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DESENVOLVIMENTO DE CARREIRAS NAS ORGANIZAÇÕES Mauro de Oliveira Magalhães Pedro F.Bendassolli Introdução.................; • • • ..•.•;...434 ; Osgrandes marcos históricos do estudo da carreira.... .........i..43'l • Carreira e trab8lho.V.™.i-....C.,.;..„....;; • • :435 Divisão e organ ização do trabalho e carreira ••• Carreira subjetivae papéis sociais.. , '"Significado de carreira: uma visão Integrativa ....438; • ; As t rans lo rmações do trabalho é a carreira • ••133 , Definindo carreira na atualidade 43S Novos.modelos de carreira , : • 440 ; Contratos psicológicos e comprometimento no trabalho ..........442 Contratos psicológicos. . ; : : . ! . . ..: ...^ ••• '•• • • '•• 443-; ; Sistemas de carreira.:......;...; : ..;.........445' Sistemas de carreira em t rans i ção .: : • '145' Sistemas de carreira e relações de trabalho : ;.. .' '45,; ' Sistemas de carreira: alividades e p rá t i cas : ., 451. " . Ativid^des.de planejamento e gestão dc carreira '. • ................458 .Considerações finais 459.: : duestões para discussão .......460: " " . l i 437 -^^^ • . 1 • 434 Borges 4 Mourão (orgs.) INTRODUÇÃO Se você é estudante, é provável que uma de suas grandes preocupações seja seu futuro profissional. Onde trabalhar ou em qual área profissional focar esforços são apenas um pequeno exemplo de questionamentos que podem surgir à medida que a formação universitária encaminha-se para o final. Sa- bemos qu£ o começo de uma carreira nem sempre é algo previsível e que, na maioria dos casos, é recomendável desenvolver es- tratégias específicas para atingir metas de vida. Além disso, depois de obter seu pri- meiro emprego como profissional, outras questões surgem pelo caminho: o tempo de permanência na organização atual, as mu- danças de área profissional, a busca ou não de especializações e/ou aperfeiçoamentos, a satisfação com o salário, entre outras de- cisões que tendem a se repetir ao longo de uma vida de trabalho. Há também questões relacionadas à vida pessoal, as quais exer- cem pressão sobre a carreira-por exemplo, a decisão de constituir família e seus impac- tos sobre o trabalho e vice-versa. Independentemente do momento atual 'da vida, é quase certo que questões relacio- nadas à carreira farão parte do conjunto de preocupações ou interesses de um indivíduo. Da mesma forma, carreira é um tema im- portajite também para as organizações. De fato, estas últimas precisam, a cada momen- to, tomar decisões relacionadas à carreira de seus membros, pois isso tem influência sobre o desempenho geral deles, bem como sobre sua saúde e seu bem-estar. Essas decisões versam sobre processos de treinamento e desenvolvimento, avaliação de desempenho, contratação e demissão, em suma, atividadcs com impacto importante sobre a carreira desses profissionais. Neste capítulo, discutimos o lema das carreiras profissionais. Inleressa-nos entender como carreiras são construídas. suas possíveis definições c como podem ser geridas pelos próprios profissionais e pelas organizações na atuahdade. Inicialmente, discutimos qual a relação entre carreira e trabalho, trazendo a contribuição de auto- res clássicos que fundara o campo de estu-. dos das carreiras. Em seguida, revisamos os principais modelos de carreira disponíveis na literatura da Psicologia Organizacional e do Trabalho e da Admini.stração. Neste capitulo, nosso interesse é apresentar um conceito contemporâneo de carreira, o qual contemple as transformações profundas em nossa experiência com o trabalho nas últi- mas décadas. Dando continuidade, aborda- mos o conceito de contrato psicológico e mostramos sua relação com o tema da car- reira. Esses contratos referem-se às expec- tativas que os indivíduos têm ao trabalhar, servindo de indicador para pensarmos em uma gestão de carreira que melhor atenda aos desejos dos indivíduos e aos resultados esperados pelas organizações. Por fim, apre- sentamos as atividades de desenvolvimento de carreiras que podem ser delineadas em organizações de trabalho. Nesse ponto, nosso interesse é oferecer diretrizes para o desenho de sistemas de desenvolvimento de carreiras, incluindo a definição das respon- sabilidades dos diversos atores envolvidos. Ao final do capítulo, nossa expectativa é de que o leitor esteja em condições de dis- cutk- o significado de carreira, sua relação com a construção da identidade profissio- nal e as principais estratégias para seu de- senvolvimento no contexto da relação entre indivíduos e organizações. OS GRANDES MARCOS HISTÓRICOS DO ESTUDO DA CARREIRA A história do lermo "carreira" talvez seja tão antiga quanto o própr io trabalho, em- bora, ao longo do tempo, seus significados O trabalho eas organizações 435 tenham variado e ela tenha assumido di- ferentes configurações. Nesta seção, nosso propósito é ampliar o foco a fim de consi- derar a carreira na perspectiva do trabalho. Qual a relação deste últ imo com a carreira? Quais foram as primeiras configurações as- sumidas pela carreira ao longo da história do trabalho? Quais são os grandes marcos que fundaram o estudo e a pesquisa sobre esse tema? Uma reflexão sobre tais questões é importante para nossa compreensão so- bre o significado de carreira na atualidade. Carreira e trabalho o trabalho é uma atividade central na ex- periência do ser humano com o mundo. É importante tanto no plano objetivo como no subjetivo. No primeiro caso, o trabalho é nossa principal fonte de sobre\'ivência, tanto pessoal como da espécie. Já sua im- portância subjetiva diz respeito à capacida- de dc produzir significados. Podemos também pensar o trabalho como uma atividade multidirecionada. Em primeiro lugar, quando trabalhamos, nós o fazemos em relação a uma matéria, a qual pode ser tanto física (p. ex., o ouro na mão de um ourives) quanto abstrata (p. ex., pes- soas que trabalham com informações em um programa de computador). Essa maté- ria deve ser "trabalhada" para que assuma alguma forma socialmente relevante (p. ex., um anel^de ouro ou uma noticia). Nesse sentido, o trabalho é uma ação realizada pelo indivíduo sobre a matéria, cuja forma não estava na matéria, mas sim na imagina- ção do trabalhador. Outro direcionamento do trabalho são as pessoas com as quais trabalhamos ou, em sentido mais amplo, aquelas que são afetadas pelo nosso trabalho. Quer dizer, quando trabalhamos, nós o fazemos com pares e superiores. Com eles, dividimos res- ponsabilidades, interligamos conhecimen- tos e compartilhamos experiências. Quanto mais complexo o trabalho, mais complexa, provavelmente, será a rede de relações e in- terações que formamos ao redor dele (ima- gine a complexidade para se construir um avião). Disso surge a necessidade de organi- zar o trabalho, de controlá-lo para que o es- forço conjunto resulte em uma ação efetiva de transformação da rcahdade ou produção de algo. Por fim, um terceiro direcionamento do trabalho envolve o próprio indivíduo que trabalha. Aqui pensamos os diversos significados que o trabalho possui para cada pessoa. Quando trabalhamos, buscamos al- cançar certos objetivos pessoais, satisfazer algumas neces.sidades ou pôr em ação nos- so desejo. Nesse nível, o trabalho faz parte da construção de nossa identidade, pois, ao mesmo tempo em que ele nos permite ter um lugar ou status social, ele também nos possibilita organizar nossas narrativas pessoais acerca de quem somos (p. ex., sou psicólogo, médico ou agricultor). É preci- samente nesse ponto que emerge a ideia de carreira, pois ela é, ao mesmo tempo, uma forma pessoal de construção de significa- dos na experiência de trabalho e também ummeio social de organizar esse trabalho. Vejamos melhor esse ponto. • Divisão e organização do trabalho e carreira Não podemos esquecer que o trabalho e, si- multaneamente, um fenómeno social e pes- soal. No que diz respeito à dimensão social do trabalho, os aspectos mais relevantes a considerar são sua divisão, sua organização e seu controle. Em outrai palavras, o tra- balho é uma instituição social que assume determinadas formas, dependendo do mo- mento histórico. Que formas são essas? 43S Borges 4 Mourão (orgs.) Um salto ao passado nos leva às cor- porações de oficio, entre os séculos XI e X I I I . Al i havia divisão c controle social do trabalho em que se começa a vislumbrar vestígios do que conhecemos como carrei- ra, pois existia um mestre (detentor do sa- ber sobre o ofício) e um aprendiz - cuja ex- pectativa era de tornar-se mestre no futuro. O regime institucional cm que o trabalho desenvpl\fia-se era a família, dc modo que as "oficinas" localizavam-se nas casas dos artesãos. Dando mais um salto no tempo, des- .sa vez para a emergência da sociedade in- dustrial nos séculos XVI I I e XIX, podemos ver uma forma nova e dominante de divi- são e controle social do trabalho. Nesta, o trabalho é institucionalizado em torno da fábrica e do operário. A industriaUzação desarticulou a organização tradicional ba- seada no trabalho artesanal c no artesão c promoveu um deslocamento do lugar e do significado do trabalho. Os primeiros mo- delos dc geslão que surgiram conjuntamen- te a e.sse na.';cimento das grandes fábricas, por exemplo, a Administração Científica, deram o compasso de como as tarefas de- -veriam ser realizadas e as relações entre as pessoas, controladas. .'\ operário, caberia a execução; ao administrador, o planejamen- to. Duas "carreiras" paralelas formaram-se e perpassaram o tempo, chegando até nossa época. As ciências sociais foram de fun- damental importância na teorização das transformações promovidas pela indus- trialização. Por exemplo, para Durkheini (1960), à medida que a sociedade tornava- -se mais industrializada, mais dependia de uma especialização funcional c técnica do trabalho. Isso tinha implicações decisivas sobre os vínculos e o contrato social. Em sociedades antigas, tais vínculos eram fun- damentados na proximidade e na tradição. Nas industriais, esse vínculo passou a de- pender basicamente da divisão do trabalho - relaciono-me com o padeiro porque ele me oferece o pão; com o médico, porque ele tem o conhecimento e os procedimen tos para livrar-me de uma doença; e assim por diante. Passamos a ser dependentes uns dos outros na medida em que não tínha- mos mais o controle total sobre o traba- lho. Durkheim (1960) mostrou ainda que essa dependência funcional repercutia na criação de normas e valores culturais, berti como em ocupações ou profissões - graças às quais os indivíduos encontravam seu lu- gar na estrutura social, seu significado e sua identidade. No que SC refere à história dos es- tudos sobre carreira, essa constatação de Durkheim é decisiva (Gunz; Peiperl, 2007). Primeiramente, porque esse sociólogo mos- trou que há uma relação intrínseca entre a formação de certos grupos sociais e a divi- são do trabalho, ou seja, as profissões sur- gem justamente como uma forma de orga- nizar o trabalho. Depois, porque essas mes- mas profissões permitem a seus membros adquirirem uma identidade social (como medico, engenheiro, operário, etc). As pro- fissões e as ocupações foram uma primeira configuração para o que entendemos hoje como carreira (Dubar; Tripier, 2005). As ocupações oferecem aos indivíduos uma trajetória, isto é, uma carreira - cujo signi- ficado é precisamente o de "estrada". Con- tudo, essa trajetória nunca é individual, já que ela depende de enquadres sócio-insfi- tucionais mais amplos (a divisão social do trabalho, o controle feito pelo Estado, ctc). Outra teorização decisiva foi propos- ta por Weber (1999): Esse sociólogo foi o primeiro a estudar a natureza burocrática da carreira. Uma grande preocupação de Weber era discutir a possibilidade de liber- dade para o indivíduo em uma sociedade cada vez mais burocrática. Ele entendia por burocracia um sistema de legitimação do O trabalho 8 as organizações 437 poder fundado na autoridade proveniente do conhecimento técnico, da eficiência c da rotinização. A burocracia é governada por regras, leis e procedimentos; do ponto de vista da organização, ela depende de espe- cialização do trabalho e da criação de uma hierarquia de comando. Carreira, nessa perspectiva, é uma trajetória determinada pela organização - que fixa o ritmo, os está- gios e as competências necessárias por par- te do indivíduo para ascender na hierarquia (em geral, verticalmente). A ideia comum de cargos interligados e regidos por uma "racionalidade instrumen- tal" (foco na eficiência e na eficácia dos pro- cedimentos) foi profunda e e.\cmplarmente analisada por Weber - criando, dessa forma, os primeiros pilares do campo de estudos das carreiras (Gunz; Pcipcil, 2007). Ilustra- tivo, nesse sentido, é o trabalho dc VvTiytc (1956), que, nos anos de 1960, criticou o que ele chamou dc "homem organização", um indivíduo obcecado pela ideia de ascen- são na carreira c pela devoção quase cega ^ organização. Whyte observou que os jovens de sua época não pareciam interessar-sc por uma vida autónoma c autodecidida, mas sim pelo caminho (carreira) oferecido pelas organizações (que, nessa visão, mais se pare- ciam com nm exército ou uma igreja). Carreira subjetiva e papéis sociais As obras \de Durkheim e Weber exerce- ram grande influência nos estudiosos das carreiras. E ainda dois outros autores, iim engenheiro e outro sociólogo, merecem ser destacados nesse campo dc estudos. O pri- meiro é Parsons (1939), considerado o pio- neiro da orientação vocacional, profi.ssional e de carreira. Suas ideias contrastam com a de outro importante autor, Hughes (19.17). Hughes (1937) estava interessado, as- sim, como Durkheim, nas consequências sociais da divisão do trabalho. Ele acredi- tava que as instituições sociais criavam as normas e impunham restrições que molda- vam o comportamento humano, mas que, ao mesmo tempo, o indivíduo poderia en- contrar algumas margens de manobra em relação a elas. Nesse sentido, e.sse autor c um. dos precursores da distinção conceitua! fei- ta entre "carreira objetiva" e "carreira subje- tiva". mais tarde verificada na produção de autores da Psicologia Organizacional e Vo- cacional (Hall, 1976; Savickas, 2001; Schein, 1978). A carreira objetiva refiete a sequên- cia das posições e dos papéis ocupados pelo indivíduo ao longo da vida de trabalho, ou seja, é definida a partir do conjunto de pres- crições objetivas dadas pela divisão técnica do trabalho e pela organização. Esses papéis ditam o sfntus social do indivíduo. Nesse contexto, há evidente ressonância das ideias dc Max Weber, notadamente sobre sistemas burocráticos. Em contrapartida, a carreira subjeti- va (ou "interna") refcre-se à interpretação pessoal dos papéis e das experiências de trabalho, ou seja. o significado que essas atividades adquirem para os trabalhadores. Nesse sentido, dcfine-se carreira como "[ . . . ] uma perspectiva dinâmica pela qual a pes- soa concebe sua vida como um conjunto e interpreta o significado de suas diversas ca- racterísticas, das açõcs e das coisas que lhe ocorrem" (Hughes, 1937, p. 409-410). Ins- pirada em uma perspectiva interacionista (Dubar; Tripier, 2005), essa abordagem, ex- põe a dimensão temporal da carreira, a ca- pacidade dc o sujeito interpretar suas pró- prias experiências c o efeito dosprocessos sociais. Essa definição dc carreira subjetiva vai de encontro às ideias de Parsons (1939), outro autor fi.indamcntal na fundação dos estudos sobre esse tema. Para ele, carreira está articulada a um papel. Para ocupá-lo, os indivíduos devem ser adequadamente 438 Borges S Mourão (orgs.) preparados, poLs cada papel exige certas motivações e habilidades. Toda a sociedade organiza-se em função de diferentes papéis interdependentes entre si, cada um deles determinando um lugar no sistema social. Em Parsons (1939), a dimensão subjeti- va do papel é menos pronunciada que em Hughes (1937), provavelmente em função da inclinação interacionista deste últ imo - em contraposição à inclinação funcionalis- ta do primeiro. Parsons (1939) influenciou autores da tradição psicológica dc estudo das carreiras. A ideia essencial era promover o "encontro" entre as características pessoais (p. ex., apti- dões) e as características da ocupação - ou do cargo, ambos vistos como um conjun- to de tarefas prescritas. Quer dizer, de um lado, o cargo ou a ocupação; de outro, o indivíduo e suas variáveis disposicionais (personalidade, interesses, aptidões, etc), ambos devendo ser equiparados. Isso deu origem a abordagens de carreira, tais como a "abordagem do ajuste" e da "escolha pro- fissional" (Dawis; Lofquist, 1984; HoUand, 1997; Schein, 1978). Nessa perspectiva, a carreira, tem um significado que se confun- fle com ocupação, cargo e papel, ao passo que em Hughes (1937), ela possuía também um sentido subjetivo, dizendo respeito ao modo como o indivíduo interpretava sua experiência com o trabalho. SIGNIFICADO DE CARREIRA: UMA VISÃO INTEGRATIVA Nesta seção, nosso objetivo é apresentar e discutir uma definição integrativa de car- reira que seja coerente com as profundas transformações pelas quais passou o traba- lho no Ocidente, e que também seja capaz de articular vários conceitos. Argumentamos que, a despeito daquelas transformações. o trabalho continua sendo uma dimensão central da experiência humana, e que as car- reiras têm um papel psicossocial decisivo ao funcionar como forma de mediação entre o trabalho como papel social e como vivência psicológica de construção de significados, de autodcsenvolvimento e autorrealização. As transformações do trabalho e a carreira É consenso na literatura académica, tanto da Psicologia Organizacional quanto da So- ciologia e da Administração, que o trabalho passou por grandes transformações nas úl- timas 4 a 5 décadas, em função, entre outros fatos, da globalização, das revoluções tec- nológicas e de fatores sócio-históricos mais amplos, como a migração da modernidade para a pós-modernidade (Beck, 1992; Chia, 1998; Giddens, 1991; Lash; Urr>'. 1994). Tais transformações podem ser cons- tatadas a partir de diversos indicadores. Por exemplo, o desarranjo de uma das princi- pais formas de organização do trabalho, o emprego industrial, o qual perdurou por quase dois séculos no Ocidente. Esse tipo de organização do trabalho possuía as se- guintes características: do ponto de vista da organização, consistia de um conjunto prescrito de tarefas a serem desenvolvidas ao longo do tempo, sem grandes varia- ções - tratava-se do cargo ou da ocupação (Inkson, 2007). Em lermos de mobilidade, ela ocorria pela migração do indivíduo de um cargo,'ocupação a outro em uma mesma família de cargos, pela ascensão vertical na hierarquia, ou por variáveis como tempo de empresa e experiência. O encarreiramento era dado pela organização, isto é, pelo sis- tema burocrático (no sentido weberiano). Do ponto de vista institucional, o em- prego dependia de a realização do trabalho ser feita na empresa ou organização. Havia, O trabalho e as organizações 439 portanto, uma dimensão formal do traba- lho, com fronteiras delimitadas - por exem- plo, trabalho e não trabalho; fronteiras ge- ográficas (não era comum as pessoas serem "expatriadas" para empresas em outros paí- ses); fronteiras ocupacionais (a mobilidade de trocar de área de atividade era baixa); fronteiras jurídicas (emprego como ativida- de regulada por um contrato mediado pelo Estado). Do ponto de vista educacional, o foco era a obtenção de qualificações, ou seja, conhecimentos, relativamente estáveis, que permitissem aos indivíduos ocuparem certo cargo e realizarem determinadas fun- ções. No regime do emprego, a carreira era mais uma propriedade dos sistemas (or- ganizações) e menos dos indivíduos. Além disso, o peso das estruturas sociais se fazia sentir na articulação de diversas instâncias institucionais - por exemplo, a escola pre- parava para o mercado de trabalho, no qual os estudantes teoricamente encontrariam um emprego coinpatível com a ocupação/ profissão que escolheram seguir. Por sua vez, a empresa absorvia a oferta de mão de obra, apoiada pela manutenção de um nível de consumo que justificasse a produção. E o Estado funcionava como um integrador social por meio do emprego (estando a ele associados direitos sociais fundamentais, como renda, saúde, educação, em uma pa- lavra, cidadania). As transformações pelas quais pas- sou a inài tuição trabalho desoi-ganizaram a maioria, se não todas, das características do emprego que acabamos de destacar. Para citar algumas das que mais abalaram as car- reiras, temos a desorganização do trabalho como um conjunto de papéis prescritos. Portanto, apesar de a divisão do trabalho ainda ser realizada com base na especiaU- zação técnica e funcional, a qual demanda certas tarefas prescritas, observamos um número crescente dc atividades, cujo con- teúdo não é atribuído pelas organizações, mas sim pelo próprio indivíduo. Outras transformações incluem a quebra de fron- teiras. Por exemplo, hoje um indivíduo pode trabalhar em qualquer país que dese- jar, desde que tenha os recursos para tanto. Da mesma forma, as carreiras não são mais "lineares" (Lichtenstein; Mendenhail, 2002) como elas eram no contexto do emprego. Isso ocorre porque a probabilidade de que um indivíduo passe a maior parte de sua vida (ou toda) em um mesmo emprego e empresa é baixa. É mais factível que mude frequentemente, ou por decisão própria, ou por força das circunstâncias. Hoje em dia, as carreiras não parecem ter mais a previsibi- lidade, a linearidade, o "encadeamento" que talvez tivessem no passado, quando a estru- tura dc cargos fixava os caminhos a priori. Os novos arranjos ocupacionais (chamados de "trabalhos não convencionais") ilustram bem esse ponto (GaUagher; Connelly, 2008). Esse cenário trouxe para o primeiro plano a dimensão subjetiva das carreiras. O enfraquecimento dos papéis ocupacio- nais deu margem à emergência da iniciativa pessoal, dos autoarranjos de carreira, dos valores pessoais, enfim, a outro posiciona- mento do indivíduo no campo do trabalho. Isso levanta a necessidade de uma dcitnição de carreira compatível com nosso novo mo- mento sócio-histórico. Definindo carreira na atualidade Carreira, tal como ela é entendida hoje, nao é simplesmente uma ocupação, um cargo ou uma fimção desempenhada por uma pessoa em uma organização formal de tra- balho. Ela envolve comportamentos, expec- tativas, necessidades, cognições e sentimen- tos de uma pessoa em um processo de au- todcsenvolvimento orientado por objetivos de vida e-trabalho, ambos mediados pelo 440 Porges & Mourão (or?s.) mercado (Creed; Hood, 2009). Portanto, a carreira é um construto multidimensionai influenciado por fatores de ordem psicoló- gica, social, económica e pelas circunstân- cias concretas vivcnciadas pelo indivíduo ao longo de seu ciclo de vida. Outra definição amplamente aceita na literaturada área é proposta por Arthur, Hall e Lawrence. Para esses autores, carrei- ra consiste na " [ . . . ] evolução das experiên- cias de trabalho de um indivíduo ao longo do tempo" (1989, p. 8). A palavra-chave aqui í experiência, sendo ela que interliga os vários pontos, momentos ou etapas da carreira de uma pessoa - e não o fato de ocupar-se um cargo em uma organização ou desempenhar um papel dc trabalho. Assim, carreira é a sequencia dos diversos papéis que o indivíduo assume ao longo de sua vida laboral. O significado de uma carreira depende, portanto, da capacidade do indivíduo em narrar os diversos fatos de sua vida de um modo que eles sejam harmonizados entre si. O trecho "evolução das experiências", na definição de Arthur, Hall e Lawrence (1989), denota que a carreira não é uma coi- 'sa momentânea, tampouco uma realidade estática. Pelo contrário, para entendermos uma carreira, temos de observar o que vem antes de cada experiência e de que modo esse passado relaciona-sc com o presente ou mesmo com o futuro. Já o trecho "expe- riências dc trabalho" sinaliza para uma am- pliação dc foco - ainda falamos de trabalho, mas não necessariamente de emprego, nem de trabalho remunerado. Quaisquer ativi- dades que implicam uma vivência subjetiva passam a ser importantes. Lsso quer dizer que mesmo um "trabalho como hobby" ou trabalho voluntário podem ser interessan- tes no desenvolvimento de uma carreira. Outro aspecto dessa definição é sua insistência para que a carreira subjetiva e a objetiva sejam interligadas entre si. Dessa forma, é imprudente afirmar que o único responsável pela carreira é o própr io indiví- duo, que deve mapear continuamente seus interesses, valores e autoconceito (identida- de) para fazer do mundo algo à sua imagem e semelhança. Ao contrário, não é igual- mente prudente diluir o indivíduo nas es- truturas sociais, na burocracia dos sistemas organizacionais, apagá-lo por detrás dos diversos papéis que desempenha. A todo o momento, na definição do que é carreira, é preciso reconhecer o intcrjogo entre os pa- péis sociais, ocupacionais ou profissionais dc uma pessoa e seu própr io autoconceito, valores, experiências pa.ssadas, recursos e planejamento para o futuro. A definição de carreira aqui apresen- tada deu ensejo, especialmente nas últimas duas décadas, a novos modelos de carreira na literatura científica da área. Há em co- mum, entre eles, a percepção das profundas transformações no mundo do trabalho, a crise das fronteiras tradicionais das carrei- ras (como o cargo, as ocupações, a organi- zação, os papeis atribuídos, etc), a impor- tância crescente dc o indivíduo assumir o controle sobre sua carreira e as mudanças nos contratos psicológicos e nas formas dc gestão das carreiras por indivíduos e orga- nizações na atualidade. Novos modelos de carreira o Quadro 15.1 apresenta cinco modelos de carreira encontrados especificamente na literatura de gestão (Inkson, 2007) . O primeiro é a carreira sem fronteiras; o se- gundo, "a carreira proteana; o terceiro, a craft career, o quarto, a carreira portfólio; e o quinto, o modelo da carreira multidire- cional. O interessante a obsen'ar é que esses cinco modelos têm mtiito mais pontos em comum do ciue diferenças, de m.odo que eles oferecem uma boa ilustração do estado O trabalho c as organizações 441 QUADRO 15.1 ^:/-.-'.;^V; Novos modelos de carreira encontrados na literatura científica da área . Proposições 1 Carreira sem fronteiras (Arthur, 1994; Arthur; Rousseau, 1996) • Pluralidade de contextos de trabalho; • • ^ í • • Declínio das carreiras organizacionais. , . . . . 'Xompeiiná3i;{krtow-wliy,know-howeknow-whoiv) , Carreira proteana (Hall, 1976,2002) • Mudança como um dado de realidade . . . • Variedade de experiências ' • Adaptabilidade e resiliêhcia • Identidade como ancora ^ ; ' •• . Craff career (Poehnell; Amundon; Reiíter, 2002) • Autonomia, criatividade, invenção e reinvenção do próprio trabalho • Sujeito 0 aíividatle como um único conjunto • ; • Trabalho e SCTsemaAmg Carreira portfólio (Borgen; Amundson; Reuter, 2001) • Diversificação da.í atividades profissionais • • ' Flexibilização das identidades pessoais • Múltiplas zonas de expeiiise individual Carreira multidirecional (Baruch, 2004, 2006) • Não linearidade das experiências de trabalho • Contrato psicológico transacional • Comprometimentos múltiplos Fonte: Os autores. atual de teorizações sobre carreiras. Veja- mos cada um a seguir. O modelo da carreira sem fronteiras é um dos mais citados na literatura da área. Em sua essência, ele mostra que houve, a partir dos anos de 1980, um declínio nas carreiras organizacionais (Arthur; Rousseau. 1996). Ao contrário do "homem organiza- ção", proposto por Vv^ l c (1956) , o sujeito da carreira sem fronteiras é alguém que não se dedica a uma única organização ao lon- go de sua vida de trabalho, mas transaciona com várias delas, até mesmo com diversas ocupações. Ao contrário das carreiras "tra- dicionais", baseadas no emprego c nos pa- péis atribuídos, a carreira sem fronteiras insiste na maior mobiUdade e flexibilidade nos novos arranjos dc trabalho - entre cies, o autoemprcgo, o emprego em tempo par- cial o tcletrabalho, o trabalho por projetos, os empregos temporários, entre outros. Uma carreira sem fronteiras, portan- to, não se confina a um único contexto de emprego, mas toma lugar em diversos cená- rios de trabalho, à medida que o indivíduo atravessa fronteiras e vence barreiras, tais como a da ocupação, a geográfica, a orga- nizacional, a da indústria (setor), a da vida pessoal-vida profissional e a psicológica (no sentido de não ter medo de mudar de traba- lho ou de possuir uma trajetória profissio- nal incerta). Outra ideia essencial é que o "novo carreirista" (Arthur, 1994) encontra cada vez mais facilidade para transcender essas e outras fronteiras e a determinar a própria direção de sua carreira como agen- te livre. Para tanto, ele deve desenvolver três tipos de competências (DeFilippi; Arthur, 1994); deve saber o porquê de suas escolhas, quais são seus valores e desejos (know-wlty); como fazer {know-how); e ter uma rede de contatos que o apoie {know-whom). 442 Borges & Mourão (orgs.) O segundo modelo, denominado de carreira proteana, defende a necessidade de autodirecionamento na carreira. Partin- do do pressuposto de que o ambiente aluai é dc incerteza e transformações, o único ponto de apoio que o indivíduo tem para orientar-se é sua própria identidade (Hall, 1975, 2002). Proteu era uma criatura grega do mar que podia mudar sua face como lhe conviesse. "Portanto, sugere-se a ideia de ver- satilidade e flexibilidade, e a capacidade dc o indivíduo mudar sua carreira conforme as circunstancias ou seus desejos pessoais o exigirem. Outro ponto essencial desse mo- delo é a ideia de que o condutor da carreira sempre c o indivíduo, nunca a organização. Já o modelo craft career utihza outra metáfora para falar de um tipo de car- reira encontrado na atualidade: a da arte (Poehnell; Amundson, 2002). Nas artes, uma obra é gerada graças ao esforço cria- tivo do artista-artesão, à sua expressivida- de e à capacidade de integrar técnicas com inspiração. De modo similar, os indivíduos devem tornar-se artesãos de suas próprias carreiras, as quais se asseinelham a obras de arte, especialmente por serem inacaba- das, sempre abertas ã invenção ou à trans- formação. O quarto modelo é a carreira portfó- lio. Essa carreira é descrita a partir da di- versificação das atividades profissionais de que é capaz o indivíduo - que não neces- sariamente tem um emprego,mas sim um conjunto de atividades fragmentadas (Bor- gen; Amundson; Reuter, 2004). Para cons- truir esse tipo de carreira, é preciso que o indivíduo desenvolva áreas de expertise di- versificadas. Na prática, isso significa que ele deve saber fazer várias coisas ao mesmo tempo, além de trabalhar em tempo parcial em cada uma delas. O modelo é coerente com uma época dé intensa descontinuidade nos trabalhos - por exemplo, trabalhos cm forma de projetos. Por úl t imo, temos o modelo da car- reira multidirecional. Ele é proposto por Baruch (2004, 2006), que o contrapõe às carreiras tradicionais. Enquanto estas são lineares, fixas a rotinas da organização e oferecem aos indivíduos uma única rota ascendente, as carreiras multidirecionais são flexíveis, dinâmicas e abertas a direções e possibihdades distintas e igualmente vá- lidas. Quer dizer, a carreira não tem uma meta externa, determinada pelos papéis ou pelas l\inções da estrutura da organização: ensaiando e errando, o indivíduo vai reven- do seus objetivos e alterando seu foco. Em síntese, esses modelos partilham de duas ideias centrais; uma, a respeito do sujeito; outra, sobre o significado do traba- lho. O primeiro é visto a partir de sua ca- pacidade de ser agente de sua própria vida. Não é um sujeito passivo que se limita a receber as instruções vindas do meio. Ao mesmo tempo, ele tampouco existe em um vácuo social. Trata-se de um sujeito que se apropria de significados em processos de interaçáo com outras pessoas e os sistemas sociais e institucionais nos quais está inseri- do. O trabalho deixa de ser visto exclusiva- mente como emprego e passa a ser conside- rado outra vez em sua dimensão existencial - ou seja, como atividade de transforma- ção da natureza, de si mesmo e de outras pessoas. A carreira, tal como definimos, é, então, uma forma de mediação entre o su- jeito, o trabalho e a sociedade. CONTRATOS PSICOLÓGICOSE COMPROMETIMENTO NO TRABALHO As mudanças no cenário do mundo do tra- balho exigem flexibilidade e agilidade nas respostas organizacionais às demandas de sua própria sobrevivência. Nesse sentido, níveis hierárquicos foram suprimidos e O trabalho p. as organizações 443 processos decisórios foram descentraliza- dos. Os trabalhadores passaram a ser valo- rizados por cjualidades como autonomia, iniciativa, criatividade e capacidade de tra- balho em equipe. As organizações inseridas nesse contexto reconheceram que o sucesso dos empreendimentos depende da atração, retenção e desenvoKdmento de uma força de trabalho qualificada e dedicada à apren- dizagem contínua. Portanto, a lógica de funcionamento dos projetos organizacionais contemporâne- os pressupõe a ação orquestrada de pessoas altamente comprometidas com o sucesso do empreendimento. Entretanto, o vínculo entre indivíduo e organização tem enfraque- cido pela pressão da lógica de mercado, que se revela em vários fatores, tais como a ten- dência ao trabalho temporário e contingente às necessidades empresariais, a multiplicação de tipos de contratos de trabalho, as incerte- zas e as demandas de adaptações e mudanças contínuas, a desconfiança e o ressentimento de traballtadores inseguros sobre os rumos da organização, a sobrecarga de trabalho, a busca de profissionais pelo equilíbrio entre trabalho e não trabalho, entre outros aspec- tos. Considerando essa situação, as organi- zações questionam-se sobre como fortalecer esse vínculo com os diversos segmentos de trabalhadores que compõem seus recursos humanos, e o interesse nas pesquisas acerca do contrato psicológico, da contratação de carreiras e do comprometimento está cres- cendo. Contratos psicológicos Os contratos psicológicos podem ser defi- nidos como o entendimento subjetivo do empregado sobre promessas de trocas recí- procas entre ele e a organização (Conway; Briner, 2005). Em outros termos, são as promessas não ditas, não escritas no con- trato de emprego, mas que definem expec- tativas sobre o que o empregador oferece ao empregado e o que ele entrega em retorno. Ora, percepções de promessas e expectati- vas podem ser confirmadas ou não. Quando expectativas são frustradas, ocorre a expe- riência de violação de contrato psicológico que, por sua vez, resulta em sentimentos de desconfiança, perdas em comprometimento e contribuição dos empregados e redução de investimentos da organização no desenvol- vintento da carreira dos traballiadores. Em contraste, a experiência de cumprimento de contrato psicológico aumenta a satisfação, o comprometimento e o desempenho (Rous- seau; McLean Parks, 1993). No tradicional contrato implícito de trabalho, em troca de lealdade, comprome- timento e níveis aceitáveis de desempenho, os empregados recebiam segurança, estabi- lidade, oportunidades periódicas de pro- moções, aumentos de salário anuais, inves- timentos em treinamento e recompensas, geralmente financeiras. No entanto, a nova lógica de mercado desestabilizou os princí- pios de reciprocidade e comprometimento de longo prazo e pôs em cheque as preocu- pações sobre equidade que os fundamenta- vam. As novas modahdades de articulação c vinculo entre trabalhadores e organiza- ções, tais como o trabalho terceirizado e as mudanças nas estruturas organizacionais {downsizing, redução de níveis hierárquicos e descentraUzação), pressionam por novos contratos psicológicos. As organizações não podem mais oferecer segurança no empre- go, e as promoções verticais são menos pro- váveis em estruturas horizontalizadas. Pesquisadores descreveram e catego- rizaram os contratos psicológicos vigentes nas relações de tr;ibalho, entre estes, os de- nominados transacional, relacional, equi- librado, idiossincrálico (Greenberg et al., 2004; Rousseau; Schalk, 2000; Slay; Taylor, 2007). Os contratos transacionais tendem a 444 Borges & Mourão íorgs.) ser de curlo prazo, era que serviços específi- cos são pagos ao empregado e termos como "confiança" e "comprometimento" não são priorizados. Em contraste, os contratos relacionais, tal como a sua denominação informa, envolvem aspectos relacionais de troca de benefícios não monetários, como lealdade, comprometimento, dedicação ao trabalho e reconhecimento do indivíduo; portanto, íendem a ser definidos em ter- mos mais abstratos e a durar mais tempo. O contrato transacional descreve mais o fra- casso da cooperação entre trabalhadores e organizações do que propriamente um con- trato. Nessa situação, as expectativas de am- bas as partes são negativas, e predominam sentimentos de insegurança e desconfiança. O trabalhador espera obter compensações cada vez menores pelo seu desempenho, c inseguro quanto às demandas da organiza- ção e percebe inconsistência nas intenções organizacionais. A empresa, por sua vez, desconfia e tende a esconder informação relevante dos trabalhadores, alêm disso ins- titui m.udanças que aumentam a carga de trabalho ou reduzem os salários c os benefí- cios dos empregados, piorando a qualidade dc vida no trabalho. Contratos equilibrados incluem pro- messas de risco compartilhado entre indi- viduo e organização. A empresa promete desenvolver o profissional e ele deve com- preender que condições económicas ins- táveis podem alterar o que a organização pode oferecer e entregar. Nesse tipo de contrato, profissionais são chamados a ter maior responsabilidade pela gestão e desen- volvimento de suas carreiras. Os termos de contratos equilibrados são continuamente renegociados em resposta a mudanças nas necessidades dc empresas e profissionais. Observamos que o contrato equilibrado re- sulta da conjugação de algumas facetas do contrato relacional, como a lealdade,o alto nívci de empenho e a identificação com a organização, com outras do contrato tran- sacional, como a remuneração em função do desempenho e a focalização nos resulta- dos organizacionais (Castanheira; Caetano, 1999). Greenberg e colaboradores (2004) pro- puseram o conceito de contratos idiossin- cráticos que ocorrem quando emprega- dores e empregados entram em acordos altamente personalizados em resposta a de- mandas críticas da organização por deter- minadas competências escassas no mercado de recursos humanos. A negociação é ba- seada no valor de mercado do profissional, relacionado a seu perfil único de competên cias. Esses empregados podem ser mais bem pagos do que seus colegas e receber ainda outros privilégios, o que pode gerar descon- forto relacionado à percepção de injustiça. Pesquisas informam que as oportuni- dades de desenvolvimento de carreira (DC) oferecidas por uma organização têm efeito crucial sobre a percepção dos empregados quanto à violação ou ao cumprimento de contratos psicológicos (Granrose; Bacci- 11, 2006; Lester; Kickul, 2001; Prince, 2005; Slay; Taylor, 2007; Sturges et al., 2005). Po- demos observar uma relação positiva en- tre o cumprimento de expectativas sobre oportunidades e atividades de DC e a satis- fação, o comprometimento, o desempenho e a retenção de empregados. Sendo assim, indivíduos e organizações devem negociar em termos de quais oportunidades de car- reira e atividades de desenvolvimento são oferecidas aos profissionais em troca de seu empenho na conquista das metas organiza- cionais. Ambas as partes devem ser capazes dc zelar para que a experiência de cumpri- mento de contrato psicológico seja mútua. Os tópicos seguintes apresentam os conceitos fundamentais que orientam o desenho de sistemas de carreira e como O trabalho e as organizações 445 eles podem oferecer alternativas dc com- patibilidade entre necessidades e projetos individuais e organizacionais para fins de cumprimento de contratos psicológicos, aumento do desempenho e satisfação nas trocas entre trabalhadores c organizações. SISTEMAS OE CARREIRA Sistemas de carreira em transição Uma combinação das ideias dc vários auto- res compõe a definição de sistema de carrei- ra como o conjunto organizado de políticas, prioridades e ações que empresas usam. para gerenciar o fluxo de seus membros para den- tro, por meio e para fora da organização ao longo do tempo (Sonnenfcld; Peiperl, 1988), incluindo a natureza das trocas entre a or- ganização e seus empregados (Slay; Taylor, 2007) e o equilíbrio acordado entre a satisfa- ção de necessidades individuais c organiza- cionais (Leibowitz; Farren; Kaye, 1988). Até há pouco tempo, ou mesmo ainda em muitas organizações brasileiras, o de- senvolvimento de carreiras era ba.sicamentc um processo guiado pelas gerências admi- nistrativas, sendo uma entre outras ferra- mentas utilizadas para reorganizar necessi- dades de força de trabalho, desenhar planos dc sucessão e desligar ou recolocar traba- lhadores. A participação dos funcionários nessas decisões era mínima. Apenas alguns grupos seletos de trabalhadores identifica- dos como talentos especiais, fiequentcmcn- te inseridos em programas de desenvolvi- mento gerencial de ascensão rápida, eram alvo de procedimentos mais personaliza- dos. Nessa visão tradicional, a mobihdade na carreira resumia-se a possibihdades de promoção vertical ou desligamento. Nas últimas décadas, organizações ex- postas à concorrência internacional, à rapi- dez da inovação e da difusão tecnológica e à ascensão da economia do conhecimento, entre outros fatores, perceberam a neces- sidade de comprometer seus empregados cora os resultados empresariais. Porém, nesse contexto de instabilidade no emprego e aumento de exigências de qualificação do trabalhador, uma nova mentalidade desen- volvcu-sc entre os profissionais. Eles estão agora preocupados com a gestão das pró- prias carreiras, cm busca de experiências de trabalho que tragam não somente recom- pensas financeiras e de status, mas, sobretu- do, que garantam a aquisição e/ou o aper- feiçoamento dc competências que elevem sua ernpregabilidade e valor profissional. Sendo assim, para acomodar necessidades individuais c organizacionais, o desenvolvi- mento da carreira tem adquirido as feições dc um processo negociado e compartilhado entre trabalhadores e empregadores. A mo- bilidade na carreira passa a incluir uma di- versidade de trajetórias possíveis c capazes de oferecer experiências que resultem em ganho pessoal e organizacional. Em contrapartida, esclarecemos que as organizações dc trabalho não forami to- das igualmente afetadas pelas mudanças sociais, económicas e tecnológicas das últi- mas décadas. Em setorcs da economia com ambiente tecnológico e de mercado mais estável e/ou de baka complexidade, pre- dominam organizações de estruturas mais burocratizadas, com muitos setores e níveis hierárquicos e pouca participação dos bai- xos escalões no processo decisório. Nessas organizações, suas estruturas e estratégias predominantes não demandam inovações na gestão de carreiras, que é realizada nos moldes tradicionais. Portanto, nesse con- texto, as carreiras tendem a ser vinculadas à estrutura de cargos, com pouca flexibihda- de de movimentos, sendo eles definidos de forma unilateral pelas gerências. 44 B Borges & Mourão (orgs.) Não obstante a existência de varia- ções, a literatura especializada reitera a constatação de que a estrutura verticalizada burocrática tradicional, na qual o planeja- mento de carreira de longo prazo é possível, está sendo gradualmente abandonada pelas organizações e também pelos indivíduos, que adotam outras visões de oportunida- des c trajetórias de carreira. Baruch (2003) considerou'que, em termos gerais, ocorreu a mudança do modelo de controle diretivo para o participativo de desenvolvimento de carreira. Na verdade, em uma mesma organi- zação, convivem atividades estruturadas de modos diversos, com taxas de conheci- mento diferenciadas, impactos estratégicos específicos e traços culturais particulares. Projetos organizacionais tentam harmoni- zar esses parâmetros para alcançar o melhor desempenho em determinado contcrto, combinando e desenvolvendo estruturas, políticas e práticas capazes de responder às demandas do negócio (Mintzberg, 2003). O mesmo podemos dizer, portanto, das poUticas e das práticas de gestão e desen- volvimento de pessoas, que devem ser dese- nhadas de modo a atender as necessidades dc uma força de trabalho heterogénea, que agrupa pessoas em lugares e papéis diferen- ciados na vida organizacional. Logo, observamos a necessidade dc novos conceitos e modelos capazes de orientar pesquisadores e práticos no desen- volvimento de sistemas de carreira adequa- dos a diferentes realidades organizacionais. Inúmeras atividades de desenvolvimento de carreira podem ser aplicadas pelas organi- zações. No entanto, são necessárias diretri- zes para a integração sistémica dessas ativi- dades, para que estejam sintonizadas com as características de diversos segmentos da força de trabalho, j jermancçam articuladas aos demais sistemas de pessoal e sejam ade- quadas à estratégia e à cultura organizacio- nal (Baruch, 2003). Sistemas de carreira e relações de trabaitio Embora o discurso corrente das lideranças organizacionais proclame que as pessoas são seu mais importante recurso, o suces- so dos empreendimentos encontra-se na dependência crescente de um número cada vez maior de trabalhadores externos, tem- porários e contingentes. Essa pulverização de tipos de vínculos entre profissionais e organizações vem ao encontroda necessi- dade dc flexibihdade e agilidade na adap- tação a mudanças e na redução de custos. Contudo, um dos desafios fundamentais das organizações contemporâneas é articu- lar e desenvolver um conjunto complexo de competências ou recursos, que, por sua vez, estão cada vez mais associados às espe- cificidades de seu capital humano. Portan- to, perguntamos como é possível adquirir, desenvolver e manter um conjunto especí- fico de competências essenciais (técnicas e sociais) quando o número de empregados permanentes é drasticamente reduzido ou substituído. .Assim, organizações deparam- -se com a necessidade de equilibrar o com- prometimento com seus empregados e a manutenção de sua flexibilidade (Kulkarni; Ramamoorthy, 2005). Porém, as pesquisas e o debate sobre o impacto de contratos temporários na satisfação e no desempenho de trabalha- dores não apresentam resultados conclusi- vos. Fuchs (2001) defende que qualidades de coesão e sinergia nos relacionamentos nas redes dc trabalho emergem somente quando os trabalhadores partem de uma experiência de cstabihdade e lealdade de longo prazo no relacionamento com seus O trabalho e as organizações 44? empregadores. O autor argumenta que re- lações de emprego dirigidas pelo mercado (geralmente temporárias e de curto prazo) tendem a destruir essas qualidades e, por- tanto, são incapazes de sustentar vantagens competitivas baseadas no conhecimento tá- cito e intangível do coletivo de trabalhado- res. Isaksson (2006) realizou uma pesquisa de larga escala em sete países da Europa e surpreendeu-se, por um lado, ao constatar que trabalhadores em em^pregos permanen- tes revelaram níveis de satisfação e bem-es- tar inferiores aos de engajados em contratos temporários, embora ambas as categorias de trabalhadores apresentem bons níveis dc satisfação. Por outro lado, encontrou evi- dências importantes de que a maioria dos empregados temporários deseja mais segu- rança no emprego, sendo essa modahdade de contrato a preferida por poucos. Entre as conclusões da pesquisa, está a recomen- dação de diferentes formas de tratamento para trabalhadores permanentes e tempo- rários, considerando as particularidades de SC as contratos psicológicos. Em suma, a literatura especializada salienta o seguinte argumento: a diversida- de das relações empregatícias existente nas organizações requer que o sistema de car- reira também se diversifique para dar o tra- tamento adequado a cada uma dessas situa- ções. Sendo assim, a adequação das práticas de gestão aos diversos segmentos da força de trabalho exige um modelo que caracte- rize as diferentes possibihdades de relacio- namento e cooperação entre profissionais e organização. A literatura tem, oferecido alguns mo- delos orientadores da composição de siste- mas de carreira. Entre esses modelos estão a tipologia de resposta estratégica de Son- ncnfeld e Peiperl (1988) e a arquitetura de recursos humanos de Lepak e Snell (1999). Este último tem apresentado maior suporte empírico, de acordo com a revisão realizada por Slay e Taylor (2007), razão pela qual ê abordado neste capítulo. Lepak e Snell (1999) propuseram que as práticas de gestão de pessoas e carreiras devem ser específicas ao tipo de contribui- ção esperada de categorias diferentes de trabalhadores. O modelo afirma que a es- colha dessas práticas deve resultar da con- sideração de dois fatores: valor e singulari- dade do capital humano. O valor é definido como a razão entre benefícios estratégicos derivados das habilidades do profissional e o custo associado. Habilidades de valor es- tratégico são aquelas com impacto direto e únportante na criação de valor para o clien- te. A singularidade é definida como o quan- to um indivíduo tem habilidades relevantes para a organização e que não estão dispo- níveis no mercado de recursos humanos. O modelo sugere que alguns segmentos da força de trabalho são mais instrumen- tais para a vantagem competitiva do que outros. E, sendo assim, recomenda que as estratégias de gestão de pessoas reconhe- çam e atendam a essas variações em vez de buscar-se uma única fórmula geral (Lepak; Snell, 1999). Essas duas dimensões cornbinam-se cm quatro modalidades de emprego de recursos humanos: desenvolvimento in- terno, aquisição, aliança e contrato. Profis- sionais com competências altamente sin- gulares e também de valor elevado devem ser objeto do desenvolvimento interno. Nessa modalidade, são aplicadas práticas de DC que proporcionam comprom.eti- mento, motivação, desenvolvimento e au- tonomia, A relação de emprego é baseada na organização, e as práticas de recursos humanos estão centradas no comprome- timento. Portanto, atividades de treina- mento, desenvolvimento de competências e planejamento de carreira são oferecidas 448 Borges & Mourão (orgs.) cm troca de comipromctimcnto, lealdade e flexibilidade desses profissionais no aten- dimento das metas organizacionais. O tipo de contrato psicológico mais próximo des- sa modalidade í o relacional (Slay; Taylor, ZOO'), no qual os profissionais são encora- jados a aprender e dominar competências específicas do negócio c a compensação é vinculada ao desempenho. Lepal( e Snell (1999, p. 37) recomen- dam " [ . . . ] p.^ -ogramas dc desenvolviínento de carreira e mentoring para encorajar es- ses empiregados a construir conhecimento idiossincrático". As práticas são consisten- tes com o que tem sido denominado de sistemas de trabalho de alto desempenho (Huselid, 199S; Lawlcr; Mohrman; Ledford, 1995). Assim, a esses profissionais devem ser facilitados todos os tipos de mobil i- dade de carreira para que possam elevar o grau de complexidade c abrangência dc suas contribuições (Conway; Briner, 2005). Schein (1973) descreveu três tipos dc mobi- hdade de carreira: a) intfral, que ocorre entre diferentes áreas e fitnçõcs e resulta em desenvolvimento de competências; b) Vertical, que significa ascensão na hierar- quia organizacional; e c) Radial, que se refere á aquisição de in - fiuência em processos de tomada de de- cisão do denominado "círculo de poder" da organização. Slay e Taylor (2007) acreditam que, c|uando a organização supera suas promes- sas cm termos de mobihdade de carreira, os trabalhadores vivenciam um forte sen- timento de cumprimento de contrato psi- cológico e apresentam níveis elevados de satisfação e comprometimento. A modalidade de emprego denomina- da de aquisição é destinada a profissionais com alto valor estratégico, mas dc menor singularidade, o que significa que estão am- plam.ente disponíveis no mercado. Portanto, a organização prefere o suprimento externo desses profissionais em vez de preocupar-se em desenvolvê-los internamente. A moda- lidade dc aquisição busca estabelecer um relacionamento em que ambas as partes reconhecem benefícios miátuos, e o vínculo perdura enquanto essa mutualidade man- tém-se. Embora alguma lealdade por parte do em.prcgado seja esperada, sabemos que é temporária. Esses profissionais são m.enos comprometidos com a organização e mais centrados em suas carreiras, abertos a opor- tunidades externas de melhor compensação de suas habilidades e experiência. Sendo as- sim, nessa modalidade de emprego, a orga- nização tende a contratar profissionais que já tenham as habilidades necessárias para fazer contribuições imediatas, e, portanto, não requerem grandes investimentos cm termos de treinamento e desenvolvimento (T&D) de longo prazo. Logo, os emprega- dores estão dispostos a pagar salários capa- zes de atrair profissionais experientes em vez de investir em capacitação. Mas, de qualquer forma, atividades de orientação e socializa-ção inicial são adequadas para garantir que esses profissionais possam dar suas contri- buições o mais rápido possível. Slay e Taylor (2007) consideram que o contrato psico- lógico de tipo equilibrado é o que melhor descreve essa reiação na qual o investimento da organização no desenvolvimento de car- reira é hmitado, assim como o comprome- timento do profissional. Não obstante, os autores acreditam, que proporcionar mobi- lidade lateral e radial a esses profissionais é uma estratégia produtiva para desenvolver suas capacidades técnicas e sociais de con- tribuição por meio da melhor compreensão dos processos organizacionais de criação de valor Desse modo, ao constatar o forta- lecimento de sua emprcgabilidade e.xterna, esses indivíduos observam os benefícios de O trabalho c as organÍ73Ções 449 sua lealdade à organização e percebem um cumprimento de alto nível de contrato psi- cológico equilibrado, aumentando a satisfa- ção, a cidadania organizacional e o desem- penho (Slay; Taylor, 2007). A modalidade denominada filiiji!(:£i é utilizada com profissionais que têm perfil de competências raro no mercado de trabalho (singularidade elevada), mas que não ofere- cem uma proporção favorável entre os be- nefícios estratégicos derivados de suas habi- lidades e o custo de seus serviços. Es.sa rela- ção de emprego foi descrita como parceria, caracterizada por confiança e investimento mútuo direcionado ao aproveitamento de talentos e aprendizagens oportunizados por um vínculo que pode ser estável, mas de tempo parcial, com colaboradores exter- nos. O contrato psicológico mais próximo dessa shuação é o idiossincrático, em que os incentivos recebidos pelo profissional de- pendem da raridade das contribuições que oferece. Essa modalidade proporciona flexi- bihdade à organização, que obtém o benefí- cio de competências únicas sem o custo da internalização de capital humano que não apresenta vantagem competitiva. Em con- trapartida, a singularidade da contribuição oferecida requer um nível de comprometi- mento pertinente a uma relação de parce- ria. Por exemplo, relações de consultoria ex- terna podem ser consolidadas c contínuas, e, nela.s, a organização promove condições para o profissional envolvcr-se e compre- ender as clemandas do empreendimento a ponto de oferecer sua melhor contribuição. Nesse sentido, Slay c Taylor (2007) re- comendam, assim como na modahdade de aquisição, que práticas de carreira ofereçam mobilidade lateral e radial para esses pro- fissionais. Os autores consideram que essa mobilidade proporciona oportunid:KÍes de desenvolvimento de competências específi- cas para a organização e agregam valor ao indivíduo. Desse modo, fortalece o com- prometimento e a experiência de cumpri- mento de contrato psicológico idiossincrá- tico. Sendo assim, o estilo de gestão é deno- minado colaboralivo, cm que a mobilidade interna do profissional cria situações de Iranslcréncia mútua dc conhecimento entre o empregado e a organização. Avaliações e compensações com base no desempenho de equipes podem ser utilizadas para desenvol- ver e integrar aspectos de interdependência, confiança e colaboração (Quinn; Anderson; Finkelstein, 1996). Por fim, a modalidade denominada contrato é utilizada com trabalhadores que têm competências baixas em singularidade e valor para a organização. As relações de traballio tendem a ser dc terccirização ou de emprego temporário. Os sistemas de gestão desses profissionais possuem um caráter dc monitoração e controle, para assegurar a conformidade a padrões de desempenho c resultado. Portanto, a gestão de pessoas é centrada na conformidade a termos, con- dições c padrões preestabelecidos. Assim como no modelo de aquisição, há pouco investimento em DC, pois a organização deseja manter a flexibihdade de contrata- ção desses empregados de acordo com as dcmanrlas situacionais de mercado, man- tendo custos reduzidos. Sendo assim, a rela- ção de emprego é denominada transacional e focada no aspecto económico do contrato (Chow; Huang; Liu, 2008). O contrato psi- cológico de tipo transacional é claramente o mais próximo desse tipo de relação dc emprego. Contudo, a falta de investimento nesse segmento de trabalhadores pode sig- nificar sobrecarga para os empregados mais permanentes, tais como os mseridos nas modalidades dc desenvolvimento interno. Estes últimos acabam por despender tempo treinando e supervisionando o trabalho de empregados temporários, o que pode gerar problemas de relacionamento (Broschak; Davis-Blacke, 2006). 450 Borges & Mourão (orgs.) Nesse sentido, Slay e Taylor (2007) sugerem que empregados na modalidade contrato que apresentarem competências de valor estratégico devem ser expostos à mobilidade radial, de modo gradativo, a fim de receberem informação apropriada e alavancar sua contribuição. Para os autores, esse movimento radial mostra o reconheci- mento e o respeito pelo colaborador externo que, ao perceber a superação das expectati- vas de seu contrato psicológico transacional, api'esenta níveis mais elevados de satisfação, comprometimento e desempenho. Ainda sobre os trabalhadores na mo- dalidade contrato, muitos estão em ativida- des de contato direto e regular com clientes da organização, tais como recepcionistas, telefonistas, funcionários de call centers, se- cretários, bancários, entre outros. Jackson e Sirianni (2009) argumentam que o compor- tamento desses empregados exerce impacto crítico na satisfação de clientes, e que sua falta de comprometimento ou insatisfação no trabalho pode resultar em desatenção às necessidades de clientes e prejuízo relevante para o negócio. Portanto, os autores alertam que, ein vez de serem tratados como custos a controlar e serem desvalorizados em seu potencial de desenvolvimento e contribui- ção, esses trabalhadores devem ser uma das principais preocupações de seus emprega- dores. Pesquisas revelam que, quando esses empregados sentem-se valorizados e perce- bem apoio organizacional para o desenvol- vimento de suas carreiras, tendem a receber melhores avaliações de clientes, que relatam melhor qualidade do serviço oferecido (Bu- ford, 2006; Hartline; Ferrell, 1996). Nesse sentido, Jackson e Sirianni (2009) defendem que programas de desenvolvi- mento de carreira devem oferecer oportu- nidades de empowerment aos empregados, o que significa'aumentar sua autonomia dando-lhes maior controle sobre eventos, resultados e recursos importantes para sua atividade. Esse processo aumenta as possi- bilidades de os trabalhadores oferecerem soluções imediatas para problemas trazi- dos por chentes, o que está relacionado ao melhor desempenho dos funcionários de empresas de serviços (Ellinger; Elmadag, Ellingcr, 2007). Práticas de gestão de pessoas focadas no comprometimento também se mostra- ram as mais vantajosas em um estudo em larga escala com empresas chinesas rea- lizado por Chow, Huang e Liu (2008). Os autores observaram que essas práticas ob- tiveram um efeito positivo sobre resultados organizacionais em termos de crescimento no mercado, produtividade, qualidade e serviço. As práticas focadas na conformi- dade mostraram efeito negativo nesses in- dicadores, e aquelas focadas na colaboração surtiram efeito positivo, porém pouco sig- nificativo. Os autores, amparados por seus resultados e os de outros estudos revisados; concluem que sistemas de gestão de pessoas focados no comprometimento são uma for- ma efetiva de criar vantagem competitiva e fortalecer o desempenho organizacional em economias emergentes. Esses resultados vão ao encontro de autores mais voltados para a intervenção e consultoria (p. ex.,Simonsen, 1997), que apregoam programas de DC di- recionados ao comprometimento de toda a força de trabalho, em um processo de iden- tificação, desenvolvimento e apUcação de competências em sintonia com necessida- des presentes e futuras. Relatos de experiên- cia informam e defendem o sucesso desses programas (Cope, 1998; Martin, 1998). Portanto, embora modelos como o de Lepak e Snell (1999) sejam úteis no enten- dimento dos diversos dilemas e das situa- ções com que o profissional de gestão de carreiras se depara no momento de decidir suas láticas de trabalho, observamos que não há ainda um consenso na literatura da área sobre as práticas mais adequadas O trabalho e as organizações 451 para categorias diferentes de empregados de uma organização, e se essa diferenciação é apropriada. Por fim, a literatura converge ao recomendar que trabalhadores e organi- zações negociem condições de trabalho que possibilitem experiências satisfatórias de cumprimento de contratos psicológicos a fim de gerar satisfação, comprometimento e desempenho elevados. Sistemas de carrei- ra devem propiciar esse diálogo de forma transparente c efetiva para ambas as partes. Sistemas de carreira: atividades e práticas O DC nas organizações deve ter um caráter sistémico e flexível, sendo visto como parte integrante da estratégia organizacional de longo prazo, com programas e atividades conectadas às metas empresariais. Além disso, melhores resultados são alcançados quando o sistema é um programa contínuo e integrado às práticas e aos valores fun- damentais da organização (Cohn; Khura- na; Reeves, 2005; Leibowitz; Farren; Kaye, 1988; Simonsen, 1997). O processo de DC nas organizações apresenta duas facetas interligadas: as ativi- dades do indivíduo, que precisa planejar o alcance de objetivos profissionais e de satis- fação pessoal, e as atividades da organiza- ção, que deve avaliar, orientar, desenvolver e movimentar pessoas para atenderem às necessidades empresariais presentes e futu- ras. As atividades individuais são mais fre- quentemente denominadas planejamento de carreira, e as organizacionais são inclu- ídas no termo gestão de carreira. O plane- jamento de carreira individual é o processo deliberado de: a) tornar-se consciente de si mesmo, opor- tunidades, restrições, escolhas e conse- quências; b) identificar metas relacionadas à carreir;i; c c) programar o trabalho, a educação e ou- tras experiências de desenvolvimento para prover a direção, o ri tmo e a sequ- ência de passos para alcançar metas de carreira. , • , , . A gestão de carreira é um processo contínuo de preparar, implementar e mo- nitorar planos de carreira de trabalhadores (Gutteridge, 1986; Simonsen, 1997). Essas duas facetas do desenvolvimen- to de carreira são complementares e mu- tuamente reforçadoras. Se os trabalhado- res dão pouca atenção à tarefa de planejar seu próprio desenvolvimento, não estão prontos para responder às oportunidades oferecidas nas atividades de gestão de car- reira. Da mesma forma, o planejamento de carreira não é efetivo sem o acesso a infor- mações e orientações sobre possibilidades de desenvolvimento pessoal e de carreira na organização. Por fim, a conexão entre essas facetas ocorre por meio de processos que viabilizem a negociação de necessidades in- dividuais e organizacionais. Considerando esses três conjuntos de atividades (plane- jamento, gestão e negociação de carreira), Gutteridge (1986) cita os elementos que de- vem ser incorporados em qualquer sistema compreensivo de DC, a saber: a) Dados de autoavahação individual (inte- resses, valores, competências, etc). b) Informações da organização sobre opor- tunidades de carreira e respectivas com- petências requeridas, necessidades proje- tadas de pessoal, valores organizacionais e disponibilidade de ferramentas de planejamento e gestão de carreira. c) Sistemas que disponibilizem informações da organização para os indivíduos c deles para a organização. d) Sistemas que garantam diálogo e feedback entre indivíduo e organização, de modo a 452 Borgís & Mourão (orgs.) permitir a negociação entre necessidades pessoais e organizacionais, e) Sistemas de desenvolvimento que ofere- çam oportunidades para o trabalhador obter crescimento pessoal e profissional em sintonia com sua estratégia de carreira individual. A seguir, são examinados os papéis de trnbalhádAres, gestores c lideranças organi- zacionais no funcionamento adequado de sistemas dc desenvolvimento de carreiras. O pape! do trabalhador Os profissionais tèm responsabilidade fundamental no desenvolvimento de suas carreiras. Em tempos passados, poderiam evadir dessa tarefa se não estivessem inte- ressados em novas aprendizagens, desafios ou promoções. Em ambientes dinâmicos, essa não é mais uma opção de longo prazo. Porém, o planejamento de carreira está lon- ge de ser um hábito em nossa cultura. Os trabalhadores ainda estão frequentemente presos i uma mentahdade de depeitdência das decisões de escalões superiores e pas- sivos diante de contingências am.bientais. Portanto, no nível do indivíduo, o primeiro passo é reconhecer a necessidade de geren- ciar ativamente a própria carreira. E, a se- guir, percorrer as etapas básicas de reflexão e planejamento de carreira, a saber: avalia- ção, exploração de alternativas, definição de metas e realização de plano de carreira. Essas etapas foram descritas por autores como Knowdell (1996), London e Mone (1987) e ainda podem ser complementadas por outras atividades, tais como o feedback de colegas e super-visores sobre autopercep- çõcs, alternativas de carreira pertinentes, adequação de metas e qualidade do plane- jamento. Salientamos que, no desenvolvi- mento das atividades pertinentes às citadas etapas, é fundamental o acompanhamento c o apoio de gestores, especialistas em ges- tão de pessoas e carreiras o alta gerência da organização. A etapa de avaliação é o fundamento que permite a aquisição de clareza dc oh- """ jetivos e comprometimento com um plano de ação. O processo de autoavahação inclui um conjunto dc atividades de autoconhe- cimento (técnicas e testes psicológicos) que estimulam o indivíduo a eliciar e organizar autopercepções relevantes para decisões de " carreira, tais como seus valores de carreira, interesses ocupacionais e habilidades moti- vadoras (Magalhães, 2011). Também pode incluir a avaUação de traços de personalida- de e estilo interpessoal (Magalhães, 2006), com o assessoramento de psicólogos espe- cialistas em avaliação de carreira. Lock e Hogan (2000) propuseram que a avaliação de carreira deve incluir aspectos relacionados ao desempenho e a satisfação " no trabalho, os quais são classificados em quatro focos: adequação técnica, adequação pessoal, adequação gerencial e adequação organizacional. A adequação técnica é a mais comum e inclui o exame de interesses, habihdadcs, aptidões e conhecimento. O objetivo é obter um entendimento do que uma pessoa gosta de fazer e o quão bem desempenhará essa tarefa. A adequação pessoal é avaliada por medidas da persona- lidade normal e informa sobre como uma pessoa irá se comportar no local de traba- lho, sua motivação, o quão bem irá relacio- nar-se com colegas, sua capacidade de lidar com o estresse e o quanto deseja aprender e expandir sua.s competências além de seus limites atuais. A relação entre avaliação da personalidade e desempenho tem se mos- trado forte e consistente (Barrick; Mount, 1991; Hogan; Holland, 2003). A avaliação da adequação gerencial tem crescido con- forme as organizações tentam encontrar e desenvolver novos talentos para ocupar po- otrabalho e as organizações 453 sições de liderança, tendo em vista necessi- dades oriundas da expansão organizacional ou da saída de hderanças que se aposen- tam. Destacamos que essa avaliação deve ser combinada com medidas de adequa- ção técnica e pessoal, a fira dc prover uma visão compreensiva das possibilidades de desenvolvimento de carreira do indiví- duo. Por fi.m, a adequação organizacional refere-se ao exame da compatibilidade de valores e estilo de profissionais c organiza- ções. As conexões entre valores comparti- lhados, desempenho, satisfação e retenção de empregados estão bem documentados na Uteratura (Euwema; Wendt; Eramerik, 2007). Essa avaliação inclui os denomina- dos comportamentos de cidadania organi- zacional, também associados ao desempe- nho (Borman; Motowidlo, 1993; Deckop; Mangel; Cirka, 1999). As categorias de avaliação propostas por Lock e Hogan (2000) salientam, tal como referido anteriormente, que o desem- penho do papel de trabalho está contextua- lizado em uma teia de relações formais e informais do ambiente organizacional. Por- tanto, além da autoavahação, é igualmente importante incluir na avaliação de carreira as percepções de colegas c supervisores. O conhecimento da reputação do profissional era termos técnicos e sociais na organização é de importância cruciiil para a definição de metas dc desenvolvimento. Jones e Cooke (1998) incluíram uma etapa de feedback em .seu modelo de cinco passos para desenvol- vimento de carreira. Essa etapa, subsequen- te à autoavahação, pode ser orientada por um instrumento de feedback no qual cole- gas, supervisores, chentes internos c exter- nos provêem percepções dc comportamen- tos e competências, auxihando na definição de ponios fortes e áreas a serem melhora- das. Magalhães (2010) oferece um exemplo de foriTjulário às feedback que pode ser uti- lizado como referência. Em algumas organizações, há rotinas de avaliação de desempenho que podem ser incorporadas ao processo de autoavahação de carreira. Nesse sentido, Simonsen (1997) recomenda <iue profissionais conectem a avaliação do desempenho presente com uma visão de fiituro, construindo com- petências para demandas atuais e futuras. Nesse processo, é essencial a participação de supervisores e gerentes, pois estão em posi- ção que permite auxihar seus subordinados a conectarem o desempenho atual com o desenvolvimento futuro. Simonsen (1997) esclarece que gestão ' de desempenho e gestão de carreira são pro- cessos distintos, mas acredita que um pro- cesso de gestão proativa do desempenho, que inclua discussões de feedback e planejamento entre empregados e gerentes, é um ponto de partida para o planejamento de carreira. Para Kidd, Jackson e Hirsh (2003), a avaliação de desempenho tende a ser um processo tenso c não prover o foco adequado para questões de desenvolvimento. Os autores também consideram, contudo, que se houver tempo e interesse, o feedback sobre desempenho pode ser uma oportunidade importante para esta- belecer um diálogo continuado e produtivo sobre planos de desenvolvimento. A tarefa de exploração envolve conhe- cer melhor o que a organização e o contexto mais amplo do mundo do trabalho apre- sentam como possibihdades c alternativas dc desenvolvimento da carreira. Essa ativi- dade deve ser apoiada com informações or- ganizacionais relevantes, tais como as melas de médio c longo prazo, as competências associadas a inovações tecnológicas futuras, necessidades de pessoal nas diversas áreas c linhas previstas de crescimento do negócio. Devem ser oferecidos todos os dados que possam, impactar sobre as carreiras c as es- colhas dos envolvidos. E as intervenções de desenvolvimento de carreira devem promo- ver e exercitar nos trabalhadores a utiliza- 454 Borges & Moiirào (orgs.) çâo estratégica desses dados na definição de metas e planos de carreira. Após processos de avaliação e da am- pla exploração de alternativas de carreira, é esperado que o trabalhador defina um foco ou uma meta para seu desenvolvimento profissional. Considerando a redução das oportunidades de promoção vertical, reco- mendaiTiqs que os empregados sejam enco- rajados a definir critérios mais pessoais de sucesso na carreira, a adotar uma menta- hdade mais boundaryless (sem fronteiras), evitando o uso de descrições de cargo nesse processo. Portanto, os trabalhadores devem ser estimulados a examinar alternativas de carreira associadas à mobilidade lateral e radial, que resultem em aprendizagem, sa- tisfação pessoal e emprcgabilidade. Nesse sentido, devem ser orientados e informados sobre atividades e metas de carreira que po- dem funcionar como etapas na caminhada para o alcance de metas de longo prazo, por exemplo, ampliação da posição de trabalho atual por meio da assunção de responsabi- Hdades adicionais, rotação ou transferência para outra atividade a fim dc ampliar expe- •íriéncias e perspectivas, substituição de co- legas ausentes - em férias, licenças, viagens, etc. - para desenvolver novas competências e demonstrar capacidades, entre outras. Os profissionais podem comunicar suas metas a quaisquer pessoas que possam auxiliá-los a concretizá-las. Isso significa que as discus- sões sobre carreira não devem ser restritas à gerência imediata, mas incluir t ambém os colegas, os gerentes de outras áreas de in- teresse, os mentores e, talvez, o cônjuge e outros indivíduos significativos que possam ser afetados por suas decisões. A pesquisa de Kidd, Jackson e Hirsh (2003) revelou que empregados obtêm benefícios dessas discussões, tais .como aquisição de maior autoconsciência, facilitação do planejamen- to e impactos emocionais motivadores do desempenho e do comprometimento. O papel dos gestores Schein (1978) já havia sugerido que a im- plementação de programas de desenvolvi- mento de carreira depende do esforço e do • comprometimento de supervisores. Pesqm- • sadores e práticos na área de carreiras re- comendam as organizações a atentar para o papel de gestores/supervisores no desen- volvimento e na retenção de empregados (Granrose; Baccili, 2006; Kidd; Smewing, 2001; Simonsen, 1997). Granrose e Baccili^' (2006, p. 180) concluíram que " | . . . ] se esses gestores são encorajados e recompensados por oferecer apoio ao desenvolvimento de carreira e um local de trabalho adequado às expectativas de suas equipes, podem auxi- liar a organização na superação de tempos difíceis". Os resultados da pesquisa também revelaram que o comportamento de geren- tes/supervisores pode suavizar o impacto de violações organizacionais moderadas" de contrato p.sicológico nos empregados. A pesquisa de Rowold e Kauffeld (2009) apontou que organizações interessadas em desenvolver competências técnicas e/ou sociais de seus empregados devem prestar atenção a atividades informais de aprendi- zagem relacionadas à carreira (atribuições desafiadoras, debates com colegas, leituras) e destacou que esse processo pode ser cata- lisado por supervisores treinados para apU- car ferramentas pertinentes. O papel dos gestores/supervisores diante do planejamento de carreira de seus subordinados inclui catahsar reflexões so- bre a carreira, avaliar o realismo de metas e as necessidades de desenvolvimento per- cebidas pelos subordinados, aconselhar na confecção de um plano de desenvolvimento mutuamente acordado e monitorar e atua- lizar a execução desse planejamento. Além disso, gerentes e supervisores devem ser ca- pazes de traduzir as diretrizes estratégicas da organização cm relação ao impacto nas O trabalho e as organizações 455 carreiras de seus subordinados. Simonsen, Kusser e Bennett (1998)
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