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Laplantine a pre historia da Antropologia e Todorov a descoberta da america (1)

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Laplantine, François. “A pré-história da Antropologia: a descoberta das diferenças 
pelos viajantes do século XVI e a dupla resposta ideológica dada daquela época 
até nossos dias”. In: Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1994. 
 
- Introdução. 
- Só no final do século XVII surge um saber científico sobre o homem. O homem, e 
não mais a natureza, como objeto de conhecimento. Projeto era o de aplicar aos 
homens os métodos então utilizados na física ou na biologia (p. 13). 
- Esse projeto surge na Europa. E é só na segunda metade do século XIX que 
esse saber começa a atingir legitimidade científica (p. 14). Antropologia passa a 
ter um “objeto”: sociedades “primitivas” – ou seja, exteriores às áreas de 
civilização européias e norte-americanas (p. 14). 
- Contexto positivista – separação entre observador e objeto como condição 
básica. Essa separação era obtida na Antropologia pelo distanciamento 
geográfico. “As sociedades estudadas pelos primeiros antropólogos são 
sociedades longínquas às quais são atribuídas as seguintes características: 
sociedades de dimensões restritas; que tiveram poucos contatos com os grupos 
vizinhos; cuja tecnologia é pouco desenvolvida em relação à nossa; e nas quais 
há uma menor especialização das atividades e funções sociais” (p. 14). 
- São também qualificadas de “sociedades simples”, que irão permitir a 
compreensão da organização complexa de nossas próprias sociedades [contexto 
do evolucionismo social; história unilinear] (p. 14-15). 
- Foram necessárias algumas décadas para a elaboração de ferramentas de 
investigação que permitissem a coleta direta das informações e as observações 
de campo (p. 15). 
- No início do século XX, a percepção era de que o objeto empírico da 
Antropologia estava desaparecendo. Os “selvagens” não eram alheios à evolução 
social. Há uma crise de identidade na disciplina (p. 15). 
- Há 3 alternativas a essa crise: 
1) O antropólogo aceita sua “morte” e se volta para outras ciências humanas. 
Reencontro com a sociologia, e notadamente com a “sociologia comparada”; 
2) Ele sai em busca de outra área de investigação. O “camponês” passa a ser 
visto como um “selvagem de dentro”. 
3) O terceiro caminho – o antropólogo afirma a especificidade de sua prática, não 
mais através de um objeto empírico constituído (o selvagem, o camponês), mas 
através de uma abordagem epistemológica constituinte. O objeto teórico da 
Antropologia deixa de estar ligado a um espaço geográfico, cultural ou histórico. A 
Antropologia passa a ser vista como um certo olhar, um enfoque, que consiste a) 
no estudo do homem inteiro; b) no estudo do homem em todas as sociedades, sob 
todas as latitudes em todos os seus estados e em todas as épocas (p. 16). 
- O estudo do homem inteiro. 
- Uma abordagem antropológica é aquela que leva em consideração as múltiplas 
dimensões do ser humano em sociedade. A Antropologia tenta relacionar campos 
de investigação frequentemente separados. 
[Então, ele vai falar de cinco áreas da Antropologia, na França]. 
- 1) Antropologia biológica. Também chamada Antropologia física. Busca por 
entender os fatores culturais que influenciam o crescimento e a maturação do 
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indivíduo. Interesse pela genética das populações. Ligação entre ciências da vida 
e ciências humanas (p. 16-17). 
- 2) Antropologia pré-histórica. Ligada à arqueologia. Estudo das sociedades 
desaparecidas. Trabalho de campo sistemático, recolha de materiais vestigiais e 
documentos (p. 17-18). 
- 3) Antropologia lingüística. Linguagem como patrimônio cultural. Meio de 
expressar valores, preocupações e pensamentos. Busca as categorias. E sua 
expressão. E sua interpretação. Esse ramo da Antropologia teve como expoente 
Edward Sapir. Propôs um estudo antropológico da língua – a língua como objeto 
de pesquisa, inscrevendo-se na cultura – que conduzia a um estudo lingüístico da 
cultura - a língua como modelo de conhecimento da cultura (p. 18). Interesse 
também por modernas técnicas de comunicação (mass media e cultura 
audiovisual). 
- 4) Antropologia psicológica. Estudo dos processos e do funcionamento do 
psiquismo humano. Estudo dos comportamentos conscientes e inconscientes dos 
seres humanos. Dimensão psicológica (p. 19). 
[Preocupação dele é em afirmar a Antropologia como o estudo do “todo”]. 
- 5) Antropologia Social e Cultural (ou Etnologia) [distinção colocada por Lévi-
Strauss]. Este livro trata especialmente desta área.Toda vez que alguém se refere 
ao termo Antropologia, se está no geral referindo-se a esta área. Diz respeito a 
tudo que constitui uma sociedade: modos de produção econômica, técnicas, 
organização política e jurídica, sistemas de parentesco, sistemas de 
conhecimento, crenças religiosas, língua, psicologia, criações artísticas 
[poderíamos acrescentar: sistemas e relações de gênero, relações étnico-raciais, 
classificações etárias ou geracionais, organização da sexualidade etc.] (p. 19). 
- Preocupação não é em levantar sistematicamente esses aspectos, mas em 
mostrar maneiras particulares como se relacionam e através das quais aparecem 
as especificidades de uma sociedade. É nessa preocupação, aliada ao fato de 
voltar ao olhar para aspectos que geralmente “não se fixam em pedra ou em 
papel” (Lévi-Strauss), que reside a especificidade da Antropologia. Estudo de 
gestos, trocas simbólicas, ínfimos detalhes dos comportamentos (p. 19-20). 
- O estudo do homem em sua diversidade. 
- A Antropologia é, além do estudo de tudo que compõe uma sociedade, o estudo 
de todas as sociedades humanas (a nossa inclusive) (p. 20). Estudo das 
diversidades. 
- Se a especificidade da Antropologia não pode ser confundida com a natureza 
das primeiras sociedades estudadas pelos antropólogos (as sociedades extra-
européias), tal especificidade está ligada ao modo de conhecimento que foi 
elaborado a partir do estudo dessas sociedades: a saber, a observação direta, 
“por impregnação lenta e contínua de grupos humanos minúsculos com os quais 
mantemos uma relação pessoal” (p. 21). 
- Construção da distância em relação a nossa própria sociedade – “aquilo que 
tomávamos por natural em nós mesmos é, de fato, cultural; aquilo que era 
evidente é infinitamente problemático” (p. 21). 
- Daí decorre a necessidade do estranhamento – perplexidade provocada pelo 
encontro com culturas distantes, cujo encontro vai levar a uma modificação do 
olhar que se tinha sobre si mesmo (p. 21). 
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- “Presos a uma única cultura, somos não apenas cegos à dos outros, mas míopes 
quando se trata da nossa” (p. 21). 
- A experiência da alteridade é a elaboração dessa experiência. Aos poucos, 
notamos que o menor dos nossos comportamentos, gestos, não tem nada de 
realmente “natural” (p. 21). 
- “O conhecimento (antropológico) da nossa cultura passa inevitavelmente pelo 
conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que 
somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única” (p. 21). 
- O que caracteriza a unidade do homem é essa aptidão praticamente infinita para 
inventar modos de vida e formas de organização social extremamente diversos. 
- A Antropologia busca mostrar como aquelas formas de comportamento e vida 
em sociedade tomadas como inatas (nossas maneiras de andar, dormir, nos 
encontrar, nos emocionar, comemorar eventos etc.) são o produto de escolhas 
culturais (p. 22). 
[Idéia de brasilidade como algo natural – “brasileiro sabe sambar”, tem um dom 
“natural” para o futebol, “está no sangue” etc.]. 
- O projeto antropológico consiste no (re)conhecimento e compreensão de uma 
humanidade plural (p. 22). 
- Revolução do olhar. Descentramento radical, ruptura com a idéia de que exista 
um “centro do mundo” (p. 22). 
- “A descoberta da alteridade é a de uma relação que nos permite deixar de 
identificar nossa pequena província de humanidade com a humanidade, e 
correlativamente deixar de rejeitaro presumido “selvagem” fora de nós mesmos. 
Confrontados à multiplicidade, a priori enigmática, das culturas, somos aos poucos 
levados a romper com a abordagem comum que opera sempre a naturalização do 
social (como se nossos comportamentos estivessem inscritos em nós desde o 
nascimento, e não fossem adquiridos no contato com a cultura na qual 
nascemos)” (p. 23). 
- Dificuldades. 
- Antropologia é uma ciência recente. Começou a ser ensinada nas universidades 
na Grã-Bretanha a partir de 1908 (Frazer em Liverpool), e na França a partir de 
1943 (Griaule na Sorbonne, seguido por Leroi-Gourhan) (p. 24-25). 
- Etnologia ou Antropologia? No primeiro caso, França – insistência numa 
pluralidade irredutível das etnias, isto é, das culturas. No segundo (países anglo-
saxônicos), insiste-se sobre a unidade do gênero humano. “E optando-se por 
antropologia, deve-se falar (com os autores britânicos) em antropologia social – 
cujo objeto privilegiado é o estudo das instituições – ou (com os autores 
americanos) de antropologia cultural – que consiste mais no estudo dos 
comportamentos” (p. 25). 
- Outra dificuldade: grau de cientificidade. Radcliffe-Brown – sociedades são 
“sistemas naturais”, que devem ser estudados segundo os métodos comprovados 
das ciências da natureza; Evans-Pritchard – sociedades não são sistemas 
orgânicos, mas “sistemas simbólicos”. Antropologia é uma “arte” (p. 26). 
- Outra dificuldade – relação ambígua com a História (p. 26). 
- Outra ainda: a tensão com a Antropologia “aplicada”. Idéia de que o 
conhecimento deve “servir” a algum propósito, sobretudo emancipatório (p. 27). 
[Sobre Antropologia aplicada, ver Roger Bastide]. Desde seu início, esse problema 
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já se coloca – muitas pesquisas clássicas foram realizadas em contextos coloniais, 
e a pedido mesmo das administrações coloniais (p. 28). Ex.: Os Nuer – 
encomenda do governo britânico. Lévi-Strauss é categoricamente contra a idéia 
de se pensar a Antropologia como ciência aplicada. 
- “Desde o século XVI, de fato, começa a se implantar aquilo o que alguns 
chamariam de “arquétipos” do discurso etnológico, que podem ser ilustrados pelas 
posições respectivas de um Jean de Lery e de um Sahagun. Jean de Lery foi um 
huguenote [protestante] francês que permaneceu algum tempo no Brasil entre os 
Tupinambás. Longe de procurar convencer seus hóspedes da superioridade da 
cultura européia e da religião reformada, ele os interroga e, sobretudo, se 
interroga” (p. 28). Já Sahagun foi um franciscano espanhol que conviveu com os 
astecas, no México, e que queria converter a população que estudou (p. 28-29). 
Questão é: o antropólogo deve ou não contribuir para a transformação das 
sociedades que estuda? 
- Posição dele. “Nossa abordagem, que consiste antes em nos surpreender com 
aquilo que nos é mais familiar (aquilo que vivemos cotidianamente na sociedade 
na qual nascemos) e em tornar mais familiar aquilo que nos é estranho (os 
comportamentos, as crenças, os costumes das sociedades que não são as 
nossas, mas nas quais poderíamos ter nascido), está diretamente confrontada 
hoje a um movimento de homogeneização, ao meu ver, sem precedente na 
História: o desenvolvimento de uma forma de cultura industrial-urbana e de uma 
forma de pensamento que é a do racionalismo social” (p. 29). [Para ele, enquanto 
antropólogo, o antropólogo não deve trabalhar para a transformação das 
sociedades que estuda. “Auxiliar uma determinada cultura na explicitação para ela 
mesma de sua própria diferença é uma coisa; organizar política, econômica e 
socialmente a evolução dessa diferença é uma outra coisa. Ou seja, a participação 
do antropólogo naquilo que é hoje a vanguarda do anticolonialismo e da luta para 
os direitos humanos e das minorias étnicas é, a meu ver, uma conseqüência de 
nossa profissão, mas não é a nossa profissão propriamente dita” (p. 30). 
- Mas há urgências, questões bastante atuais. 
- 1) Urgência de preservação dos patrimônios locais ameaçados. Inventário e 
restituição aos habitantes das regiões nas quais trabalhamos, de seu próprio 
saber e saber-fazer (p. 30). 
- 2) Urgência da análise das mutações culturais impostas pelo desenvolvimento 
rápido de todas as sociedades contemporâneas. Desenvolvimento tecnológico, 
mudanças nas relações sociais, movimentos de migração interna, processo de 
urbanização acelerado (p. 31). 
- Uma quinta dificuldade. Campo de pesquisa imenso, cujo desenvolvimento 
recente é extremamente especializado. Assim, uma obra como esse livro fica 
dificultada (p. 31). 
- Ex.: No século XIX, Boas podia fazer pesquisas em Antropologia social, cultural, 
lingüística, pré-histórica... hoje em dia, não (p. 31). 
- Antropologia pertence a todo mundo, é a ciência do homem por excelência e diz 
respeito a todos nós (p. 33). 
................................................ 
- Primeira Parte – Marcos para uma história do pensamento antropológico. 
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- 1. A pré-história da Antropologia – a descoberta das diferenças pelos viajantes 
do século XVI e a dupla resposta ideológica dada daquela época até nossos dias. 
- “A gênese da reflexão antropológica é contemporânea à descoberta do Novo 
Mundo. O Renascimento explora espaços até então desconhecidos e começa a 
elaborar discursos sobre os habitantes que povoam aqueles espaços (p. 37). 
- Grande questão: aqueles que foram descobertos pertenciam à humanidade? (p. 
37). 
- Qual era o critério naquela época? O religioso. O selvagem tem uma alma? O 
pecado original lhe dizia respeito? Os missionários queriam saber: É possível 
convertê-los? (p. 37-38). 
- Nessa época, já começam a se esboçar duas ideologias concorrentes – 1) a 
recusa do estranho (apreendido pela falta – o que leva à boa consciência de si e 
de sua sociedade, da sociedade do eu); a fascinação pelo estranho – o corolário 
aqui seria a má consciência sobre si e sua própria sociedade. Esses termos estão 
colocados desde a metade do século XVI e aparecem no debate entre Las Casas 
e o jurista Sepulvera. 
- O autor está aqui então falando de dois discursos antagônicos acerca dos 
selvagens, mas ambos carregados de estereótipos. 
- A figura do mau selvagem e do bom civilizado. 
- “A extrema diversidade das sociedades humanas raramente apareceu aos 
homens como um fato, e sim como uma aberração exigindo uma justificação. A 
Antiguidade grega designava sob o nome de bárbaro tudo o que não participava 
da helenidade (em referência à inarticulação do canto dos pássaros oposto à 
significação da linguagem humana), o Renascimento, os séculos XVII e XVIII 
falavam de naturais ou de selvagens (isto é, seres da floresta), opondo assim a 
animalidade à humanidade. O termo primitivos é que triunfará no século XIX, 
enquanto optamos preferencialmente na época atual pelo de subdesenvolvidos” 
(p. 40). 
- Critérios utilizados pelos europeus na época dos descobrimentos para conferir ou 
não aos índios um estatuto humano: 
- Critério religioso – “não tem religião nenhuma” era a constatação; vistos como 
“diabos”; 
- Aparência física – andam nus ou “vestidos de peles de animais”; 
- Comportamentos alimentares – “eles comem carne crua” – e aqui se dá toda a 
elaboração do imaginário do canibalismo. Hans Staden. 
- Inteligência, a partir da linguagem – “eles falam uma língua ininteligível” (p. 41). 
- Discurso sobre a alteridade que recorre a uma metáfora zoológica – nativos 
vistos como “animais”. O leque utilizado para dar-lhe inteligibilidade é pelas 
ausências: “sem moral, sem religião, sem lei, sem escrita, sem Estado, sem 
consciência, sem razão, sem objetivo, sem arte, sem passado, sem futuro” (p. 41). 
[Importância de termos visto acerca do etnocentrismo – utilização de uma série de 
atributos da cultura européia para auferir a humanidade nativa leva 
necessariamente a uma visão deles como falta, ausência – “atraso”]. 
- Também era comum a idéia é a de que os materiais retirados dosindígenas 
teriam sido “pagos” por lhes terem levado “civilização”, fé (p. 42). Ex.: a citação de 
Oviedo, nas páginas 41 e 42 
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- Há vários exemplos de discursos similares que passaram até nossa época. Ex.: 
No século XIX, Stanley compara os africanos a “macacos”. Há um livro de Franz 
Fanon, de 1968, que conta sobre o discurso colonial dos franceses na Argélia. 
[Lembrar da aula sobre etnocentrismo – como um discurso ideológico sobre o 
Outro, no caso, que o diminui, o animaliza, busca justificar uma política 
colonialista]. 
- Está dando exemplos de discursos que pensam o “selvagem” como oposto, ou 
como o inverso do “civilizado” (p. 42). 
- Um exemplo são as pesquisas de Cornelius de Pauw, de 1774. Século XVIII, 
portanto. 
 
- Reflete sobre os índios na América do Norte. Sua convicção: a influência da 
natureza lhes é total. Raça inferior que não tem História e está condenada a 
permanecer fora dela, por seu estado “degenerado” (raça inferior). Busca a 
explicação para essa degenerescência no clima úmido. Seu “temperamento é 
úmido”, assim como a terra e o ar onde vegetam. Para ele, isso explica que eles 
não tenham nenhum desejo sexual. “Parecem mais animais do que vegetais”, ele 
diz. Pauw chega a falar de sua “degradação moral”. Vegetam mais do que vivem – 
os californianos “não têm uma alma”. Essa é sua constatação (p. 43). Utiliza uma 
separação geográfica do mundo, latitudinal (separação entre Norte e Sul do 
Equador) para colocar, de um lado, a humanidade, de outro, a estupidez e estado 
vegetativo. Os indígenas americanos vivem, para ele, em um estado de 
“embrutecimento” geral. Não há entre eles nada que se assemelhe a uma cultura, 
ou a uma história. 
- Essas idéias eram compartilhadas por muitos. Por exemplo, por Hegel. 
- Em 1830, Hegel, em sua Introdução à Filosofia da História, vai expor um horror 
ao chamado “estado de natureza”, de povos que jamais, para ele, ascenderiam à 
História. Nessa obra, a América do Sul aparece ainda mais estúpida que a do 
Norte. A Ásia também é mal vista. Mas a África seria a pior região do mundo. 
África é tida como falta absoluta. Selvagens, em estado bruto, são os negros 
africanos, para ele. Não têm moral, instituições sociais, religião, ou Estado. São 
canibais – alimentam-se de carne humana. Nem mesmo a colonização os poderia 
tirar desse estado de selvageria. 
- tanto a “indianidade”, a identidade indígena, em Pauw; quanto a “africanidade” 
em Hegel constituem duas visões etnocêntricas a respeito do Outro. O índio, para 
Pauw, é um vegetal. O negro, para Hegel, nem vegetal é – é um objeto, uma 
“coisa” (p. 46). 
 
- A figura do bom selvagem e do mau civilizado. 
- Opõe-se a essa visão do “mau selvagem” a de uma natureza “boa”, de plenitude. 
Os termos da atribuição – “selvagens” = estado de natureza – permanecem os 
mesmos. Mas se avalia essa natureza de maneira inversa. 
- As sociedades primitivas, não-ocidentais, continuam a ser pensadas pela falta, a 
partir de uma perspectiva que toma as características da sociedade do eu como 
medidor: são sem escrita, tecnologia, economia, religião organizada, clero, sem 
sacerdotes, polícia, leis, Estado. Mas isso deixa de ser visto como uma 
desvantagem (p. 46). 
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- Essa figura do “bom selvagem” concorria com a do “mau selvagem”, lhe era 
contemporânea, mas encontrará uma formulação mais sistemática no século 
XVIII, com Rousseau [que vamos ler aqui], e no Romantismo (p. 46). 
 
- Mas essa visão do “bom selvagem” não deixava de estar presente mesmo entre 
os primeiros viajantes do Novo Mundo. 
- Américo Vespúcio. 
- Também Cristóvão Colombo. 
- No texto complementar à aula, A Conquista da América, de Todorov, o autor traz 
uma bela introdução. Um texto que quem puder deve ler, porque é muito bonito. 
Ele vai descrever Colombo como um homem corajoso, que engrentou uma série 
de imagens assustadoras a respeito do que se pensava que era o Mundo para 
além do conhecido (ex.: a idéia de que no oceano jaz o fim do mundo, um 
penhasco). Lendas, histórias fantasmagóricas. Ele enfrenta. Mas o que o motiva? 
Cobiça? Riqueza? O Novo Mundo era visto como que a partir de um pêndulo, se 
assimpodemos dizer – ou era o Paraíso Terreal, a Terra Santa, a Terra Prometida, 
Jerusalém... ou era o inferno na Terra, o purgatório. É Entre o Diabo e a Terra de 
Santa Cruz que o Brasil, por exemplo, vai ser lido pelos portugueses, não? 
Voltando a Colombo. Todorov o pinta como um homem de mentalidade medieval, 
motivado pelas Cruzadas da cristandade, espalhar a fé Cristã pelo mundo, em um 
mundo que naquele momento deixava de ser medieval – entrava-se na era 
Moderna. Foi curiosamente um homem profundamente imbuído do sentimento 
medieval quem inaugurou, de certo modo, a era Moderna, a era das Grandes 
Navegações. Todorov vai escrever quase num tom detetivesco mas bastante 
poético acerca de quais seriam as reais motivações de Colombo acerca do Novo 
Mundo. Parte dos relatos de viagem dele e mostra como ele era uma figura 
exemplar dessa dualidade, misto de fascínio e estranhamento, que marca a visão 
sobre os nativos do Novo Mundo no século XVI. Ele buscava ouro? Queria apenas 
enriquecer? Ao que parece, seus relatos nesse sentido provinham mais da 
percepção dele de que a busca por ouro é que manteria os financiamentos de 
suas viagens. Suas intenções, antes disso, eram missionárias. Ele era um homem 
profudamente religioso, católico, e acreditava na conversão dos índios. A 
expansão do Cristianismo lhe era mais importante do que o ouro. A necessidade 
do dinheiro e o desejo de impor a verdade de Deus não se excluem no seu 
projeto. Para realizar o segundo, era preciso ter o primeiro. Um é o meio, o outro, 
o fim. 
- Jean de Léry e Montaigne, pensadores franceses que, ainda no século XVI, vão 
começar a relativizar a superioridade européia a partir de suas visões dos nativos 
americanos. São “selvagens”, vivem no estado de natureza, para Léry. São 
irracionais, incapazes da faculdade da razão, para Montaigne. Mas será que nós, 
europeus, somos menos bárbaros que eles?, se perguntavam então. O contexto 
europeu marcado por desigualdades e guerras provocava horror e distanciamento 
também. Eles se questionam acerca dessa superioridade européia. De todo modo, 
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a imagem do “bom selvagem” é uma visão idealizada do Outro, assim como a do 
mau selvagem. Não deixa de ser, por isso, etnocêntrica (p. 47). 
- Selvagens passam, por exemplo, a ser trazidos para Paris, onde se tornam 
espécies de atrações. Todos querem ver esses representantes do estado de 
natureza e pureza, de infância da humanidade [Lembrar da idéia de 
evolucionismo]. Essas manifestações transformam-se em verdadeiras acusações 
contra a civilização, no século XVIII. No final do século, a natureza exuberante e 
bela do Novo Mundo passa a vigorar até como convenção literária (p. 49). 
- Todos esses discursos que exaltam a doçura das sociedades “selvagens” e 
criticam tudo que pertence ao Ocidente, são ainda atuais. Ex.: desapontamento 
que temos com a noção de progresso nos faz buscar num outro idealizado, que 
vive num paraíso sobre a Terra, formas de vida que nos fariam escapar aos males 
da civilização – individualismo exacerbado, solidão, anonimato, cobiça, ganância 
etc. (p. 50). Não é raro vermos essa representação de um mundo melhor entre 
nativos de outras partes do globo que não aquela onde habitamos. Mesmo no 
cinema [Avatar, por exemplo. O filme é uma crítica à época dos descobrimentos, 
há várias passagens que mostram exercícios de relativismo cultural e de critica à 
noção de civilização e de progresso. Mas também não deixa de ser uma visão 
idealizada, romantizada, sobre os nativos. Muito embora os nativos em questão 
sejam ficcionais, dá para fazermos esse exercício]. 
- Sociedades primitivas, a partir da idéia do bom selvagem, foram e são tomadas 
como “autênticas”, em contraposiçãoàs sociedades “alienadas”, industriais, 
ocidentais. 
- O surgimento da Antropologia como ciência está ligado, em certo sentido, a esse 
contexto de busca por outras formas de vida que ajudem a relativizar o modo de 
ser ocidental. Mas este é um exercício que deve ser feito sempre 
problematizando, sempre se questionando, sempre colocando em xeque nossos 
pressupostos, nossas idéias naturalizadas, nossas convenções, nossa escrita, 
nosso olhar, nossas formas de representar a alteridade. 
- Conclusão. 
- A imagem do ocidental da alteridade oscilou nos últimos séculos entre esses dois 
pólos. O tal “selvagem” pôde ser visto como: 
- Um monstro, animal com figura humana, a meio caminho entre a animalidade e a 
humanidade; mas também monstros poderiam ser nós, o selvagem poderia ter 
lições de humanidade a nos dar, para alguns; 
- Vivia uma existência infeliz, miserável, ou ao contrário uma existência de 
beatitude, relação pacífica com a natureza, contrapondo-se ao Ocidente industrial, 
que destrói a natureza; 
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- Era trabalhador e corajoso, ou preguiçoso [lembrar a questão da imagem do 
índio brasileiro nos livros didáticos]; 
- sem alma ou religião, ou profundamente religioso; 
- apavorado quanto ao sobrenatural, ou em paz com ele; 
- Um anarquista sem Estado, ou um comunista, que compartilha tudo; 
- bonito... ou feio; 
- Impulsivo e digno de temor; ou uma criança inocente, digna de proteção 
[Catequese]; 
- Embrutecido sexual, com vida orgiástica e devassa; ou um ser preso a seus 
tabus e proibições grupais; 
- atrasado, estúpido e simples; ou profundamente virtuoso e complexo; 
- Um animal, um vegetal (de Pauw), uma “coisa”, um “objeto sem valor” (Hegel) ou 
um participante da humanidade, e de uma humanidade em seu estado mais 
“puro”, de “natureza”, de ausência de desigualdades (p. 52). 
- De todo modo, se constrói uma alteridade, uma visão sobre o Outro e 
consequentemente sobre si mesmo, irreal. O Outro é tomado apenas como 
pretexto para legitimar práticas de exploração econômica, militares, políticas, de 
conversão religiosa ou até mesmo de emoção estética. Em qualquer caso, esse 
Outro não é considerado para si próprio, em si mesmo, a partir de si mesmo. Não 
se olha para ele. “Olha-se a si mesmo nele” (p. 52). [Etnocentrismo]. Olha-se para 
o Outro ou para se sentir superior, ou para se auto-criticar. Um interesse pelo 
Outro que não o leva em conta. 
- Esses relatos de viajantes dos séculos XVI e XVII ainda não eram Antropologia, 
mas já colocavam questões importantes que depois serão tratadas 
cientificamente. Por isso o autor chama esse momento como de constituição de 
um saber pré-antropológico (p. 53). 
- O que fica para nós: que a curiosidade sobre o Outro, sobre a diversidade 
cultural humana, pode partir de uma série de lugares e com uma série de 
propósitos. Pode-se olhar para o Outro com um olhar que o desumaniza, para se 
poder se colocar como avatar do Humano; pode-se olhar para o Outro 
reconhecendo que ele também é humano, mas com uma humanidade pela 
metade, inferior, menor; Pode-se olhar para o Outro para justificar uma série de 
ações sobre eles, julgando intervenções em seu cotidiano como necessárias ao 
seu bem-estar, desconsiderando que ele possa ter concepções diferentes da 
nossa a respeito do que é bem-estar (colonialismo, catequese, conversões 
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religiosas, conversões culturais); Mas pode-se olhar para o Outro a fim de 
compreender quais os sentidos que ele próprio constrói sobre si. Pode-se olhar 
para o Outro a fim de desexotizá-lo, a partir de um exercício de interpretação e de 
compreensão mais alargado; Pode-se olhar para as diferenças culturais pela 
importância que elas trazem na constatação de que uma mesma espécie possa 
construir sobre o mundo interpretações as mais diversas e igualmente válidas. 
Pode-se aproveitar esse conhecimento acerca do Outro para colocar em xeque, 
ou se questionar, a respeito de nossas próprias verdades, daquilo que 
consideramos como dado, como natural, como “sempre foi assim”. Esses 
exercícios outros sobre o Outro é que dão base à Antropologia e constituem sua 
força motriz principal.

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