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11 Direito Constitucional Curso Fórum TV – Nathália Moreira Nunes de Souza BERNARDO FERNANDES 1 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Direito Constitucional ................................................................................... 0 Teoria da Constituição ................................................................................... 5 Constitucionalismo ..................................................................................... 5 Conceito ................................................................................................... 5 Neoconstitucionalismo- ............................................................................... 7 Características do Neoconstitucionalismo ............................................... 8 Transconstitucionalismo ............................................................................ 9 Classificação das Constituições ................................................................. 11 Bloco de Constitucionalidade ................................................................ 19 Sentidos e Concepções de Constituição ..................................................... 20 Sociológico ............................................................................................. 20 Político .................................................................................................. 21 Jurídico ................................................................................................. 22 Cultural ................................................................................................. 22 Classificação das Normas Constitucionais (Aplicabilidade das Normas Constitucionais) ........................................................................................ 23 Normas Constitucionais de Eficácia Plena ............................................ 23 Normas Constitucionais de Eficácia Contida ......................................... 24 Normas Constitucionais de Eficácia Limitada ....................................... 24 Outras Classificações ............................................................................. 25 Poder Constituinte ................................................................................... 27 Poder Constituinte Originário .............................................................. 27 Histórico ............................................................................................. 27 Conceito .............................................................................................. 27 Características .................................................................................... 28 Poder Constituinte Derivado ................................................................. 30 Poder Constituinte Derivado Reformador ......................................... 30 Revisão ............................................................................................ 30 Emendas Constitucionais ................................................................ 33 Limites Formais ........................................................................... 33 Limites Circunstanciais ................................................................ 35 Limites Materiais ......................................................................... 35 Outras formas de reforma ............................................................... 38 Poder Constituinte Decorrente .......................................................... 39 Municípios ....................................................................................... 41 Organização do Estado ................................................................................ 43 Forma de Estado....................................................................................... 43 Análise do Federalismo Brasileiro ........................................................ 44 2 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Classificações do Federalismo ............................................................... 45 Quanto à História ............................................................................... 45 Quanto à Concentração de Poder ....................................................... 46 Quanto ao Equacionamento das Desigualdades ................................. 46 Autonomia ............................................................................................. 47 Repartição de Competência entre os Entes .............................................. 49 Técnicas de Repartição de Competências .............................................. 49 Repartição de Competências na Constituição ........................................ 50 Repartição Horizontal........................................................................ 50 Possibilidade de Delegação do art. 22, p. único, CF ....................... 52 Repartição Vertical ............................................................................ 52 Considerações Finais .......................................................................... 56 Territórios ....................................................................................... 57 Intervenção ............................................................................................... 58 Princípios .............................................................................................. 58 Conceito ................................................................................................. 59 Procedimentos ....................................................................................... 59 Decreto de Intervenção ...................................................................... 61 Controle sobre o Decreto de Intervenção ........................................ 61 Exceções: Ausência do controle pelo Congresso .............................. 62 Controle Judicial ................................................................................... 62 Intervenção Estadual nos Municípios ................................................... 63 Poder Legislativo ...................................................................................... 64 Funções .................................................................................................. 64 Composição ............................................................................................ 65 Número de Deputados e Resolução do TSE ....................................... 65 Funcionamento das Casas ..................................................................... 69 Estrutura ............................................................................................... 72 Comissões .............................................................................................. 73 Comissões Permanentes ..................................................................... 73 Comissões Temporárias...................................................................... 73 Comissões Mistas ................................................................................ 73 Comissão Representativa ................................................................... 74 Comissão Parlamentar de Inquérito .................................................. 74 Conceito ........................................................................................... 74 Requisitos ....................................................................................... 74 Poderes de Autoridade Judiciária .................................................. 75 Estatuto dos Congressistas ....................................................................77 3 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Imunidades Parlamentares ................................................................ 77 Imunidade Material ........................................................................ 78 Imunidade Formal .......................................................................... 80 Imunidade Formal em Relação à Prisão ..................................... 80 Imunidade Formal em Relação ao Processo ............................... 82 Outras Imunidades ......................................................................... 87 Impedimentos ..................................................................................... 88 Hipóteses de Perda de Mandato ........................................................ 89 Procedimentos ................................................................................ 89 Processo Legislativo .............................................................................. 93 Conceito .............................................................................................. 93 Espécies .............................................................................................. 93 Tipos de processo legislativo .............................................................. 93 Processo Legislativo Sumário ......................................................... 94 Processos Legislativos Especiais ..................................................... 95 Fases do Processo Legislativo ............................................................ 95 Processo Legislativo Ordinário .......................................................... 97 Processos Legislativos Especiais ...................................................... 107 Projeto de Lei Complementar ....................................................... 107 Projeto de Lei Delegada ................................................................ 110 Medidas Provisórias ..................................................................... 112 Emendas Constitucionais .............................................................. 119 Conceito ...................................................................................... 119 Procedimento Legislativo........................................................... 119 Decretos Legislativos ..................................................................... 123 Conceito ...................................................................................... 123 Procedimento ............................................................................. 123 Resoluções ..................................................................................... 124 Conceito ...................................................................................... 124 Procedimento ............................................................................. 124 Poder Executivo ...................................................................................... 127 Funções ................................................................................................ 127 Sistema de Governo ............................................................................. 128 Estrutura do Poder Executivo ............................................................. 129 Presidente da República .................................................................. 130 Vice-Presidente ................................................................................ 132 Ministro de Estado ........................................................................... 133 Conselho da República e Conselho de Defesa .................................. 133 4 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Crimes do Presidente da República .................................................... 134 Imunidades ....................................................................................... 134 Crimes de Responsabilidade ............................................................ 135 Crimes Comuns................................................................................. 138 Governadores ....................................................................................... 141 Poder Judiciário ..................................................................................... 143 Funções ................................................................................................ 143 Garantias ............................................................................................. 144 Estrutura ............................................................................................. 147 5 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes TEORIA DA CONSTITUIÇÃO aula 01 – 09/02/2015 – pt. 01 CONSTITUCIONALISMO CONCEITO Constitucionalismo é um movimento do Século XVII na Inglaterra e do Séc. XVIII na França e nos EUA que teve como objetivo limitar o poder (nova organização do Estado) e estabelecer direitos e garantias fundamentais. CONSTITUCIONALISMO = LIMITAÇÃO DE PODER + DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS Qual a diferença do constitucionalismo inglês para o constitucionalismo francês e americano? Todos os constitucionalismos têm um traço comum de limitar poder e estabelecer direitos fundamentais. Todavia, o constitucionalismo inglês decorreu da Revolução Gloriosa, trazendo a ideia de limitação do poder através da Supremacia do Parlamento. Agora, o rei reina, mas não governa mais. É uma limitação de quem antes não tinha limite. É a modificação do Estado de política, para um Estado de Direito Constitucional. O Estado da Política é aquele em que o rei poderia punir as pessoas por sua mera vontade. Poderia ficar insatisfeito porque um tem olho verde e mandar degolá-lo, ou declarar guerra contra uma Cidade Estado porque à noite sonhou com isso; ou mandar recolher tributo porque quer mais dinheiro, e determinar a morte de quem não puder pagar. O Estado de Direito Constitucional, no caso do constitucionalismo inglês, é inaugurado no séc. XVII pela Revolução Gloriosa, com a supremacia do parlamento. O rei reina, mas não governa (quem governa é o Parlamento). Os integrantes do parlamento, em parte, serão escolhidos pelo povo. No caso inglês, teremos uma Declaração de Direitos de 1689, chamada de Bill of Rights. [limitação de poder + estabelecimento de direitos fundamentais] A Constituição aqui é apenas material, não escrita e histórica. Para eles, o papel aceitaria tudo, seria apenas tinta. A Constituição não seria um pedaço de papel, mas 6 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes as práticas, o que se faz no decorrer da história. Ou seja, é o que construímos a partir de práticas. Já o Constitucionalismo francês e americano é o mais tradicional, adveio no Séc. XVIII, fruto das Revoluções Francesas. Aqui veio a Teoria da Separação dos Poderes, teorizada por Montesquieu. Como não poderia deixar de ser, existiram Declarações de Direitos nestes constitucionalismos: França → 1789 → Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão EUA → 1791 → Bill of Rights Nesse constitucionalismo, criou-se um papel que mandaria acima de todos, fosse o Rei ou Presidente, Legislativo ou Judiciário. Era a Constituição. Todos deveriam conhecer, obedecer e aplicar este documento. Surgem aí as constituições formais, escritas e dogmáticas. INGLATERRA FRANÇA / EUA Séc. XVII Séc. XVIII Revolução Gloriosa Revolução Burguesa Supremacia do Parlamento Teoria da Separação dos Poderes Declaração de Direitos de 1689 França→ 1789 – Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão EUA → 1791 – Bill of RightsConstituição material, não escrita e histórica Constituições formais, escritas e dogmáticas França EUA Declaração de Direitos – 1789 Constituição – 1787 Constituição - 1791 Declaração de Direitos - 1791 7 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes O constitucionalismo de maior sucesso na história é o do séc. XVIII, fruto das Revoluções Burguesas, que inaugurou a ideia de separação de poderes e a ideia do constitucionalismo formal em CF escritas e dogmáticas, tanto que adotamos esse modelo no Brasil e na maioria dos países do mundo. O conceito de Constituição, a partir do séc. XVIII, na maioria dos países do mundo pode ser dado conforme Canotilho: Constituição é a ordenação sistemática e racional da comunidade política explicitada em um documento escrito que organiza o Estado e estabelece direitos e garantias fundamentais. Pt. 02 NEOCONSTITUCIONALISMO1-i O neoconstitucionalismo é um movimento da 2ª metade do século XX em diante (pós II G.M.) que tem como objetivo um novo modo de compreender, interpretar e aplicar o Direito Constitucional e as Constituições subjacentes ao mesmo. O neoconstitucionalismo trabalha com uma ruptura com o Direito Constitucional, trazendo uma nova forma de compreender, aplicar e interpretar o Direito Constitucional e as Constituições. Quais são os marcos do neoconstitucionalismo? Histórico -> é o Estado Constitucional de Direito que surge pós 2ª Guerra Mundial. Filosófico -> é o Pós-Positivismo, uma tentativa de superação da dicotomia entre jusnaturalismo e positivismo. O pós-positivismo tem por objetivo ir além da legalidade estrita, porém sem desconsiderar o Direito posto. Portanto, permite uma reconciliação entre Direito e a ética, moral, justiça e filosofia. Teórico -> é um conjunto de teorias que desenvolvem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e uma nova hermenêutica (a hermenêutica constitucional): o Força normativa da Constituição o Expansão da jurisdição constitucional o Hermenêutica constitucional (nova hermenêutica) 1 Artigo do Barroso sobre Neoconstitucionalismo: http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art04102005.htm 8 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes CARACTERÍSTICAS DO NEOCONSTITUCIONALISMO A. Constitucionalização do Direito -> é a Constituição como centro do ordenamento jurídico. Essa é a característica básica, porque a partir do Neoconstitucionalismo todo o Direito passa a ser constitucional. A CF vira o centro do ordenamento jurídico, como um sol ao centro do sistema solar. É uma verdadeira invasão do Direito Constitucional, também chamada no RJ de ubiquidade do Direito Constitucional (é a ideia de estar em todos os lugares ao mesmo tempo). Ocorre uma verdadeira filtragem constitucional, já que todos os direitos devem ser analisados antes à luz da Constituição, como se fosse um funil. B. Força Normativa da Constituição C. Busca pela Concretização (implementação) dos Direitos Fundamentais -> o neoconstitucionalismo busca concretizar os Direitos Fundamentais, tendo como mote a dignidade da pessoa humana. Esta passa a ser núcleo axiológico dos ordenamentos jurídicos, falando-se na sua eficácia irradiante. D. Judicialização da Política e das Relações Sociais -> há um significativo deslocamento de poder do Legislativo e Executivo para o Judiciário. O Judiciário, pela primeira vez, passa a ser protagonista de ações, podendo excepcionalmente implementar políticas públicas. O STF, p.e., afasta a reserva do possível e utiliza o mínimo existencial à luz da dignidade da pessoa humana para implementar políticas públicas. E. Reaproximação entre o Direito e a Ética, o Direito e a Justiça, o Direito e a Filosofia -> surgem aqui duas questões importantes: Moralismo jurídico Leitura moral da Constituição F. Renovação da Teoria da Norma, da Teoria das Fontes e da Teoria da Interpretação Pt. 03 Quanto à teoria da norma, a renovação operada é o reconhecimento da normatividade dos princípios. Portanto, não se reconhece apenas a força normativa da CF, mas também a força normativa dos princípios, que deixam de ter perspectiva secundária, usados apenas como forma de complementação na falta de regras. Mesmo existindo regras, pelo neoconstitucionalismo o p. pode ser aplicado. Há autores que atualmente criticam isso. 9 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Quanto à Teoria das Fontes, o Neoconstitucionalismo promove o deslocamento de poder do Legislativo e Executivo para o Poder Judiciário. Isso fica claro no Brasil, onde há repercussão geral, transcendência dos motivos determinantes, súmulas vinculantes... O Direito não surge mais apenas do Legislador, passando a emanar também da atuação do Poder Judiciário. Por isso, falamos numa expansão da jurisdição constitucional e dos Tribunais Constitucionais. No que toca à Teoria da Interpretação, há uma relativização dos métodos clássicos, mediante uma nova hermenêutica. Essa nova hermenêutica é chamada de Hermenêutica Constitucional: Tópica Metórica-Estruturante Hermenêutica Concretizadora Teorias da Argumentação Princípio da Proporcionalidade Ponderação TRANSCONSTITUCIONALISMO Criador: Marcelo Neves (UnB). O transconstitucionalismo pode ser conceituado como o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas (estatal, internacional, transnacional, supranacional) com os mesmos problemas de natureza constitucional. Ordens jurídicas diferenciadas enfrentarão concomitantemente as mesmas questões de natureza constitucional. Ex.: o STF julgou a ADPF 101, com a questão de importação de pneus, enquanto que a mesma questão vem sendo discutida internacionalmente pela União Europeia, OMS, OMC, Organização Mundial do Meio Ambiente, etc. Portanto, ordem nacional, supranacional e internacional discutem simultaneamente a mesma questão de natureza constitucional, que pode ser abordada sob diversos aspectos. A OAB ajuizou a ADPF 153, sustentando que a Lei da Anistia, de 1979, feria princípios constitucionais como o p. da democracia e o p. da dignidade da pessoa humana, e portanto não poderia ser recepcionada pela CF 1988. Isso porque ela anistiava não só exilados políticos, como também agentes torturadores do período da ditadura e outros agentes da repressão. 10 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Essa ADPF está vinculada, portanto, a um tema muito popular atualmente, da Justiça de Transição, e o direito à memória. O STF julgou improcedente a ADPF 153, em abril/2010. Entendeu que a lei da anistia foi recepcionada pela CF 1988, mesmo tendo abrangido exilados políticos e agentes da repressão. A Corte Interamericana de Direitos Humanos julgou o caso Gomes Lund x Brasil, dizendo que a lei da anistia no Brasil não pode ser obstáculo para investigação e punição dos responsáveis por torturas e mortes na Ditadura Militar do Brasil. Ou seja, a lei da anistia não tem validade no que tange aos agentes repressores que praticaram torturas e mortes no Brasil, não podendo servir de obstáculo para investigação e repressão dessas pessoas. O STF deu uma decisão e a Corte Interamericana deu outra. Entra aqui o transconstitucionalismo, porque o mesmo problema de Direito Constitucional foi debatido e resolvido por duas ordens, uma interna e outra externa. Daí vem a ideia do Controle de Convencionalidade, que nada mais é do que a possibilidade de estabelecer um parâmetro entre normas do ordenamento jurídico e tratados internacionais de direitos humanos. O parâmetro é entre as normas jurídicas do país e tratados internacionais de Direitos Humanos (normas internas x TIDH).Qual ordem deve prevalecer, o STF ou Corte Interamericana de Direitos Humanos (que o Brasil integra e, portanto, deve respeitar suas decisões)? Marcelo Neves entende que não há necessariamente uma ordem que deve prevalecer sobre as outras (imposição de uma norma de forma heterônoma sobre as outras). Defende-se aqui os diálogos constitucionais para que decisões mais adequadas sejam tomadas. O Marcelo Neves defende a tese das pontes de transição entre as ordens jurídicas. Quanto mais elas se abrirem aos diálogos constitucionais, mais chances de decisões mais adequadas, mais justas e mais legítimas serem tomadas. Para o transconstitucionalismo, existe a necessidade de abertura, e não de fechamento entre as ordens. Outro exemplo dado pelo Marcelo Neves é a quantidade de fundamentação de decisões do STF com base em decisões internacionais ou de Tribunais de outros países. Essa comunicação de decisões entre Estados, entre organismos internacionais, propicia que decisões mais justas sejam tomadas. Aula 02 – 09/02/2015 – Pt. 01 11 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES Quanto ao conteúdo Constituição Formal -> é a Constituição escrita e dotada de supremacia em relação às outras normas do ordenamento. Falamos também numa “supralegalidade” da Constituição. A Constituição formal pode e deve ser modificada, para não ficar parada no tempo, mas não pelos meios normais utilizados para modificar outras leis. Ou seja, a Constituição Formal só pode ser modificada por procedimentos especiais (mais difíceis) previstos nela. Utilizaremos o critério da hierarquia: a norma inferior que contrariar uma norma constitucional será inconstitucional. Quanto ao conteúdo, a CF 88 é formal, posto que escrita e dotada de supremacia em relação a qualquer outra norma do ordenamento, tanto que só pode ser modificada por procedimentos especiais que ela mesma determina (art. 60 CF). [escrita + supremacia em relação a outras normas] Constituição Material -> é o conjunto de normas escritas ou não na Constituição Formal e que dizem respeito às matérias tipicamente constitutivas do Estado e da sociedade. Ou seja, são matérias sem as quais não temos sociedade e nem Estado; com o Constitucionalismo, passou a ser essencial a Organização do Estado, com sua separação de poderes, e os Direitos e Garantias Fundamentais. Matérias essenciais: Organização do Estado + Direitos Fundamentais Além dessa definição teórica, podemos definir que a Constituição Material é composta de organização do Estado e Direitos Fundamentais. Existe Constituição Material fora da Constituição Formal? Sim. Por exemplo, a Lei nº 8.069/90, que apesar de ser Lei Ordinária trata de matéria constitucional, por envolve direito fundamental da criança e do adolescente. Outro exemplo é a Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que versa sobre matéria constitucional (direito fundamental). Portanto, é Constituição Material fora da Formal. Outro exemplo é a Lei 8.078/90, que possui várias normas que são matérias constitucionais (CF material), ainda que fora da Constituição Formal. Exemplos de CF material fora da CF formal: ECA, Estatuto do Idoso, CDC.... Essas normas, porém, não são dotadas de supremacia, tanto que podem ser alteradas por leis ordinárias, com procedimentos comuns. Uma LO pode perfeitamente alterar o ECA, por exemplo. Já a CF material que se encontra dentro da CF formal não pode ser alterada por uma LO, por exigir procedimento especial (supremacia da Constituição). 12 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Dentro da Constituição Formal, não existem apenas normas materialmente constitucionais. Ex.: norma constitucional que prevê que o Colégio Pedro II é federal. Quanto à estabilidade Constituição Rígida -> requer procedimentos especiais para sua modificação. Quando a CF é rígida quanto à estabilidade, será formal quanto ao seu conteúdo. A Constituição Federal brasileira é rígida, segundo a corrente majoritária. Obs.: Alguns autores paulistas classificam a CF brasileira como “super- rígida”, porque além de serem exigidos procedimentos especiais para modificá-la, ainda há cláusulas pétreas, com temas que não podem ser alterados de forma alguma. Todavia, essa corrente é minoritária. Constituição Flexível -> não requer procedimento especial para sua modificação. Isso só pode ocorrer quando a Constituição está no mesmo nível das leis ordinárias, tanto que não pediu procedimento especial para sua modificação e qualquer lei poderá modificá-la. Vigora o critério de que a lei posterior vigora a anterior, e para isso não pode existir hierarquia entre CF e demais normas. Ex.: a Constituição inglesa2. Constituição Semirrígida ou Semiflexível -> é a Constituição que tem uma parte flexível e outra rígida. Ex.: Constituição de 1824. 2 Em 1998, a Inglaterra aprovou o tratado de direitos humanos da União Europeia, segundo a qual leis internas não poderão contrariar tal tratado. Qualquer lei comum pode modificar a Constituição inglesa, mas não pode contrariar o Tratado de Direitos Humanos da União Europeia. Aqui entraria um controle de convencionalidade. Normas materialmente constitucionais Não são CF material Norma materialmente constitucional, mas não está na CF formal. Norma formalmente constitucional 13 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Pt. 02 Quanto à forma Constituição Escrita -> é a Constituição escrita e sistematizada num documento, elaborada em um procedimento único. A CF 88 é escrita. Portanto, a CF é formal, rígida e escrita. Atualmente, não apenas as EC podem modificar a CF, mas também os tratados internacionais de Direitos Humanos que passarem pelo procedimento de EC. Só que a redação não vai ficar num único documento (o texto constitucional), continuará fora, o que gerou algumas críticas. Constituição Não Escrita -> é a Constituição elaborada de forma esparsa no decorrer do tempo em virtude de um processo histórico. As Constituições não escritas podem ter documentos escritos? SIM. Como vimos no conceito, Constituição Não Escrita é aquela elaborada de forma esparsa, então nada impede que haja um documento escrito, desde que ele não seja único, feito num único procedimento (o que faria da Constituição Escrita). Ex.: a Constituição Inglesa, que é cheia de documentos escritos, como a Magna Carta, a Petição de Direitos, o Bill of Rights, o Acordo do Povo... Além desses documentos escritos, essa Constituição é integrada ainda de costumes jurídicos (material, não escrita, histórica, flexível, costumeira). Quanto ao modo de elaboração Dogmática -> equivale à escrita quanto à forma Histórica -> equivale à não escrita quanto à forma Quanto à origem do documento Refere-se à origem democrática ou não do documento. Constituição Promulgada -> é aquela aprovada com participação popular. É um sinônimo de Constituição Democrática. A CF 88 é promulgada. Constituição Outorgada -> é aquela elaborada sem a participação popular. Ou seja, o povo não participa do seu processo de elaboração. É sinônimo de Constituição Autocrática ou Ditatorial. Ex.: Constituição de 1824, 1937, 1967 e emendas de 69. Constituição Cesarista -> é a Constituição elaborada sem a participação popular, mas posteriormente à sua produção o povo é chamado para dizer “sim” ou “não” sobre o documento3. 3 Obs.: o José Afonso diz que seria um plebiscito. Todavia, plebiscito é uma consulta prévia à produção normativa, o que não ocorre aqui. Portanto, o termo correto seria “referendo”, que é a consulta posterior à produção normativa.14 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Constituição Pactuada -> é aquela que resulta de um acordo entre o rei e o parlamento. Isso era comum no final do séc. XVIII e início do séc. XIX, em que a monarquia estava enfraquecida enquanto a burguesia ganhava força. Essas Constituições são chamadas de Pactuadas ou Dualistas. Paulo Bonavides diz que essas Constituições resultam de um acordo para desenvolver dois princípios: o princípio monárquico e o princípio democrático (em virtude do Parlamento). Quanto à extensão Constituição Sintética -> é a Constituição resumida, sucinta. Em seu texto ela apresenta apenas matérias Constitucionais. Ela tem o básico do básico, ou seja, a organização do Estado e os direitos fundamentais. Ex.: Constituição americana de 1787. Constituição Analítica -> é uma Constituição extensa e prolixa. Não apresenta em seu texto apenas matérias constitucionais. A CF 88 é analítica. Ela é detalhista, porque desce a pormenores. Quanto à ideologia ou à dogmática Constituição Ortodoxa -> prevê apenas uma ideologia em seu texto. Ex.: a Constituição de 1918 da Rússia, a atual Constituição da China... Constituição Eclética -> é aquela que apresenta mais de uma ideologia em seu texto. É também conhecida como Constituição Plural ou Constituição Aberta. São típicas de um Estado Democrático de Direito. Ex.: a CF 88, que fala em valores sociais do trabalho e livre iniciativa, direito de propriedade e função social da propriedade. É uma abertura constitucional que permite o desenvolvimento de perspectivas bem diversas. Pt. 03 Quanto à finalidade Constituição Garantia -> é uma Constituição que se volta para o passado, sendo exemplos as Constituições do Séc. XVIII e XIX. Estas Constituições são negativas, abstencionistas¸ conhecidas também como Constituições Quadro. Isto porque não são interventivas, nem proativas. Lembre-se que no Séc. XVIII e XIX havia um Estado Liberal. Portanto, essas Constituições são típicas do liberalismo, em que não existe uma intervenção estatal (Estado Mínimo). Essas Constituições visavam a garantir direitos já assegurados frente a ataques do Poder Público. A Constituição Federal de 1988 pode ser classificada como uma Constituição Garantia? A verdadeira pergunta é: qual Constituição brasileira não é de garantia, não visa a assegurar direitos de ataques do Poder Público? Ora, 15 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes todas as Constituições também têm este escopo, por isso a CF 88 também tem um viés de Constituição Garantia. Constituição Balanço -> é uma Constituição que se volta para o presente, sendo típicas dos Estados socialistas (são constituições de cunho marxista). São exemplos as Constituições do Século XX. Constituição Dirigente -> é uma Constituição que se volta para o futuro. É típica de Estados sociais (Constitucionalismo Social – Welfare State – Estado tutor – Estado planificador – Estado de Bem Estar Social). São Constituições que estabelecem tarefas, fins e programas para o Estado e a sociedade. Ou seja, estabelecem uma ordem concreta de valores para Estado e sociedade. Em seus textos, são comuns as normas programáticas. Quanto à finalidade, a Constituição brasileira é classificada como DIRIGENTE, embora toda Constituição tenha um viés de garantia. Obs.: Na língua portuguesa, a grande referência da Constituição Dirigente é o Canotilho, cuja tese de doutorado tratou deste tema e alcançou grande notoriedade. Entre 2001 e 2002, Canotilho resolveu lançar a segunda edição desse livro, dizendo que a Constituição sobre a qual ele escrevera na década de 70 não existia mais. Isso causou grande repercussão entre os autores no Brasil. Canotilho veio aqui e explicou que a Constituição Dirigente não morreu; o que morrera foi o tipo de Constituição Dirigente do século XX. Para Canotilho, a Constituição Dirigente ainda existe, porém em outros moldes. Portanto, atualmente ainda existe um certo dirigismo constitucional, porém menos impositivo e mais reflexivo. Seria um “dirigismo soft”. Classificação ontológica Criador: Karl Loewenstein É uma classificação que busca a essência das Constituições (onto = ser, essência ; lógica = estudo). Loewenstein queria descobrir, em suma, o que realmente é a Constituição, diferenciando-a de tudo mais. Para fazer esta ontologia, concluiu que a Constituição não era nada do que foi dito nas classificações acima, porque elas só analisam o texto, e a Constituição é muito mais do que isso. Afinal, o que adianta o texto falar em democracia se o país na verdade é ditatorial? Do que adianta falar em dignidade da pessoa humana se à noite o líder do país come criancinhas? Loewenstein defende que não dá para analisar só o texto para definir Constituição: é imprescindível analisar também a realidade social vivenciada por esse texto. 16 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Portanto, essa classificação ontológica considera a relação entre o texto e a realidade constitucional, se o Judiciário realmente é guardião da Constituição ou se ignora a sua aplicação. Por essa análise, só existem 03 tipos de Constituição: Constituição Normativa -> é a Constituição na qual existe uma adequação entre o texto e a realidade social. O texto é cumprido, dotado de efetividade. Nunca será 100% efetivo, mas o grau de seu descumprimento é muito menos do que na Constituição Nominal. Ex.: Constituição americana (1787), Constituição da França de 1958, Constituição da Alemanha (1949)... Constituição Nominal -> não há adequação entre texto e realidade social. O texto fala em saúde, educação para todos, justiça social, democracia, mas na prática a realidade social é totalmente diversa. O lado positivo dessa Constituição é o pedagógico: o primeiro passo foi dado, porque o texto é avançado e bom. Só que há um processo, e a realidade ainda não está adequada a esse texto da Constituição. A CF 88 é exemplo de Constituição Nominal. Constituição Semântica -> é aquela que trai o significado do termo “Constituição”. “Constituição” veio para acabar com a farra do absolutismo. Já a CF semântica, ao invés de limitar o Poder, legitima o Poder autoritário. As Constituições autoritárias são semânticas e traem o significado originário de “Constituição”, que é limitar poder. Ex.: CF 1937 e 1967. Toda Constituição pretende ser normativa, mas não existe uma classificação de Constituição que “pretende ser normativa”. Essa categoria nunca foi elaborada por Loewenstein, embora seja mencionada em autor do RJ. Por sua classificação a CF 1988 é NOMINAL. Legitimidade Efetividade Constituição Normativa Sim Sim Constituição Nominal Sim Não Constituição Semântica Não Sim 17 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Aula 03 – 23/02/2015 – Pt. 01 Constituição Dúctil Criador: Gustavo Zagrebelsky Constituição Dúctil é aquela que não predefine uma forma de vida para a sociedade. Ao invés disso, ela cria condições para que nós possamos realizar os mais variados projetos de vida (concepções de vida digna). No fundo, trata-se de uma Constituição plural, eclética, típica de um Estado Democrático de Direito. Esse documento apenas cria condições para que possamos realizar as mais diferentes concepções de vida digna. Esta Constituição também pode ser considerada uma Constituição aberta. Constituição Plástica Existem duas correntes sobre a Constituição Plástica. A primeira delas, majoritária, define Constituição Plástica como aquela dotada de maleabilidade. Ou seja, é uma Constituição maleável aos influxos da realidade social. Portanto, é uma Constituição que permite releituras, reinterpretações de seu texto em virtude denovas realidades sociais. O texto da Constituição pode continuar o mesmo literalmente, gramaticalmente, mas ele será reinterpretado em virtude de novas realidades sociais. Esse fenômeno nada mais é do que a mutação constitucional. Portanto, para essa 1ª corrente a Constituição Plástica seria aquela que admite a mutação constitucional. Não importa se a Constituição é flexível ou rígida, ou seja, se ela requer ou não procedimentos especiais para sua modificação. Seu texto pode permanecer o mesmo, mas ser reinterpretado por mudanças na realidade social. Essa corrente tem dois grandes representantes: Raul Machado Hora e Uadi Lammego Bullos. A segunda corrente entende que Constituição Plástica é aquela dotada de flexibilidade, ou seja, a Constituição Plástica se equipararia à Constituição Flexível (= aquela que pode ser alterada sem procedimentos especiais). Seu principal adepto é o Pinto Ferreira. 18 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Heteroconstituições São Constituições elaboradas e decretadas fora do Estado que elas irão reger. Ex.: se a CF do Brasil fosse elaborada e decretada na Argentina. Por exemplo, a Constituição do Chipre foi feita na década de 60 em Zurique. O mais comum são as autoconstituições, que alguns autores denominam de homoconstituições. São Constituições elaboradas e decretadas dentro do Estado que irão reger. Quanto ao conteúdo Formal Material Quanto à estabilidade Rígida Flexível Semirrígida Quanto à forma Escrita Não escrita Quanto à elaboração Dogmática Histórica Quanto à origem Promulgada Outorgada Cesarista Pactuada Quanto à extensão Sintética Analista Quanto à ideologia Ortodoxa Eclética Quanto à finalidade Garantia Balanço Dirigente Ontológica Normativa Nominal Semântica Dúctil Plástica Heteroconstituições 19 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE Autor que primeiro trabalhou o tema a partir da decisão do Conselho Constitucional Francês: Louis Favoreu (considerado o artífice do tema). Há duas correntes sobre esse tema. A primeira delas, de tradição francesa, define bloco de constitucionalidade como um conjunto de normas materialmente constitucionais que estão fora da Constituição formal, e mais a Constituição formal [bloco de constitucionalidade = normas materialmente constitucionais fora da CF formal + CF formal] Esse conceito, portanto, engloba as normas que estão na CF formal, mas não são materialmente constitucionais. Integram as normas materialmente constitucionais fora da Constituição: Norma materialmente constitucional infraconstitucional, como o ECA (L. 8.069/90)e o Estatuto do Idoso (L. 10.741/2003). Costumes jurídicos constitucionais4 Jurisprudência constitucional A 2ª corrente entende que o bloco de constitucionalidade será formado pelo conjunto de normas expressas e implícitas na Constituição Formal. Portanto, esse bloco seria o nosso parâmetro para o controle de constitucionalidade, que se restringe apenas às normas da Constituição formal. Ex. de norma implícita na CF -> princípio da proporcionalidade A 2ª corrente é majoritária no Brasil. [bloco de constitucionalidade = normas explícitas + normas implícitas] O conceito de bloco de constitucionalidade surgiu na França com um julgado do Conselho Constitucional francês, que é o órgão que controla a constitucionalidade das leis na frança, datado de 16/07/1971. Afirmou-se, naquela ocasião, que o preâmbulo da Constituição integraria o bloco de constitucionalidade francês. Ou seja, deu-se valor constitucional ao preâmbulo em 1971 (coisa que até hoje não se concluiu no Brasil). 4 Costumes jurídicos são formados pelo elemento objetivo (REPETIÇÃO HABITUAL DA PRÁTICA) e pelo elemento subjetivo (CONVICÇÃO DE JURIDICIDADE DA PRÁTICA). Ex.: o revezamento entre os Ministros do STF para ser o Presidente da Corte, em que assume o Ministro mais antigo que ainda não tenha sido o Presidente. 20 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes A França inaugura o conceito de bloco de constitucionalidade usando o preâmbulo. Atualmente, eles consideram que integra o bloco de constitucionalidade a Constituição (1958) e seu preâmbulo, o preâmbulo da Constituição anterior (1946), a Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e algumas leis da República francesa (infraconstitucionais). O conceito adotado pela teoria francesa, portanto, é amplo, porque não engloba apenas a Constituição, mas o preâmbulo de uma CF que não existe mais, uma declaração de direitos e normas infraconstitucionais. São normas materialmente constitucionais que estão fora da Constituição formal. Para a corrente majoritária, o Brasil adota um conceito restrito de bloco de constitucionalidade, que seria composto apenas pelas normas da Constituição formal. Tanto que este é o único parâmetro utilizado para controle de constitucionalidade. Os tratados internacionais de direitos humanos podem ser utilizados na forma do art. 5º, §3º, CF, ou seja, recebem formalização como normas constitucionais equivalentes às EC. Obs.: Celso de Mello busca trabalhar em seus votos um conceito amplo de bloco de constitucionalidade, tanto que por ele nem precisaríamos seguir o rito das EC para os TIDH serem normas constitucionais. Tratar-se-iam de normas constitucionais independentemente disso, seguindo a doutrina da Flávia Piovesan. SENTIDOS E CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO SOCIOLÓGICO Ferdinand Lassalle Esse sentido remonta ao Século XIX, 1863, mais especificamente de um livro do Lassalle traduzido como “A Essência da Constituição”. Por esse sentido sociológico, a Constituição poderia ser definida como os fatores reais de poder que regem a sociedade. Fatores reais de poder Mas que fatores seriam esses? (i) Econômicos; (ii) Militares; (iii) Religiosos, dentre outros. 21 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Ou seja, no fundo o que rege uma sociedade são fatores reais de poder. O texto escrito da Constituição seria uma mera folha de papel, que sucumbe para a Constituição real. Constituição escrita como mero pedaço de papel Constituição real (fatores de poder) que se sobrepõe à Constituição escrita O que rege a sociedade não é um pedaço de papel, mas sim os fatores reais de poder (religião, militar, economia, pressão do operariado), que são considerados uma Constituição Real, que se contrapõe à Constituição Escrita. POLÍTICO Carl Schmitt Essa concepção data da déc. 20 do Século XX. Carl Schmitt escreveu o livro “Teoria da Constituição”, onde define o sentido político da Constituição. A Constituição deve ser entendida como as decisões políticas fundamentais do povo. Para Schmitt, o poder constituinte seria o povo; portanto, essas decisões políticas fundamentais seriam do próprio poder constituinte. O pedaço de papel seriam as “leis constitucionais”, mas acima delas estaria a Constituição como as decisões políticas fundamentais. Também podemos nos referir a essa tese como DECISIONISTA. decisões políticas fundamentais do povo Esse conceito fundamentou o nazismo. Para Schmitt, a democracia não é e nunca poderia ser o que nós trabalhamos hoje, ou seja, uma democracia burguesa e representativa (escolhemos representantes para exercer poder em nosso nome). Os representantes não representarão o povo que o escolheu, mas apenas representarão os interesses deles mesmos e dos grupos que os elegeram. Democracia seria apenas a identidade de governante e governado,tal como ocorria na Grécia Antiga, em que as pessoas eram representantes e representados ao mesmo tempo. Como não é possível realizar isso na prática, escolher-se-ia um líder. O líder era o povo e o povo era ele. Portanto, o líder não representava o povo, ele ERA o povo, não se falando em representação. Ora, se a Constituição é decisão política fundamental do povo, e o povo é o líder, então qualquer decisão desse líder será sempre constitucional. 22 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes JURÍDICO Hans Kelsen e Konrad Hesse As obras desses autores se deram no Séc. XX. Kelsen escreveu A Teoria Pura do Direito, de que nos importa sua 2ª edição, em 1961. Já o Konrad Hesse escreveu em 1959 A Força Normativa da Constituição. Pt. 03 Para esses autores, a Constituição deve ser entendida como norma jurídica prescritiva de dever-ser 5 que vincula condutas e rege o Estado e a sociedade. norma jurídica prescritiva de dever-ser vincula condutas e rege o Estado e a sociedade CULTURAL Peter Haberle A Constituição deve ser entendida como produto da cultura. A ideia é que a Constituição é o retrato de uma época. Você consegue entender um povo a partir da Constituição, afinal ela é feita de homens num período histórico, funcionando como um reflexo da sociedade. Nesses termos, a Constituição é condicionada pela cultura. Não podemos confundir isso, porém, com a efetividade. A CF 88, por exemplo, veio a lume numa época de redemocratização, sendo influenciada por várias ideias dessa época; se ela teve ou não efetividade, é outro tema. Além de a CF ser condicionada pela cultura, ela também é sua condicionante. Afinal, ela em tese busca reger aquela sociedade. Constituição como produto da cultura Constituição condicionada e condicionante da cultura Obs.: na verdade, esta corrente é tipicamente mista, porque ao mesmo tempo coloca a Constituição como fator de poder, decisão do povo e norma jurídica vinculante. Afinal, todos esses elementos integram a cultura de um povo (religião, militar, economia, política, normas jurídicas...). 5 Ela não descreve, mas prescreve. 23 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS (APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS) O objetivo aqui é classificar as normas constitucionais quanto à aplicabilidade ou sua eficácia jurídica. O grande expoente aqui é José Afonso da Silva, que lançou sua teoria brasileira da aplicabilidade. Para ele, todas as normas constitucionais são dotadas de aplicabilidade. Norma constitucional não é conselho, não é súplica. Se está dentro da Constituição, rege o Estado e a sociedade e vincula condutas, então precisa ter aplicabilidade. Todas as normas constitucionais têm ao menos dois efeitos: 1. Efeito positivo: pelo simples fato de uma Constituição surgir, ela ‘revoga’ tudo do ordenamento anterior que seja contrário a ela. Tecnicamente, falamos numa “não recepção”. 2. Efeito negativo: negar ao legislador ordinário a possibilidade de formular leis contrárias às normas constitucionais. Embora todas as normas tenham aplicabilidade, existem diferentes graus de aplicabilidade e de eficácia jurídica. Eficácia jurídica é a aptidão que a norma tem para produzir efeitos, não se confundindo com a eficácia social (chamada pelo Barroso de efetividade). Podemos ter uma norma com eficácia jurídica sem que tenha eficácia social. Eficácia jurídica é a possibilidade de a norma ser aplicada, é sua aptidão para gerar efeitos. Eficácia social é a efetividade, é a norma ser realmente obedecida e aplicada no mundo prático. Ex.: em 1997, entrou em vigor o Código Nacional de Trânsito, segundo o qual todos os carros do Brasil precisariam ter kit de primeiros socorros. Era norma com eficácia jurídica, porque era válida, em vigor e passada a vacatio legis, mas não era observada na prática, até porque o ideal é que num acidente nem se toque na vítima, mas aguarde atendimento especializado. Pt. 04 NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA PLENA São as normas bastantes em si, ou seja, reúnem todos os elementos para a produção de todos os efeitos jurídicos. São dotadas de uma aplicabilidade direta e imediata. Ex.: art. 1º, 44 e 46 CF (a forma de governo e de Estado são definidas com apenas 2 palavras no início da Constituição: república e federativa). 24 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA CONTIDA São aquelas que nascem com eficácia plena, reunindo todos os elementos para produzir todos os possíveis efeitos jurídicos, mas terão seu âmbito de eficácia reduzido, restringido ou contido pelo legislador infraconstitucional. Sua eficácia é direta e imediata. Ex.: art. 5º, XIII, VIII e art. 37, I, CF. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA São aquelas normas que não bastam em si, porque não reúnem todos os elementos para a produção de todos os efeitos jurídicos, pois necessitam de complementação (regulamentação) dos poderes públicos para tal. Essas normas são dotadas de aplicabilidade indireta, mediata. Essas normas se dividem em duas: Normas de princípios institutivos -> são normas que apresentam esquemas de organização de órgãos, entes ou instituições do Estado. Ex.: art. 18, §2º, art. 25, §3º e art. 33, caput, CF. Normas de princípios programáticos -> são aquelas que apresentam tarefas, fins e programas para o cumprimento pelo Estado e pela sociedade. Ex.: direito à saúde e direito à educação. Qual a diferença entre normas constitucionais de eficácia contida e as normas constitucionais de eficácia limitada? Ambas preveem o advento de lei. Portanto, a diferença entre normas de eficácia limitada e contida não resiste em previsão de “conforme previsto em lei” ou termos semelhantes. A diferença entre elas está no modo de atuação, porque na norma de eficácia contida o legislador atua para conter o âmbito de eficácia. Na norma de eficácia limitada, o legislador atua para aumentar o seu âmbito de eficácia. Ou seja, faz-se uma lei para que essa norma passe a ter uma eficácia plena. Temos uma norma constitucional de eficácia limitada que ainda não foi complementada / regulamentada pelo Poder Público. Essa norma sem complementação é dotada de aplicabilidade e eficácia? Sim, pois todas as normas constitucionais são dotadas de aplicabilidade, independentemente de complementação do Poder Público ou de qualquer outra atuação. A aplicabilidade, porém, será mediata, indireta. 25 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Norma constitucional de eficácia limitada programática sem atuação do poder público não produz todos os efeitos, mas produz alguns efeitos, quais sejam, o positivo e o negativo. São efeitos comuns a todas as normas constitucionais, que revogam normas contrárias a elas e impedem que o legislador edite leis que lhes sejam contrárias. Aula 04 – 23/02/2015 – Pt. 01 OUTRAS CLASSIFICAÇÕES Maria Helena Diniz 1. Normas Constitucionais de Eficácia Absoluta -> para Maria Helena Diniz, além das normas já classificadas por José Affonso, haveria também normas constitucionais de eficácia absoluta. Trata-se da norma insuscetível de alteração. Seriam as cláusulas pétreas do art. 60, §4º, CF. A crítica é que as cláusulas pétreas podem ser modificadas, só não podem ser abolidas. Não existe esse tipo de norma inalterável em nossa Constituição. 2. Normas Constitucionais de Eficácia Plena -> é a mesma eficácia plena do José Afonso. 3. Normas Constitucionais de Eficácia Relativa Restringíveis -> é a norma de eficácia contida do José Afonso. 4. Normas Constitucionais de EficáciaRelativa Dependentes de Complementação -> é a norma de eficácia limitada do José Afonso Carlos Ayres Britto e Celso Ribeiro Bastos É uma classificação das normas constitucionais conforme a sua vocação para a atuação do legislador. A. Normas constitucionais de aplicação -> normas de aplicação são aquelas não vocacionadas à atuação do Poder Público. Equivalem às normas de eficácia plena do José Affonso. B. Normas constitucionais de integração -> são as normas vocacionadas à atuação do Poder Público: a. Normas constitucionais de integração RESTRINGÍVEIS -> são as normas constitucionais de eficácia contida. b. Normas constitucionais de integração COMPLEMENTÁVEIS -> são as normas constitucionais de eficácia limitada. 26 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Uadi Lammego Bulos Uadi acrescenta à classificação do José Affonso a Norma Constitucional de Eficácia Exaurida. São aquelas normas que já cumpriram a sua função no ordenamento jurídico, tendo a sua eficácia posta a termo (exaurida). Encontramos exemplos desse tipo de norma no ADCT, como é o caso do art. 2º (que exigia plebiscito para definir se a forma de governo seria república ou monarquia, e se teríamos um sistema de governo de presidencialismo ou parlamentarismo). As normas do ADCT são tão normas constitucionais como aquelas do corpo permanente? Sim, tanto que para modificá-las faz-se necessário EC ou um TIDH aprovado na forma do art. 5º, §3º, CF. 27 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes PODER CONSTITUINTE É o poder ao qual incumbe criar, modificar ou complementar uma Constituição. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO Poder Constituinte Originário é aquele encarregado de elaborar uma Constituição. E as Constituições escritas surgem no Séc. XVIII com o movimento do constitucionalismo. Só a partir daí se fala num órgão encarregado de produzi-las. Portanto, a origem do Poder Constituinte Originário está no Séc. XVIII, com o Constitucionalismo. HISTÓRICO O grande destaque nessa matéria foi Emmanuel Sieyes, que escreveu a obra ‘O que é o terceiro Estado’. Sua ideia era debater o que seria o povo, considerado por ele o terceiro estado (o primeiro e segundo estado eram nobreza e clero). CONCEITO Conceito: o Poder Constituinte Originário é um poder extraordinário que surge em um momento extraordinário visando à desconstituição de uma ordem e o estabelecimento de uma nova ordem constitucional. Podemos falar que se trata de um poder desconstitutivo constitutivo, já que destrói uma ordem para construir uma ordem nova. Ou seja, existe uma “dupla face” neste poder constituinte. Poder Constituinte Originário (criar) Poder Constituinte Derivado- Reformador (alterar, reformar) Poder Constituinte Decorrente (complementar) 28 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes CARACTERÍSTICAS Pt. 02 1. Inicial -> o poder constituinte originário é sempre um ‘ponto zero’, um começar de novo, afinal estamos rompendo com uma ordem para estabelecer uma ordem nova. Perguntamos: quem vem primeiro, o Estado ou a Constituição? A Constituição, tanto que o poder constituinte originário é sempre inicial, um “ponto zero”. É a Constituição que cria o Estado, ainda que ele já exista historicamente. Na maioria das vezes, aliás, já existe um Estado antes. Ocorre aqui um artificialismo, de que a Constituição começa um Estado novo, mesmo que anteriormente a ela houvesse, na história, um Estado. A Constituição cria um Estado, mesmo que ele já existisse historicamente. A CF 88, p.e., criou um novo Brasil, ainda que historicamente ele já existisse. Por isso falamos num “ponto zero”. 2. Autônomo -> cabe apenas ao Poder Constituinte fixar as bases da nova Constituição. 3. Ilimitado -> o Poder Constituinte Originário é ilimitado do ponto de vista do Direito positivo anterior. Se está criando um novo ordenamento, novo Estado, nova sociedade, não guarda limites com base no Direito positivo anterior. Essa é a corrente positivista, segundo o qual o Poder Constituinte é poder de fato que rompe com uma ordem jurídica para criar uma nova, rompendo com o Direito positivo anterior. Existe, porém, uma segunda corrente, a jusnaturalista. Essa corrente entende que o poder constituinte originário é limitado pelo direito natural. Trata-se de Direito acima do positivo (o direito natural paira sobre o direito positivo). Sieyes era um dos defensores dessa corrente, porque a Constituição iniciaria um novo ordenamento jurídico e um novo Estado, que estariam limitados por cânones do Direito natural. Ou seja, existiriam cânones de direito natural que limitariam o poder constituinte originário. São vetores que envolvem o homem em virtude de ser homem, eles advêm da natureza humana. Ex.: vida, igualdade, liberdade e dignidade. Qualquer PCO está limitado pela ideia de Direito natural, que é inerente à natureza humana e que carrega valores como a vida, igualdade, liberdade e dignidade. É majoritária a corrente POSITIVISTA. Se o Poder Constituinte é ilimitado do ponto de vista positivo, ele poderia incluir na nova Constituição qualquer sorte de norma? Existe uma terceira corrente, de tendência sociológica, que entende que, apesar de ilimitado pelo direito positivo anterior, o poder constituinte originário terá limites internos na própria sociedade que o fez surgir, ou seja, no próprio movimento revolucionário que o fez eclodir. Para alguns autores, como Canotilho, existem também limites externos em princípios de direito internacional. Pense, por exemplo, no Tribunal Penal Internacional e Direito Internacional dos Direitos Humanos. 29 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Será que hoje, ao fazer uma nova Constituição, poderíamos dizer que o petróleo do Kuwait é nosso? É uma questão que envolve interesses mundiais e certamente seria inviável manter uma norma dessas. São princípios de direito internacional que devem ser respeitados: (i) p. da independência dos povos; (ii) p. da não intervenção; (iii) p. da prevalência dos direitos humanos. Essa terceira corrente é a mais sofisticada. Aqui entra o p. da vedação do retrocesso (ou efeito cliquet ou p. da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais). 4. Incondicionado -> em regra, o poder constituinte originário não guarda condições ou termos pré-fixados para elaboração de uma nova Constituição. Em regra, quem define os procedimentos para elaboração da Constituição é o próprio poder constituinte. O primeiro passo a ser seguido pelo poder constituinte originário provavelmente será justamente para sistematizar a elaboração, ou seja, para dizer através de qual procedimento será feito a nova Constituição. 5. Permanente -> mesmo após a elaboração da Constituição o poder constituinte continua vivo, ainda que em estado de latência (em hibernação), pois está alocado no povo. A qualquer momento esse poder constituinte originário pode eclodir. Esse PCO é permanente, está no povo, não se exaure com a Constituição. Pode despertar a qualquer momento, como parece ter quase ocorrido nas manifestações de 2013. Não se pode confundir o titular do poder constituinte com o agente do poder constituinte. O titular do poder constituinte é permanente, porque é o povo. Mesmo após a elaboração da Constituição, esse titular continua presente. Difere-se do agente do poder constituinte, que é o grupo encarregado de redigir o texto. Chamamos esse grupo de Assembleia Constituinte (nos EUA foi Convenção da Filadélfia). Esse agente do poder constituinte NÃO é permanente, pois após a elaboração da Constituição ele finaliza o seu trabalho e se exaure. Chamamos o TITULAR de PODER CONSTITUINTE MATERIAL; e o AGENTE de PODER CONSTITUINTEFORMAL. - titular do poder constituinte – povo – permanente – poder constituinte material - agente do poder constituinte – formaliza a revolução / golpe – redige o texto – Assembleia Constituinte – não é permanente – poder constituinte formal Obs.: quando se falar genericamente em “poder constituinte originário”, estaremos falando do POVO, o seu titular. Quando estiver se referindo ao agente, é preciso deixar isso explícito. 30 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes PODER CONSTITUINTE DERIVADO Pt. 03 O Poder Constituinte Derivado e o Reformador são sempre de 2º grau, constituídos, limitados e condicionados. A relação entre derivado, decorrente e originário, é quase bíblica, de que “a criatura não pode ir contra o criador”. PODER CONSTITUINTE DERIVADO REFORMADOR A reforma da Constituição é um gênero, que no Brasil possui 02 espécies: Revisão Emendas Constitucionais A revisão é uma reforma global / geral do texto. Já a emenda é uma reforma pontual. REVISÃO Art. 3º ADCT Incide para a revisão um limite temporal e limites formais. A revisão só seria realizada após 05 anos de promulgação da CF, com sessão unicameral e com quórum de maioria absoluta. Limite temporal: após 05 anos. Limites formais: sessão unicameral + quórum de maioria absoluta Sessão unicameral significa a junção da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Para a revisão, exigia-se como quórum a maioria absoluta. Portanto, esses limites formais são menos rígidos do que os limites impostos às Emendas no art. 60 CF, já que ali a sessão não é unicameral e exige-se 2 turnos nas Casas, com 3/5 de votos para aprovação. Já houve revisão constitucional entre 01/03/1994 e 07/06/1994. Alguns constitucionalistas entendem que deveria ter aguardado mais, até porque se exigia no mínimo uma espera de 05 anos, mas nada obstava um lapso maior. Logo no começo de 1994 já realizaram a revisão, que terminou com a aprovação de apenas 06 emendas de revisão, esvaziada pelo escândalo dos anões do orçamento. 31 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Com base no atual texto da Constituição, é possível uma nova revisão? Não, já que o texto do art. 3º ADCT está no singular, falando numa única revisão. Já em Portugal, p.e., de 05 em 05 anos é possível fazer uma revisão. É possível alterar o texto via EC para estabelecer uma nova revisão? Uma primeira corrente, defendida pelo Michel Temer, diz que é possível alterar o texto via EC para estabelecer uma nova revisão. Uma segunda corrente entende que não é possível essa alteração, pois não é adequado / correto alterar o texto via EC para propor uma nova revisão. Fazer uma reforma para alterar o modo de reforma é golpe. Em Portugal, chamam isso de “golpe da dupla revisão”. Seria uma forma de acabar com a especialidade, rigidez da Constituição, manipulando-a. Abrindo caminho para que uma EC modifique a forma de reforma da CF, poderíamos abolir cláusulas pétreas, modificar o procedimento para elaborar EC, etc. São defensores desta corrente Paulo Bonavides, Ingo Sarlet, Lênio Streck, dentre vários outros grandes constitucionalistas. Entre nós, a corrente majoritária é a segunda. Aula 05 – 02/03/2015 – Pt. 01 Poder Constituinte Originário Derivado- Reformador (reformar) Revisão Emendas Decorrente (complementar) 32 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Reforma Revisão Reforma geral 01 turno Promulgação pela Mesa do Congresso Sessão unicameral Maioria absoluta Emendas Reforma pontual Limites formais Legitimados 1/3 Deputados ou Senadores Presidente mais de 1/2 de ALE, com maioria relativa em cada uma Tramitação e votação 02 turnos 02 Casas 3/5 dos votos Promulgação: Mesa da Câmara e Mesa do Senado Rejeitada ou prejudicada: reapresentada no próximo ano legislativo Limites circunstanciais Intervenção federal Estado de Defesa Estado de Sítio Limites materiais 33 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes EMENDAS CONSTITUCIONAIS Art. 60 CF Nas Emendas, possuímos limites formais, limites circunstanciais e limites materiais. Os limites formais estão no art. 60, inc. I, II e III, §§ 2º, 3º e 5º. Os limites circunstanciais estão no art. 60, §1º. Já os limites materiais estão no art. 60, §4º. LIMITES FORMAIS 1. Forma pela qual uma proposta de EC pode ser apresentada São legitimados para apresentar a Proposta de Emenda à Constituição (i) pelo menos 1/3 de deputados ou de Senadores; (ii) Presidente da República; (iii) mais de ½ das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, com quórum de maioria simples em cada uma delas. O artigo fala em “maioria relativa”, que é sinônimo de “maioria simples”. José Affonso da Silva defende a iniciativa popular de PEC. Trata-se de interpretação sistemática do art. 1º, p. único, art. 14 e art. 61, §2º, CF. O art. 1º, p. único, retrata a soberania popular, a ideia de que todo poder emana do povo. O art. 14 traz os direitos políticos e a participação do povo nos processos de poder. O art. 61 traz a iniciativa popular de uma lei. Legitimados PEC 1/3 de Deputados 1/3 Senadores Presidente da República + 1/2 ALE, cada uma com maioria simples 34 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Para José Affonso, se é possível iniciativa popular de lei, com base na soberania popular e nos direitos políticos, por interpretação sistemática o povo também poderia apresentar PEC, aplicando o art. 61, §2º também para iniciativa de PEC. Essa corrente, porém, é minoritária. Prevalece neste ponto a interpretação literal da Constituição: se o poder constituinte originário quisesse dado ao povo a possibilidade de apresentar PEC, teria expressado isso como o fez para as ALE, deputados, Senadores e PR. Fez isso para projeto de LO e LC, mas não para a PEC. 2. Forma pela qual uma PEC tramitará e será votada nas Casas (§2º) A PEC será discutida e votada em dois turnos, nas duas Casas. O quórum para aprová-la é de 3/5 dos votos. 02 turnos 02 Casas 3/5 de votos Portanto, são 04 votações, bem diferente da Revisão, em que bastava uma sessão unicameral, em 01 turno só, com aprovação por maioria absoluta. Como é esse trâmite de 02 turnos em 02 Casas? Se o primeiro turno é na Câmara, o segundo é na câmara também. Depois vai para o Senado, onde serão feitos mais dois turnos. 3. Forma pela qual uma EC será promulgada (§3º) A promulgação se dará pela Mesa da Câmara e pela Mesa do Senado, com seu respectivo número de ordem. O texto constitucional não faz referência ao Presidente da República sancionar ou vetar PEC. Portanto, não existe sanção ou veto de PEC. Lembre que o PR não é poder constituinte derivado – o máximo que ele pode fazer é apresentar a PEC. O Poder Constituinte Derivado são os deputados e senadores; quando eles entram para votar esse projeto, é como se “virassem” o Poder Constituinte Derivado. Pt. 02 Cuidado! Além da Mesa da Câmara e da mesa do Senado, temos a Mesa do Congresso, que é junção das duas mesas anteriores. O presidente desta mesa será o Presidente do Senado, que é Presidente do Congresso (a mesa é formada por integrantes das duas Casas). Acontece que a promulgação NÃO se dá pela Mesa do Congresso. A Mesa do Congresso Nacional NÃO pode promulgar a Emenda Constitucional. 35 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Mesa do Senado e Mesa da Câmara precisam assinar separadamente: as duas precisam assinar. Se uma Casa assinar e a outra não, não há que se falarem promulgação. Obs.: as emendas de revisão foram promulgadas pela mesa do Congresso. 4. §5º do art. 60 A doutrina majoritária diz que se trata de um limite formal. Ele prevê a forma como uma PEC rejeitada (não alcançou os 3/5) ou prejudicada pela CCJ pode ser reapresentada: na próxima sessão legislativa (= ano legislativo). Uma PEC rejeitada ou prejudicada só pode ser reapresentada no próximo ano legislativo. Suponhamos que uma PEC é rejeitada em 1º turno na Câmara em setembro/2015. Em janeiro de 2016, havendo convocação extraordinária, a PEC pode ser reapresentada? O ano legislativo é diferente do ano normal, porque ele começa em fevereiro: janeiro ainda é ano legislativo anterior. LIMITES CIRCUNSTANCIAIS O Poder Constituinte Originário (PCO) estipulou que em determinadas circunstâncias em que nada está bem no país, ou de eclosão social, de desequilíbrio, de desordem, a Constituição não poderia ser emendada. Por isso, o art. 60, §1º veda que a CF seja emendada na vigência de: Intervenção federal Estado de defesa Estado de sítio Nessas circunstâncias, não é de bom tom alterar a CF, lei maior de país, que fundamenta a validade das outras leis. Deve-se esperar cessar essas situações para fazer a alteração. LIMITES MATERIAIS Art. 60, §4º, CF São as célebres cláusulas pétreas: Forma Federativa de Estado Voto direto, secreto, universal e periódico Separação dos Poderes Direitos e garantias individuais 36 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Não existem normas imodificáveis. Mesmo as cláusulas pétreas podem ser alteradas, desde que não seja uma modificação que tenda a abolir o núcleo dessas normas: pode ser para acrescentar, incrementar, melhorar... Aliás, a EC 45 acrescentou ao art. 5º da duração razoável do processo, o que comprova que essas cláusulas não estão petrificadas, apenas se protege um núcleo que não pode ser abolido nem com reformas tendentes a abolir. Essa é, aliás, a principal crítica à classificação da Maria Helena Diniz ao falar em normas constitucionais de eficácia absoluta. Poderia advir EC para acabar com o voto obrigatório? Atualmente, além de direto, secreto, universal e periódico, o voto no Brasil é obrigatório. Indagamos então se essa obrigatoriedade é cláusula pétrea. É claro que o voto pode deixar de ser obrigatório, por não se tratar de cláusula pétrea. Muito se discute sobre o inc. IV do art. 60 e qual o seu alcance. Formaram-se quatro correntes sobre o tema: 1. Interpretação literal => cláusula pétrea são as normas do art. 5º CF. Este artigo não poderia ser usurpado. É a interpretação mais simples de todas. 2. Interpretação literal restrita => não são cláusulas pétreas todas as normas do art. 5º, que contém direitos individuais e coletivos. Precisamos analisar, no art. 5º, o que é direito individual propriamente dito. Portanto, cláusulas pétreas serão apenas os direitos individuais propriamente ditos previstos no art. 5º. Tratam-se, em suma, dos direitos de liberdade, as liberdades fundamentais. Dizem que os direitos que envolvem igualdade são muito mais sociais, não devendo ser considerados cláusulas pétreas. Gilmar Mendes defende esta corrente. 3. Interpretação extensiva => cláusulas pétreas são todos os direitos fundamentais constitucionais. Essa corrente entende que o constituinte errou: embora esteja escrito “direitos individuais” no art. 60, §4º, inc. IV, deveria estar escrito “direitos fundamentais”. Essa corrente é defendida pelo Ingo Sarlet. 4. Interpretação extensiva sistemática => as cláusulas pétreas são os direitos de 1ª, 2ª e 3ª dimensão que dizem respeito ao mínimo existencial, tendo como base a dignidade da pessoa humana. Portanto, elas vão muito além do art. 5º, já que engloba, direitos sociais e direitos coletivos e difusos, além dos individuais. Direitos sociais, como os trabalhistas, podem ser cláusulas pétreas, mas devemos confrontá-los com o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana. Portanto, não é todo direito social que é cláusula pétrea, como por exemplo o 1/3 de férias. O direito deverá ser analisado no caso concreto. Alguns direitos sociais e coletivos serão cláusulas pétreas, desde que fundamentados no mínimo existencial, à luz da dignidade da pessoa humana. Essa corrente é defendida pelo Sarmento. O professor concorda. 37 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes Pt. 03 O STF não tem uma posição definida sobre o tema, porém vem adotando a 4ª corrente, ainda que não admita isso expressamente. O STF vem recorrentemente entendendo que as cláusulas pétreas não estão apenas no art. 5º, ou seja, existem outros direitos fundamentais ao longo da Constituição que são cláusulas pétreas. Portanto, não podem ser abolidos nem admitem reformas tendentes a aboli-las. Ex.: ADI 939 ii (entende como cláusula pétrea o art. 150. III, b, CF – princípio da anterioridade tributária, que preserva a segurança jurídica prevista no art. 5º) e ADI 3.685iii (princípio da anterioridade, ou anualidade, eleitoral). O STF é claro em analisar se o direito guarda relação com o núcleo que envolve a dignidade da pessoa humana. Em ambos os casos, esse núcleo envolveu a segurança jurídica, mas poderia envolver liberdade, igualdade, direitos sociais com mínimo existencial, vida… LIMITES MATERIAIS IMPLÍCITOS Os limites do art. 60, §4º CF são limites materiais explícitos. Existem também limites materiais implícitos, que não estão expressos na Constituição, mas, por interpretação da obra do poder constituinte originário, não podem ser abolidos ou suprimidos. São limites materiais implícitos: 1. Impossibilidade de revogação dos limites materiais explícitos do art. 60, §4º, CF. Não existe uma norma vedando a revogação do art. 60, §4º, CF, ou seja, embora esse artigo proteja vários institutos, não há uma proteção em si mesma ao próprio art. 60, §4º, o que em tese admitiria uma reforma nesse próprio artigo para depois reformar os institutos que ele protege. Seria um golpe em relação ao PCO, porque ao final poderíamos, por exemplo, atacar direitos individuais. 2. Impossibilidade de alteração do poder constituinte derivado ou do processo de reforma da Constituição. Uma emenda constitucional pode agora dizer que não é mais poder constituinte derivado apenas o Parlamento, mas também o Presidente? Ou então que a EC será aprovada mediante maioria simples? Não há uma norma proibindo isso expressamente, mas a proibição vem de uma interpretação lógica. 3. Impossibilidade de revogação dos princípios fundamentais da CF. 38 DIREITO CONSTITUCIONAL | Bernardo Fernandes OUTRAS FORMAS DE REFORMA O Poder Constituinte Derivado via emenda é o único modo de alterar a Constituição? Existem dois outros modos de alterar a Constituição: A. Tratado internacional de Direitos Humanos que passar pelo procedimento do art. 5º, §3º, CF. Nesse caso, o TIDH entra equivalente a EC, de modo que muda a Constituição Federal tanto quando uma emenda constitucional. B. Mutação constitucional, ou Poder Constituinte Difuso => é a mutação que ocorre quando o texto da Constituição permanece o mesmo, mas ele é reinterpretado em virtude de novas realidades sociais. Qual a diferença entre a mutação constitucional e a reforma via EC? Como vimos, ambos mudam a Constituição Federal. A diferença é que a EC é uma alteração formal da Constituição: o texto muda. Pode ser acrescentado um novo texto, uma parte dele pode sair, etc. Já na mutação constitucional, a alteração é informal: o texto continua o mesmo, o que muda é a interpretação e aplicação desse mesmo texto. O que é uma mutação inconstitucional? Pt. 04 É o processo de alteração informal
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