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Curso Fórum TV Carreiras Jurídicas 2015 ADMINISTRATIVO ESPECIAL Rafael Oliveira 1 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Intervenção do Estado na Ordem Econômica ............................................................... 4 Histórico. Modelos de Estado. ................................................................................... 4 Fundamentos da Ordem Econômica ....................................................................... 13 Princípios da Ordem Econômica ............................................................................. 13 Planejamento e Disciplina ....................................................................................... 15 Regulação ............................................................................................................... 19 Sentidos de Regulação ........................................................................................ 19 Diferença entre regulação e regulamentação ...................................................... 21 Formas de Regulação.......................................................................................... 22 Fundamentos da Regulação ................................................................................ 24 Fomento .................................................................................................................. 27 Características ..................................................................................................... 27 Limites ................................................................................................................. 29 Classificação ....................................................................................................... 30 Direito da Concorrência ........................................................................................... 32 Intervenção Direta na Ordem Econômica – Atuação do Estado como Empresário .. 34 Regime Jurídico das Estatais............................................................................... 34 Agências Reguladoras ................................................................................................ 36 Fontes Normativas .................................................................................................. 41 Fontes constitucionais ......................................................................................... 41 Fontes infraconstitucionais .................................................................................. 42 Atividade Regulatória .............................................................................................. 44 Classificações de Agências REguladoras ............................................................... 45 Quanto ao tipo de atividade regulada .................................................................. 45 Quanto à quantidade de setores regulados ......................................................... 46 Quanto à titularidade federativa ........................................................................... 46 Regime Jurídico Especial ........................................................................................ 46 2 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Poder Normativo .................................................................................................. 47 Autonomia Administrativa Reforçada ................................................................... 57 Estabilidade reforçada dos dirigentes ............................................................... 59 Impossibilidade de recurso hierárquico impróprio ............................................. 63 Autonomia Financeira .......................................................................................... 66 PPP – Parcerias Público-Privadas .............................................................................. 69 Origem e Fontes Normativas ................................................................................... 69 Justificativa das PPP ............................................................................................... 72 Comparação entre a Concessão Comum e a Concessão Especial PPP ................. 75 Distinção entre PPP Patrocinada e Administrativa .................................................. 83 Sociedade de Propósito Específico (SPE) ............................................................... 86 FGP – Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas ......................................... 89 Natureza Jurídica ................................................................................................. 90 Constitucionalidade do FGP ................................................................................ 91 Peculiaridades das Licitações e dos Contratos de PPPs ......................................... 93 Consórcios Públicos ................................................................................................... 97 Fundamentos .......................................................................................................... 98 Histórico Legislativo e Novidades da L. 11.107 ..................................................... 101 Antes da Lei 11.107/05 ...................................................................................... 101 Após a Lei 11.107/05 ......................................................................................... 103 Constitucionalidade da Lei 11.107/2005 ............................................................ 106 Partícipes ....................................................................................................... 108 Atos que devem ser praticados para formação e execução do consórcio público . 110 Celebração do Protocolo de Intenções .............................................................. 110 Ratificação Legislativa ....................................................................................... 111 Celebração do Contrato Definitivo ..................................................................... 113 Instituição de Pessoa Jurídica para Gerir o Consórcio ....................................... 113 3 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Pessoa de Direito Público: Associação Pública .............................................. 113 Pessoa Jurídica de Direito Privado ................................................................. 120 Contrato de Rateio e Contrato de Programa ...................................................... 122 Contrato de Rateio ......................................................................................... 122 Controle pelo Tribunal de Contas ................................................................... 123 Contrato de Programa .................................................................................... 124 Alterações Legislativas .......................................................................................... 125 4 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Aula 01 – pt. 01 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA HISTÓRICO. MODELOS DE ESTADO. Ao longo do tempo, o perfil do Estado foi sendo alterado, e assim também a sua relação com a economia. Para visualizarmos essa evolução no perfil da atuação do Estado, de sua intervenção na ordem econômica, partiremos da evolução histórica dos constitucionalistas: (a) Estado liberal (b) Estado social (c) Estado democrático de Direito / Estado regulador Essa evolução linear não é perfeita. Aliás, é difícil encontrar esses três modelos de Estado perfeitos na história brasileira. O modelo do Estado liberal de direito surge na França, após a RevoluçãoFrancesa de 1789. Num período próximo, surge nos EUA, modelo do Estado liberal de direito. Até a Revolução Francesa, vigorava a figura do Estado absolutista. Até então, o Estado absolutista não encontrava limites na ordem jurídica. Era um Estado arbitrário e não era passível de responsabilização porque não havia limites em sua atuação. Com a Revolução Francesa e o surgimento do Estado de Direito, colocaram-se limites para o Estado. Saiu de cena o Estado absolutista e a burguesia toma o 5 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira poder. Teremos agora limites à atuação do Estado, porque as pessoas que assumiram o poder tinham medo do Estado. Consagram-se limites ao Estado, como o p. da legalidade: reafirma-se a ideia de legalidade, com a ideia de que o Estado só pode fazer aquilo que a lei autoriza. Se o Estado só pode fazer o que a lei autoriza, está-se dizendo que o Estado só pode fazer o que a população deixa ele fazer. Teoricamente, quem traz a lei é o representante do povo. O Poder Legislativo, que representa a vontade geral, traz uma lei que permitirá a atuação do Estado. Se o Estado só pode atuar de acordo com a lei, é como dizermos que o Estado só pode fazer o que a população deixa ele fazer. A legalidade é um limite, um freio, ao Estado. Consagra-se a ideia de separação de poderes para evitar concentração de poderes como existia no absolutismo, nas mãos do monarca. Dilui-se o poder entre órgãos e pessoas diferentes, cada órgão controlando o outro, criando-se uma limitação. Faz-se um catálogo de direitos fundamentais do homem e do cidadão, que deverão ser respeitados e promovidos pelo Estado. No surgimento do Estado liberal de direito pós-revolução Francesa, vêm os direitos fundamentais de 1ª geração: propriedade, liberdade, segurança. Com o surgimento do Estado liberal de direito, pós-Revolução Francesa, o Estado passa a ser limitado pela ordem jurídica. Sai de cena o Estado absolutista e entra o Estado de Direito, limitado pela ordem jurídica. O que caracterizava o Estado em relação à economia é que o Estado não fazia intervenções fortes e diretas na ordem econômica. Como se afirma na doutrina, o Estado liberal, no que toca à ordem econômica e social, seria um Estado 6 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira abstencionista (ou, como alguns falam, um “estado guarda noturno”). Ele não prestaria atividades na ordem econômica, nem faria intervenções. Adam Smith dizia que haveria regulação pelo próprio mercado, que seria regulado pela sua mão invisível (“mão invisível do mercado” significaria que o próprio mercado se autorregularia, ao invés de o Estado fazer intervenção no mercado, apenas olharia de cima, e deixaria o mercado resolver seus problemas e estabelecer suas próprias regras). Essa falta de intervenção do Estado acabou gerando na prática uma crise. O mercado abusou da liberdade e, com isso, concentrou renda e riqueza, gerando desigualdades. A ausência do Estado do mercado gerou desigualdade entre os mais fortes e mais fracos economicamente, além de gerar ineficiências. O grande símbolo foi o a grande depressão econômica que culminou em 1929 na quebra da bolsa de Nova Iorque. Os EUA eram modelo clássico de Estado liberal intervencionista. A ausência do Estado não poderia se perpetuar. Na Europa, o novo modelo de Estado é o Estado social de direito. Especialmente após as grandes guerras mundiais, entrou em cena o Estado social de direito, marcado por forte intervenção do Estado na ordem econômica e social. Se o Estado liberal era abstencionista e deixava o mercado se autorregular, o Estado social fez com que o Estado se tornasse o próprio prestador da atividade. Ele adota dois caminhos básicos: ou o Estado assume tarefas e passa a ser prestador de algumas atividades (Estado empresário, que atua prestando o serviço e substituindo o mercado); ou o dirigismo estatal. Além de o Estado criar braços para ele prestar a própria atividade, substituindo ou concorrendo com o mercado, há forte dirigismo estatal: elaboração de normas protetivas dos consumidores, dos trabalhadores... 7 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Enfim, protege-se quem estava desprotegido até então (sobretudo trabalhadores e consumidores), o que significa restrição à livre iniciativa e à liberdade do mercado. Esse 2º modelo também não deu certo. A presença muito forte do Estado na ordem econômica foi um problema. Esse modelo de Estado social entra em crise especialmente a partir da déc. 80. Inglaterra foi o grande exemplo disso, e posteriormente se espalhou para a Europa e outros países fora da Europa. O Estado estava tão grande, assumira tantas tarefas, tendo que garantir educação, saúde e outros direitos sociais que até então não eram direitos fundamentais (direitos de 2ª geração), que daí surgiam custos elevados. O Estado tinha muitos custos para prestar muitas atividades. O dinheiro não nasce em árvore. O Estado tem um limite de gastos, tem um orçamento limitado, uma vez que dinheiro não nasce em árvore, as pessoas têm que contribuir e elas têm um limite para essa contribuição. Se o orçamento é limitado e as atividades geram custos elevados, chega um momento em que a conta não fecha e o Estado não terá mais dinheiro para essas atividades. Na déc. 80, surgiu a crise fiscal, porque o Estado gastava mais do que tinha. Ou o Estado quebra, ou adota medidas para não quebrar. Margaret Thatcher trouxe uma série de medidas de racionalização do dinheiro público, inclusive corte de gastos, legislação que limitava gastos orçamentários e obrigava ao planejamento orçamentário. As medidas muitas vezes eram impopulares. Grande símbolo desse período foram as Leis de Responsabilidade Fiscal, inclusive na Nova Zelândia, em que se inspirou a nossa LRF. Nesse movimento, se o Estado Social não tinha dado certo, passou-se a prestar novo modelo de Estado. Começou-se a adotar medidas de diminuição de gastos e, portanto, do próprio tamanho do Estado. 8 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Chegamos a um dilema: se o Estado Social não deu certo porque assumiu muitas tarefas e não deu conta delas; é preciso tomar medidas, mas ao diminuir ao tamanho do Estado, corremos o risco de voltar ao Estado liberal que não fazia intervenção alguma e que também não deu certo. O 3º modelo de Estado tenta encontrar um meio termo, uma intervenção indireta do Estado na economia. Ao invés de não fazer nada e ao invés de atuar como Estado empresário, vamos trazer um Estado que em regra faz uma intervenção indireta na ordem econômica. Chamamos esse 3º modelo de Estado de Estado Regulador. Ele faz intervenção indireta porque a regulação é intervenção indireta na ordem econômica. Quem prestará a atividade é o mercado. Mas o Estado também não vai ficar só olhando, ele criará órgãos ou entidades regulatórias. Esses órgãos e entidades regulatórias vão fiscalizar a atividade econômica, estabelecer regras para ela, punir / sancionar os atores econômicos que não cumprirem as regras... Basicamente, estamos falando de um Estado regulador cuja grande característica é que, ao invés de ser Estado abstencionista ou que faça intervenção direta (o próprio Estado assumindo a atividade), ele deixa a atividade para o mercado e cria a “mão invisível do Estado”. Sai de cena a mão invisível do mercado e entra em cena a mão invisível do Estado. O Estado trará normas, fiscalizará, aplicará sanções aos regulados. Muitos falam em Estado Regulador, logo um Estado que faz intervenção regulatória. No Brasil, falamos em Estado regulador especialmente a partirda déc. 90. A partir daí, tivemos as agências reguladoras. O Brasil fez uma desestatização, diminuindo o tamanho do Estado e devolvendo as atividades para o mercado. 9 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira O Estado “não lavou suas mãos”: depois de devolver a atividade econômica para o mercado, criou as entidades reguladoras: ANVISA, ANTAC, ANTT, ANCINE, etc. O Estado Regulador não é apenas a agência reguladora, mas tais agências são as protagonistas desse novo modelo. Estes 3 modelos trouxeram formas diferentes de intervenção do Estado na economia: o Estado liberal praticamente não intervinha; o Estado social atuava diretamente no mercado, intervindo em tudo; o Estado regulador intervém indiretamente. Esses modelos são ideais, porque nunca houve um Estado puramente liberal, nem um Estado puramente social, nem um Estado puramente regulador. No Brasil, temos um Estado preponderantemente regulador, mas, p.e., o Estado não deixou de ter autarquias, SEM ou empresas públicas prestando diretamente os serviços. No Brasil, o Estado Regulador foi criado a partir da déc. 90, quando houve o PND, programa nacional de desestatização, cuja ideia era diminuir o tamanho do Estado. Um dos caminhos foi a devolução da atividade econômica para o mercado. O Estado passaria as atividades econômicas à iniciativa privada / mercado, extinguindo as estatais. Devolveria porque o mercado é o protagonista da atividade econômica. O Estado também delegaria serviços públicos para o mercado, por concessão ou permissão. O mercado seria o grande prestador, seja de atividade econômica ou serviços públicos delegados pelo Estado. Se parássemos aqui, iríamos para o Estado Liberal, que não deu certo. Ao mesmo momento em que delegou serviços públicos e devolveu a atividade 10 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira econômica ao mercado, o Estado criou agências reguladoras, que passariam a regular atividades econômicas e serviços públicos delegados aos particulares. Na déc. 90, tivemos alterações profundas no texto constitucional, inclusive para liberalizar a economia, abrindo caminho jurídico e constitucional para investimentos estrangeiros, dando maior espaço para o mercado em algumas áreas, inclusive petróleo. As alterações promovidas no texto constitucional trouxeram também a exigência expressa de criação de órgãos regulatórios (art. 21, XI e 177 CF, por exemplo). Na prática, foi criada agência autarquia e não órgão; mas de todo modo houve entidades regulatórias. Na déc. 90, houve transformações profundas no nosso Estado, cujo grande símbolo foi a EC 19/98. A EC 19/98 fez a reforma administrativa, inclusive inserindo o p. da eficiência expressamente no art. 37, caput, CF. Foi uma alteração com grande simbolismo. Inserindo a eficiência como princípio, fora outras alterações atreladas à ideia de resultado, a doutrina passou a dizer que sairíamos de uma Administração Pública burocrática pautada em formalidades e procedimentos, entrando numa AP pautada cada vez mais na eficiência. Juridicamente, sai a Administração burocrática e entra em cena a Administração Pública gerencial ou de resultados, pautada na eficiência e nos resultados da atuação estatal. A preocupação maior da AP não devem ser os caminhos e sim efetivar na prática direitos fundamentais. Eficiência é alcançar direitos fundamentais com os menores custos econômicos, sociais, ambientais... DESESTATIZAR significaria “retirar do Estado”. Alguns autores, dentre eles Marcos Juruena Vilela Souto, diziam que a desestatização seria um título 11 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira genérico. Desestatizar seria retirar do Estado, seja total ou parcialmente, diminuindo a presença do Estado em alguns setores. Enfim, estamos retirando o Estado de algum setor, de alguma atividade econômica. Nesse gênero, encontramos algumas espécies de desestatização: (1) Desregulamentação -> seria a diminuição de normas e restrições legais em relação a determinada atividade econômica. Desregulamenta-se uma atividade econômica quando o Estado retira ou diminuir restrições legais ao seu exercício. (2) Privatização -> Marcus Juruena dizia que desestatização é gênero e privatização é espécie. Esta é hipótese em que o Estado transfere controle acionário de uma empresa estatal para o mercado. A empresa que era estatal, controlada pelo Estado, passa a ser controlada pelo mercado. (3) Concessões e permissões -> não é atividade econômica stricto sensu, sujeita a livre iniciativa, porque é um serviço público titularizado pelo Estado, mas nem por isso o Estado precisa ser prestador. O art. 175 CF permite que o Estado delegue, via concessão e permissão, o serviço público para o mercado. Quando o Estado delega o serviço público para o mercado, a execução passa a ser de responsabilidade do mercado. O Estado continua titular do serviço, mas o seu executor é o mercado. É uma forma de “desestatização”, porque o serviço público, embora titularizado pelo Estado, tem menor presença dele, posto que prestado pelo particular. (4) Terceirizações -> por ora, o Estado só pode terceirizar suas atividades- meio (atividades instrumentais). O Estado precisa fazer a limpeza das suas repartições públicas. Poderia realizar concurso público e contratar 12 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira diretamente agentes para realizar essa limpeza; mas como regra não faz isso: ao invés, desestatiza essa atividade-meio realizando uma licitação e contratando empresa privada, que fará a limpeza através dos empregados privados. A terceirização é desestatização lato sensu, porque ao invés de ser o próprio Estado prestador da atividade, ele busca no mercado uma empresa que preste tal atividade para o Estado. Como regra geral, o Estado vai ao mercado, seja para transferir controle de estatal, seja para delegar serviço público, seja para contratar empresa privada para prestar serviço ao Estado. Ganha força a ideia de parceria entre mercado e Estado. O mercado pode parar de enxergar o Estado como um inimigo. Os dois buscam parcerias, tendência que consta no nosso ordenamento jurídico não apenas na atividade econômica lucrativa, mas também na atividade de caráter social. As parcerias são o tema da moda, seja porque a legislação está repleta de instrumentos de parceria com mercado lucrativo, 3º setor ou uma parceria pública (como no consórcio). 13 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA Pt. 03 Art. 170 CF (1) Valorização do trabalho humano (2) Livre iniciativa: liberdade para desenvolvimento da atividade econômica pelo indivíduo, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (p. único do art. 170). Por um lado, o Estado deve se preocupar com valorização do trabalho humano. Doutro, deve respeitar a livre iniciativa. Estes valores por vezes aparecem conflitantes no caso concreto. PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA Art. 170 CF Soberania nacional Propriedade privada Função social da propriedade Livre concorrência Defesa do consumidor Defesa do meio ambiente Redução de desigualdades regionais e sociais Busca do pleno emprego Tratamento favorecido para empresas de pequeno porte Alguns desses princípios se chocarão no caso concreto, inclusive a defesa do consumidor e a livre concorrência. Por exemplo, os fornecedores poderiam fazer cartel combinando preços, o que prejudica o consumidor. 14 ADMINISTRATIVO ESPECIAL| Rafael Oliveira A rigor, temos dois tipos clássicos de intervenção na ordem econômica: a intervenção direta e a intervenção indireta. Na intervenção direta, o próprio Estado diretamente exerce a atividade econômica. Quando o Estado cria EP ou sociedade de economia mista, ele presta a atividade econômica, como no caso da Petrobras explorando o petróleo de forma monopolizada. Outra espécie de intervenção é a intervenção indireta na ordem econômica: ao invés de o Estado ser prestador da atividade econômica, ele atua indiretamente, fiscalizando, regulando e punindo atores da ordem econômica. Na intervenção indireta na ordem econômica, o Estado não é o prestador da atividade econômica. Ele fiscalizará, coordenará, regulará a atividade econômica exercida pelo mercado. Art. 174 CF – intervenção indireta. Meios de intervenção: (1) Planejamento e disciplina (2) Regulação (Estado Regulador) (3) Fomento (4) Repressão ao abuso do poder econômico (Direito da Concorrência ou Antitruste) (5) Exploração direta da atividade econômica (Estado Empresário) Pt. 04 15 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira PLANEJAMENTO E DISCIPLINA O Estado tem muitas finalidades para cumprir e “dinheiros” (art. 71 CF) limitados, então acaba fazendo ponderações e escolhas trágicas. O dinheiro não dá para tudo; os gastos superam os custos, então é necessário estabelecer prioridades. Quem realiza essas escolhas, em regra, é o Estado, por vezes com uma participação maior ou menor da população. O Estado precisa fazer planejamento, inclusive orçamentário, através do seu plano plurianual, de suas leis orçamentárias... Ali, o Estado já faz o seu planejamento, estipulando quanto de recurso será estipulado para cada área. O Estado pode planejar por orçamentos ou planos nacionais de Governo. Analisa o que pretende implementar em cada área, fazendo um plano nacional a ser executado nos próximos anos. Podemos definir planejamento como a programação que tem por propósito selecionar objetivos, indicar meios e definir metas que deverão ser implementadas pela atuação estatal. O planejamento tem basicamente duas etapas: Diagnóstico – análise da situação existente, com identificação das carências e necessidades da sociedade e do mercado. Prognóstico – definição e desenvolvimento das ações necessárias para atendimento da finalidade pública. Ao diagnosticar uma realidade, o Estado analisa o que será necessário. Nesse momento, define as suas metas. Ao definir o prognóstico, traz metas e coloca em práticas ações para alcançar a finalidade pública. O fundamento constitucional do planejamento é o art. 174 CF. 16 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Expressamente, a CF diz que o planejamento do Estado é impositivo para o setor público e indicativo para o setor privado. Isso significa que quando o Estado faz o planejamento, com seus planos de ação, para o setor público não há liberdade: ele deve cumprir o planejamento do Estado, sob pena de sanções. Para o setor privado, o planejamento do Estado é apenas indicativo. O Estado traz incentivos ao lado do planejamento, mas é apenas uma indicação do que o Estado espera do setor privado, não há como impor isso. O Estado criará incentivos para o setor privado fazer o que o Estado planejou, mas não pode lhe impor isso. Planejamento impositivo para o setor público. Planejamento indicativo para o setor privado. O professor Floriano de Marques Neto e o professor Rafael de Oliveira entendem que setor público são não apenas a Administração Pública direta e indireta, mas também delegatários, permissionários e concessionários de serviços públicos, e até mesmo aqueles que prestam atividades privadas de relevância social (atividades de caráter social). Administração Pública Direta e Indireta Delegatários (permissionários e concessionários) Atividades privadas de relevância social É o Estado que fixa o que espera do serviço público delegado, ele que traça as regras do jogo. Daí ser natural que o Estado imponha em seu planejamento como se dará essa atividade, uma definição que não é indicativa, mas sim impositiva. A doutrina chama esse 3º setor como entidades públicas não estatais. Não estatais porque não são Estado; mas são públicas pela atividade de relevância pública desenvolvida. 17 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Setor privado é o setor que envolve a atividade econômica stricto sensu. Colocamos aqui não só o mercado, mas também as empresas estatais econômicas. Art. 173, §1º CF – as empresas estatais se submetem ao mesmo tratamento das empresas privadas. Art. 7º, DL 200/67 -> são instrumentos do planejamento: (a) Plano Geral de Governo (b) Programas Gerais, Setoriais e Regionais (c) Orçamento-Programa Anual (d) Programação Financeira de Desembolso O PLANO GERAL DE GOVERNO institui prioridades públicas e indica meios para concretizá-las em determinado período (art. 84, XI, CF). é um planejamento genérico, que envolve definições quanto a toda a execução de um orçamento, não só na educação, mas em todos os setores. Todo o Governo deve ter um plano geral de governo, que geralmente é anual. Há também PROGRAMAS GERAIS, SETORIAIS E REGIONAIS. Planos setoriais são aqueles para setores específicos, como planos de educação (art. 214 CF), ou de saúde. Planos regionais (art. 43 CF) significa um plano para trazer desenvolvimento regional. ORÇAMENTO-PROGRAMA ANUAL é o planejamento orçamentário. Por meio de legislação orçamentária (PPA, LDO e LOA), os entes federados estimam receitas e despesas para implementação dos objetivos públicos no respectivo período. O planejamento orçamentário começa com o plano plurianual (PPA), com vigência por 04 anos. Dentro desses 04 anos de metas genéricas do orçamento, todo ano haverá lei de diretrizes orçamentárias e lei de organização 18 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira orçamentária. Haverá anualmente um orçamento-programa anual, a LDO e LOA, que estabelecem uma estimativa para aquele ano de receitas e despesas, definindo as metas que serão alcançadas pelo governo. A PROGRAMAÇÃO FINANCEIRA DE DESEMBOLSO visa a uma atuação mais concreta do Estado. Se atuo na área de saúde, tenho X no Governo para saúde, conforme programação orçamentária anual. Se vou criar 3 postos de saúde, 2 hospitais e formalizar 3 contratos com OS de gestão para administrar hospitais, vou tirar esse projeto do papel. Ao realizar contrato para construções ou gestão de administração, terei planejamento mais específico e saberei de antemão quais os custos envolvidos em cada uma dessas missões. Farei planejamento pensando no momento de desembolsar a verba. Se não houver o cumprimento deste planejamento, é possível responsabilizar o agente até mesmo por improbidade administrativa. Aula 02 – pt. 01 19 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira REGULAÇÃO SENTIDOS DE REGULAÇÃO Não há um sentido unívoco para a expressão “regulação”. Pelo contrário, constantemente a expressão é usada com sentidos diversos pela doutrina. São 3 sentidos: Amplo => regulação seria toda e qualquer forma de coordenação, disciplina, fiscalização do Estado na ordem econômica. Nesse sentido amplo, poderíamos falar que regulação é o mesmo que intervenção na ordem econômica. Afinal, se regulação é toda forma de coordenação, disciplina, fiscalização, estamos falando do Estado regulador, aquele que intervém na economia. Quando o Estado traz lei em relação a atividade econômica, quando fiscaliza e sancionao particular, estaríamos tendo um Estado regulador. Intermediário => a regulação envolveria uma atividade estatal que fixaria normas para um setor econômico, a fiscalização e a aplicação de sanções nesse setor econômico, excluída neste ponto a atividade empresarial do Estado e, portanto, a figura do Estado-Empresário.O Estado exerceria a regulação em sentido intermediário apenas quando trouxesse normas para o setor regulado, fiscalização e aplicação de sanções. Mas não haveria regulação quando o próprio Estado prestasse a atividade econômica. Restrito => a regulação é tão somente a edição de atos normativos (legais ou infralegais) que condicionariam a atividade econômica. Destacaríamos a atividade legislativa e a atividade normativa da 20 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Administração Pública, mas afastaríamos outras atuações concretas do Estado. A noção mais utilizada no Brasil e no Direito Administrativo é a 2ª noção, a noção intermediária. Na noção intermediária do termo, regulação envolve edição de normas, implementação concreta de normas e fiscalização do cumprimento das normas, com punição dos infratores. Edição das normas Implementação concreta das normas Fiscalização do cumprimento das normas e punição dos infratores. 21 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira DIFERENÇA ENTRE REGULAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO Regulação ≠ Regulamentação Regulação é atividade através da qual o Estado baixa normas, fiscaliza, implementa, sanciona quem violar as normas... Enfim, é a elaboração de normas, aplicação concreta, fiscalização e sanções. Tem caráter predominantemente técnico. São juízos predominantemente técnicos, geralmente implementados por agências reguladoras. Regulamentação são atos administrativos normativos (atos regulamentares), geralmente com conteúdo político e editados para fiel execução da lei, normalmente por agente político. No Brasil, privativamente pelo chefe do Executivo. Regulação Regulamentação Art. 174, CF Art. 84, IV, CF Exercida por agências reguladoras ou entidades similares. Ato privativo do Chefe do Executivo. Atividade predominantemente técnica. Caráter predominantemente político. 22 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira FORMAS DE REGULAÇÃO a) Estatal b) Pública não estatal c) Autorregulação d) Desregulação Regulação estatal é feita pelo Estado. No Brasil, por regra geral a regulação é feita pelas agências reguladoras. Encontramos outras entidades que têm características similares com agências, mas não são agências reguladoras, como BACEN e CVM. Regulação pública não estatal é uma regulação que não é feita pelo Estado, mas sim pelos próprios particulares. Mas o Estado chancela isso expressamente. A regulação é feita pelo mercado (não estatal), mas é pública porque o Direito Público reconhece / admite / prevê essa regulação. Um exemplo é a Justiça Desportiva. A regulação do esporte, no que toca às controvérsias esportivas, é feita pela Justiça Desportiva, que não é o Poder Judiciário, em relativa exceção ao p. da inafastabilidade da jurisdição. A própria CF prevê que se houver controvérsia na seara esportiva, os particulares resolverão suas questões na Justiça Desportiva, que é uma jurisdição privada (art. 217 CF). Autorregulação parece com a regulação pública não estatal. Teoricamente, a diferença é que o mercado se autorregula independentemente de existir chancela ou não do Estado. Determinado setor privado se une e estabelece regras que deverão ser respeitadas entre esses particulares. Ex.: CONAR (no âmbito cível, também é a ideia do condomínio edilício). 23 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Desregulação seria um setor completamente desregulado, sem qualquer tipo de regulação estatal ou dos próprios particulares. Os particulares não se organizariam para regular a atividade econômica. Os livros tradicionalmente indicavam o setor da internet, mas atualmente no Brasil temos o Marco Civil da Internet, uma regulação estatal. É difícil fornecer exemplo atual de desregulação. 24 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira FUNDAMENTOS DA REGULAÇÃO Tradicionalmente, há duas escolas que procuraram fundamentar um papel mais ativo ou mais passivo do Estado na economia. A) ESCOLA DO INTERESSE PÚBLICO => a regulação é necessária porque através dela o Estado consegue efetivar e promover o interesse público e os direitos fundamentais. A abstenção do Estado, como já verificado ao longo do tempo, gerou crise econômica e desigualdades. Então é necessária intervenção do Estado na economia via regulação para efetivar e promover os direitos fundamentais, e consequentemente o interesse público. Ainda que o Estado possa eventualmente cometer irregularidades ou ser ineficiente, ele deve regular para atender ao interesse público. Não é possível deixar o mercado guiar-se sozinho, porque isso já levou a crise e desigualdades. B) ESCOLA DE CHICAGO / ESCOLA ECONÔMICA / ESCOLA NEOCLÁSSICA => a Escola de Chicago é uma das principais escolas econômicas e diz que o Estado, em regra, não deve intervir na ordem econômica. Propugna uma intervenção menos forte do Estado, que em princípio só regulará a economia quando estritamente necessário, para resolver as falhas de mercado. A premissa é um Estado Liberal, que não deve fazer intervenção na ordem econômica, mas ele não é inteiramente abstencionista: admite-se alguma intervenção do Estado na economia desde que estritamente necessário para a correção das “falhas de mercado”. “Falhas de mercado” significa que o mercado não é perfeito e apresenta falhas; a economia não consegue resolver todos os seus problemas sozinha. É preciso que o Estado faça intervenção na ordem econômica apenas na medida em que necessário corrigir a falha de mercado. Na medida em que o Estado corrige as falhas de mercado, o 25 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira resto é com o próprio mercado (“mercado, se vira”). São 4 falhas de mercado definidas pela Economia: a. Monopólio ou abuso de poder econômico – apenas uma empresa fornece o bem ou serviço; ou existe oligopólio ou concentração de mercado nas mãos de poucas empresas – são prejudiciais à economia o monopólio e a forte concentração, porque ao invés de o preço ser fixado por demanda e procura, é fixado pelo próprio fornecedor; em princípio, o monopólio é ruim porque não protege o consumidor, nem a concorrência, porque não há concorrência. b. Externalidades – “o que é externo”, ou seja, consequências que não são absorvidas integralmente pelos atores econômicos, ou seja, fornecedor do bem ou serviço e consumidor. Na atividade econômica entre prestador do serviço e consumidor, outras pessoas que não têm nada a ver com essa relação poderão sofrer consequências. Na doutrina econômica, diz-se que a externalidade pode ser boa ou ruim, positiva ou negativa. Exemplo de externalidade boa é a geração de empregos e renda num pequeno Município onde a grande empresa se instala, inclusive promovendo cursos de capacitação gratuitos (mesmo aqueles que não serão contratados terão, no mínimo, uma qualificação melhor). Externalidade negativa significa uma consequência negativa oriunda de atividade econômica, como poluição ambiental gerada por uma fábrica ou empresa. A poluição ambiental é consequência da atividade econômica, prejudicando não apenas empresários, empregado e consumidor, mas também pessoas que nada têm a ver com a atividade empresarial.É o caso da barragem de Mariana/MG. 26 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira c. Bens coletivos – a doutrina econômica fala em “bens públicos” ou “bens coletivos”, mas são conceitos econômicos e não jurídicos. Significam que algumas atividades ou bens prestados por empresas acabam sendo usufruídos por particulares terceiros que não contribuíram para aquele bem ou atividade. São bens ou serviços prestados para determinados particulares, mas no final das contas terceiros necessariamente se beneficiam. São os free riders, são “caroneiros” na atividade econômica, que se dão bem e você praticamente não tem como evitar isso. Numa rua perigosa com 30 proprietários, 28 concordam em contratar empresa de vigilância. Eles contratam a empresa de vigilância, beneficiando os 2 proprietários que discordaram e não estão pagando nada. Estão se beneficiando do bem ou serviço contratado por outros particulares. d. Assimetria de informações – significa que o fornecedor do bem ou do serviço e o consumidor têm informações diferenciadas sobre ele. Não somos expert em energia elétrica, telecomunicações, eletrônica, mas aquele que os está vendendo certamente conhece muito mais desses temas. É expert, tem informações técnicas, conhecimento que o consumidor leigo não tem. Essa assimetria de informações é perigosa, porque o fornecedor pode prejudicar o consumidor através da assimetria. Pt. 02 27 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira FOMENTO Fomentar significa incentivar. Quando falamos em fomento no âmbito do direito público, tratam-se de incentivos estatais, positivos ou negativos, que induzem ou condicionam a prática de atividades desenvolvidas em determinados setores econômicos e sociais, com intuito de satisfazer o interesse público. O fomento é uma atividade clássica do Estado. Os autores, ao elencar atividades que o Estado deve desempenhar, sempre elencam ali o fomento, embora divirjam em relação a outras atividades. A própria CF, no art. 174, diz isso: cabe ao Estado exercer o incentivo da atividade econômica. A CF trouxe o dever de incentivo / fomento por parte do Estado. Pt. 03 O fomento, apesar de ser atividade clássica do Estado, praticamente não é objeto de obras doutrinárias. CARACTERÍSTICAS Existem 5 grandes características do fomento: (1) Consensual. O Estado traz incentivo, que significa que o particular, caos queira, faz isso ou aquilo. O Estado está apenas incentivando, daí a ideia de fomento ser contrária à ideia de coação, de obrigatoriedade, de imposição do Estado a um indivíduo. O fomento é apenas incentivo, por isso a doutrina diz que é consensual. 28 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira (2) Setorial. O Estado deveria trazer incentivo para determinados setores econômicos estratégicos. Por exemplo, quando o Estado reduz a carga tributária de determinados produtos (como o IPI em automóveis). (3) Justificativa. É preciso motivar o incentivo para demonstrar que não há um tratamento privilegiado e odioso para determinada pessoa ou grupo. O fomento deve vir atrelado a justificativa plausível do Estado. (4) Impessoalidade. Vige a igualdade material: não dá pra tratar igualmente todo mundo, incluindo pessoas que estão em situações desiguais. É possível tratar desigualmente algumas pessoas, em detrimento de outras, para lhes garantir maior equilíbrio na prática, com igualdade efetiva e material. Pessoas com situação fática diferenciada devem ter tratamento diferenciado. (5) Transitoriedade. O fomento deve ter caráter transitório para viabilizar naquele momento que a pessoa física ou jurídica tenha na prática oportunidade de concorrer com outras pessoas físicas ou jurídicas, ou a ter acesso a determinado produto ou serviço. Quando houver efetiva igualdade prática entre essas pessoas, o tratamento diferenciado deixa de ser necessário. 29 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira LIMITES Limites do fomento: (A) LLEEGGAALLIIDDAADDEE. Exige-se lei para alguns instrumentos de fomento, como é o caso do art. 150, §6º, CF e 146, III, c e d, CF que exige lei complementar para benefícios tributários destinados a cooperativas, microempresas e empresas de pequeno porte (LC 123/2006, arts. 42 a 49). (B) PPRRIINNCCÍÍPPIIOOSS DDAA IIMMPPEESSSSOOAALLIIDDAADDEE,, DDAA MMOORRAALLIIDDAADDEE,, DDAA RRAAZZOOAABBIILLIIDDAADDEE EE DDAA PPUUBBLLIICCIIDDAADDEE. Em rigor, toda atuação da AP deve respeitar esses princípios. 30 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira CLASSIFICAÇÃO Classificação do fomento: I. Quanto ao conteúdo a. Fomento positivo -> quando o Estado quer incentivar a prática de uma atividade, como a comercialização de um bem. Em matéria tributária, fomento positivo seria a isenção a determinado bem ou serviço, gerando menor custo na produção do bem, execução da atividade, levando a tratamento mais favorável (custo menor para fazer a mesma coisa que já fazia). b. Fomento negativo -> quando o Estado quer inibir a prática de determinada atividade. Em matéria tributária, seria o aumento na alíquota de um tributo, falando-se no caráter extrafiscal do tributo, como ocorre no cigarro. II. Quanto ao destinatário a. Fomento econômico – o destinatário é a atividade econômica. Por exemplo, o Estado traz uma linha de crédito com juros reduzidos para empresas que invistam em determinada atividade. Para incentivar a comercialização de energia eólica, o BNDES faz empréstimos com juros baixíssimos à empresa que quiser investir nesse ramo, por exemplo. b. Fomento social – o destinatário é a atividade social. Por exemplo, a entidade celebra um termo com o Estado, que se compromete a ceder bens públicos, servidores ou repassar dinheiro. Em troca, essa entidade sem fins lucrativos desenvolve uma atividade de relevância social. É o que comumente se passa com o 3º setor. 31 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira III. Quanto aos meios a. Fomento honorífico – por exemplo, através da concessão de uma medalha de honra a um militar. b. Fomento econômico c. Fomento jurídico Geralmente o fomento é realizado mediante benefícios tributários (como diminuição de alíquota e isenção) ou através de créditos (empréstimo subsidiado na CEF e BNDES, p.e.). 32 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira DIREITO DA CONCORRÊNCIA Art. 170, IV, CF – p. da livre concorrência. Art. 173, §4º, CF Lei 12.529/2011 - dispõe sobre sistema brasileiro de defesa da concorrência. Também prevê acordo de leniência; em princípio, se for celebrado e cumprido, ocorrerá a extinção da punibilidade. É o CADE que assina o acordo de leniência. Se uma empresa assina o acordo com o CADE e o cumpre, não poderá ser punida criminalmente por esses fatos. Pela lei do CADE, a maioria diz que outros crimes que não econômicos seriam extintos. Por exemplo, formação de quadrilha, relacionada à prática do crime econômico. Essa consequência do acordo de leniência do CADE não aparece na lei anticorrupção. O sistema brasileiro de defesa da concorrência é formada por 1 entidade e 1 órgão: - CADE – CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - SEAE – SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO DO MINISTÉRIO DA FAZENDA A atuação do CADE é mais administrativa e concreta na prevenção e repressão a abuso do poder econômico. A Secretaria tem um papel mais político, de planejamento da área econômica. Portanto, um papel maisconsultivo. 33 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira O CADE atua na prevenção e repressão de atos contra a ordem econômica. Ele se manifesta na fusão e incorporação de empresas, analisando se coloca em risco o equilíbrio do mercado. Se verificar cartel, combinação de preços, preços predatórios, o CADE também aplica sanção. O CADE é vinculado ao Ministério da Justiça; a SEAE é ligada ao Ministério da Fazenda. O CADE tem sede no DF. Dentro do CADE, existe o Tribunal Administrativo De Defesa Econômica, que julga questões envolvendo prevenção e repressão a atos concorrenciais. Existe também a Superintendência Geral, com importante função de chefia na autarquia. E o Departamento de Estudos Econômicos, com função mais consultiva dentro do CADE. O Tribunal Administrativo de Defesa Econômica tem um procurador federal, que integra a carreira da AGU e um membro do MPF (que dará pareceres em questões submetidas ao CADE). 34 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira INTERVENÇÃO DIRETA NA ORDEM ECONÔMICA – ATUAÇÃO DO ESTADO COMO EMPRESÁRIO A atuação do Estado como empresário é possível, mas excepcional. Um dos fundamentos da ordem econômica é justamente a livre iniciativa. Se a iniciativa é livre, os particulares têm liberdade de agir e são protagonistas da ordem econômica. O art. 173 CF admite a intervenção direta do Estado na ordem econômica, desde que cumpridos dois requisitos: Casos expressamente previstos na Constituição ou por imperativo de segurança nacional ou relevante interesse coletivo; Intervenção ocorrerá por meio de instituição de empresas públicas ou sociedades de economia mista (SEM). REGIME JURÍDICO DAS ESTATAIS Por serem pessoas jurídicas de direito privado da Administração Indireta, terão um regime jurídico complexo: RJ privado, com bens privados e servidores celetistas, mas como integrantes da Administração Pública, aplicaremos normas de Direito Público. Por exemplo, em matéria de licitação (para estatal devemos dividir as estatais de serviço público e aquelas que executam atividade econômica, sendo que estas têm tratamento diferenciado) e concurso público (não importa se presta serviço público ou atividade econômica). Aplicam-se normas de direito público para a estatal. Como regra geral, quando o Estado cria estatal econômica, esta exerce atividade privada em concorrência com outras empresas privadas. Por isso, o art. 173, §1º, II, CF diz que as estatais econômicas devem se submeter ao 35 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira mesmo tratamento conferido às empresas privadas em geral, para que a concorrência seja preservada. A regra é a concorrência. Mas a CF trouxe exceções, nas quais admite monopólios públicos: Art. 176 CF Art. 177, I a IV, CF Art. 21, XXIII, CF Art. 177, V, CF Em tese, lei infraconstitucional não pode criar novos monopólios por violar a livre concorrência e livre iniciativa. Os monopólios só podem ser previstos na CF. O monopólio significa que não haverá concorrência, mas o Estado determina como será prestada a atividade, inclusive contratando uma empresa para prestar por ele. Art. 25 CF – gás natural. Alexandre Santos de Aragão, ao falar de monopólio, só cita os monopólios da União, listados acima. Em tese, para ele só haveria monopólio federal na CF. O professor discorda, entendendo que o gás natural é monopólio estadual (o Diogo de Figueiredo concorda com ele). Aula 03 36 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira AGÊNCIAS REGULADORAS A regulação é forma de intervenção indireta do Estado na economia. Aqui, focaremos nas agências reguladoras. Não são as únicas entidades responsáveis por regulação. Compreendida a regulação em seu sentido intermediário, a regulação estatal significa disciplina, coordenação, fiscalização, normatização e sanção da atividade econômica, seja stricto sensu, seja um serviço público. Não estamos falando aqui do Estado empresário, que explora diretamente a atividade, mas daquele que disciplina, coordena, fiscaliza, normatiza e sanciona. Regulação não é sinônimo de agência reguladora. Temos órgãos despersonalizados e entidades dotadas de personalidade jurídica que não agências reguladoras, que em alguma medida exercem o papel regulatório. Di Pietro e outros autores importantes afirmam que nas tendências do Direito Administrativo moderno, temos uma tendência à agencificação. Di Pietro usa essa expressão para mencionar que desde a déc. 90, o Brasil tem criado agências para todos os lados, todos os setores. Começou-se a criar agência para todos os lados, portanto seria uma agencificação no Brasil. Utiliza-se o termo agência para tratar de PJ que exercerão atividade diferenciada, seja regulatória, executiva, de fomento, etc. No Brasil, a agência reguladora é considerada uma autarquia com regime especial. Por opção legislativa, as agências reguladoras são autarquias com regime especial – esta é sua natureza jurídica. O legislador trouxe personalidade jurídica de direito público para as autarquias. Elas são criadas por lei. Logo, há uma lei de criação para cada autarquia. É uma lei específica que cria cada agência reguladora. 37 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira As leis fizeram a opção, dizendo que estavam criando autarquia com regime especial. Quando dizemos que a agência reguladora é autarquia com regime especial, esse não é apenas entendimento doutrinário, mas encontra previsão legal expressa. A agência reguladora baixa normas no setor regulado (autarquia dotada de poder normativo). A agência reguladora exerce atividades administrativas com independência. É o que chamamos de autonomia administrativa reforçada. Além disso, a agência reguladora tem uma maior autonomia financeira se comparada às outras autarquias. O modelo de agência reguladora que conhecemos foi importado dos EUA. Nos EUA, o modelo de agência reguladora é muito antigo. A 1ª agência reguladora americana de que se tem notícia foi criada em 1887, que regularia o comércio por ferrovias entre estados americanos. O grande fortalecimento dessas agências se deu na déc. 30. Os EUA sempre foram considerados modelo clássico de estado liberal. A ideia do Estado liberal clássico é de um estado abstencionista. Esse Estado liberal não intervém na ordem econômica e na ordem social. Esse Estado deixa o mercado ser regulado por sua mão invisível. Existiria ali a mão invisível do mercado, que faria sua autorregulação. Em 1929, tivemos a quebra da Bolsa de Nova Iorque. Percebeu-se naquele momento que a abstenção do Estado de alguma maneira contribuiu para a grande crise econômica. A quebra da Bolsa de Nova Iorque fez os EUA repensarem seu modelo de intervenção na economia. Eles não se transformaram em um Estado Social intervencionista e prestador de serviços, tal como ocorreu na Europa. A saída na época foi começar a fazer intervenções que não fossem fortes a ponto de o Estado substituir o mercado e virar prestador; mas o Estado começar a fiscalizar mais de perto a economia e 38 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira trazer regras mais restritivas para a atividade econômica. A solução foi a criação de entidades estatais que fariam esse papel. Tais entidades criariam normas, verificariam o descumprimento das normas e então sancionariam os atores econômicos. Essas entidades criadas a partir da déc. 30, normatizariam e fiscalizariam setores, além de aplicar sanções aos atores econômicos que descumprissem as normas. Houve o boom de expansão das agências reguladorasamericanas. O presidente americano Franklin Roosevelt trouxe o New Deal, em que o Estado passaria a fazer mais intervenção na economia. Um modelo que foi adotado de maneira muito forte é que, se vamos fazer intervenção mais forte na economia, seriam criadas agências reguladoras para normatizar, fiscalizar e sancionar. Ao invés da mão invisível do mercado, vem a mão visível do Estado. As agências reguladoras americanas são criadas de modo preponderante na déc. 30, num período em que o Estado norte-americano queria incrementar sua intervenção na ordem econômica, e a consequência foi a criação de agências. No Brasil, o modelo foi criado na déc. 90, em período em que o Estado brasileiro queria diminuir o seu tamanho e a intervenção direta na economia. Pt. 02 Na déc. 90, por opção política do Governo no sentido de diminuição do tamanho do Estado e de maior liberalização da economia, entendeu-se que o modelo de Estado adotado naquele momento não era eficiente. O Estado brasileiro havia assumido diversas funções, era volumoso, de tamanho enorme em termos de entidades e órgãos e servidores públicos. Percebeu-se até por uma crise fiscal que existia no Direito Comparado e gerou consequências no Brasil, que o modelo de Estado gerava gastos excessivos e comprometia o orçamento de modo a não haver recursos financeiros suficientes para prestação do serviço de modo eficiente. 39 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Nesse movimento de liberalização e diminuição do tamanho do Estado, foram feitas diversas alterações no texto constitucional, de EC 05 a 09, que relativizaram a questão econômica, liberalizando-a. Essas emendas abriram mercados para investimentos estrangeiros. Até então, eram mercados restritos a empresas nacionais controladas por brasileiros, como mineração e telecomunicações. Algumas EC expressamente pediram a criação de órgãos reguladores para alguns setores. A CF usou o termo “órgão regulador”. Na prática, foram criadas autarquias e não órgãos. EC 08 e 09/95. No âmbito infraconstitucional, tivemos a criação do Programa Nacional de Desestatização – PND, no qual o Estado brasileiro adotou uma série de medidas para diminuir seu tamanho, enxugando a máquina administrativa para cortar gastos e ganhar em eficiência e efetividade. Diversas empresas estatais foram privatizadas e o Estado brasileiro de um lado devolveu a atividade econômica para o mercado. Pela CF, atividade econômica é livre iniciativa, de modo que o mercado é o titular / protagonista dessa atividade econômica. Ademais, o Estado também delegou serviços públicos para o mercado, fazendo concessões e permissões de serviços públicos. Esta é uma realidade que nasce junto com o Direito Administrativo, mas na déc. 90 a nossa lei tradicional de permissão e concessão de serviço público foi editada, a L 8987/95. O Brasil implementou um modelo de agência reguladora importado dos EUA. Isso não significa que ele deixou de fazer uma atuação direta na economia. O Estado continua prestando atividades, até hoje existindo estatais para intervenção direta na economia. 40 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira A intenção de criar agências reguladoras foi diminuir o tamanho do Estado, mas ao mesmo tempo garantir normatização e fiscalização no setor econômico desempenhado pelo particular. As leis que criaram as agências reguladoras disseram que são autarquias com regime especial. Autarquia com regime especial tem de especial a autonomia normativa (poder normativo), autonomia administrativa reforçada e autonomia financeira. Ao falar em regime especial de uma autarquia, fazemos contraponto com as autarquias mais tradicionais. Destacaríamos aqui que as agências reguladoras têm maior autonomia / independência em relação às autarquias tradicionais. Por exemplo, numa autarquia tradicional a regra geral é que seu presidente é nomeado livremente e exonerado livremente pelo chefe do Executivo. Por isso, há uma politização das entidades tradicionais. Se a autarquia tradicional não fizer a vontade do agente político que está no poder, o presidente sai. Formalmente, na agência reguladora isso não ocorreria. A nomeação do dirigente de agência reguladora não é completamente livre. Há alguns balizamentos. Depois de nomeado o dirigente, ele tem certa estabilidade. Não pode ser mandado embora sem qualquer motivo, sendo vedada a exoneração ad nutum. Isso traz maior autonomia para a agência reguladora, porque teoricamente seu presidente pode não agradar ao chefe do Executivo, já que a lei dá maior autonomia à autarquia. Para esses setores (petróleo, transporte, telecomunicações, energia, cinema), é criada uma agência reguladora para trazer-lhe maior independência. São fundamentos para criar as agências reguladoras: (a) Despolitização ou desgovernamentalização -> tratamento técnico e maior segurança jurídica ao setor regulado. A mudança de humor do agente político ou mesmo a mudança de agente político em trocas de mandato não afetariam de maneira direta e automática o dia-a-dia de 41 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira uma agência reguladora. E, portanto, não afetariam o dia-a-dia do setor regulado pela agência reguladora. (b) Necessidade de celeridade na regulação de determinadas atividades técnicas. A legislação não acompanharia o setor e seria, portanto, uma forma de regulação ineficiente. Por escolha do próprio legislador, conferiu-se à agência reguladora poder normativo para ela, e não o legislador, baixar normas técnicas para o setor regulado. Ao invés de vir lei com caráter político e processo moroso de criação, haveria normas baixadas pela autarquia. Trata-se de ato administrativo normativo. Como a agência não tem agentes políticos, mas agentes técnicos, essas normas teriam conteúdo técnico (o que a doutrina chama de discricionariedade técnica) e seriam baixadas com maior velocidade que a velocidade do legislador. Pt. 03 FONTES NORMATIVAS FONTES CONSTITUCIONAIS Art. 21, XI, CF – inserido pela EC 08/95 – pede expressamente a criação de órgão regulador para o setor de telecomunicações. Na prática, foi criada uma autarquia regulatória, dotada de personalidade jurídica própria. Ninguém vê qualquer problema nesta discrepância. Nada impede que ao invés de órgão despersonalizado, crie-se uma autarquia, dotada de personalidade jurídica. Foi criada a ANATEL como observância a este artigo. Art. 174 CF – o Estado deve atuar como regulador da economia. Especialmente por conta deste artigo, fala-se hoje num ESTADO REGULADOR. O Estado deve atuar preponderantemente como 42 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira regulador da ordem econômica, embora não se impeça a sua atuação direta. Como este artigo não menciona um setor específico, mas contém previsão genérica, a doutrina diz que este artigo 174 serve como fundamento para criação de toda e qualquer agência reguladora no Brasil. Art. 177, §2º, III, CF – alterado pela EC 09/95 – pede a criação de órgão regulador na área do petróleo. Também fala em órgão, mas foi criada autarquia, a ANP – Agência Nacional do Petróleo. FONTES INFRACONSTITUCIONAIS Lei 9427/96 – ANEEL Lei 9472/97 – ANATEL L. 9478/97 - ANP L 9782/99 – ANVISA L. 9961/00 – ANS L 9984/00 – ANA L 10233/01 – ANTT – ANTAQ1 MP 2228-1/01 – L. Cada ente federado tinha a possibilidade de criar autarquias e fez sua opção, trazendo leis específicas de criação para cada agência. A rigor, todos os entes federados podem criar agências reguladoras. Qualquer ente federado pode criarórgãos, autarquias, EP, SEM e fundações estatais. Assim, existem agências reguladoras estaduais, como AGENERSA, AGETRANSP, e ainda agências reguladoras municipais. Para o ente federado criar uma agência reguladora – ou órgãos, autarquias, estatais, fundações... – deve ser para regular uma atividade de sua competência. 1 Transporte aquaviário. 43 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Se for transporte interestadual, a competência é da União. Se for transporte intermunicipal, do Estado. Se for transporte intramunicipal (dentro de um Município), do Município. Em âmbito federal, temos ao menos 2 agências reguladoras de transporte (ANTT e ANTAQ). A ANTT só pode regular uma rodovia interestadual, mas não tem competência para fiscalizar transporte intramunicipal. Essa competência é do Município. Se a ANTT atuar nesse âmbito, haverá uma inconstitucionalidade. Obs.: O MRJ não tem agência reguladora. Quem trata do seu trânsito é a Secretaria Municipal de Transportes. O ERJ tem a agência estadual reguladora, a AGETRANSP, que só pode tratar do transporte intermunicipal. O STF se deparou com algumas normas estaduais que, com objetivo de proteger os consumidores, estabeleceram regras para empresas de telefonia. P.e., uma lei estadual determinava que a empresa de telefonia mandasse faturas detalhadas quanto às ligações para o consumidor, ou que parassem de cobrar tarifa básica de telefonia. Teoricamente, para legislar sobre proteção do consumidor o Estado tem competência (art. 24 CF), mas o STF declarou todas essas normas inconstitucionais, sob o argumento de que o serviço de telefonia é serviço público federal, de competência da União (art. 21, XI, CF). A entidade regulatória do setor é a ANATEL. As normas estaduais gerariam reflexos nos contratos de concessão de telefonia celebrados pela União, na regulação feita pela ANATEL, etc. Quem deve falar sobre telefonia para proteger o consumidor é a União, não o Estado, por melhor que seja a sua intenção. 44 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira ATIVIDADE REGULATÓRIA Dizer que uma agência reguladora exerce atividade regulatória é uma redundância. Para sabermos o que é atividade regulatória, devemos entendê-la como uma ATIVIDADE COMPLEXA. Não é a atividade administrativa clássica / tradicional, tal como exercida por órgãos e entidades tradicionais. É uma atividade complexa porque envolve 3 atividades dentro do seu conceito: (a) Atividades administrativas clássicas, como o exercício do poder de polícia (fiscalização). (b) Atividades normativas, exercidas de maneira ampla. Na prática, a agência reguladora tem uma liberdade muito grande para definir o conteúdo de uma norma regulatória, o que será permitido ou não no setor regulado. Cada lei que criou cada agência reguladora se limitou a dizer que ela baixaria normas no setor, sem especificar o conteúdo dessas normas. O máximo que a lei diz é fixar parâmetros abertos, standards, como “proteção do meio ambiente”, “universalização do serviço de telefonia”. São parâmetros objetivos genéricos. Di Pietro diz que essa atividade normativa é “quase legislativa”. Não é uma atividade legislativa, porque não estamos diante do Poder Legislativo e não se trata de uma lei. Mas a agência reguladora tem um poder muito grande de definir o conteúdo das suas normas. (c) Atividade decisória / judicante. Em princípio, as agências reguladoras são responsáveis por decisões quanto a conflitos nos setores regulados. De regra, essas agências reguladoras decidem conflitos regulatórios, como é o caso de o usuário brigar com a concessionária no setor regulado. Pela literalidade das leis que as normatizam, essas agências reguladoras dariam a palavra final na via administrativa. Pode-se discutir a decisão no âmbito judicial porque nenhuma lesão ou ameaça de lesão 45 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira pode ser afastada do Judiciário. Mas em princípio a decisão da agência seria a palavra final na via administrativa. Não há previsão de recurso hierárquico impróprio contra a decisão da agência. Se ela decidiu e o administrado não gostou, para a maioria e pela literalidade da lei, o administrado não poderia interpor recurso hierárquico impróprio, direcionado para o Ministério ou para o PR. A agência reguladora é quem daria a palavra final. A decisão pode ser discutida em juízo, mas não na via administrativa, segundo a corrente majoritária. Pt. 04 CLASSIFICAÇÕES DE AGÊNCIAS REGULADORAS QUANTO AO TIPO DE ATIVIDADE REGULADA (a) Agências reguladoras de serviços públicos concedidos - ANEEL, ANATEL, ANTT (b) Agências reguladoras de atividades econômicas em sentido estrito – ANP e ANCINE Essa é uma classificação óbvia a partir da origem que vimos anteriormente, de criação na déc. 90 em contexto de desestatização. Naquele momento, no PND, o Estado devolveu a atividade econômica para o mercado e delegou por concessão ou permissão serviços públicos. O Estado não poderia parar ali, senão voltaria ao modelo clássico de Estado liberal, então foram criadas agências reguladoras para regular tais atividades. Elas foram criadas para regular a atividade econômica devolvida e o serviço público delegado. Daí os dois tipos de agência reguladora vistos acima. Toda classificação é uma redução de complexidade. É tentar transformar tema mais complexo num tema mais fácil. Aqui também é complicado, inclusive para encaixar agências reguladoras num desses dois tipos. A ANATEL, p.e., geraria polêmicas. Em alguns casos não se trata de serviço público, tanto que prescinde de concessão ou permissão do Estado. O 46 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira particular teria até direito a prestar a atividade. Uma análise da Lei 9472, art. 131, §2º, mostra autorizações vinculadas. Ora, licença é vinculada e autorização é discricionária, ao menos em tese, o que demonstra a complexidade da questão. QUANTO À QUANTIDADE DE SETORES REGULADOS (1) Agências reguladoras monossetoriais – agências especializadas num determinado setor da economia, como é o caso da ANEEL, ANATEL, ANP. (2) Agências reguladoras plurissetoriais – uma mesma agência reguladora regula dois ou mais setores da economia, como é o caso da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul – AGERGS. Para a doutrina, o ideal é a criação de agências monossetoriais, que garantiriam maior especialização naquele setor. Quanto maior a especialização, teoricamente maior a eficiência e a qualidade regulatória. QUANTO À TITULARIDADE FEDERATIVA (a) Agências reguladoras federais – ANEEL, ANATEL, ANP. (b) Agências estaduais – AGETRANSP, AGENERSA (c) Agências distritais (d) Agências municipais REGIME JURÍDICO ESPECIAL Passa pela autonomia normativa (possibilidade de baixar normas no setor regulado), bem como uma autonomia administrativa reforçada e autonomia financeira. 47 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira PODER NORMATIVO As agências reguladoras têm um poder normativo ampliado. A lei que cria a agência reguladora não define o conteúdo das normas, apenas diz que a agência reguladora pode baixar normas. Portanto, a agência reguladora ganha muita liberdade para definir o conteúdo da norma. A lei confere um poder normativo para a agência e coloca limites amplos, genéricos e abstratos para que ele seja exercido. São parâmetros / standards para que o poder normativo seja exercido de forma regular pela agência reguladora. Nos EUA,sempre se questionou as normas baixadas pela agência (é um tema polêmico em todo lugar). A doutrina trouxe a ideia de que o legislador pode fazer dois tipos de delegação legislativa para agências: delegação em detalhes, em que a lei já definiria de maneira detalhada o conteúdo e os objetivos da norma, deixando pouco espaço de liberdade para a agência; delegation with standards (delegação com parâmetros), em que o legislador delega a atividade legislativa e dá grande amplitude para a agência definir o conteúdo. O que a lei faz é apenas fixar parâmetros, sem estabelecer um conteúdo prévio. O professor acha que não existe delegação legislativa propriamente dita, mas essa é uma questão técnica e muito formal acerca de nomenclatura. Ao ter poder normativo ampliado, na prática quem estabelece efetivamente direitos e deveres para o setor regulado é uma norma da agência reguladora. É ato administrativo normativo da agência, e não propriamente a lei. Quem define o que pode e o que não pode naquele setor é o ato normativo de uma agência, não o legislador. Muito se discute se esse poder da agência violaria os p. constitucionais da legalidade e da separação de poderes. Para muitos, só a lei poderia estabelecer direitos e deveres, conforme art. 5º, II, CF. se na prática quem 48 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira define direitos e deveres é ato da agência e não a lei, então haveria violação à legalidade. Aula 04 – 25/11/2016 – pt. 01 A agência hoje exerce poder normativo muito ampliado por conta de uma técnica legislativa: ao invés de a lei detalhar determinado assunto, deixa espaço muito grande de conformação para a agência atuar. Juridicamente, existe uma polêmica sobre se esse poder normativo é compatível com a CF. Um primeiro entendimento sustenta que o poder normativo da agência é constitucional, não havendo inconstitucionalidade porque esse poder normativo teria fundamento de validade na própria lei e também porque a CF, ao mencionar a descentralização e a ideia de regulação, partiu da premissa de que se descentraliza a atividade para outra pessoa. Quando a lei cria entidade administrativa, no caso agência reguladora, existe uma descentralização legal. Normalmente, transfere-se para a autarquia aquilo que normalmente o legislador faria, inclusive por poder normativo. Seria normal haver poder normativo em agência reguladora porque a lei assim determinou expressamente, colocando ali limites, embora abertos; e porque seria inerente à própria ideia de descentralização e regulação transferir atividade de um poder para o outro. É o que alguns chamam de delegação legislativa com parâmetros / com standards. Naturalmente, dentro da regulação haveria delegação normativa, já que a atividade regulatória também envolve uma atividade normativa. O poder normativo seria inerente ao papel da agência reguladora, com sua atividade regulatória. Muitos autores justificam esse poder normativo ampliado da agência reguladora pela técnica da DESLEGALIZAÇÃO. Outra expressão com mesmo sentido é DELEGIFICAÇÃO. 49 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Conceito de deslegalização: deslegalização é a retirada, pelo próprio Poder Legislativo, de determinada matéria do domínio da lei, transferindo-a para o domínio do ato administrativo. O próprio legislador opta que a matéria seja veiculada por ato administrativo de uma entidade. Para não ser um cheque em branco, essa entidade deve respeitar alguns parâmetros a serem impostos pelo próprio legislador. Assim, retira-se a politização da matéria e garante-se maior celeridade na sua produção. Para a 1ª corrente, o poder normativo ampliado da agência não é um problema, nem é eivado de inconstitucionalidade, porque está num tema constitucional e na esfera da atividade regulatória. O poder normativo não é exclusivo do legislador. Nada impede que entidades administrativas o exerçam, como o chefe do Poder Executivo exerce poder regulamentar. Outras entidades do Executivo poderiam exercer o poder normativo desde que houvesse previsão expressa, como ocorre no caso da agência reguladora. Nenhuma lei é completamente exaustiva a ponto de não restar espaço ao legislador, mas outras leis são menos detalhadas. Nessas técnicas legislativas, havendo lei muito detalhada, praticamente não sobra espaço para o executivo e falamos em atuação vinculada. Quando o legislador deixa mais espaço, havendo espaço para decisões e escolhas, falamos numa atuação discricionária. Mas inexiste uma atuação totalmente discricionária (que seria arbitrariedade), nem totalmente vinculada (ou poderíamos fechar o Executivo). Uma matéria é regulada pela lei Em determinado ponto, por opção do legislador essa matéria passa a ser tratada por ato administrativo. 50 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Diogo de Figueiredo Moreira Neto, José dos Santos Carvalho Filho, Alexandre Santos de Aragão e Rafael Oliveira se posicionam na 1ª corrente. A segunda corrente sustenta a inconstitucionalidade desse poder normativo das agências reguladoras. Elas não poderiam trazer normas com reflexo para os particulares em geral. O poder normativo da agência seria inconstitucional por violação ao p. da legalidade e ao p. da separação de poderes. Só a lei formalmente falando (ato do legislador) é que poderia criar direitos e deveres. É a visão tradicional de que o ato infralegal não cria nada, apenas executa o que a lei já disse. Se a agência reguladora está criando algo que a lei não criou, seria um poder normativo autônomo, eivado de inconstitucionalidade. No máximo, a agência reguladora poderia regulamentar a lei, mas não criar algo que não goza de previsão legal. Ao baixar norma própria, a agência, que se insere no Poder Executivo, estaria violando separação de poderes, já que o poder de legislar é colocado para o legislativo e não para o Executivo, salvo medida provisória e lei delegada (arts. 62 e 68 CF). Fora essas exceções, é o Legislativo que cria a norma, o Executivo só executa. Defendem esta corrente Celso Antônio Bandeira de Mello, Di Pietro, Marçal Justen Filho, dentre outros. Di Pietro abre exceção para as agências com fundamento constitucional específico, como é o caso da ANATEL e ANP. Essas duas poderiam baixar normas, graças ao seu fundamento constitucional. Elas foram pedidas pela própria CF, então teriam poder normativo. Ela menciona ainda que se a norma da agência for elaborada pela agência a partir da participação dos destinatários, via consulta ou audiência públicas, a norma teria legitimidade suficiente para se impor para esses destinatários. Afinal, eles próprios participaram da elaboração da norma. 51 ADMINISTRATIVO ESPECIAL | Rafael Oliveira Fora isso, Di Pietro concorda com a 2ª corrente, entendendo o poder normativo da agência reguladora como inconstitucional. Suponhamos que uma Lei X estabeleça um limite de poluição para os ônibus que fazem transporte público de passageiros em determinado território, na tentativa de proteger o meio ambiente. Tempos depois, uma Lei Y cria uma agência reguladora (normas de competência – apenas criam órgãos e entidades, definindo competências), a Agência Reguladora Y, a fim de regular transporte público de passageiros. A Lei Y diz que a Agência Reguladora Y terá poderes normativos, desde que respeite alguns parâmetros abertos. A Agência Reguladora Y edita uma resolução pela qual o limite é ainda mais rigoroso, sendo menos tolerável a emissão de poluentes. Se a Lei X falava em 150 como limite e a Resolução da Agência Reguladora Y fala em
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