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Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia Laboratório Didático - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________ 1 ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS – FFLCH / USP As diferentes nuances da violência na televisão: o caráter social da violência. Aluno: Nelson Ramos de Oliveira 2º semestre/2012 INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é propor ao professor de Sociologia do Ensino Médio uma alternativa à sua reflexão sobre a percepção da violência na televisão brasileira, procurando apontar sua permanente transformação seja em aspectos ligados a imagens, conteúdos, programas e formas de veiculação. Estas transformações verificadas proporcionaram uma reordenação na criação de subjetividades, e uma consequente ressignificação da noção de violência, dando a ela uma dimensão superior àquela com a qual nos deparamos em nosso cotidiano. Na atual configuração das relações de produção, isto é, no presente estágio do capitalismo, a televisão “produz” entretenimento e nós o consumimos a fim de satisfazer nossas “necessidades”. Em meio a esta configuração a violência tornou-se um dos produtos prediletos da televisão na “briga” pela audiência, o que obrigou especialistas de diversas áreas a trabalharem-na nos mesmos moldes de um produto industrializado. Como produto construído e consumido pelos homens, a violência tornou-se objeto de estudo da sociologia sendo, dessa forma, uma instituição pertencente ao mundo social, através do qual agimos e nos relacionamos, sempre condicionados por elemento culturais que contribuem na configuração de uma estrutura simbólica capaz de dar significação ao ambiente em que vivemos. Nesse sentido é preciso pensar não mais em violência, mas em “violências”, pois quando a consideramos como subproduto de ações que se desenvolveram no mundo social, seja através do Estado ou por meio de indivíduos no decorrer da história, temos de levar em conta a peculiaridade que a mesma assumirá tanto quando é realizada por diferentes homens – uma vez que cada ação ganha particularidade pelo fato de que as vivências são únicas e internalizadas individualmente – quando por homens em diferentes culturas e em diferentes momentos. É, entretanto, necessário pensá-la nas suas mais diversas formas de se manifestar e de reconfigurar nossas estruturas cognitivas, atendendo a interesses de grupos e agindo conforme as dinâmicas e os anseios da vida social. Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia Laboratório Didático - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________ 2 A partir desta perspectiva, quando se pensa em “banalização da violência” emitida pela televisão brasileira nas últimas décadas, precisamos compreender os processos que constituíram o conceito de banalização, isto é, temos que considerar o caráter social que a violência possui e tentar entender como os conteúdos que hoje adentram os lares do Brasil ganharam, paulatinamente, aceitação do público ou são visto atualmente com indiferença, insensibilidade, ou seja, passaram por um processo de “naturalização”. VIOLÊNCIA NA ÉPOCA DA TELEVISÃO A mentalidade ancorada em uma economia exclusivamente agrária havia tempos deixara de existir. As bases fundacionais que viriam estruturar uma sociedade industrial já tinham sido estabelecidas por Getúlio Vargas e seriam continuadas, ainda que em moldes transnacionais, por Juscelino Kubitscheck. Nesse contexto é inaugurada no Brasil a televisão, que se consolidaria dentro de algumas décadas, no mais importante veículo de comunicação de massas. O ano de 1954 é para os brasileiros a data inaugural daquilo que se transformaria em tempos num veículo de comunicação revolucionário, um meio de comunicação de massas, isto é, naquele que ditaria um novo ordenamento no campo das relações sociais, atingindo simultaneamente milhões de pessoas. Dessa forma, pensarmos a programação que a televisão nos oferece é estar ciente de que novas formas de socialização irão compor nossas experiências pessoais, mesmo sabendo que não estamos vivenciando-as na prática, ou seja, na relação direta com as pessoas. Uma pesquisa1 realizada no ano de 1999 por Nanci Cardia comprovou o intenso uso da televisão por pessoas nas mais diferentes faixas etárias. Enquanto dois terços delas ficavam em frente à televisão por cerca de 3 horas, os outros dois terços permaneciam atentos em torno de 4 a 6 horas. (CARDIA, 1999, p.2). Nesse sentido temos de considerar o fenômeno televisivo como sendo de extrema importância na criação de subjetividades e na construção significações, pois através das informações, imagens, mensagens ou comportamentos apresentados nos diferentes 1 O survey no qual se baseia esse trabalho abrangeu 10 capitais brasileiras: Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Belém, Manaus, Porto Velho, e Goiânia. Foram entrevistadas 1600 pessoas com 16 anos ou mais, com diferentes graus de escolaridade e condições econômicas. A esses entrevistados foi aplicado um questionário com perguntas fechadas (escalas de atitudes) e algumas perguntas abertas. Os dados foram coletados entre fins de março e começo de abril de 1999 e permitiram vários cruzamentos: por faixa etária, por sexo, por grau de escolaridade, religião, tipo de renda familiar, tempo de moradia na cidade e (se migrante) estado de origem, e raça. Para fins desse trabalho os resultados estão sendo apresentados privilegiando-se os cruzamentos por faixa etária, pois as diferenças entre faixas etárias aparentam ser as mais relevantes e dado que os tratamentos estatísticos mais refinados ainda estão em curso. Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia Laboratório Didático - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________ 3 programas veiculados, os telespectadores estarão sujeitos a uma nova forma de socialização. Além disso, as particularidades de cada sociedade mostram-se de reveladoras quando queremos interpretar os objetivos perante os quais a violência é veiculada. Aquilo que, em dado momento, numa dada sociedade, é considerado como violência varia segundo a natureza da sociedade considerada, configurando a realidade empírica da violência como um fenômeno polissêmico e plural. A rigor não faz sentido falarmos em violência no singular, já que estamos confrontados com manifestações plurais de violência, realidade que remete à necessidade de pensar a violência a partir de suas relações com a cultura. (PORTO, 2002, p.153). A partir destas considerações, precisamos situar a violência como produto de destaque no interior da programação disponibilizada pela televisão, salientando a relevância do ambiente histórico-cultural sob o qual esta se desenvolverá. A VIOLÊNCIA ENQUANTO PRODUTO Quando percebemos a violência enquanto elemento constitutivo da sociedade e queremos demostrar que sua existência é condicionada por ações, relações e por instituições que permeiam o mundo social, ou seja, que sua transformação é oriunda da construção social partilhada por e entre estes agentes, precisamos nos concentrarna interpretação dos processos históricos, culturais e econômicos, através dos quais este elemento ganhou, paulatinamente, a atual configuração. É importante lembrar que, ao considerarmos a violência como subproduto de ações que se desenvolveram no mundo social, temos de levar em conta a peculiaridade que a mesma assumirá tanto quando é realizada por diferentes homens – uma vez que cada ação ganha particularidade pelo fato de que as vivências são únicas e internalizadas individualmente – quando por homens em diferentes culturas, ou ainda e, principalmente, quando produzida em larga escala, por determinados grupos pertencentes a setores dominantes da sociedade. Com o surgimento da televisão como veículo de comunicação de massas, houve, nesse sentido, uma homogeneização na forma de percepção da violência. Aconteceu uma espécie de padronização da forma de percepção do mundo que nos cerca, uma vez que as experiências que eram vividas pessoalmente por cada indivíduo nas suas relações cotidianas passaram a ser selecionadas e codificadas por este aparelho – controlado por um Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia Laboratório Didático - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________ 4 grupo de pessoas que certamente possui interesses - e difundidas para milhões de lares em todo o mundo. Nesse sentido, precisamos entender o aparecimento da televisão como veículo de massas subjacente à atual configuração do capitalismo. A lógica de sua programação será mediada por regras de mercado presentes em todos os setores sociais. A visão dos fatos daqueles que a assiste, estará constantemente condicionada pelos interesses daqueles que a produzem. Os juízos de valores que emitimos quando diante dos fatos do cotidiano, estariam tendo alguma contribuição, em seu processo de constituição, daquilo que a televisão nos apresenta diariamente. Em seu trabalho “Os impactos da exposição à violência: aceitação da violência ou horror continuado? O caso de São Paulo.”, desenvolvido no Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), Nancy Cardia, com base na pesquisa citada anteriormente, observa que: Há, com maior frequência, indignação contra o crescimento de delitos violentos contra a propriedade do que com o crescimento dos crimes contra a vida que vitimam, em sua grande maioria, jovens do sexo masculino, moradores dos bairros mais pobres. Essa ausência de indignação pode ser consequência de vários fatores: pode indicar a existência de uma normalização ou aceitação da violência interpessoal desde que praticada contra o que se imagina sejam determinados "tipos de pessoas", ou para resolver determinados tipos de disputa, por exemplo, do tráfico de drogas. (CARDIA, 1999, p.2). Refletindo sobre a citação presente na pesquisa de Nancy Cardia, podemos perceber que grande parte da programação dos telejornais que cobrem fatos ligados à violência, possui, como pano de fundo, o problema das drogas ou problemas relacionados a crimes contra a propriedade privada e, normalmente, estão associados, na grande maioria das vezes, a culpabilização de jovens pobres, do sexo masculino, negros, moradores das periferias e subúrbio das grandes cidades, aparecendo quase sempre como inimigos maiores da sociedade e das “pessoas de bem”, responsáveis pela violência que assola estas grandes cidades. Vemos normalmente, seguidos das cenas de violência apresentadas por este tipo de programa, discursos revoltados de jornalistas solicitando às autoridades públicas mais rigor na aplicação das leis, uma reformulação no código penal ou mesmo a implantação da pena de morte. Depreendemos nas entrelinhas a presença da luta de classes e as desigualdades reinantes na estrutura da sociedade capitalista. Enquanto de um lado há uma maior aceitação da violência quando esta é praticada contra pobres, sobretudo contra os negros, por outro lado, não se tolera crimes contra a propriedade privada. Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia Laboratório Didático - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________ 5 Com isso, internalizamos os exemplos e passamos a valorizar e a justificar, em alguma medida, crimes contra a propriedade privada, mesmo que tenhamos a vida como a “única propriedade”. Surge a configuração de estereótipos e a ratificação de preconceitos construídos a partir das escolhas feitas pelos responsáveis pela programação. As cenas que vivenciamos apenas no sofá de nossas casas fazem com que suspeitemos de qualquer pessoa que nos pareça estranha. Todavia, como revelou a pesquisa citada, pessoas “perigosas” tem cor, gênero, idade, pertence à determinada classe social. Além da culpabilização das camadas economicamente menos favorecidas pela existência da violência na sociedade, há ainda, consequentemente, indícios de que a representação da violência pela televisão tenha contribuído bastante para o aumento da indústria de segurança. A quantidade de empresas particulares especializadas em segurança cresceu vertiginosamente nos últimos anos. De acordo com o Departamento de Polícia Federal, entre os anos de 1998 e 2004 o número de vigilantes cadastrados multiplicou-se por quatro, saltando de 280.193 para os atuais 1.148.568.2 A violência tal como é retratada desenvolve uma sensação de medo na sociedade influenciando no aumento do consumo de produtos para evitá-la. Com base em uma pesquisa realizada por André Zanetic, podemos perceber através da tabela abaixo, como se relaciona o investimento em recursos de segurança e medo da violência. Os dados apresentados mostra-nos forte incidência entre as variáveis, investimento em recursos de segurança e medo da violência. De acordo com o autor, Ao cruzarmos a variável medo da violência com a propensão em investir recursos em recursos de proteção, além de encontrarmos a associação 2 Departamento de Polícia Federal – Relatório 2004 (disponível em http://www.dpf.gov.br). Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia Laboratório Didático - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________ 6 esperada entre percepção da violência e investimento em segurança, observamos que quanto maior a intensidade do medo, maior à propensão dos indivíduos em realizar tais investimentos tende a aumentar. (...) tal efeito não se presencia apenas na presença direta do crime, mas também pela ampla exposição da população a forte presença da violência e do crime nos diversos meios de comunicação, seja nos jornais, no rádio e na TV, assim como na conversa diária entre os cidadãos, em que o tema está cada vez mais presente. (ZANETIC, 2005, p.37-38). A violência retratada na televisão é assistida por pessoas de diversas partes do país produzindo, praticamente, a mesma sensação de medo na maior parte das pessoas. Entretanto, sabemos que as realidadessociais vivenciadas nas diferentes partes do país são bastante peculiares. Em um artigo escrito por Nara Magalhães (2009), no qual a autora procura abordar a multiplicidade de significados da violência apontada pelos estudiosos, e compará-los com estudos empíricos realizados numa uma cidade de médio porte do interior do Estado do Rio Grande do Sul, a pesquisadora oferece-nos um bom exemplo que relaciona sensação de medo com investimento em recursos de segurança. Na pesquisa, a autora se surpreende ao saber que moradores desta cidade pequena cidade do Rio Grande do Sul demonstravam preocupações e temores, no tocante à violência, muito semelhantes àqueles vistos em habitantes de grandes cidades brasileiras - que possuem altos índices de violência -, bem como aspiravam morar em residência que apresentavam padrão elevado de segurança. Ao realizar pesquisas nos registros das delegacias, analisando boletins de ocorrência, em jornais e rádios locais, a autora pode perceber que os crimes violentos e à mão armada eram bem mais raros. Segundo a autora, os registros analisados, Não apresentavam relatos significativos que ajudassem a explicar a percepção de “cidade violenta” expressa pelos moradores. Nos jornais locais, as notícias da coluna policial eram, em sua maioria, sobre pequenos furtos: roubos de som de carros cuja garagem ficara aberta (e carro idem); de roupas de varal e tênis em pátios de casas; de carteiras em painel de carro aberto na rua, etc. (MAGALHÃES, 2009, p. 328). Como pode perceber a autora no decorrer da pesquisa e, com base naquilo que era noticiado diariamente pela televisão local (desta pequena cidade), o desespero com o excesso de violência revelado pelos moradores e o sonho de ter uma moradia cada vez mais cercada de muros e grades, pouco tinha a ver com a experiência por eles vivida no cotidiano desta cidade, estando ligados muito mais a “um imaginário resultante da interpretação realizada sobre a abordagem televisiva.” (MAGALHÃES, 2009, p.326). Todavia, embora não neguemos a existência da violência no “mundo real”, temos de salientar que toda essa produção no sentido da dramatização e espetacularização de suas Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia Laboratório Didático - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________ 7 imagens, assim como o agrupamento em um “mesmo pacote” dos crimes mais violentos, e aos insistentes apelos sensacionalistas para garantir picos de audiência só contribuem para ludibriar ou confundir a percepção que as pessoas tem do grau de violência na sociedade, aumentando significativamente a indústria da segurança. Ao nos depararmos com a existência de comerciais de empresas que comercializam acessórios para segurança nos intervalos de programas jornalísticos reconhecidos como sensacionalista, (Cidade Alerta e Brasil Urgente, principalmente) precisamos nos questionar sobre o impacto que a violência veiculada pela televisão tem na ressignificação de nossa percepção e, de que forma isto produz consequências no nosso consumo. RESSIGNIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONSTRUÍDA NA TELA Atualmente, a televisão atinge quase que cem por cento dos lares brasileiros (fonte IBGE). Nesse sentido, por estar em contato com milhões de brasileiros diariamente, podemos considerá-la como um veículo importante na construção de nossas subjetividades. Como um dos principais produtos pertencente à grade de sua programação, certamente dos que mais atrai audiência, a violência é noticiada diariamente e, através da televisão, veiculada para todo o país agindo com indiferença às particularidades de cada estado, cidade ou bairro. Dessa forma, ao falarmos em massificação deste veículo, precisamos estar cientes de que, ao assistirem a programação televisiva, as pessoas passaram a partilhar, de certa forma, as mesmas imagens, sons, mensagens e significações que, consequentemente contribuem para uma internalização mais homogênea mesmo que estas pessoas que vivenciam diferentes realidades. A percepção que tínhamos da violência antes de sua massificação era condicionada, sobretudo a partir das experiências pelas quais passávamos em nossas vidas, no nosso dia- a-dia. Constituíamos nossos valores e, fundamentávamos nossa reflexão sobre a violência com base em experiências bastante particulares. Para Maria Rita Kehl, “o processo de privatização das questões coletivas é estimulado pela televisão” (KEHL, 1996). Em seu texto, Mériti de Souza argumenta que, “as experiências relacionadas ao espaço coletivo encontram-se cada vez mais restritas, (...) de que o sujeito participa do mundo público e das mais variadas situações reproduzidas no seu instrumento midiático.” (SOUZA, 2003, p. 85). Ainda numa reflexão comparativa sobre as relações interpessoais com aquelas vivenciadas diante da tela, a autora coloca que: Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia Laboratório Didático - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________ 8 Acreditamos que o contato direto do sujeito com novas pessoas e novas experiências possibilita-lhe confrontar suas representações sobre o mundo e questionar os significados por ele construídos sobre a realidade que o cerca e sobre si mesmo. À medida que grande parcela de situações novas acontece no espaço coletivo e nas relações interpessoais, a mediatização do espaço público e o estímulo às experiências virtuais produzidas pela televisão restringem a capacidade do sujeito em atribuir novos sentidos às suas vivências. Essa situação acontece porque, além de a televisão instaurar a experiência virtual, oferecendo ao telespectador o acesso indireto a situações e eventos, ela também oferta uma interpretação única dessas situações, estimulando o telespectador a assumir como seu o discurso proferido (SOUZA, 2003, p. 85). Percebemos com isso que a televisão tornou-se um importante espaço público por estar presente na vida de milhões de pessoas, contudo, embora a população possa assistir simultaneamente a mesma programação, não existe a possibilidade de interferência de cada indivíduo, ou seja, não é oferecida ao telespectador condições através das quais o mesmo possa deglutir as informações apresentadas e partilhar com todos os outros expectadores suas indagações e conclusões (a internet já permite melhor troca de informação entre seus usuários, porém ainda não percentual elevado da população brasileira). Além disso, velocidade com que são passadas as informações não é possibilita sequer pensar sobre as mesmas. Internalizamos as situações mais salientes, mas não há tempo de discutirmos soluções, pois, na sequência, somo surpreendidos com outro caso. Diante disso, percebemos como os conteúdos que nas últimas décadas adentraram os lares do Brasil ganharam, paulatinamente, aceitação do público ou são visto com indiferença, insensibilidade. Torna-se “normal” ou “natural” quando, em detrimento dos interesses dos meios de comunicação, as mensagens ou imagens são banalizadas (repetidas insistentemente) e tratadas como se “sempre tivesse sido assim”, sendo dramatizadas à maneira de uma produção cinematográfica sensacionalista, fazendo com que percamos a prática de deglutir a informação e processá-la com alguma racionalidade diante dos fatos que presenciamos. Segundo Maria Stela Grossi Porto: (...) as imagensda violência contribuem de modo não desprezível para mostrá-la, como mais normal menos terrível do que ela é em suma, (...) a realidade da violência não é estética: as fotografias do local de um atentado, (...) a estilização que encena artisticamente as imagens e as transforma em clichês, a banalização induzida pela repetição, (...) se a experiência contemporânea da violência passa pelas imagens, tal experiência só pode ser suavizada e banalizada” (PORTO, 1989, p 192.). É nesse sentido que a percepção da violência ganha uma nova ressignificação, pois sua espetacularização promovida pela televisão, assim como sua impressionante forma de atingir simultaneamente milhões de pessoas fez com que sua nova roupagem fosse Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia Laboratório Didático - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________ 9 compartilhada por todos, criando certa homogeneização na construção das subjetividades. Dessa forma, a violência preconizada pela televisão, que certamente é remontada seguindo os anseios e aspirações de pessoas ligadas a grupos influentes na sociedade que almejam lucrar com a audiência, condicionaria, em alguma medida, a internalização de uma determinada percepção de mundo. Em meio à programação que passou a fazer parte do nosso cotidiano chamo a atenção para um aumento significativo de programas que exploram o tema da violência em suas mais diferentes facetas. Muitos programas3 assistidos dentro dessa elevada quantidade de horas possuem um elevado teor de violência, onde vemos como são exploradas diferentes situações cotidianas nas quais ao atribuir sentido busca-se uma enviesada tentativa de representar o mundo. Da mesma maneira, verificamos uma transformação significativa na população, em seu modo de perceber e de vivenciar casos de violência em suas vidas. O produto no qual se transformou a violência e que é vendido para a população dentro de seus próprios lares trouxe-nos a reflexão sobre uma nova ressignificação. Esta nova ressignificação produzida pela lógica televisiva é subjacente a uma estrutura maior inerente aos interesses mercadológicos. A violência como um produto que garante a audiência, necessita ser mantida e frequentemente reelaborada e por isso, muitas vezes, transcende àquela com a qual no deparamos na “vida real”. De acordo com estudos realizados por Michaud, a “violência é muito mais difundida e considerada muito mais normal do que se pensa”. Além disso, “(...) a realidade cotidiana da violência difere sensivelmente das representações que fazemos dela e dos discursos ideológicos ou míticos que sustentamos sobre ela” (MICHAUD, 1989, p.98). Portanto o aparecimento da televisão como veículo de comunicação de massas deve ser entendido historicamente dentro do sistema capitalista. É importante salientarmos que os programas veiculados são vendidos como produtos de uma vitrine de uma loja, cujo objetivo é lucrar o máximo possível (no caso, atingir o maior número de pontos na audiência e aumentar o investimento recebido de patrocinadores). Como objeto que atinge milhões de pessoas temos neste veículo um ente socializador e produtor de novos significados o que contribui para uma reordenação de nossa visão de mundo e percepção da violência. Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia Laboratório Didático - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________ 10 Referências: CARDIA, N.(1999). Os impactos da exposição à violência: aceitação da violência ou horror continuado? O caso de São Paulo. In: Culture, Citizenship and Urban Violence Seminary, Cuernavaca. MAGALHÃES, N. (2009). Significados de violência em abordagens da mensagem televisiva. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 11, nº 21, jan./jun. 2009, p. 318-343. MICHAUD, Y. Violência. (1989). São Paulo: Editora Ática. PORTO, M.S.G. (2000). A violência entre a inclusão e a exclusão social. In: Tempo Social Rev. Sociologia. 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