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31/08 Anatomia Patológica I 1. Reparo tecidual É o processo de cura que ocorre nas lesões teciduais que se acompanham de morte celular e/ou destruição da matriz extracelular (MEC). A forma de reparo pode ser variada. 1.1 Tipos de reparo a) Regeneração: é a substituição de tecido lesado por outro semelhante ao que sofreu a injúria, seja com células estromais ou parenquimatosas b) Cicatrização: é a substituição do tecido lesado por deposição de tecido conjuntivo, havendo formação de uma cicatriz. Não necessariamente é uma fibrose. Geralmente quando se tem lesão se faz regeneração e também cicatrização, dependendo do tecido e da extensão da lesão é que vamos ver quem vai predominar 1.2 Crescimento fisiológico da célula Analisando-se o ciclo celular, o que determina se o tecido é capaz ou não de regenerar é a posição da célula em relação ao ciclo celular. Diante dessa posição, classificamos as células em 3 tipos, com passagem ou não pelas fases do ciclo celular, que é: Fase G0 – fase de quiescência (nessa fase a célula se encontra fora do ciclo celular) Fase G1 – fase de pré-sintese do DNA Fase S – fase de síntese do DNA Fase G2 – fase de pré-mitose Fase M – fase de mitose Entre as fases G1 e S e as fases G2 e M temos checkpoints, pontos de checagem aonde se evidencia se os processos que deveriam ter sido realizados na fase anterior foram realizados corretamente e só assim a célula tem autorização para prosseguir no ciclo De acordo com o comportamento da célula em relação ao ciclo, ela vai ou não ser capaz de regenerar. Dessa forma, a classificação das células em relação ao ciclo é: a) Células lábeis: Tecidos de renovação contínua, ou seja, NÃO é necessária lesão para que haja renovação, ela já ocorre naturalmente Ex: epitélio de superfície, mucosas, epitélio colunar e epitélio transicional, células da medula óssea e tecidos hematopoéticos. b) Células quiescentes (se encontram na fase G0) Possuem baixo nível de replicação. Só vão replicar mediante lesão tecidual. Por exemplo: uma pessoa que consome muito álcool faz lesão aguda do tecido hepático; o hepatócito que resistir a lesão vai ser acionado (por mediadores químicos) para entrar no ciclo celular e fazer replicação. Ex: hepatócitos, glandulas endócrinas, fibroblastos, células musculares lisas e células endoteliais, condrócitos c) Células permanentes Células que deixaram o ciclo celular, sem poder sofrer mitose na vida pós-natal Ex.: células nervosas, esqueléticas e musculares cardíacas. Como não se faz regeneração, se faz cicatriz; no cérebro, a cicatriz não é fibrótica: as células da glia vão se replicar e com seus prolongamentos vão fazer uma rede de cicatrização na área de lesão. 1.3 Controle da divisão celular São diversas as formas de controle: a) Ativação de um conjunto de genes para a transição celular da fase G0 para a G1 E qual a importância de passar do G1 para o G2? Por que depois que sai do G1 não se necessita mais de estímulos para seguir adiante, é automático. Ou seja, a partir do G1, se a célula completar a fase anterior de forma eficaz ela já passa automaticamente para a próxima, sem precisar de mediadores químicos ou outros genes para regulação (segue automaticamente desde que esteja sendo feito de forma correta, caso contrário é barrada nos checkpoints interfases) b) Ciclinas e cinases ciclina dependentes A entrada e progressão das células no ciclo celular, principalmente a transição da fase G1 para a S é controlada por alterações nos níveis e atividades das ciclinas. Elas atuam formando complexos com um grupo de enzimas chamadas cinases ciclina depentens e é esse complexo que se altera e vai permitindo que a célula passe de uma fase para a outra. c) Checkpoints entre as fases São as últimas “armas” para controlar a passagem no ciclo celular. Nesse momento há como verificar se todas as fases anteriores foram realizadas corretamente. Representa a segunda forma de regulação do ciclo celular e mantem um mecanismo de sobrevivência, dando a certeza de que as transições críticas ocorrem na ordem correta e eventos importantes são completados com fidelidade. 1.4 A matriz extracelular (MEC) A integridade da MEC é essencial para que haja regeneração dos tecidos. Mas afinal, quem é a matriz extracelular? A MEC preenche e sustenta as células e sem ela não haveria definição tecidual. Assim, quando se tem lesão mas se mantém a MEC, dá-se uma chance ao tecido para que ele consiga se regenerar, por que ela serve de arcabouço para que a célula que vai se regenerar consiga o fazer de forma correta. Ex.: Quem faz cirrose com inflamação crônica evolui para um reparo com fibrose (perda de função): na cirrose, não se observam mais lóbulos hepáticos e sim um nódulo de regeneração (não tem veia centrolobular, nem veia porta) uma vez que a MEC foi destruída pelo constante processo inflamatório; assim, quando se prolifera o tecido durante o reparo, se perde o direcionamento para remontar o arcabouço; por isso que o lóbulo hepático é perdido e se tem um nódulo de renegeração revolvido por fibrose, o que leva ao endurecimento do tecido, por que a regeneração está ocorrendo de forma exacerbada. A MEC é secretada localmente e consiste numa rede de macromoléculas que circundam as células, dando toda a arquitetura deste tecido. Quais os tipos de MEC que temos? a) Matriz Intersticial: é aquela que fica entre as células, preenchendo os espaços entre as células b) Membrana basal: é encontrada abaixo dos epitélios, delimitando-os. É muito importante na regeneração tecidual. c) Matriz provisória: é a primeira matriz que vai se depositar após a lesão celular. É de constituição semelhante a intersticial, mas é provisória, sendo depois substituída por elementos de matriz de forma definitiva. É importante por que é a primeira que vai conferir o 1º arcabouço celular Principais macromoléculas constituintes da MEC: Proteínas estruturais fibrosas (principalmente colágeno), glicoproteinas adesivas, gel de proteoglicanas e ácido hialurônico (responsável pela manutenção da hidratação da matriz, é quem retém a água dentro do tecido – turgor tecidual) O estado nutricional reflete diretamente na qualidade da MEC. 1.5 Crescimento compensatório É quando ocorre uma hiperplasia e hipertrofia das células hepáticas (por exemplo) em paciente que doou parte do fígado, levando a reconstituir a funcionalidade original do tecido. Não é chamado de regeneração por que não é uma regeneração propriamente dita do lobo que foi retirado e sim um crescimento do lobo que ficou 1.6 Reparo tecidual Se caracteriza pelas seguintes fases: Indução da inflamação pela injúria Migração e proliferação de células teciduais parenquimatosas e conjuntivas Formação de novos vasos Síntese das proteínas da MEC Remodelamento Contração da ferida Aquisição de força 1.6.1 Reparo por tecido conjuntivo Etapas: - Migração e proliferação de fibroblastos (que é uma célula quiescente) - Deposição de MEC - Remodelamento: o resultado do equilíbrio entre a síntese e a degradação da MEC é o remodelamento da estrutura do tecido conjuntivo (característica importante da inflamação crônica e reparo tecidual) 1.6.2 Tecido de granulação É um tecido caracterizado pela formação de pequenos e novos vasos sanguíneos (angiogênese) e proliferação de fibroblastos. É aquela ferida que tá quase fechada e muito vermelha (quase em carne viva: são os vasos + fibroblastos) Mas quem precisa acontecer primeiro? A formação dos vasos. E como é o vaso que se forma agora? É imaturo, com alta permeabilidade, levando a extravazamento de líquido e edema. Depois que chegam as células inflamatórias e os fibroblastos secretores de colágeno. Nessa segunda fase, quase não se vê mais edema e temos poucos vasos neoformados. Atenção! (caiu em prova já): A angiogênese é a neoformação de vasos a partir de outros pré-existentes, diferentemente da vasculogênese que é a formação de vasos a partir da nossa árvore vascular durante a vida intra-uterina 1.7 Cicatrização por 1ª intençãoO melhor exemplo que se tem deste tipo cicatricional é quando se faz uma ferida cirúrgica, por que é um procedimento estéril e a perda tecidual é mínima já que se faz de forma programada. Além disso, depois disso se faz uma sutura, aproximando as bordas da ferida. Assim...: Paciente fez uma biópsia na pele e suturou: No momento zero se forma, na área da lesão, um coágulo. Assim, temos plaquetas e fibrinas que vão chegar nessa área e formar um coágulo que vai preencher a área lesada. Algumas horas depois ocorre a formação da crosta, que é o coágulo desidratado. Durante 24h após a lesão tem uma célula que vai chegar em grande quantidade no processo de regeneração – o neutrófilo – que vai instalar uma inflamação aguda local. Também com 24h, aquela área da lesão começa a proliferar, com deposição de matriz da membrana basal e proliferação da camada basal (no epitélio). Com 3 dias, muda o padrão da inflamação: há presença maciça de macrófagos e começa a fazer o tecido de granulação, mas em pequena quantidade (com início de vasos neoformados e chegada de fibroblastos). Com 3 dias também já fecha a região mais basal do epitélio. Com 5 dias se chega no ápice do tecido de granulação, com muitos vasos no tecido. Com 5 dias também já temos deposição de colágeno, só que esse colágeno não faz o que se chama de cross-linking: ele está todo orientado de forma vertical e ainda não deu sustentanção nem força ao tecido. Com 2 semanas já se tem uma boa deposição de colágeno e também se tem uma redução desse tecido de granulação, com diminuição de edema e presença diminuída de células inflamatórias. Além disso, já se tem o cross-link do colágeno, com aquisição de força tecidual. Com 1 mês se tem a cicatriz formada: não se vê mais vascularização nem angiogênese, nem tecido de granulação, nem células inflamatórias e nem edema. Se vê somente a cicatriz de colágeno. Como estamos falando de pele, se tiver algum anexo ali ele vai ser substituído por fibrose. Assim, não se ve anexo, folículo, glândula sebácea, etc..) Resumo: Momento zero: formação do coágulo Horas: formação da crosta (coágulo desidratado) Primeiras 24hs: inflamação aguda local (mediada por neutrófilos) e proliferação da área da lesão, com deposição de matriz da membrana basal e proliferação da camada basal epitelial 3 dias: região mais basal do epitélio fechada. Presença maciça de macrófagos e início do tecido de granulação 5 dias: Tecido de granulação (+++) e deposição de colágeno SEM cross-linking 2 semanas: boa deposição de colágeno COM cross-linking. Redução do tecido de granulação e das células inflamatórias 1 mês: cicatriz formada (ausência de angiogênese, tecido de granulação, edema e células inflamatórias) 1.8 Cicatrização de 2ª intenção É aquela aonde o tecido sofreu grande perda tecidual. Se isso acontecer, a resposta inflamatória é mais intensa. Logo, teremos uma maior quantidade de tecido de granulação. É uma lesão que se tem perda tecidual alta e não se consegue aproximas as bordas – lesão ulcerada, p.e. – e ela vai cicatrizar aberta, por 2ª intenção. Nesse caso vai fazer também uma coisa que é mais comum e exacerbada nessa 2ª intenção, que é a contração da ferida: a borda da ferida literalmente tenta se aproximar. Isso é feito através dos miofibroblastos, que tem capacidade de contratilidade igual a uma célula muscular. Isso só é responsável por 5 a 10% da aproximação, é pouco mas vale a pena porque qualquer coisa que aproxima já ajuda no tecido de reparo. Essa contração é normal e agiliza o processo de reparo. (bom site pra estudar: http://www.misodor.com/CICATRIZACAO.html) Figura 1 - Esquemas da cicatrização por 1a e 2a intenção 1.9 Força da ferida A recuperação da força de tensão resulta do aumento da síntese de colágeno que excede a sua degradação durante os primeiros 2 meses e das modificações estruturais das fibras de colágeno. Fica próxima de 80% do que ela era antes. Assim, esse é o perigo de utilizar o mesmo acesso cirúrgico em pacientes (por que da próxima vez a ferida vai reter a força de 80% em cima dos 80% e não mais de 100%). Em tecidos fragilizados se usa uma tela de reforço, a fim de impedir que se faça num futuro uma hérnia, já que as forças de tensão estão comprometidas. 1.10 Fatores gerais que influenciam a cicatrização a) Nutrição A vitamina C (ácido ascórbico) é o substrato essencial para síntese de colágeno. Com isso vai melhorar muito a força de tensão do tecido se consumir essas substâncias. b) Estado metabólico Pacientes diabéticos, p.e., tem dificuldade em cicatrização c) Circulação Quanto mais a vascularização tecidual, melhor a cicatrização. d) Hormônios (glicocorticóides) Atrapalham o processo por dois motivos: - Diminuem a reação inflamatória, que é necessária para cicatrização - Atrapalham na síntese de colágeno. Mas é muito bom no tratamento de patologias de processo de cicatrização exacerbada, como o quelóide. 1.11 Fatores locais que influenciam a) Infecção ou corpo estranho Estimulam a resposta inflamatória e vai ter mais do que o necessário b) Fatores mecânicos - Tamanho, localização e tipo da ferida 1.12 Aspectos patológicos do reparo a) Formação deficiente da cicatriz - Deiscência de sutura: é quando a sutura abre, expondo a área de lesão - Ulceração: geralmente está muito associada a oxigenação e irrigação local b) Formação excessiva do reparo - Quelóide: é a cicatriz que se forma de forma sobrelevada. Nesse caso se tem uma deposição exacerbada de tecido conjuntivo e o quelóide não respeita a borda da ferida. Faz diagnóstico diferencial com cicatriz hipertrófica por que a cicatriz hipertrófica respeita o tamanho da borda, mas o tipo constitucional é o mesmo. O tratamento de quelóide é feito com corticóide, idealmente tópica ou por injeção local; se ainda estiver se desenvolvendo o quelóide a resposta vai ser melhor ainda. - Granulação exuberante: o tecido avermelhado fica sobrelevado e acaba não conseguindo fazer pele em cima. O tratamento é cirúrgico; tem que tirar e ver se vai depois cicatrizar corretamente. c) Contraturas É caracterizada pela contração exagerada da ferida. Acontece em grandes queimados; quando esse paciente faz o processo de cicatrização, geralmente a área de cicatrização fica distorcida, grande parte por contração exagerada. 1.13 Cicatrização e Fibrose A fibrose acontece quando a cicatrização é muito intensa e de repetição, geralmente quando o estímulo não é retirado, como acontece em uma pielonefrite crônica. Assim, a cicatrização é feita constantemente e acaba sendo feita de forma exacerbada e geralmente sem organização e com perda de função, aí acaba gerando uma fibrose. A cicatrização acaba sendo feita de forma difusa, sem programação; e aí altera a conformação daquele local/órgão lesionado.
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