqueenfrentaraexigênciadeaceitarasuaincapacida-
deparacontrolara realidadeinterna,assimcomotemdechegaraessaconclu-
sãoarespeitodosmaisamplosmundossociaisefísicoscircundantes.A maioria
daspessoas,nodecorrerdesuasvidas,acabapercebendoquenãopodecontrolar
o mundoexterior,massãomuitopoucasasqueadquiremconsciênciadeque
seusprocessospsíquicosinternostampoucoestãosujeitosaocontroledo ego.
Com estasconsiderações,começamosingressandono territóriodo incons-
ciente.Nos próximoscapítulos,descrevereia visãodeJung dasáreasincons-
cientesdapsiquehumana,asquaisconstituemdelongeavastamaioriadoseu
território.
o interiorpovoado 41
[I]
o interiorpovoado
(Os Complexos)
No capítuloprévio,vimosquea consciênciado ego- asuperfíciedapsique
- estásujeitaaperturbaçõese reaçõesemocionaisquesãocriadasporcolisões
entreo indivíduoe o ambienteexterno.ConsiderouJung queessascolisões
entrea psiquee o mundotêmumafunçãopositiva.Se nãoforemexcessiva-
menteseveras,tendema estimularo desenvolvimentodo egoporqueexigem
maiorcapacidadedeconcentraçãoeissoleva,emúltimainstância,aumacom-
petênciamaispronunciadapararesolverproblemase àmaiorautonomiaindi-
vidual.Forçadaaefetuarescolhaseaassumirposições,umapessoadesenvolve
acapacidadeparafazermaisomesmoefazê-locadavezmelhor.É comodesen-
volverummúsculoaplicandotensãoisométrica.O egocresceatravésdemui-
tasdessasvigorosasinteraçõescomo mundo.Perigos,atrações,contrarieda-
des, ameaçase frustraçõescausadospor outras pessoase vários fatores
ambientais,tudoissogerouum certonível de energiaconcentradana cons-
ciência,e o egoé mobilizadoparalidarcomessesaspectosdasincursõesdo
mundo.
Existem,porém,outrasperturbaçõesde consciênciaquenãoestãoclara-
mentevinculadasa quaisquercausasambientaise sãototalmentedespropor-
cionaisemfacedosestímulosobserváveis.Essasperturbaçõesnãosãoprimaria-
mentecausadasporcolisõesexternasesiminternas.As pessoasenlouquecem,
àsvezes,compoucosmotivosaparentes.Ou têmbizarrasexperiênciasimagi-
40
náriasinternasqueredundamemformasinexplicáveisde comportamento.
Tornam-sepsicóticas,têmalucinações,sonhamouficampuraesimplesmente
loucas,ou apaixonam-se,ou sãodominadaspor umafúriaincontrolável.Os
humanosnemsempreagemracionalmentee comportam-sede acordocom
avaliaçõesclarasdo interessepessoal.O "homemracional",no qualsebaseia
tantateoriaeconômica,éapenas,namelhordashipóteses,umadescriçãopar-
cialdossereshumanostalcomorealmentefuncionam.Os humanossãoimpe-
lidosporforçaspsíquicas,motivadosporpensamentosquenãosebaseiamem
processosracionais,e sujeitosa imagense influênciasparaalémdaquelasque
podemsermedidasnomeioambienteobservável.Emresumo,somoscriaturas
impulsionadasporemoçõeseimagens,tantoquantosomosracionaiseambien-
talmenteadaptadas.Sonhamostantoquantoponderamos,e'sentimosprova-
velmentemuitomaisdo quepensamos.No mínimo,umagrandeparcelade
pensamentoécoloridae modeladaporemoções,e amaioriadosnossoscálcu-
losracionaisestásujeitaàsnossaspaixõesemedos.Foi opropósitodeentender
esseladomenosracionaldanaturezahumanaquelevouJungaadotarasferra-
mentasdo métodocientífico,e a dedicarsuavidaà investigaçãodo quedá
formaemotivaaemoção,afantasiaeocomportamentohumanos.Essemundo
interioreraumaterraincognitano seutempo.E eledescobriuqueelaestápo-
voada.
Atingindo o Inconsciente
Imaginemosporummomentoqueapsiqueéumobjetotridimensionalcomoo
sistemasolar.A consciênciadoegoé aTerra,terrafirma; éondevivemos,pelo
menosduranteasnossashorasvígeis.O espaçoaoredordaTerraestácheiode
satélitese meteoritos,algunsgrandes,outrospequenos.Esseespaçoé o que
Jung chamouo inconsciente,e os objetoscomqueprimeironosdeparamos
quandonosaventuramosnesseespaçosãoo queelechamouoscomplexos.O
inconscienteépovoadoporcomplexos.Foi esseo territórioqueJungexplorou
inicialmenteemsuacarreiracomopsiquiatra.Depoisdeu-lheo nomede in-
conscientepessoal.
Começoua mapearessaáreada psiquemesmoantesde examinarminu-
ciosamenteo complexode egoou a naturezado inconsciente.Empreendeu
essaexploraçãoinicial usandoum instrumentocientíficoquefoi altamente
consideradona viradado século:o ExperimentodeAssociaçãoVerbal.lDe-
pois,empregoutambémalgunsinsightscolhidosnos primeirosescritosde
SigmundFreud.Armadocoma noçãode determinaçãoinconscientedepro-
cessosmentaise como ExperimentodeAssociaçãoVerbal,Jungchefiouuma
42 Jung - O Mapa daAlma o interiorpovoado 43
equipede pesquisadoresno projetocientíficode conduçãode experimentos
laboratoriaiscuidadosamentecontroladosa fimdeseapurarsetaisfatorespsi-
cológicosinconscientespodiamserempiricamenteverificados.
Os resultadosdesseprojetoforamcompiladosno livroEstudosdeAssocia-
ção Verbal [DiagnostischeAssoziationstudien],editadopor Jung. Essesestudos
foramrealizadosna Clínica Psiquiátricada Universidadede Zurique,como
apoioe o incentivodeseuprofessor,EugenBleuler.2O projetofoi concebido
em 1902e prosseguiuduranteos cinco anosseguintes.Os resultadosforam
publicadosseparadamenteentre 1904e 1910no ]oumal für Psychologieund
Neurologie.Foi no decorrerdessesestudosexperimentaisqueJung começoua
usaro termo"complexo",quetomoudopsicólogoalemãoZiehenmasampliou
e enriqueceucomumaconsiderávelcontribuiçãodesuasprópriaspesquisase
formulaçõesteóricas.Essetermofoi adotadomaistardeporFreude largamen-
teusadonoscírculospsicanalíticos3atéFreudeJungcortaremrelações,apóso
quefoi maisou menoscompletamenteapagado,juntocomJunge tudoo que
fosse"junguiano",do léxicofreudiano.
A teoriadoscomplexosfoi amaisimportanteentreasprimeirascontribui-
çõesdeJungparao entendimentodoinconscienteesuaestrutura.Parcialmen-
te, foi o modode Jung conceituaro queFreudestiveraescrevendo,atéesse
ponto,sobreos resultadospsicológicosda repressão,sobrea permanenteim-
portânciadainfânciaparaaestruturadocaráteresobreaenigmáticaresistên-
ciaemanálise.Continuaaserumútil conceitonapráticaanalíticaatéosdias
dehoje.Comofoiqueelechegouà descobertaemapeamentodessacaracterís-
ticado inconsciente?
A questãoconsistiaemcomopenetrarnamenteparaalémdasbarreirasda
consciência.A consciênciapodeserinvestigadamediantea simplesformula-
çãode perguntase registrodasrespostasobtidas,ou por introspecção.Mas
comopenetrarmaisfundono mundosubjetivoe explorarsuasestruturase
operações?Paraabordaresseproblema,Jung e umaequipede residentespsi-
quiátricosmontaramumasériede experimentoscomsujeitoshumanospara
verse,bombardeandoa psiquecomestímulosverbaise observandoasrespos-
tasnaconsciência- as"pistas",porassimdizer,desutisreaçõesemocionais-,
poderiamencontrarprovasque evidenciassema existênciade estruturas
subjacentes.Colaborandoestreitamentecom seuscolegasBleuler,Wehrlin,
Ruerst,Binswanger,Nunberge, maisdestacadamente,comRiklin, Jung refi-
nouprimeiroo ExperimentodeAssociaçãoVerbalparaosseuspropósitoses-
pecíficose decidiu-sepor 400estímulosverbaiscomuns,cotidianose aparen-
tementeneutros- palavrascomomesa,cabeça,tinta,agulha,pãoe lanter-
na.4Disseminadasentreessaspalavrasestavamasmaisprovocantes- guerra,
fiel,golpear,acariciar.Essenúmerofoi reduzidodepoisa 100.Essaspalavras-
estímulos,lidasumaporumaaumsujeitoquetinhasidoinstruídopararespon-
dercoma primeirapalavraquelhe acudisseà mente,suscitaramumagrande
variedadedereações.Haverialongaspausas,respostassemnexo,respostascom
rimae respostas"klang" [bombásticas],e atéreaçõesfisiológicasquepodiam
sermedidasusandoum aparelhochamadopsicogalvanômetro.s
A questãointeressanteparaJungera:O queestáacontecendona psique

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