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Neutralidade Dependente Gerson Moura

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NE LIDADE 
DEPENI )ENTE: 
o caso do Brasil, 1939-42 
m julho de 1939, uma reunião 
extraordinária do CollBelho de 
Segurança Nacional, sob a presidên­
cia de Getúlio Vargas, avaliou a situa­
ção política européia e decidiu que, em 
caso de guerra, o Brasil adotaria uma 
posição de Mutralidade. Essa decisão 
aparentemente expressava algum ti­
po de collBellBo entre as altas autori­
dades que participaram da reunião. 
Na verdade, porém, ele era o resultado 
de uma divisão profunda na cúpula do 
governo Vargas acerca de qual seria a 
melhor aliança para o Brasil no final 
dos anos 30. Na reunião, manifesta­
ram-se preferéncias políticas sobre 
onde o Brasil deveria comprar o aI ma­
mento de que precisava para sua defe­
sa. O presidente Vargas queria descar­
tar os fornecedores europeus. O chefe 
interino do Estado-Maior do Exército, 
general Francisco José Pinto, preferia 
comprar as 8I'mas nos EUA O minis­
tro da Guen a, general Dutra, deseja-
Gerson Moura 
va adquiri-las da Alemanha. O minis­
tro da Marinha, Aristides Guilhen, 
mantinha-se fiel aos fornecedores bri­
tânicos. Ao cabo, o CollBelbo decidiu 
dar prosseguimento à política de com­
pra na Europa.l 
Nos 30 meses seguintes, a neutrali­
dade brasileira pôde ser razoavelmen­
te sustentada, não obstante a tellBão 
crescente e as dificuldades surgidas 
em razão dos problemas econômicos, 
da radicalização ideológica e da luta 
política em todo o país. Mas a entrada 
dos EUA na guel'l'a mudou de fOl'illa 
drástica todo esse quadro, desestabili­
zando o delicado equilíbrio político que 
sustentava a neutralidade. Nos oito 
meses seguintes, de dezembro de 1941 
a agosto de 1942, os neutralistas foram 
perdendo gi adualmente sua posição 
dominante no processo decisório da po­
lítica externa. Em agosto de 1942, o 
Brasil declarou guei'ra à Alemanha e à 
Itália. Encerrava-se, assim, a neutra-
Nota:. Este texto roi aprescnladoem inglês nu "Conrerência sobren H istóriada Neulralidode- rea liz.ada 
em Helsinki, Finlândia, em setembro de 1992. A lradução é de Francisco de CllBlro Azevedo. 
ESLudos Hislórk06, Rio de Janeiro. vol. 6. n. 12, 1993, p.177-189. 
178 ESTUDOS HISTÓRICOS -I 993/12 
lidade. Um coup d'oeil sobre o pa88ado 
nos ajudará a entender melhor a natu­
reza e as limitações da neutralidade 
brasileira durante quase três anos. 
• 
o Brasil nos anos 30 
A década de 30 tem sido considerada 
um marco importante na história con­
temporánea do Brasil devido à emer­
gência de novas forças políticas sob a 
f 01'1118 de um movimento nacional que 
derrubou a ''república oligárquica" e 
trouxe Getúlio Vargas ao poder em ou­
tubro de 1930. Entre os historiadores, 
o debate concentra-se na questão da 
natureza - se conservadora ou revolu� 
cionária - do novo equilíbrio de poder. 
Alguns autores detectam o conserva­
dorismo de sempre na estrutura social 
brasileira, disfarçado sob novas eti­
queta. e por trás de um conjunto de 
refol"mas mais aparentes que reais. 
Outros dão ênfase às mudanças econô­
micas e sociais, ressaltando especifica­
mente o papel do Estado na reorienta­
ção da economia do país, até então 
baseada na exportação do café, para 
um novo padrão, vinculado ao setor 
industrial urbano. As mesmas catego­
rias de conservação e transfol"mação 
são também aplicadas ao entendimen­
to da política externa brasileira nos 
anos 30. A verdade é que a ''revolução'' 
de outubro no Brasil não conduziu nem 
a uma ruptura radical com o passado 
nem à .ua perfeita continuidade. ''Re­
definição" parece ser o tel"mo mais 
apropriado para caracterizar tanto os 
negócios internos como as relações ex· 
ternas brasileiras do período. 
A tomada do poder em 1930 por 
Getúlio Varga., ex-deputado, ex-mi­
nistro da Fazenda e então presidente 
do Rio Grande do Sul, resultou de uma 
aliança peçuliar. Certos grupos "oligár-
quicos" (expressão política dal5 claseee 
agrárias dominantes) dissidentes jun­
taram-se aos tenentes (jovens oficiais 
militares revolucionários) para derru­
bar a facção uoligárquica" dominante, 
represe�tada pelo presidente Wash­
ington Luí.. O Governo Provisóric 
(1930-34) ficou marcado pelo conflito 
entre o. tenentes e as oligarquias ''re­
gionais". O Governo Constitucicnal sob 
a presidência de Vargas (1934-37) foi 
um período de extraordinária mobili­
zação política e de polarização ideoló­
gica. O governo reagiu contra essa po­
larização política - e isso se tornou 
evidente a partir de 1935 - com uma 
repressão cada vez mais intensa que 
culminou no golpe de novembro de 
1937 e na instauração da ditadura Var­
gas, apoiada pelas forças armadas. Foi 
o começo do Estado Novo, que durou de 
1937 a 1945. 
Se olhalln06 p:u-a a década de 30 
como um todo, veremos que a Revolução 
de 1930 produziu algumas mudal'Ç"B 
bastante significativas na economia e na 
sociedade brasileiras, ainda que sem 
afetar a estrutura de dominação social. 
Embora as massas continllassem ex· 
c1uídas da vida política, algumas novas 
facções sociais começaram a participar, 
direta ou indiretamente, do procESSO de­
cisório. O "Estado de compromisso" que 
se estabeleceu tornou-ase cada vez mais 
forte e autónomo, mas possibilitou, ao 
mesmo tempo, a participação tanto de 
antigas facções políticas (as oligar<juiae 
regionais de origem rural) quanto de 
novas (setores ligados à industrializa­
ção, à urbanização e ao creschnento do 
Estado). 
A política econômica do governo 
Vargas nos anos 30 manteve-se coeren­
te com estas características: defendeu 
o setor exportador e recusou-se a ado­
tar uma política protecionista para a 
indústria. Não obstante, iniciou uma 
política cambial que criou melhores 
N EUTRAUDAD EDEP ENDENT E 179 
condições para a industrialização. Ao 
mesmo tempo, devido a alguns impas­
ses internos e externos, o Estado envol­
veU-tie diretamente na industrializa· 
ção. Era inevitável que "a melhor polí­
tica econômica para o país" se tornasse 
uma questáo polêmica. Diferentes se­
tores tinham diferentes interesses e 
diferentes percepções do que era a eco­
nomia brasileira, de quais os seus laços 
com a economia internacional e do pa. 
pel desempenhado pelo Estado. Essas 
diferenças produziram muitos confli­
tos nas arenas decis órias do governo. 
A política externa brasileira 
Os conflitos gerados pelas questões 
econômicas estavam claramente pre­
sentes no processo decisório da política 
externa, uma vez que as diferentes 
concepções de política econômica ten­
diam a COrJ esponder a alinhamentos 
preferenciais nas relações internacio· 
nais. O comércio exterior e os assuntos 
fmanceiros e industriais subordina­
vam�e a esses conflitos. Além disso, 
assuntos militares como a compra ou a 
reposição de armamento e munição, a 
vigilância das fronteiras, os estudos 
estratégicos e o treinamento das forças 
al'madas ligavam-se claramente a for· 
necedores e a know-how estrangeiros, 
e envolviam decisões políticas. 
Não nos esqueçamos de que a déca­
da de 30 foi uma época de aguda· com­
petição entre os EUA e a Alemanha 
pela influência econômica e política 
nas Américas. As políticas externas de 
Hitler e de Roosevelt deram um novo 
impulso à projeção internacional de 
seus países. Qtl8seque imediatamente 
teve início na América Latina uma cor­
rida comercial, cultural, política e ideo­
lógica entre as duas poténcias. Duran­
te toda a dêcada, a Grã-Bretanha man-
teve-se em discreta posição defensiva 
na América Latina. 
No Brasil, a emergência de divisões 
entre as posições "liberal" e "nacionalis­
ta'\ ou poSições ''pró-EUA'' e "pró-Eixo", 
dependeu da situação política dominan­
te ou até mesmo da questão específica 
que estava sendo discutida. O resultado 
dessas divisões e do papel Plocminente 
desempenhado por Vargas no processo 
decisório durante os anos 30 foi uma 
disposição pelll!snente para
aproveitar 
as melhon:6 oportunidades criadas pela 
competição entre a Alemanha e os EUA 
no sentido de influenciar os rumos do 
Brasil. No conjunto, a política externa 
brasileira nos anos 30 pode ser descrita 
como uma política de eqü idistância 
pragmática entre as dllAS potências tan· 
to em questões comerciais, como políti­
cas e militares. Esta política conduziu à 
declaração da neutralidade em julho de 
1939 e, o que é mais importante, aumen­
tou o poder de barganha do Brasil nos 
anos seguintes. 
Os EUA e a Alemanha propunham 
diferentes tipos de comércio exterior. Por 
isso, o debate interno brasileiro acerca 
dessa questão teve sêrias implicações 
políticas, tanto internas quanto exter­
nas. Dentro do país, a polêmica dividiu 
classes, grupos de inteJ'fRSe8 e até mes­
mo órgãos do governo, de modo que não 
se pode falar de consenso nas classes 
dominantes da economia brasileira. Es­
ses interesses e demandas contraditá-. . , . rlOS conver�am para 05 orga06 governa· 
mentais, tanto nas instâncias superiores 
do proresso decisório quanto nas inter­
mediárias. As vantagens e desvanta­
gens do livre-romércio (ou seja, das rela­
ções comerciais com os EUA) e do comér· 
cio compensado (ou seja, das relações 
com a Alemanha) constituíam os pontos 
principais da polêmica. Nessas circuns­
tâncias, o governo VaIghs optou por uma 
política de adesão ao livre-comércio, co­
mo que cedendo aos desejos do governo 
180 ESTUDOS HISTÓRICOS - I09.'l/12 
noJte..americano, mas sem abrir mão 
d06 beneficios derivad06 d06 ajuste. de 
compensação propostos pela Alemanha. 
Em 1935 o governo brasileiro assinou 
um tratado comercial com 06 EUA que 
mantinha ou reduzia as tarifas alfande­
gárias sobre produtos oriundos dos dois 
paí&€8. No ano seguinte ASSinou um 
ajuste comercial (de compensação) com 
a Alemanha para a exportação de gran­
des quantidades de algodão, café, laran­
ja, couro, tabaco e carne enlatada. 
O comércio entre o Brasil e a Alema­
nha cresceu de fotma gradual e conetan­
te até o final d06 anos 30. O governo 
Roosevelt vigiou de perto essas negocia­
ÇÓ€6 e puesionou o governo brasileiro no 
sentido de acabar com ou pelo menos 
linútar seus efeitos. Curiosamente, o g0-
verno norte-americano evitou qualquer 
tipo de retaliação contra o Brasil. Ao 
contrário, Washington muitas vezes 
mostrou se até conivente em relação à 
continuidade do comércio brasileiro-ale­
mão regulado por ajustes de compensa­
ção, chegando mesmo a oferecer ajuda 
fmanceira para a liquidação da dívida 
pública brasileira e a criação de um ban-
o 
co central E claro que o governo norte-
americano tinha interesse em aumentar 
o comércio americano-brasileiro e em 
eliminar a influência econôDÚca da Ale-­
manha no Brasil, mas isso estava subor­
dínado a objetivos mais amplos, em es­
pecial à garantia do apoio político brasi­
leiro -se poseível, uma aliança completa 
-aos EUA. 
A partir de 1937 dois importante. 
problemas internos ocuparam o governo 
Vargas' o reequipamento das forças ar­
madas brasileiras e a necessidade de 
investimento econônúco, sobretudo para 
a construção de urnB usina siderúrgica. 
Durante esses anos o agravamento da 
situação internacional e a crascente in­
fluência das militalts nos cenlt 06 deci­
sórios colocaram em evidência a neces­
sidade de se reequip:tr 8!õ3 forças 81 JIIB-
das brasileiras, em especial o Exército. 
Grandes compras de suprin'mtos na­
vais foram feitas, ou tentadas, na Ingla­
te" a e llO6 EUA, e encomendas substan­
ciais de ma teriais bélicos alemães foram 
feitas pelo Exército em 1938 e 1939. 
Mesmo depois de iniciada a guerra, o 
governo brasileiro continuou dispenden­
do esforços vigorosoe para receber os 
ma teriaia alemães, ao mesmo tempo em 
que tentava comprar equipamentos e 
munição norte-americanoe. 
As questões militares tinham es­
treita ligação com as políticas. O gene­
ral Eurico Dutra, ministro da Guerra, 
e o general Góis Monteiro, chefe do 
Estado-Maior do Exército, eram co­
nhecidos por seus sentimentos pró-Ei­
xo. Como chefe do Estado-Maior, Góis 
Monteiro foi convidado a visitar a Itá­
lia e a Alemanha em 1939. Cuidadosos 
esforços díplomátic08 foram necessá­
rios para evitar que fossem assumidos 
compromissos políticos embaraçosos 
em conversações das instâncias milita­
res superiores. Não causa 8urpreaa 
que no mesmo ano de 1939 o governo 
brasileiro tenha imediatamente aceito 
a sugestão norte-americana de uma 
visita ao Brasil do general Marshall, 
chefe do Estado-Maior do Exército dos 
EUA, seguida de uma visita de retri­
buição de Góis Monteiro a05 EUA. 
o impacto da guerra européia 
Como a maioria das outras repúbli­
cas latino-americanas, o Brasil depa­
rou-se com novos problemas econômi­
cos e políticos em conseqüência da 
guerra européia. Além de enfrentar o 
deslocamento econômico do comércio 
exterior, a escassez de combustível e de 
bens de consumo, a especulação, a in­
flação e a inquietação social, o governo 
Vargas foi forçado a definir suas atitu-
• 
N EUTRAUDAD EDEP ENDENT E 181 
das políticas em relação aos beligeran-
• 
tas. E de particular importância notar-
se que, em meio a todas as conseqüên· 
cias econômiCAS, sociais e políticas 
imediatas da guel'J"8 européia, o gover­
no 'brasileiro manteve com determina­
ção suas principais metas estratégicas: 
a industrialização do país, a começar 
pela construção de uma grande usina 
siderúrgica, e o reequipamento das for­
ças atinadas para a defesa do país em 
tempos tão perigosos. 
O impacto da ""Iosão da guerra eu­
ropéia em setembro de 1939 sobre a 
economia do Brasil foi enorme, dado 
que o país dependia basicamente do 
setor exportador. Em 1940 o bloqueio 
naval dos britãnicos contra a Alema­
nha afastou, de um só golpe, a América 
Latina da esfera de ação comercial da 
Alemanha. Assim, o problema quase 
insolúvel até então enfrentado pelos 
EUA - o do comércio de compensação 
entre o Brasil e a Alemanha -foi resol­
vido pelo Reino Unido. Mas ao mesmo 
tempo o bloqueio britãnico gerou um 
novo problema para os países latino­
americanos - o do suprimento de bens 
manufaturados, pois nem os EUA nem 
o Reino Unido estavam em condições 
de substituir de imediato as fontas ale-
-roaes. 
O fa to de a Alemanha não ma is exer­
cer influência sobre o comércio exterior 
brasileiro não significou o declínio de 
sua influência política. As vitórias do 
Eixo de 1939 a 1941 criaram 11m pode­
roso império alemão na Europa e um 
império japonês no Extremo Oriente e 
no Sudeste asiático. As vitórias da Ale­
manha deram alento àqueles que a 
apoiavam nas Américas e aumenta­
·ram o nível de apoio político de que 
desfrutava. Aquelas vitórias tinham de 
ser levadas a sério pelas autoridades 
dos países neutros em seus planos para 
o futuro. 
Iniciativas norte-americanas 
anti-Eixo 
Iniciada a guel"l8 européia, Washing­
ton compreendeu a extensão do "proble­
ma" latinO-Americano. Sua interpreta­
ção da coqjuntura política baseava se 
nos seguintes pontos: asAmériC'Sls do Sul 
e CenlI ai já eram, sob muitos aspectos, 
importantes para o projeto nazista de 
dominação do mundo. Alguns países da 
região constituíam campos potenciais de 
colonização por abrigarem uma conside­
rável população de origem germânica. 
Fases países tinham sido muito impor­
tantas para o esforço alemâo de rea ... "a­
mento, pois forneceram boa parte da 
matéria-prima adquirida pelo Eixo atra­
vês do comércio compensado. As forças 
armadas de muitos países latino-ameri­
canos tinham sido treinadas por missões 
militares alemãs e constituíam um alvo 
para a propaganda sistemática destina­
da a despertar antagonismo contra os 
EUA Essa posição seria disseminada 
pelas estações de rádio, centIV5 cultu­
rais, clubes de atletismo e cinemas con· 
trolados por alemães.2 O volume das 
exportações latino-americanas
estava 
em queda, e os EUA podiam adquirir 
grande quantidade de matéria-prima, 
mantendo assim O nível de divisas de 
seus vizinhos. Essa política podia lesol­
ver o problema norte�americano das ma­
teriais estratégicos que 05 EUA não po­
diam mais obter de áreas que JXlssaram 
a ser controladas pelo Eixo. 'Ibdas essas 
questões exigiam agora um esforço bem 
maior de coordenação entre 05 vários 
setores do governo no contexto da políti­
. ca da "boa vizinhança". 
Por todas essas razões, o presidente 
Roosevelt criou em 16 de agosto de 
1940 um órgão especial para cuidat­
dos assuntos econômicos e culturais 
interamericanos, com o objetivo de 
182 ESTUDOS H1STÓRICOS-1993112 
contrabalançar a influência alemã. Em 
toda a América Latina foi lançada uma 
maciça ofensiva norte-americana nas 
áreas econômica, política e cultural, e 
o Brasil tornou-se u_m dos alvos princi­
pais dessa ofensiva.3 
No nível da diplomacia continental, 
a I Reunião dos Chanceleres America­
nos, realizada no Panamá em setem­
bro de 1939, votou pela neutralidade 
do continente. Estabeleceu também o 
princípio da neutralidade das águas 
territoriais. Essas decisões unânimes 
reforçaram a liderança norte-america­
na, e Roosevelt começou a usar essa 
neutralidade para ajudar os britâni­
cos. A Conferência de Havana, em ju­
lho de 1940, deu um passo além da 
neutralidade formal. Como observou 
R. A. Humphreys, enquanto a Confe­
rência do Panamá se reuniu sob a égide 
da neutralidade, a Conferência de Ha­
vana reuniu-se sob a égide da defesa, 
pois nela ficou decidido que qualquer 
tentativa de um Estado não-americano 
de violar a integridade territorial, a 
soberania ou a independência política 
de um Estado americano seria conside­
rada um ato de agressâo ao continente 
como um todo.4 Naquele momento, a 
Alemanhajá tinha invadido a Holanda 
e a França, colocando as Guianas em 
risco. Por essa razão, a eolÚerência de 
Havana firmou o princípio do não-re­
conhecimento de qualquer tentativa de 
transferir uma região geográfica do 
continente de uma p:>tência não-ame­
ricana para outra. 
Assim, a neutralidade estabelecida 
pelos EUA no hemisfério contrariava 
claramente os interesses do Eixo. Tra­
tava-se de um instrumento tático em­
pregado por Roosevelt como parte de 
sua política destinada a transformar 
os EUA em grande potência. A ação 
norle-americana em outras "solidarie­
dades hemisféricas" tinha propósito 
semelhante. Impedido pela opinião pú-
blica norte-americana e pelo Congres­
so de desempenhar um papel ativo na 
política européia na década de 30, Roa­
sevelt abriu espaços de ação na Améri­
ca Latina e fotjou a unidade do conti­
nente sob sua liderança. 
A neutralidade brasileira 
o governo brasileiro tentou manter 
cautelosamente uma política de neutra­
lidade em relação à guena européia. 
Embora as relações comerciais com a 
Alemanha tivessem declinado rapida­
mente entre 1939 e 1941, 05 canais de 
comunicação política e militar entre o 
Brasil e a Alemanha perü18neceram 
abertos. Conseqüentemente, o bloqueio 
naval britânico produziu efeitos políticos 
imprevistos e gerou uma onda de senti­
mentos antibritânicos nos círculos mili­
tares brasileiros. AAlemanha era ainda 
considerada como fornecedora de BUlias 
ou como parceira potencial na constru­
ção da usina siderúrgica. Acima de tudo, 
a habilidade do Brasil em dizer "nâo" às 
grandes potências DOS anos anteriol'es 
tinha aumentado seu peso nos negócios 
interamerican05. Mas em 1940/41, mes­
mo tentando manter sua posição de neu­
tralidade, o governo Vargas passou a 
aceitar gradualmente a necessidade ine­
vitável de escolher um paroeiro em de­
corrência da rápida polarização a que a 
guel'I"8 conduziu. Enfrentando as inicia­
tivas norte-americanas, o Brasil soube 
ganhar certas vantagens oriundas da 
nova situação criada pela gueJJs. 
A ofensiva política dos EUA visava 
a integração de todos 05 países latino­
americanos em sua estratêgia global 
de combate às potências do Eixo. No 
caso brasileiro, isso envolvia a elimina­
ção da influência do Eixo e a vigilância 
sobre os cidadãos nacionais daqueles 
países, a fim de garantir aos EUA o 
NEUTRAUOADE DEPENDENTE 183 
suprimento de materiais estratégicos 
para sua indústria e a concessão de 
bases militares para suas tropas, Em� 
bora essa ofensiva tenha ocorrido em 
um período em que a política do Brasil 
era de neutralidade, o governo Roose­
velt não considerou isso um problema. 
Sua compreensão da neutralidade bra­
sileira subordinava-se às necessidades 
do planejamento estratégico norle­
americano. Por essa razão, os EUA 
entenderam e trataram a neutralidade 
brasileira em função do conflito euro­
peu em curso, sem referencia ao confli­
to potencial e à rivalidade existente 
entre os EUA e a Alemanha. Desse 
ponto de vista, a neutralidade brasilei­
ra não era incompatível com a ativida­
de pró-EUA. Por isso, em 1940 Wash­
ington sentiu-se em condições de exigir 
que o Brasil eliminasse a influência 
alemã e de solicitar que fosse permiti­
da a presença de tropas norte-america­
nas em território brasileiro. 
Pela mwma razão, quase todas as 
iniciativas políticas do governo norte­
americano em relação ao Brasil durante 
esse período foram de natureza clara­
mente militar, redundando em esforços, 
diplomáticos e militares, para garantir 
a defesa do Nordeste brasileiro, julgada 
essencial pelos estrategistas norte-ame­
ricanos. Na área diplomática, as inicia­
tivas norte-americanas tiveram boa aco­
lhida, pois Osvaldo Aranha, ministro 
das Relações Exteriores, era um conhe­
cido defensor do pan-americanismo e ad­
versário do Eixo, tendo colaborado de 
todas as maneiras possíveis com os re­
presentantes dos EUA no Brasil. Mas na 
área militar a situação diferia substan­
cialmente, uma vez que os líderes das 
forças arrnadas brasileiras nutriam dú­
vidas quanto ao poderio militar norte­
americano frente à máquina. de guel'J'B 
alemã. 
A polltica militar norte-americana 
para a América Latina era essencial-
mente bilateral, devendo o papel a ser 
desempenhado pelos parceiros conti­
nentais ser definido para cada caso em 
particular. No caso do Brasil, os estrate­
gistas do Exército e da Marinha norte­
americanos trabalharam durante o ou­
tono e o inverno de 1939/40 com a idéia 
de enviar uma força expedicionária ao 
Nordeste brasileiro. Quando as forças 
alemãs se voltaram para os países da 
Europa ocidental em 1940, essee esfor­
ços foram acelerados. Em meados de 
junho de 1940, os estrategistas militares 
norte-americanos consideraram que o 
Nordeste brasileiro estava pronto para 
se tomar uma área importante de ope­
ração no caso de a Grã-Bretanha ser 
derJ;otada 
�las forças alemãs no norte 
da ACrica. Naturalmente, esses planos 
exigiam a ')Dais estreita colaboração" 
por parte do Brasil. Para garantir essa 
colaboração, foram Assinados acordos 
com o governo brasileiro para a vinda ao 
Brasil de uma Missão Naval e de uma 
Missão da Aviação Militar Norte-Ameri­
cana.6 Em outubro de 1940, foi criada 
uma Comissão Mista Brasil-EUA para 
estudar a melhoria das medidas comuns 
de defesa. O tenente-coronel Lehman 
Miller, chefe da Missão Militar Norte­
Americana, ao chegar ao Brasil encon­
trou chefes militares que duvidavam da 
capacidade dos EUA de proteger o Bra­
sil. Por essa razão, esses oficiais lhe 
ap1 esentaram uma lista de aI mas ao 
custo estimado de 180 milhões de dóla­
res, necessárias para a defeca do paÍ'5, e 
insistiram em que, antes de qualquer 
disc111ssão sobre a defesa mútua, se deve­
ria resolver a questão do fornecimento 
• 
dessas afiliaS. Os estrategistas norte� 
americanos começaram a entender o 
quanto era crucial para seus vizinhos a 
questão do fornecimento de ai mas.7 
De outubro de 1940 a dezembro de 
1941, todas as tentativas norte-america­
nas de obter qualquer concessão do Bra­
sil encontraram uma rejeição decidida. 8 
184 ESTUDOS HISTÓRICOS-199M2 
Da meema fOi 1118, 06 esforços norte-ame­
ricanos para a obtenção de defmições e 
planos claros para a defe"" do Nordeste 
na ComisAAo Mista no Rio de Janeiro 
reM '"l'8ram na insistência brasileira em 
garantia. concretas de que 06 EUA for­
neceriam aviões e 8111185 às forças brasi· 
leiras, p<W!ibilitando-lhes defender o 
Nordeete em caso de invasão.9 O War 
Depal tment não estava certo do apoio 
brasileiro no caso de 06 EUAentrarem na 
guena, porque acreditava que muitoe 
doe'dirigentee militaree tinham opiniões 
favoráveis ao Eixo. Ao mWIllO tempo 
considerava ffiSCncial prtlteger o Nordes­
te estacionando forças norre-america.na.s 
em bases militaree da região. Por isso 06 
militares norte·american06 protelaram a 
entI egs de 8l'IUamento ao Brasil, ao mes­
mo tempo em que forlllulavam plan06 
para ocupar bases no Nordeste.lO De seu 
ladO,06 militarro brasileilU' não enten­
diam .... protelações por parte d06 EUA e 
começavam a duvidar de sua intenção de 
enviar o ai l!lamento encomendado. Con­
seqüentemente, m06travam� cada vez 
menos propensos a fazer novas oonces­
sõee a06 EUA li 
Fora da esfera militar, 88 relações 
Brasil-EUAestavam em franca melho­
ria naquele período. O governo Vargas 
emendou algUlnas leis nacionalistas 
que regulavam os bancos, tornando-as 
mais favoráveis aos EUA Além disso, 
no fmal de 1941, quando as relações 
EUA..Japão passaram a se deteriorar 
aceleradamente, Vargas começou a fa­
lar de maneira mais clara em favor do 
pan-americanismo. Em 10 de novem­
bro, ele pronunciou um discurso em 
que definiu a missão do Exército como: 
1) defender a nação contra todo inimigo 
estrangeiro e 2) garantir a ordem in­
terna. O presidente defendeu ainda 
uma política de franca solidariedade 
no hemisfério.12 Em outras palavras, o 
Brasil se uniria aos EUA na causa da 
solidariedade continental desde que 
suas forças Bl'madae f06BCID adequa­
damente aparelhadas. O meemo temA 
e o mesmo recado para o governo nor­
te-americano foram objeto de um se­
gundo discurso em 31 de dezembro de 
1941. Mas nesse meio tempo, OI! japo­
neses tinham desfechado o ataque a 
Pearl Harbour, dando início ao rompi­
mento do impasse na colaboração mili­
tar Brasil-EUA. 
1942 
O ano de 1942 foi crucial para a 
política externa brasileira. Em oito 
meses ela mudou da posição de decla­
rações retóricas de solidariedade para 
uma aliança fil'me com os EUA. Com 
essa transformação, a eqüidistância 
pragmática que tinha guiado os negó­
cios exteriores brasileiros até 1941 foi 
completamente abandonada. Essa 
transformação fundamental resultou 
de fatores externos e de pressões inter­
nas, e é significativo que o governo 
Vargas tenha mantido o controle dos 
acontecimentos em meio a todas as 
pressões, fazendo concessões mas tam­
bém conseguindo algumas vantagens 
através de um processo contínuo de . -negoclaçao. 
Os eventos mais importantes que 
afetaram o processo decisório da poli­
tica externa brasileira em 1942 foram 
os seguintes: a Conferência do Rio de 
Janeiro Ganeiro), na qual o Brasil rom­
peu relações com as poténcias do Eixo; 
a missão do ministro da Fazenda Sou­
sa Costa a Washington (fevereiro/mar­
ço), durante a qual foram assinados 
acordos militares e econômicos com o 
governo norte-americano; o acordo se­
creto político-militar com os EUA 
(maio), que estabeleceu a criação de 
duas comissões mistas militares para 
planejar a defesa do território brasilei-
N EUTRAUDADE D EP ENDENTE 185 
ro; e a declaração de gueJ"J a contra a . 
Alemanha e a Itália (agosto), depois 
que cinco navi06 mercantes brasileiros 
fOJ'Bm colocados a pique. 
A Conferência. do Rio de Janeiro-A 
I1I Reunião de Consulta dos Chancele­
roa das Repúblicas Americanas repre­
sentou o capítulo fmal de uma série de 
conferênciAs intemmericanas iniciada 
na reunião de Buenoe Aires em 1936. Na 
Conferência do Rio em 1942,06 esforços 
norle-americanos pBl'B coordenar políti­
cas em todo o continente com O objetivo 
de consolidar sua posição contrária ao 
Eixo nos negócios internacionais atingi­
ram seu ponto alto. Imediatamente de­
pois de Pearl Harbour, discutiram-&! t0-
das 88 maneiras de restringir as ativida­
des do Eixo nas repúblicas americanas e 
de assegurar o suprimento dos recursos 
essenciais ao esforço de guel'ra norte­
america no, sendo redigida a partir daí a 
minuta das resoluções que seriam sul, 
metidas à Conferência. A mais impor­
tante delas exigia que as relações entre 
as repúblicas americanas e 08 países do 
Eixo fossem rompidas. Depois de duas 
semanas de intensas negociaçõeB, os 
participantes da Conferência concorda­
ram com uma fórmula de compromisso 
capaz de conseguir apoio unãnime. A 
nova I'{ooluçãorecomendava, e não mais 
decidia, que as repúblicas americanas 
rompessem relações diplomáticas com o 
Japão, a Alemanha ea Itália. Um exame 
das outJ as resoluções emitidas pela Con­
ferencia Il106tra que a reunião foi. em seu 
conjunto, uma vitória completa dos 
EUA Uma série de lesoluções de longo 
prazo relativas a declarações políticas, 
coordenação econômica e jurídica, con· 
trole da polícia e políticas de saúde abriu 
caminho pBl'B uma ampla coordenação 
das políticas interamericanas sob a lide­
rança doe EUA A maioria dessas leso­
luçõeB era oonsistente com as iniciativas 
norte-americanas anteriores e com a de-­
fmição do papel a ser desempenhado 
pelas nações Latino-americanas na par­
ceria com 06 EUA 13 
O Brasil na Conferência -Eram dois 
08 impa"""" nas relações Brasil-EUA no 
fmal de 1941: a questáo do fornecimento 
das allllas exigido pel"" militar", brasi­
leiros e a questão da defesa do Nordeste. 
O Brasil já concedera a05 EUA vári05 
privilégi05 no inicio daquele ano. Entre 
eles i.nchlÍam·t5e8 pelwmopo.ra a For­
ça do Atlântico Sul, sob o comando do 
almiranteJoDBslngram, utilizar os por­
tos de Recife e Salvador; a construção ou 
ampliação de bases aéreas no Norte e 
Nordeste do país; e a pel mis.eão da. pas­
sagem de aviões e suprimentos através 
do país para levar ajuda à campanha 
británica no norte da Africa. Além disso, 
uma esquadrilha aérea da Marinha nor­
te-americana chegou para desempenhar 
atividades de patrulhamento na costa 
nordeste brasileira. Não obstante, o ob­
jetivo principal d05 militales norle-ame­
ricaDos - o estacionamento de tropas 
norte-americanAs no Nordeste -não ti­
nha sido ainda atingido. Mas Washing­
ton estava preparado para a ocasião, e 
durante toda a Conferencia o governo 
Vargas recebeu atenção especial doe es­
trategistas e das autoridades norte­
americanas. Além da seleta deJp@'ção 
norte-americana enviada para a reu­
nião, o próprio p' widente Roosevelt 
manteve contato direto com o p' w;dente 
Vargas. No início da Conferência, enviou 
uma carta prz.sool a Vargas na qual 
declarava que estava pronto a pagar o 
preço do apoio brasileiro. Roosevelt pro­
metia ainda que, apesar das necessida­
des das forças 81lllsdas norle-america­
nas callsadas pela. ofensiva japonffi8, o 
governo norte-americano entregaria os 
equipamentos1r'105 quais 
o Brasil esta­
va esperando. 
Assim, o governo norle-americano se 
prontifIcou a empenhar-&! no forneci­
mento não apenas de 811118S, mas de 
OutT05 tipos de equipamentos de que o 
186 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1993/12 
BraBil """"""itava. (Durante a Confe­
rência, Donald PiersOll, presidente do 
Eximhenk, iniciou 88 ' � com W! 
autoridAdes braBileiras sobre o ASSunto.) 
No final da Conferência Vargas tinha 
óbtido doe EUA garant-iQs sufICientes 
para neutralizar a oposição militar. No 
último dia da Conferência, ele anunciou 
o rompimento das relações com o Eixo e 
alguns dias depois enviou a Washington 
seu ministro da Fazenda, Sousa Costa, 
para acelerar a entrega
do Rnuamento 
norte-americano ao Brasil e finalizar 
aoorcl08 econômicos e financeiros, não 
obstante a contínua resistência por par­
te dos militares brasileuoo. 
Desdobramentos posteriores - Um 
compromisso entre o War Deparlment 
e o Departamento de Estado superou a 
resistência dos militares brasileiros: 
em 3 de março de 1942 foi assinado um 
contrato Lend-Lease, pelo qual oe EUA 
transfeririam ao Brasil 81 filamento e 
munição no valor de 200 milhões de 
dólares. O governo brasileiro pagaria 
35% do custo do material entrell\le em 
seis parcelas, entre 1943 e 1948.15 Por 
esse acordo cumpriram-se as exigên­
cias dos militares brasileiros e as for­
ças arlllAdas foram substancialmente 
reequipadas. Por seu lado, o governo 
braaileiro sancionou rapidamente - 05 
pedidos norle-americanoe de novas 
instalaçóes e de entrada de mais efeti­
vos no Nordeste. As forças arlllAdas 
norte-americanas obtiveram pel'",is­
são para construir quartéis, acampa­
mentos e outras acomodações; para 
voar sem autorização prévia em um 
conedor estabelecido; para construir 
instalações subterrâneas de BJ'Inaze­
nagem; e para ampliar a pista da ilha 
de Fernando de Noronha. 
Os contratoe de 3 de março abriram 
caminho para uma colaboração mAis 
permanente entre os dois governos e 
suas forças 81"11lSda.e através de um 
acordo político-militar de defesa. A 
principal cláusula deste acordo secre­
to, que foi assinado em 23 de maio de 
1942, foi o estabelecimento de dUAe 
comissões mista.e militaree, uma em 
Washington e a outra no Rio de Janei­
ro. A primeira traçaria os plano8 con­
juntoe de defesa para o Nordeste, e a 
outra trabalharia na elevação dos pa­
drões das forças brasileiras.16 A Co­
missão de Washington iniciou seus tra­
balhos em agosto, mas antes dessa da­
ta a colaboração militar entre os dois - . ,- ifi 17 pal5ea começara a se mu:::D5 lear. 
A ."tI ada. na guenu - A partir da 
Conferência do Rio, foi constante o au­
mento da contribuição do Brasil para o 
esforço de guel"l a norte-americano. Essa 
contribuição itlCluía a crescente produ­
ção e o transporta de materiais béliros 
estratégicos; a pel111iAAÃo para 08 EUA 
utilizarem as bases aéreas do Nordeste 
no transporta de materiais e troJl'l;l de 
alta prioridade para 06 Aliados na Mri­
ca, no Oriente Médio e no Extremo 
Oriente; e a abertura doe estaleuoo bra­
sileuoo aoe navios doe Aliados. F ...... es­
treita colaboração com o esforço de guer­
ra norte-americano atraiu a hostilidade 
do Eixo, e em março alguns navioe mer· 
cantes brasileiros foram atacados e 
afundados por submarinos alemães. Em 
maio começou o patrulhamento aéreo da 
costa do Nordeste pela Força Aérea Bra-
8ileira com a ajuda têcnica dos norta­
americanos, e pelo menos um submari· 
no alemão foi afundado, ficando um ou­
tro danificado.18 Em tei mos práticos, 
"""" cooperação aberta com os EUA co­
locou o Brasil na posição de beligerante, 
ao mesmo tempo em que fazia surgir no 
seio do governo uma áspem disputa so­
bre a extensão da colábomção militar 
com os EUA. A disputa oessou quando, 
entre 5 e 17 de agosto, cinco navios bra­
sileiros, alguns dos quais fazendo rotas 
comerciais em navegação de cabotagem, 
foram afundados por submarinos do Ei­
xo. O nÚmero de vítimas foi grande, 
NEUTRAWDADEDEPENDENTE 187 
incluindo não apenas aa tripulaÇÓ€6 dos 
navios, mAS outrue civis e soldados. A 
indignação popular logo se manifestou, 
oconendo manifestaÇÓ€6 contra o Eixo 
em todas aa principeis cidades do país, 
muitas vezes com ataques a fiJ 11188 per· 
te .- · ·d . 1.9 ncenU%! a naCIOMJ.CIl �� paJSe8. 
Naqueles dias cruciais tcxlOB os minis· 
boo concordavam que se deveriam ter 
mar medidas drásticas contra o Eixo. A 
única controvérsia girava em torno da 
questão de se proclamar ou não o '4estado 
de guel'l'u" entre o Brasil e as potências 
do Eixo. Embora O ministro da Guer·ra 
preferisse não proclamar explicitamen­
te o "estado de guelJu", o sentimento 
popular contra a Alemanha se fez tão 
intenso em todo o país que a resistência 
foi minada, che!ll!ndo se a um consenso 
em poucos dias.2o Em 22 de agoeto o 
governo brasileiro declarou guerra à 
Alemanha e à ltália.21 
Conclusão 
A neutralidade do Brasil entre 1939 
e 1942 ilustra os limites da politica 
externa de um peís dependente. Se, em 
razão da natureza:dllobal das duaa 
guel 1 as mundiais, era altamente 
problemática a manutenção de uma 
neutralidade estrita na qual se obser­
vassem tanto os direitos das potênciaa 
neutras quanto os das beligerantes, 
mais complicada ainda seria a neutra­
lidade de países que se encontravam 
na esfera de influência de uma ou mais 
das grandes potências. 
Devido à tendência globalizante da 
guer'1l moderna, apenas Estados mui­
to poderosos eram capazes de respeitar 
e impor 08 direitos e deveres inerentes 
à política de neutralidade. Mas estes 
eram precisamente os Estados menos 
propensos a abrir mão de esforços vol­
tados para a reestruturação radical do 
sistema internacional. Nesse contexto, 
a neutl alidade constitui uma quase­
impossibilidade nas guerraa globais 
contemporâneas, eobrevivendoBpen8s 
em certas situações como função doe 
interesses dos próprios beligerantes. 
No caso do Brasil, a neutralidade 
diante da guen a na Europa entre 1939 
e 1941 beneficiou-se de três fatores. 
Primeiro, a neutralidade dos EUA, que 
definiram para si próprios e para todo 
o continente a disposição de ficar de 
fora da guerra européia. Segundo, a 
convicção das lideranças militares bra­
sileiras de que o país não se encontrava 
preparado para enfrentar as conse­
qüências de uma guenB moderna. Thr­
ceiro, a divisão política entre o Estado 
e a sociedade em relação à melhor 
aliança externa para o país. 
Com o cr",,,,imento da rivalidade 
EUA-Alemanha no Atlântico e da rivali­
dade EUA..Japão no Pacífico em 1941, o 
governo Roosevelt começou a considerar. 
a possibilidade de intervenção na guer­
� e isso, por SUB vez, comprometeu 
drasticamente a neutralidade latino­
americana. Desde então, tomou se cada 
vez mais dif"rcil para o governo brasileiro 
manter sua política de neutralidade. A 
crescente cooperação econômica e políti­
ca com os EUA no fmal de 1941 e início 
de 1942 fez com que o Brasil paSAAS8e 
gradualmente da neutralidade for·/IIal 
para a co-beligerância, mesmo antee de 
declarar fonua.lmente gueI'J8 à Alema· 
nha e à Itália. 
Nesse sentido, a resistência oposta 
pelo regime de Vargas às pressões nor­
te-americanas em 1940/41 para conse­
guir colaboração irrestrita tinha me­
nos a ver com a manutenção da neutra· 
lidade brasileira do que com o aumento 
do poder de barganha do Brasil em 
relação a Washington. Embora neutra­
listaa sinceros e ger/llanóftlos disfarça­
dos tentassem defender a política de 
neutralidade do Brasil, a possibilidade 
188 ESTUDOS HlSTÓRICOS- 1993/12 
de resistência àe exigências norte­
americana! era mínima. O governo 
Vargas teve pelo men06 o mérito de 
reconhecer suas própriAS limitações e 
a capacidade de agir no momento certo 
- ou seja, quando 06 EUA precisaram 
efetiVAmente da ajuda brasileira -, uti­
lizando habilmente sua neutralidade 
como trunfo para a obtenção de bene­
IIcios econômicoe e políticoe. 
Notas e referências 
Fontes primárias, instituições e ar­
quiv06 serão referenciados pelas se­
guintes abreviações: 
AIll = Arquivo História> do Itamarati, 
Rio de Janeiro 
CPDOC/GV = Arquivo Getúlio Vargas, 
CPDOC-FGV, Rio de Janeiro 
CPDOC/OA= Arquivo OevaldoAranha, 
CPDOC-FGV; Rio de Janeiro 
FRL = Franklin Roosevelt Library, 
Hyde Park, N. Jersey 
FRUS = Foreign Relations of the Uni­
ted States, Government Printing Office, 
Washington, DC 
. 
NA 
= National Archives, Washington, 
DC 
PRO 
= 
Public Record Oflice, Londres 
PRO/FO = Foreign Office 
1. Um relato completo desta rewlião
pode ser encontrado em CPDOC/GV 
39.06.00-Confid. 
2. US Government Printing OfIice, HitI­
tory of the Off<ee of the Co-Ordinator of 
Inrer-Americw, Affair. (Washington, OC, 
1947), p. L 
3. US National Archives and Records 
Service, G.S.A., ReoordJJ of the OffWe of 
InrerAmericw, Affair. (Washington, DC, 
1973). 
4. R A. Humphreys, Latin America and 
the Seoond World War, 1939-1942 (Lon­
mw, 1981), p. 70-75. 
5. S. Conn e B. Fairchild, The frwne­
work hemi.phere defense (Washington, 
1960), p. 272-274. Oe estrategistas milita­
res norte-americanos procuravam instala­
ções para bas .. no Brasil desde julho de 
1939, segundo K Hagan, em Peace and 
war (Westport/Londres, 1978), p. 246. 
6. AHI/RE/EUA/Notas recebidas, 
Amembassy para Aranha, 25 de junho de 
1940. 
7. Nas palavras do Gen. Mathew Ridg­
way: 1'De nossa disposição de fornecer ou da 
promessa defirútiva de forneoor este arma. 
mento no futuro próximo pararem depender 
noeses futuras relaçóes com o Brasil", Conn 
e Fairchild, op. cit., p. 276. O tom é o mesmo 
na 0011eapondência diplomática entre Cor­
deU Hull (seu1!lário de Estado) e Jefferson 
Cafl'ery (embaixador norte-americano no 
Brasil), datada de 7, 17 e 18 de junho de 
1940 e 16 de julho de 1940 - FRUS, 1940, v. 
V, p. 4549. 
8. Da mesma forma, na questão da per­
missão para aeronaves militares norte­
americanas sobrevoarem o Brasil em 
, 
direção à Mrica, o Ministério da Aeronáu­
tica do Brasil insistia em que 08 EUA pro­
metessem fornecer aviões para a Força 
Aérea Brasileira. Caffery-Hull, 23, 22 e 23 
de setembro de 1941, NA!RG 226 OSS 221, 
593, 323. 
9. Foi Góis Monteiro quem insistiu nes­
te ponto na Comissáo Mista. A falta de 
wgência na tomada de decisão exasperou 
os oficiais americanos. Ver carta de Góis 
Monteiro, NA/RG 218, 25 de setembro de 
1941. /lDC 5700 (5740). 'Iàmbém Conn e 
Fairchild, op. cit., p. 297. 
10. Para garantir o sucesso de seus pla­
nos, 08 militares norte-americanos sugeri­
ram que o governo dos EUA poderia tentar 
demonstrar que "as medidas de coopera­
ção pedidas ao Brasil não deveriam ser 
consideradas como concessões feitas, mas 
como rontribuição à defesa do hemisfério". 
Conespondência, nota 9. 
11. Relatório de Góis Monteiro, 
CPDOC/GV 41.10.10. Por essa época, o 
NEUTRAUDADE DEPENDENTE 189 
embaixador CafTery teve a impre88áo de 
que Góis Monteiro oooperaria com 08 pla­
DOS norte-americanos, mas desejava estar 
certo cio fornecimento de anDaS. 
12. O governo norte-americano perce­
beu a mudança e Roosevelt expH SSOU sua 
satisfação pesaoal a Vargas em 19 de no­
vembro de 1941. FRL/PSF 41.11.19. Ver 
também a ooixespondência sobre o discur­
so de Vargas, CPDOC/GV 41. 11.12 e 
GV.oo.oo/l. 
13. Estudei essas .esoluçôeB deta1hada­
mente em Brozilian. foreign relatio,Uj 1939-
1950 (ph.D., Universidade de Londres, 
1983), p. 77-82. 
14. Carta de Roosevelt a Vargas, 
CPDOC/GV 42.01.07/2 • FRL/PPF, 7 de 
janeiro de 1942. 
15. Lend-!.e ... Agroement between the 
USA and Brazil, FRUS, 1942, V, p. 815-
818. 
16. S. Conn e B. Fairchild, op. cit., p. 
318-319. 
17. AHI/RE/EUNNotas recebidas: 
Amemb88sy a Salgado Filho, Ministro da 
Aeronáutica, 15 dejllnho de 1942; Catrery 
a Aranha, 14 de julho de 1942; Catrery a 
Leão Velloso, 20 de julho de 1942. 
18. Hugh •• to War Department, 11 d. 
ma� de 1942, NA/RG59 832.00/4198; 
Hughes to Stata Department, 12 de � 
de 1942, NA/RG59 832.00/4199; Brazilian 
Air Attaché to Air MiniBtry, 28 de maio de 
1942, PRO/FO 371 30351 (A5097/4/6). 
19. A collespondência diplomática re­
. fletiu essa intensa mobilização. US Em­
bassy in Rio de Janeiro to State 
Department, 18-28 de agosto, NA/RG59 
832.00/4238, 4242, 4243, 4244, 4247, 4248, 
4249, 4255, 4257, 4258, 4259, 4283, 4265, 
4268. Também NA!RG59 832.57/93, 94, 
. 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 
105 - de 18 a 21 de agoeto de 1942. 
20. Noel Charles (British Ambessador 
in Rio) to th. Foreign Oflice, 20 de agosto, 
PRO/F0371 30351 (A7703/4/6). 
21. Sobre a dificuldade de se alcançar 
uma decisão unânime, ver a carta de Os­
valdo Aranha a Carlos Martins (embaixa­
dor brasileiro nos EUA), CPDOC/OA 
42.08.23/2, e J. Catrery to Under-SeCletary 
of State, 28 de agosto, NA/RG59 
832.00/4268. O Japão não foi incluído na 
declaração de guel'ra porC8.11Sa da situação 
enfrentada paIo Chile. 
22. Franco Mosconi, ''Neutralità", em 
N. Bobbio, N. Mataucci e G. Pasquino 
(orgs.), Dizionario di politica ('lUrim, 
UTET, 1983). Edição brasileira: Dicioná,­
rio de política, p. 882. 
Gerson Moura, falecido em dezembro 
de 1992, era PhD em história pela Univer­
sidade de Londres, pesquisador do 
CPDOC e professor no IRI-PUC{RJ.

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