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GRADUAÇÃO 2016.1 TRIBUTOS EM ESPÉCIE AUTOR: LEONARDO DE ANDRADE COSTA COLABORADOR: MATTHEUS REIS E MONTENEGRO Sumário Tributos em Espécie INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 3 AULA 01. CONCEITO DE TRIBUTO ............................................................................................................................. 5 AULA 02. ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS: IMPOSTOS, TAXAS E CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA ....................................................... 25 AULA 03. ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS: EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO E CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS ............................................ 39 AULA 04. REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA E OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ............................................................................. 52 AULA 5. IMPOSTOS SOBRE A PROPRIEDADE: IPTU — IMPOSTO PREDIAL TERRITORIAL URBANO .......................................... 68 AULA 6. IMPOSTOS SOBRE A PROPRIEDADE: ITR — IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE TERRITORIOL RURAL ............................. 77 AULA 7. IMPOSTOS SOBRE A PROPRIEDADE: IPVA — IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES ................. 83 AULA 8. TRIBUTAÇÃO SOBRE A TRANSFERÊNCIA DE PATRIMÔNIO: ITBI — IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO INTERVIVOS DE BENS IMÓVEIS ................................................................................................................................... 88 AULA 9. TRIBUTAÇÃO SOBRE A TRANSFERÊNCIA DE PATRIMÔNIO: ITCMD — IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS OU DOAÇÃO ...................................................................................................................... 94 AULA 10. TRIBUTAÇÃO SOBRE A RENDA: NORMAS GERAIS E IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA FÍSICA .............................. 98 AULAS 11 E 12. TRIBUTAÇÃO SOBRE A RENDA 2: IMPOSTO SOBRE A RENDA — PESSOA JURÍDICA ....................................... 113 AULA 13. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS SOBRE O FATURAMENTO E LUCRO — PIS, COFINS, CSLL .............................................. 120 AULA 14. TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO: ICMS-MERCADORIAS ............................................................................... 133 AULA 15. TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO: ICMS-SERVIÇOS ...................................................................................... 148 AULA 16. TRIBUTAÇÃO SOBRE OS SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA: ISS .................................................................... 151 AULA 17. TRIBUTAÇÃO SOBRE A INDUSTRIALIZAÇÃO: IPI .......................................................................................... 158 AULA 18. TRIBUTAÇÃO SOBRE O COMÉRCIO EXTERIOR — II E IE ................................................................................. 166 AULA 19. TRIBUTAÇÃO SOBRE AS OPERAÇÕEAS FINANCEIRAS — IOF ........................................................................... 176 AULA 20. SIMPLES NACIONAL ............................................................................................................................. 184 TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 3 INTRODUÇÃO A) VISÃO GERAL (i) Conteúdo da disciplina A disciplina iniciará com a análise de elementos essenciais do Direito Tri- butário como o conceito de tributo e suas espécies. Após, passaremos ao estu- do da estrutura e elementos da norma de incidência tributária, formada pelos critérios da hipótese (material, espacial e temporal) e do consequente (pessoal e quantitativo), bem como a disciplina legal da obrigação tributária prevista no Código Tributário Nacional. Em seguida, o instituto da responsabilidade tributária será visto com maior profundidade. Por fim, estudaremos os principais impostos e contribuições do Sistema Tributário Nacional: tributos sobre o patrimônio (IPTU, ITR e IPVA) e sobre a sua transferência (ITBI e ITCMD), tributação sobre a renda (IR), contribuições sociais (PIS, COFINS, CSLL) e previdenciárias, tributação so- bre o consumo (ICMS), produção (IPI) e serviços (ISS), importação (II) e exportação (IE) e por fim, sobre operações financeiras (IOF). (ii) Abordagem O conteúdo será estudado a partir de uma abordagem interdisciplinar que conjugue ao estudo jurídico elementos de outras áreas de conhecimen- to como: economia, contabilidade, ciência política e história. Além disso, procuraremos fazer estudo de casos concretos e atuais com a finalidade de aplicarmos os conceitos teóricos desenvolvidos ao longo da disciplina. (iii) Premissas A disciplina parte da premissa que o estudo da tributação não pode ser feito através de uma abordagem exclusivamente jurídica. Assim, juntamen- te com alguns institutos clássicos da dogmática jurídica, serão trazidos, ao longo do desenvolvimento do conteúdo, elementos econômicos, políticos e sociológicos. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 4 B) OBJETIVOS O objetivo da disciplina é tanto estudar noções fundamentais do Direito Tributário (como conceito de tributo e suas espécies, fontes, regras de apli- cação, interpretação e integração das normas tributárias e regra-matriz de incidência tributária), como fazer uma análise aprofundada dos principais tributos presentes no sistema tributário nacional. C) MÉTODO DIDÁTICO A disciplina será conduzida através do método socrático de ensino. A par- ticipação dos alunos será amplamente estimulada. Além disso, o aluno deverá fazer as leituras prévias indicadas. O conteúdo também será desenvolvido através de role plays, estudo de casos e apresentação de trabalhos por parte dos alunos. D) DESAFIOS/DIFICULDADES O principal desafio será aliar ao estudo do Direito Tributário, conceitos e noções de outras áreas do conhecimento. E) FORMAS DE AVALIAÇÃO A avaliação será feita em duas provas (P1 e P2) com questões objetivas e discursivas e dois trabalhos a serem apresentados em sala. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 5 1 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.5 2 TIpKE, Klaus, YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e princípio da Capacida- de Contributiva. São paulo: Malheiros, 2002, p. 15. 3 BOUVIER, Michel. Introduction au droit fiscal général et à la théorie de l’impôt. paris : LGDL, 2007, p. 14. AULA 01. CONCEITO DE TRIBUTO A) AS FUNÇÕES E CONCEITOS DE TRIBUTO O conceito de tributo não é unívoco, pois varia de acordo com diferentes perspectivas: histórica, política, social, econômica e jurídica, bem como em relação ao agente que dele faz uso. A tributação pode assumir múltiplos conceitos e funções, de acordo com os valores e princípios maiores que se deseja por meio dela alcançar num deter- minado período histórico. Sobre o assunto, Ricardo Lobo Torres afirma que a atividade financeira do Estado, apesar de instrumental, “não é neutra frente aos valores e princípios jurídicos, senão que a eles se vincula fortemente”1. Sobre a orientação do Direito Tributário por valores, Klaus Tipke afirma que: O Direito Tributário de um Estado de Direito não é Direito técnico de conteúdo qualquer, mas ramo jurídico orientado por valores. O Di- reito Tributário afeta não só a relação cidadão/Estado, mas também a relação dos cidadãos uns com os outros. É Direito da coletividade2. Primeiramente, no que diz respeito às idéias e crenças no decorrer da histó- ria, o tributo comportou múltiplos sentidos, que correspondem, de acordo com Bouvier, “a um projeto que a sociedade, a um dado momento, atribuiu globalmente ao imposto”3. Neste sentido, a extensão e a legitimidade do poder tributário variaram no curso dos anos, de acordo com as teorias e interpreta- ções dominantes de cada época. Assim, se durante o século XVII, a idéia é que o tributo era devido em contrapartida aos serviços prestados pelo Estado; a partir do século XIX, teoriassobre a função social do tributo emergiram. Esta situação não é diferente na América Latina e no Brasil. No início do período colonial, o aparato fiscal instalou-se nesta região. Se, no início, a tributação foi utilizada como um simples instrumento de arrecadação de di- nheiro para a metrópole; com o advento dos Estados independentes o impos- to tornou-se um instrumento para políticas econômicas e sociais, seguindo os sucessivos ciclos de produção. No meio de tudo isso, o continente também conheceu revoltas e rebeliões contra a utilização abusiva do tributo. Numa visão macroeconômica, os tributos cumprem prioritariamente uma finalidade fiscal, ou seja, arrecadar recursos financeiros aos cofres públicos. Neste sentido, os tributos ocupam um lugar central, sendo responsáveis por cerca de 80% do total das receitas no resultado nominal do governo, confor- me quadro abaixo: 1. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.5 2. TIpKE, Klaus, YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e princípio da Capacidade Contributiva. São paulo: Malheiros, 2002, p. 15. 3. BOUVIER, Michel. Introduction au droit fiscal général et à la théorie de l’impôt. paris : LGDL, 2007, p. 14. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 6 RESULTADO NOMINAL DO GOVERNO GERAL 2010 (*) Natureza Governo Geral (1) Federal Estadual Municipal (**) I. Recebimento de Caixa por Ativi- dades Operacionais 1.383.495.939 987.875.190 452.282.378 290.810.845 I.1. Impostos 956.017.604 575.578.855 312.421.294 68.017.455 I.1.1. Impostos sobre renda, lucros e ganhos de capital 261.088.571 242.700.615 12.917.368 5.470.588 IR 213.060.361 194.672.405 12.917.368 5.470.588 CSLL 46.370.276 46.370.276 — — Outros 1.657.933 1.657.933 — — I.1.2. Impostos sobre a folha de pagamento e a força de trabalho 12.226.541 12.226.541 — — I.1.3. Impostos sobre o patrimônio 47.027.078 1.335.486 24.397.785 21.293.807 IPTU 16.244.630 — 400.009 15.844.622 IPVA 21.277.523 — 21.277.523 — Outros 9.504.925 1.335.486 2.720.254 5.449.185 I.1.4. Impostos sobre bens e ser- viços 589.146.563 293.452.352 265.661.144 30.033.068 IPI 37.553.815 37.553.815 — — IOF 26.576.145 26.576.145 — — COFINS 141.232.331 141.232.331 — — ICMS 265.661.144 — 265.661.144 — ISS 30.033.068 — — 30.033.068 Outros 88.090.061 88.090.061 — — I.1.5. Impostos sobre o comércio e as transações internacionais 21.093.347 21.093.347 — — I.1.6. Outros impostos 25.435.505 4.770.515 9.444.997 11.219.993 I.2. Contribuições sociais 246.812.767 223.357.199 17.531.526 5.924.042 I.3. Doações 22.436 22.436 83.183.304 197.463.532 I.4. Outras receitas 180.643.131 188.916.700 39.146.253 19.405.816 I.4.1. Juros (2) 7.925.835 70.753.015 3.998.457 — I.4.2. Outros 172.717.297 118.163.684 35.147.796 19.405.816 Fonte— Tesouro Nacional (*) Não inclui as operações do Banco Central nem de empresas estatais. (**) Grau de cobertura de 93,6% dos municípios brasileiros. (1) O resultado consolidado exclui as transferências intergovernamentais. (2) Calculados pelo conceito de competência (BACEN). TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 7 4 MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, São paulo: Malheiros, 2005, p.81. 5 Ibid, p. 82. 6 GIAMBIAGI, Fabio, ALEM, Ana Claudia, Finanças públicas: teoria e prática no Brasil, Rio de Janeiro, Elsevier, 2008, p.10. 7 ARDANT, Gabriel, Théorie sociologique de l’impôt, paris : SEVpEN, 1965. Ocorre, porém, que os tributos podem igualmente ser utilizados pelo Es- tado como instrumento de parafiscalidade ou extrafiscalidade, ou seja, tan- to como uma forma de intervenção na economia, como um elemento chave na aplicação das políticas sociais e de redistribuição. A este título, Machado afirma que “no mundo moderno (...) o tributo é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia privada, esti- mulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consu- mo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na eco- nomia”4. O mesmo autor elucida a diferença entre os objetivos que o tributo pode assumir. Segundo ele, quanto ao seu objetivo, o tributo pode ser a. Fiscal, quando seu principal objetivo é a arrecadação de recursos financeiros para o Estado. b. Extrafiscal, quando seu objetivo principal é a interferência no do- mínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecada- ção de recursos financeiros. c. Parafiscal, quando o seu objetivo é a arrecadação de recursos para o custeio de atividades que, em princípio, não integram funções próprias do Estado, mas este as desenvolve através de entidades es- pecíficas5 No mesmo sentido, Giambiagi6 afirma que a política fiscal pode realizar três funções principais. A primeira — função alocativa — refere-se ao forneci- mento de bens públicos. A segunda é a função distributiva, associada à redis- tribuição de renda através da tributação. A última função corresponde à esta- bilização, cujo objetivo é influenciar a política econômica para atingir certo nível de emprego, estabilidade dos preços e taxa de crescimento econômico. Ardant também enumera duas funções principais dos tributos: criar os recur- sos necessários para o funcionamento do Estado e assegurar o equilíbrio e a orientação da economia. Segundo o mesmo autor, a tributação “permite tam- bém alterar a distribuição dos rendimentos e das fortunas, quer no sentido da consolidação de privilégios, quer no sentido da equalização das condições”7. Já no que diz respeito a uma perspectiva microeconômica, a transferência de recursos do privado para o público, representada pelo tributo, gera efeitos muitas vezes negativos sobre as empresas e sobre o mercado. É o que se con- vencionou chamar de “peso morto dos tributos”. Os tributos são vistos como um custo no processo de produção e geração de riqueza. Assim, sob este ân- gulo, há uma tendência natural do agente econômico reagir à tributação, seja pela evasão fiscal ilícita, seja pelo planejamento tributário. O conceito de tributo também pode variar de acordo com a visão do agen- te que o utiliza. Assim, para o contribuinte, o tributo geralmente é visto como algo não querido, como uma intervenção do Estado no seu patrimônio 4. MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, São paulo: Ma- lheiros, 2005, p.81. 5. Ibid, p. 82. 6. GIAMBIAGI, Fabio, ALEM, Ana Claudia, Finanças públicas: teoria e prá- tica no Brasil, Rio de Janeiro, Elsevier, 2008, p.10. 7. ARDANT, Gabriel, Théorie sociologique de l’impôt, paris : SEVpEN, 1965. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 8 8 MARTINS, Ives Gandra. Teoria da im- posição tributária. São paulo: LTR, 1998. 9 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São paulo: Re- novar, 2003. p. 334. e, sendo assim, deve ser feita nos estritos limites da lei. Ives Gandra Martins conceitua tributo como uma “norma de rejeição social”8. Para fundamentar esta visão, se invocam os princípios da legalidade estrita e tipicidade. Ou seja, aquilo que não estiver estritamente previsto em lei, não poderá ser cobrado do contribuinte a título de tributo. Já se falarmos da visão do Estado, o tributo seria a participação de cada um nas despesas comuns, na manutenção e no exercício das funções essenciais da Administração Pública. Ligado a esta visão, estaria o princípio da capacidade contributiva, segundo o qual cada um deve contribuir na medida das suas possibilidades. A consequência é que, tendo o contribuinte manifestado a capacidade contributiva, estaria o poder público autorizado a onerá-lo por meio da tributação. Nesta perspectiva, Ricardo Lobo Torres conceitua o tributo como um “de- ver fundamental”: (...) consistente em prestação pecuniária que, limitado pelas liber- dades fundamentais, soba diretiva dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, do custo/benefício ou da solidariedade do grupo e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas ou para atividades protegidas pelo Esta- do, é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competên cia específica outorgada pela Constituição9. Assim, a relação fisco-contribuinte é por, sua natureza, marcada por um confronto de vontades e idéias. De um lado, o contribuinte tende a ver o tri- buto como uma interferência estatal em seu patrimônio; de outro, o tributo representa um pilar fundamental para o funcionamento e funções do Estado. O tributo está, assim, no meio termo entre a liberdade do contribuinte em organizar seus negócios e a necessidade do Estado em arrecadar. Juridicamente, o Estado tem a seu dispor o poder de instituir tributos. Por se tratar de um Estado Democrático de Direito, este poder tributário en- contra fundamento, e limites, na lei — no caso do Brasil — prioritariamente na Constituição Federal. A Constituição Federal do Brasil, no entanto, não define nem institui tributos. O que a Constituição faz é escolher certos fatos ou atos e negócios jurídicos que expressam riqueza e distribui a competência para instituir tributos sobre estes fatos aos entes federativos (União, Estado, Município e Distrito Federal) ou a entidades paraestatais. Assim, cada ente, no âmbito da competência outorgada pela Constituição, deverá instituir os tributos respectivos. Legalmente, o tributo é definido pelo art. 3° do Código Tributário Na- cional como uma “prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei 8. MARTINS, Ives Gandra. Teoria da imposição tributária. São paulo: LTR, 1998. 9. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São pau- lo: Renovar, 2003. p. 334. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 9 10 A Constituição Federal de 1988, po- rém, condicionou a arrecadação das contribuições especiais à destinação específica; 11 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São paulo: Malheiros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e amp., p. 69. 12 para alguns autores o tributo cons- titui um dever jurídico, pois, trata-se de uma sujeição, inexistindo, aspecto volitivo na conduta. 13 pAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, 9ª ed. rev. atual., p. 607. 14 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São paulo: Malheiros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e amp., p. 69. 15 Importante ressaltar que AMARO censura a expressão “prestação com- pulsória” contida no art. 3º, do CTN, porquanto, “[...] qualificar a prestação (tributo) como compulsória nada par- ticulariza nem especifica. O devedor de obrigação não tributária também é compelível a efetuar a prestação obje- to de sua obrigação jurídica, porque o credor dessa prestação tem o direito de exigi-la, coercitivamente”. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São paulo: Saraiva, 2003, 9ª ed., p. 25. 16 FALCÃO, Amílcar. Fato Gerador da Obrigação Tributária.Rio de Janeiro: Forense, 2002, 6ª ed., p. 2. e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Assim, uma vez realizado o fato descrito na sua norma de incidência (fato gerador), estará o contribuinte ou responsável obrigado a recolher aos cofres públicos o respectivo montante. Interessante notar que a definição do CTN não traz menção à função ou a destinação que será dada ao tributo. Ou seja, a legalidade do tributo não está condicionada, a princípio10, a destinação do dinheiro arrecadado. A de- finição contida no art. 3° do CTN é composta, assim, de seis elementos, quais sejam, a) prestação, b) pecuniária ou em valor que nela se possa expri- mir, c) compulsória, d) que não constitua sanção de ato ilícito, e) instituída em lei, f ) cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Vejamos, portanto, cada um desses elementos a seguir. (a) Prestação pecuniária: Em regra, o cumprimento da obrigação de pagar tributo deve se dar na forma de pecúnia (dinheiro), sendo que a prestação objeto da relação jurídica tributária é aquela “tendente a assegurar ao Estado os meios financeiros de que necessita para a consecução de seus objetivos, por isto que é de natureza pecuniária”11. Desse modo, o Estado impõe ao contribuinte, por meio do exercício do poder de império, uma prestação pecuniária, ou seja, uma obrigação12 cujo conteúdo se expressa em moeda, sendo importante notar, como sustenta Le- andro Paulsen13, que não se pode perder de vista a circunstância de que o “tributo, necessariamente, é obrigação pecuniária voltada ao custeio das ati- vidades dos entes políticos ou outras atividades do interesse público”. (b) Compulsória: O nascimento da obrigação de pagar tributos decorre diretamente da lei (obrigação ex lege) e não da vontade dos sujeitos da relação jurídica (obriga- ção ex voluntate), ou seja, remanesce ausente o elemento voluntas no “suporte fático da incidência da norma de tributação”14. Assim, a manifestação de vontade do contribuinte é irrelevante para o nascimento da obrigação tribu- tária, inexistindo opção entre cumpri-la ou não, visto que esta deriva da lei15. Vale consignar, por oportuno, ao arrimo da lição de Amílcar Falcão16, que não basta apenas a existência de lei para que a obrigação tributária se instaure e sim “que surja concretamente o fato ou pressuposto que o legislador indica como sendo capaz de servir de fundamento à ocorrência da relação jurídica tributária. (...) que se dá o nome de fato gerador”. 10. A Constituição Federal de 1988, porém, condicionou a arrecadação das contribuições especiais à destinação específica; 11. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São paulo: Ma- lheiros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e amp., 12. para alguns autores o tributo cons- titui um dever jurídico, pois, trata-se de uma sujeição, inexistindo, aspecto volitivo na conduta.13. pAULSEN, Leandro. Direito Tribu- tário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, 9ª ed. rev. atual., p. 607. 14. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São paulo: Malheiros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e amp., p. 69. 15. Importante ressaltar que AMARO censura a expressão “prestação com- pulsória” contida no art. 3º, do CTN, porquanto, “[...] qualificar a prestação (tributo) como compulsória nada par- ticulariza nem especifica. O devedor de obrigação não tributária também é compelível a efetuar a prestação obje- to de sua obrigação jurídica, porque o credor dessa prestação tem o direito de exigi-la, coercitivamente”. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São paulo: Saraiva, 2003, 9ª ed., p. 25. 16. FALCÃO, Amílcar. Fato Gerador da Obrigação Tributária.Rio de Janeiro: Forense, 2002, 6ª ed., p. 2. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 10 17 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São paulo: Saraiva, 2003, 9ª ed., p.21. 18 Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São paulo: Malheiros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e amp., p. 69; AMARO, Luciano. Direito Tributário Bra- sileiro. São paulo: Saraiva, 2003, 9ª ed, p. 20; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2003, 6ª ed., p. 692. 19 Ver: MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São paulo: Malhei- ros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e amp., p. 69 e AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São paulo: Saraiva, 2003, 9ª ed p.20. 20 CARVALHO, paulo de Barros. Curso deDireito Tributário. São paulo: Sarai- va,1993, 6ª ed., p. 21. 21 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direi- to Financeiro e de Direito Tributário. São paulo: Saraiva, 1991, p.143. 22 Hugo de Brito Machado, partidário da tese de que no Direito brasileiro não se admite os tributos in natura e in labore, assim os exemplifica: Tributo in natura seria “(...) aquele estabelecido sem qualquer referência a moeda. por exemplo, um imposto sobre a importa- ção de trigo, cuja lei instituidora deter- minasse que, por cada tonelada de tri- go importado o importador entregaria, a título de tributo, cem quilos de trigo à União”, já o tributo in labore para o autor, “(...) seria aquele instituído tam- bém sem qualquer referência à moeda. por exemplo, um imposto sobre a ativi- dade profissional, cuja lei instituidora determinasse que todo profissional liberal seria obrigado a dar um dia de serviço por mês à entidade tributante”. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Di- reito Tributário. São paulo: Malheiros, 2003, 22ª ed. rev. atual. e amp. de acor- do com a EC 39/2002, p. 58. 23 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Ma- nual de Direito Financeiro e Direito Tribu- tário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, 18ª ed. rev. e atual., p. 199-200. 24 No mesmo sentido posiciona-se AMARO quando assevera que o rol do art. 156 tem natureza exemplificativa e, por via de consequência, embora a alteração promovida pela Lei Comple- mentar 104/01 tenha incluído como forma de extinção do crédito tributário a dação em pagamento apenas de bens imóveis, não se deve considerar banida a possibilidade de extinguir-se o referi- do crédito mediante a dação de outros bens. AMARO, Luciano. Direito Tributá- rio Brasileiro. São paulo: Saraiva, 2006, 12ª ed. rev. e atual., pp. 390-391. 25 Sobre o assunto, Hugo de Brito Ma- chado, assinala que “pode ocorrer que Assim, a compulsoriedade da prestação tributária a diferencia das presta- ções pecuniárias de caráter privado, uma vez que estas decorrem diretamente do contrato e indiretamente da lei, enquanto a prestação tributária decorre diretamente do comando legal17. (c) Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir: De acordo com o entendimento majoritário da doutrina18, a prestação tributária é expressa em moeda19, pois esta é a forma comum de extinção do crédito tributário. Há, entretanto, autores como CARVALHO20 e BAS- TOS21, que defendem que o artigo 3º, do CTN acaba por permitir, além da criação de tributos in specie, a criação de tributos in natura ou in labore22. No entanto, repita-se, a doutrina majoritária sustenta que o conteúdo da prestação tributária é expresso em valor monetário. Cumpre ressaltar que a maneira através da qual o tributo é representado é situação diferente da maneira como o tributo vai ser pago. Enquanto a representação do tributo sempre será, de acordo com o art. 3º do CTN, em termos pecuniários (moeda corrente), o pagamento do valor devido a título de tributo poderá ser feito, segundo o que dispõe o art. 156, XI do CTN, incluído pela Lei Complementar nº 104/01, através da dação em pagamento de bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. Sob o fundamento de que o art. 3º, do CTN admite, inclusive, que a lei possa autorizar o adimplemento da obrigação tributária mediante dação em bens, Luiz Emygdio Rosa Junior23 consigna que com o acréscimo do referido inciso XI ao art. 156 daquele diploma, eventuais dúvidas sobre tal possibili- dade foram eliminadas, considerando que, não obstante a previsão se referir, unicamente, a bens imóveis, “a dação em pagamento pode ter como objeto bens móveis, vez que a relação constante do art. 156 deve ser entendida em caráter exemplificativo e não taxativo”24. No entanto, deve-se ressalvar que a dação em pagamento, mesmo após a edição da lei complementar acima citada, não constitui a forma ordinária de extinção do crédito tributário, dependendo de lei específica que autorize o contribuinte a pagar o tributo por meio da entrega de bem que não seja di- nheiro25. A propósito, vale registrar que o Superior Tribunal de Justiça26, quando do julgamento de pretensão do contribuinte em quitar débitos próprios referen- tes ao Imposto Sobre Serviço — ISS, mediante dação de Títulos da Dívida Agrária, se posicionou pela impossibilidade de tal hipótese sem que houvesse previsão legal expressa que permitisse a extinção do crédito por meio de da- ção em pagamento. 17. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São paulo: Saraiva, 2003, 9ª ed., p.21. 18. Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São paulo: Malhei- ros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e amp., p. 69; AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São paulo: Saraiva, 2003, 9ª ed, p. 20; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Bra- sileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2003, 6ª ed., p. 692. 19. Ver: MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São paulo: Malheiros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e amp., p. 69 e AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São paulo: Saraiva, 2003, 9ª ed p.20. 20. CARVALHO, paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São paulo: Sarai- va,1993, 6ª ed., p. 21.21. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direi- to Financeiro e de Direito Tributário. São paulo: Saraiva, 1991, p.143.22. Hugo de Brito Machado, partidário da tese de que no Direito brasileiro não se admite os tributos in natura e in labore, assim os exemplifica: Tributo in natura seria “(...) aquele estabelecido sem qualquer referência a moeda. por exemplo, um imposto sobre a importa- ção de trigo, cuja lei instituidora deter- minasse que, por cada tonelada de tri- go importado o importador entregaria, a título de tributo, cem quilos de trigo à União”, já o tributo in labore para o autor, “(...) seria aquele instituído tam- bém sem qualquer referência à moeda. por exemplo, um imposto sobre a ativi- dade profissional, cuja lei instituidora determinasse que todo profissional liberal seria obrigado a dar um dia de serviço por mês à entidade tributante”. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Di- reito Tributário. São paulo: Malheiros, 2003, 22ª ed. rev. atual. e amp. de acor- do com a EC 39/2002, p. 58. 23. ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, 18ª ed. rev. e atual., p. 199-200. 24. No mesmo sentido posiciona-se AMARO quando assevera que o rol do art. 156 tem natureza exemplificativa e, por via de consequência, embora a alteração promovida pela Lei Comple- mentar 104/01 tenha incluído como forma de extinção do crédito tributário a dação em pagamento apenas de bens imóveis, não se deve considerar banida a possibilidade de extinguir-se o referi- do crédito mediante a dação de outros bens. AMARO, Luciano. Direito Tributá- rio Brasileiro. São paulo: Saraiva, 2006, 12ª ed. rev. e atual., pp. 390-391. 25. Sobre o assunto, Hugo de Brito Ma- chado, assinala que “pode ocorrer que a lei admita, em circunstâncias espe- ciais, a extinção do crédito tributário mediante dação em pagamento. Isto, porém, constituirá exceção que não infirma a regra, mas, pelo contrário, a confirma”. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São paulo: Malheiros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e amp., p. 70. Da mesma forma, convém registrar que, mesmo não sendo a re- gra, há alguns casos, a exemplo da pre- visão contida na LC . 104/01, em que a lei permite o pagamento de tributo mediante a dação em pagamento, v.g. o Decreto-Lei . 195, de 24.02.67, que disciplina a cobrança da contribuição de melhoria e estabelece em seu artigo 12, §4º, “que é lícito ao contribuinte liquidar a Contribuição de Melhoria com títulos da dívida pública, emitidos especialmente para financiamento da obra pela qual foi lançado”. 26.Superior Tribunal de Justiça. pri- meira Turma. Resp. 480.404. Rel. Min. Luiz Fux. j. 20.11.2003. DJ 19.12.2003. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 11 a lei admita, em circunstâncias espe- ciais, a extinção do crédito tributário mediante dação em pagamento. Isto, porém, constituirá exceção que não infirma a regra, mas, pelo contrário, a confirma”. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São paulo: Malheiros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e amp., p. 70. Da mesma forma, convém registrar que, mesmo não sendo a regra, há alguns casos, a exemplo da previsão contida na LC . 104/01, em que a lei permite o pagamento de tributo mediante a dação em pagamento, v.g. o Decreto-Lei . 195, de 24.02.67, que disciplina a cobrança da contribuição de melhoria e estabelece em seu artigo 12, §4º, “que é lícito ao contribuinte liquidar a Contribuição de Melhoria com títulos da dívida pública, emitidos especialmente para financiamento da obra pela qual foi lançado”. 26 Superior Tribunal de Justiça. primeira Turma. Resp. 480.404. Rel. Min. Luiz Fux. j. 20.11.2003. DJ 19.12.2003. 27 Supremo Tribunal Federal. pleno. ADI . 1.917/DF. Relator Min. Ricardo Levan- dowski. j. 26.04.2007. DJ. 07.05.2007. 28 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São paulo: Re- novar, 2003, p. 291. 29 por todos: FALCÃO, Amílcar. Fato Ge- rador da Obrigação Tributária. Rio de Janeiro: Forense, 2002, 6ª ed., pp. 42- 46 e BALEEIRO, Aliomar. Direito Tribu- tário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1972, 4ª ed., p. 409. 30 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, 18ª ed. revista e atualizada, p. 203-204. Acerca da tributação dos atos ilícitos, demonstramos a posição isola- da de Misabel Derzi In BALEEIRO, Alio- mar (Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2007) que acredita ser a tributação do ilícito uma incoerência no sistema. Fato é que, a partir da alteração promovida pela LC 104/2001, do teor do art. 156, XI do CTN extrai-se a interpretação de que o pagamento de tri- buto por meio da dação em pagamento poderá ocorrer com a oferta de bens imóveis e na forma de lei específica. Dessa exegese sustenta-se, portanto, que caberia a cada ente federado regular, em função de sua autonomia, a viabili- dade ou não, da utilização do instituto da dação em pagamento como forma de extinção do crédito de natureza tributária. Sobre a possibilidade de um ente tributante previr dação em pagamento de bens móveis para quitação de dívidas fiscais, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou no julgamento da ADI 1.917/DF27, entendendo que tal hi- pótese violava o art. 37, XXI, da CR/88, eis que afasta a incidência do proce- dimento licitatório, necessário à aquisição de bens pela Administração Públi- ca. Também constituiu argumento do Pretório Excelso para vislumbrar a inconstitucionalidade da lei atacada na referida ação, o fato de que houve, sob o prisma tributário, ofensa ao art. 146, III, também do Texto Fundamen- tal, que exige lei complementar para o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária. (d) Que não constitua sanção de ato ilícito: O tributo não se confunde com as penalidades pecuniárias nem com as multas fiscais, em que pese podermos classificar todos como receitas de na- tureza compulsória. Ricardo Lobo Torres28, ao distinguir as penalidades pecuniárias e as multas fiscais dos tributos, leciona que as primeiras, embora constituam prestações compulsórias, “têm a finalidade de garantir a inteireza da ordem jurídica tri- butária contra prática de atos ilícitos, sendo destituídas de qualquer intenção de contribuir para as despesas do Estado”. O tributo, contrariamente, “é o ingresso que se define primordialmente como destinado a atender às despesas essenciais do Estado”. Uma outra questão a ser enfrentada refere-se à possibilidade de se tributar rendimentos auferidos em atividades ilícitas, mesmo não constituindo o tri- buto, sanção de ato ilícito. Nesse ponto, a maior parte da doutrina29 defende a aplicação do princípio do pecunia non olet (dinheiro não tem cheiro), que significa que o tributo deve incidir também sobre as operações ou atividades ilícitas ou imorais, ou seja, a existência de ilicitude subjacente não afastará a tributação. Para Luiz Emygdio Rosa Junior30, “não interessa ao intérprete da definição legal da hipótese de incidência do tributo a natureza do objeto do ato, se lícito ou ilícito” e mencionando o teor do art. 126, do CTN, complementa que o que importa para o Direito Tributário é, apenas, a verificação de que se ma- 27. Supremo Tribunal Federal. pleno. ADI . 1.917/DF. Relator Min. Ricardo Levan- dowski. j. 26.04.2007. DJ. 07.05.2007. 28. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Di- reito Financeiro e Tributário. São paulo: Renovar, 2003, p. 291. 29. por todos: FALCÃO, Amílcar. Fato Gerador da Obrigação Tributária. Rio de Janeiro: Forense, 2002, 6ª ed., pp. 42- 46 e BALEEIRO, Aliomar. Direito Tribu- tário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1972, 4ª ed., p. 409. 30. ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, 18ª ed. revista e atualizada, p. 203-204. Acerca da tributação dos atos ilícitos, demonstramos a posição isola- da de Misabel Derzi In BALEEIRO, Alio- mar (Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2007) que acredita ser a tributação do ilícito uma incoerência no sistema. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 12 31 Nesse sentido: STF. primeira Turma. HC .77.530/RS. Rel. Min. Sepúlveda pertence. j. 25.08.1998. DJ 18.09.98. 32 STJ. Segunda Turma. Resp. . 984.607. Rel. Min. Castro Meira. j. 07.10.2008. DJ 05.11.2008. terializou a situação definida em lei como hipótese de incidência do tributo31. Nessa linha, importante destacar que a jurisprudência do STJ é no sentido de que se o ato ou negócio ilícito for acidental à norma de tributação, ou seja, o elemento contrário ao direito estiver na periferia da regra de incidência, sur- girá a obrigação tributária com todas as consequências que lhe são inerentes. Em sentido diverso, não se admite a mesma consequência se a ilicitude recaia sobre elemento essencial da norma de tributação32: 4. Assim, por exemplo, a renda obtida com o tráfico de drogas deve ser tributada, já que o que se tributa é o aumento patrimonial e não o próprio tráfico. Nesse caso, a ilicitude é circunstância acidental à nor- ma de tributação. No caso de importação ilícita, reconhecida a ilicitude e aplicada a pena de perdimento, não poderá ser cobrado o imposto de importação, já que “importar mercadorias” é elemento essencial do tipo tributário. Assim, a ilicitude da importação afeta a própria inci- dência da regra tributária no caso concerto. 5. A legislação do imposto de importação consagra a tese no art. 1º, § 4º, III, do Decreto-Lei 37/66, ao determinar que “o imposto não incide sobre mercadoria estrangeira [...] que tenha sido objeto de pena de perdimento”. 6. Os demais tributos que incidem sobre produtos importados (IPI, PIS e COFINS) não ensejam o mesmo tratamento, já que o fato de ser irregular a importação em nada altera a incidência desses tributos, que têm por fato gerador o produto industrializado e o faturamento, respectivamente. 7. O art. 622, § 2º, do Regulamento Aduaneiro (Decreto 4.543/02) deixa claro que a “aplicação da pena de perdimento” [...] “não prejudica a exigência de impostos e de penalidades pecuniárias”. 8. O imposto sobre produtos industrializados tem regra específica no mesmo sentido (art. 487 do Decreto 4.544/02 — Regulamento do IPI), não dispensando, “em caso algum, o pagamento do imposto devido”. 9. O depósito que o acórdão recorrido determinou fosse convertidoem renda abrange, além do valor das mercadorias apreendidas, o mon- tante relativo ao imposto de importação (II), ao imposto sobre produ- tos industrializados (IPI), à contribuição ao PIS e à COFINS. 10. O valor das mercadorias não pode ser devolvido ao contribuin- te, já que a pena de perdimento foi aplicada e as mercadorias foram liberadas mediante o depósito do valor atualizado. Os valores relativos ao IPI, PIS e COFINS devem ser convertidos em renda, já que a regra geral é de que a aplicação da pena de perdimento não afeta a incidência do tributo devido sobre a operação. 31. Nesse sentido: STF. primeira Turma. HC .77.530/RS. Rel. Min. Sepúlveda pertence. j. 25.08.1998. DJ 18.09.98. 32. STJ. Segunda Turma. Resp. . 984.607. Rel. Min. Castro Meira. j. 07.10.2008. DJ 05.11.2008. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 13 33 Anote-se que o dispositivo constitu- cional referido tem o escopo de comba- ter a denominada especulação imobi- liária que contamina a política urbana na medida em que os titulares de bens imóveis — “solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado” — locali- zado em área incluída no plano Diretor, aguardem que o poder público promo- va investimentos com recursos arreca- dados de toda a sociedade, valorizando os seus bens privados, para somente depois oferecer estes mesmos bens ao mercado, ampliando desmesura- damente seus ganhos. Esta conduta é, na avaliação do constituinte originário, uma violação da função social da pro- priedade. O problema, reconheça-se, é agravado pelo mau uso, ou pelo não uso de outro instrumento tributário de extrema justiça que é a contribuição de melhoria, hoje praticamente abando- nada no Brasil. 34 A Lei . 10.257/01 (Estatuto da Cida- de), regulamentou o dispositivo acima, permitindo que os municípios editas- sem leis próprias que realizam esta interface entre o direito urbanístico e a tributação para o reinforcement do postulado da função social da proprie- dade. Em síntese, o Estatuto da Cidade, fixou as seguintes condições de imple- mentação das normas tributárias indu- toras de conduta mencionadas pelos titulares das competências tributárias: (i) descumprimento dos deveres esta- belecidos no art. 5º, do Estatuto; (ii) majoração de alíquotas pelo prazo de 5 (cinco) anos; (iii) limitação de acrés- cimo de valor até o máximo correspon- dente ao dobro da alíquota vigente no ano anterior; (iv) limitação ao máximo de alíquota em 15 % (quinze por cento) do valor venal do imóvel; (v) vedação à concessão de isenções ou anistia relati- vas à tributação progressiva extrafiscal. 35 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São paulo: Malheiros, 2005, 26ª ed. rev. atual. e amp., p. 53. 11. O recurso deve ser provido somente para possibilitar a liberação ao contribuinte do valor relativo ao imposto de importação. Neste tópico, oportuna é a menção da progressividade extrafiscal do IPTU, alcunhada coloquialmente de “IPTU-sanção”, porquanto tal exação pode ser progressiva no tempo em virtude de sua extrafiscalidade, conforme previsão do artigo 182, § 4º, II da CR/88, no sentido de que o IPTU poderá ser progressivo para regular a função social da propriedade urbana. Nesse tipo de tributação, o fim visado não é unicamente o aumento da arrecadação tri- butária, mas, o desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar social,33 tarefa conferida ao Poder Público municipal, nos termos do art. 182, caput, da Carta Política. Esclarecemos que o aludido dispositivo permite que se imponha ao pro- prietário que não confere função social a sua propriedade o pagamento do IPTU com alíquotas majoradas34, como forma de compeli-lo a reverter tal conduta inadequada. Essa previsão é compatível com o artigo 3º do CTN, eis que não configura sanção de ato ilícito e sim um incentivo ao cumprimento da função social do imóvel, dever constitucional previsto no artigo 5º, XXIII da CR/88. (e) Instituído em lei: Em face do princípio da legalidade, consagrado no art. 150, I, da CR/88, só a lei em sentido formal pode instituir o tributo. Acerca do tema, BRITO MACHADO35 assinala que “sendo a lei a manifestação legítima da vontade do povo, por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o ser ins- tituído em lei significa ser o tributo consentido”. Em regra, os tributos são instituídos mediante a edição de lei ordinária. Entretanto, em alguns casos, o legislador constitucional condiciona a insti- tuição do tributo à edição de lei complementar. É o que ocorre, por exemplo, com o empréstimo compulsório (art. 148, CR/88), com o imposto de com- petência residual da União (art. 154, I, CR/88) e com as contribuições sociais residuais (art. 195, § 4º, CR/88). Registre-se que a lei, independentemente do rito formal legislativo a que esteja subordinada, deve conter todos os elementos capazes de identificar a hipótese de incidência em todos os seus aspectos, ou seja, precisa (i) descrever o fato tributável; (ii) definir a base de cálculo e alíquota, ou qualquer outro critério que servirá para a apuração do valor do tributo; (iii) estabelecer quem figurará como sujeito passivo da obrigação tributária; assim como (iv) indicar o sujeito ativo da relação obrigacional, caso este seja diverso da pessoa jurídi- ca da qual a lei seja expressão de vontade. 33. Anote-se que o dispositivo cons- titucional referido tem o escopo de combater a denominada especulação imobiliária que contamina a política urbana na medida em que os titulares de bens imóveis — “solo urbano não edificado, subutilizado ou não utiliza- do” — localizado em área incluída no plano Diretor, aguardem que o poder público promova investimentos com recursos arrecadados de toda a socieda- de, valorizando os seus bens privados, para somente depois oferecer estes mesmos bens ao mercado, ampliando desmesuradamente seus ganhos. Esta conduta é, na avaliação do constituin- te originário, uma violação da função social da propriedade. O problema, re- conheça-se, é agravado pelo mau uso, ou pelo não uso de outro instrumento tributário de extrema justiça que é a contribuição de melhoria, hoje pratica- mente abandonada no Brasil. 34. A Lei . 10.257/01 (Estatuto da Cidade), regulamentou o dispositivo acima, permitindo que os municípios editassem leis próprias que realizam esta interface entre o direito urbanísti- co e a tributação para o reinforcement do postulado da função social da pro- priedade. Em síntese, o Estatuto da Cidade, fixou as seguintes condições de implementação das normas tributárias indutoras de conduta mencionadas pelos titulares das competências tribu- tárias: (i) descumprimento dos deveres estabelecidos no art. 5º, do Estatuto; (ii) majoração de alíquotas pelo pra- zo de 5 (cinco) anos; (iii) limitação de acréscimo de valor até o máximo correspondente ao dobro da alíquota vigente no ano anterior; (iv) limitação ao máximo de alíquota em 15 % (quin- ze por cento) do valor venal do imóvel; (v) vedação à concessão de isenções ou anistia relativas à tributação progressi- 35. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São paulo: Malheiros, 2005, 26ª ed. rev. atual. e amp., p. 53. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 14 36 BRASIL. poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. ADI 1417-MC, Tribu- nal pleno, Rel. Min. Octavio Galotti. Julgamento em 07.03.1996. Brasília. Disponível em: < http://www.stf.jus.br . Acesso 13.01.2015. Decisão unânime. 37 BRASIL. poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. ADI 1417, Tribunal pleno, Rel. Min. Octavio Galotti. Jul- gamento em 02.08.1999. Brasília. Disponível em: < http://www.stf.jus. br >. Acesso em 13.01.2015. Decisão unânime. 38 pIRES, Adilson Rodrigues. Manual de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Foren- se, 1997, 10ª ed., 4ª tir., p.21.O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de que a Medida Provisória, por ter força de lei, também supre a exigência constitucionalmen- te firmada, como, entre outros, no RE-AgR 511581 e no julgamento da medida cautelar na ADI-MC 1417-DF36. ADI-MC 1417/DF EMENTA: — 1. Medida Provisória. Impropriedade, na fase de jul- gamento cautelar da aferição do pressuposto de urgência que envolve, em última analise, a afirmação de abuso de poder discricionário, na sua edição. 2. Legitimidade, ao primeiro exame, da instituição de tributos por medida provisória com força de lei, e, ainda, do cometimento da fiscalização de contribuições previdenciárias a Secretaria da Receita Fe- deral. 3. Identidade de fato gerador. Arguição que perde relevo perante o art. 154, I, referente a exações não previstas na Constituição, ao passo que cuida ela do chamado PIS/PASEP no art. 239, além de autorizar, no art. 195, I, a cobrança de contribuições sociais da espécie da conhe- cida como pela sigla COFINS. 4. Liminar concedida, em parte, para suspender o efeito retroativo imprimido, a cobrança, pelas expressões contidas no art. 17 da M.P. no 1.325-96. A decisão foi confirmada no julgamento definitivo da ADI 1417-DF37, que possui a seguinte ementa: ADI 1417/DF EMENTA: Programa de Integração Social e de Formação do Patri- mônio do Servidor Público — PIS/PASEP. Medida Provisória. Supe- ração, por sua conversão em lei, da contestação do preenchimento dos requisitos de urgência e relevância. Sendo a contribuição expressamen- te autorizada pelo art. 239 da Constituição, a ela não se opõem as res- trições constantes dos artigos 154, I e 195, § 4º, da mesma Carta. Não compromete a autonomia do orçamento da seguridade social (CF, art. 165, § 5º, III) a atribuição, à Secretaria da Receita Federal de adminis- tração e fiscalização da contribuição em causa. Inconstitucionalidade apenas do efeito retroativo imprimido à vigência da contribuição pela parte final do art. 18 da Lei nº 8.715-98. (f ) Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada: Cobrança, como nos esclarece PIRES38, “é a exigência feita ao sujeito pas- sivo para que ele cumpra a sua obrigação tributária, recolhendo aos cofres públicos a importância relativa ao crédito tributário constituído”. Assim, o 36. BRASIL. poder Judiciário. Supre- mo Tribunal Federal. ADI 1417-MC, Tri- bunal pleno, Rel. Min. Octavio Galotti. Julgamento em 07.03.1996. Brasília. Disponível em: < http://www.stf.jus.br . Acesso 13.01.2015. Decisão unânime. 37. BRASIL. poder Judiciário. Supre- mo Tribunal Federal. ADI 1417, Tribu- nal pleno, Rel. Min. Octavio Galotti. Julgamento em 02.08.1999. Brasília. Disponível em: < http://www.stf.jus. br >. Acesso em 13.01.2015. Decisão unânime. 38. pIRES, Adilson Rodrigues. Manual de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Fo- rense, 1997, 10ª ed., 4ª tir., p.21. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 15 39 MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, São paulo: Malheiros, 2005, p. 82. fato de ser qualificada pelo CTN como atividade plenamente vinculada de- termina que esta cobrança seja realizada em total obediência aos preceitos normativos que a disciplinam, de modo que se há um comando legal deter- minando a realização da cobrança de tributo em face da ocorrência de um fato gerador, não resta ao Administrador Público outra alternativa senão co- brar o tributo, ou seja, inexiste, in casu, qualquer margem de discricionarie- dade. Por fim, os tributos são submetidos a diversas classificações pela doutrina brasileira. Vejamos as principais delas. - Quanto à espécie: conforme veremos a seguir, os tributos podem ser classificados em impostos, taxas, contribuição de melhoria, em- préstimo compulsório e contribuições especiais; - Quanto à competência: a competência é a aptidão outorgada pela CF/88 para instituir tributos. Assim, os tributos podem ser fede- rais, se a competência for da União, estaduais, se foi outorgada aos Estados e municipais se pertencem aos Municípios; - Quanto à vinculação do fato gerador a uma atividade estatal: os tributos podem ser vinculados — quando o fato gerador se refere à uma atividade estatal especifica e relativa ao contribuinte, como por exemplo, as taxas e a contribuição de melhoria; ou não vinculados, quando o fato gerador for uma atividade do contribuinte, como no caso dos impostos e contribuições especiais; - Quanto à vinculação do produto da arrecadação — tributos com arrecadação vinculada — aqueles em que o produto da arrecada- ção deve ser aplicado à finalidade que deu origem ao tributo, ex: contribuições especiais e tributos com arrecadação não vinculada são aqueles em que o valor arrecadado não precisa ser aplicado a nenhuma finalidade estabelecida, ex: taxas e impostos. - Quanto à função: Fiscal, quando seu principal objetivo é a arreca- dação de recursos financeiros para o Estado. Extrafiscal, quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, buscan- do um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros. Parafiscal, quando o seu objetivo é a arrecadação de recursos para o custeio de atividades que, em princípio, não integram funções pró- prias do Estado, mas este as desenvolve através de entidades especí- ficas39. - Quanto à possibilidade de repercussão do encargo econômico: os tributos podem ser diretos ou indiretos. Diretos são os tributos que não admitem repassar o encargo econômico a terceiros, ou seja, quem efetua a arrecadação aos cofres públicos é a mesma pessoa que paga efetivamente o tributo, ex. IPTU, IPVA, IR, taxas, etc. Já os tributos indiretos são aqueles que admitem o repasse do encargo 39. MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, São paulo: Malheiros, 2005, p. 82. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 16 40 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributá- rio Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, 11ª ed., p. 5. 41 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São paulo: Re- novar, 2003, p. 3. econômico do tributo, ou seja, a pessoa responsável em recolher o tributo aos cofres públicos (sujeito passivo), não é a mesma que efe- tivamente suporta o ônus econômico do tributo, como no caso do ICMS, em que o sujeito passivo é o comerciante, mas quem paga efetivamente o tributo é o consumidor final, pois o valor relativo a este imposto é repassado ao consumidor juntamente com o preço da mercadoria. - Quanto aos aspectos objetivos ou subjetivos da hipótese de in- cidência: serão reais os tributos que estão relacionados com uma coisa, objeto, tais como o ICMS, IPTU, IPVA, sem levar em consi- deração características pessoais do contribuinte. Já os tributos pes- soais levam em consideração aspectos pessoais, subjetivos do con- tribuinte, tal como o IR, que considera características pessoais do contribuinte na sua incidência. 1.2 A DIFERENÇA ENTRE OS TRIBUTOS E AS DEMAIS RECEITAS PÚBLICAS O Direito Tributário é um sub-ramo do Direito Financeiro, constituindo hoje um campo específico e autônomo da ciência jurídica. Assim, o direito financeiro compreende, consoante a lição de Aliomar Baleeiro40: [...] o conjunto das normas sobre todas as instituições financeiras — receitas, despesas, orçamento, crédito e processo fiscal — ao passo que o Direito Fiscal, sinônimo de Direito Tributário, aplica-se contem- poraneamente e a despeito de qualquer contraindicação etimológica, ao campo restrito das receitas de caráter compulsório. Regula preci- puamente as relações jurídicas entre o Fisco, como sujeito ativo, e o contribuinte, ou terceiros como sujeitos passivos. É importante notar que a arrecadação dos tributos constitui um dos prin- cipais instrumentos para a consecução dos objetivos políticos e econômicos do Estado. No entanto, ao lado das receitas tributárias,existem outros ingres- sos financeiros igualmente importantes para o desenvolvimento do Estado, como os preços públicos, as compensações financeiras, ingressos comerciais, além daqueles ingressos decorrentes do pagamento de multa. A atividade financeira exercida pelo poder público — parcela emanada de sua soberania — caracteriza-se como o “conjunto de ações do Estado para a obtenção da receita e a realização dos gastos para atendimento das necessida- des públicas”, em que procura captar, gerir e despender recursos em favor da promoção do próprio interesse público41. 40. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tribu- tário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, 11ª ed., p. 5. 41. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Di- reito Financeiro e Tributário. São paulo: Renovar, 2003, p. 3. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 17 42 Como exemplos, podemos citar a cap- tação de recursos pelo governo federal junto ao Fundo Monetário Internacio- nal, vez que tem a natureza de ingresso porquanto o empréstimo deverá acar- retar a devolução futura, ou mesmo a ação de perdas e danos julgada proce- dente em face de motorista causador de dano ao Erário, que será ingresso já que se trata de recurso condicionado a uma despesa anterior. 43 Neste sentido, BALEEIRO consigna que: “receita pública é a entrada que, integrando-se ao patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acres- cer seu vulto, como elemento novo e positivo”. BALEEIRO, Aliomar. Uma In- trodução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 116. 44 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São paulo: Re- novar, 2003, p.166. 45 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São paulo: Re- novar, 2003, p.169. 46 MORAES, Bernardo Ribeiro. Compên- dio de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2002, ed. rev. aum. e atual., p. 310. O conceito de receita, não obstante remanescer umbilicalmente ligado ao de ingresso, com ele não se confunde, isto porque, os ingressos nada mais são do que recursos que entram nos cofres do Estado a qualquer título, de forma que todo e qualquer recurso que passa a integrar o Erário, condicionado ou não à devolução futura, vinculado ou não à despesa anterior, receberá a defi- nição de mera entrada, simples ingresso ou movimento de fundo42. Desta forma, ingresso se traduz por qualquer recurso que se adiciona aos cofres do Estado, mas que não agregará qualquer elevação ou aumento de divisas, representando mera operação temporária de incremento, enquanto receita, por seu turno, corresponde a espécie do gênero ingresso, majorando tais valores em caráter permanente e de forma nova, como ocorre, v.g., com doações ao poder público e com os tributos43. Conforme Ricardo Lobo Torres44, as receitas se classificam como originá- rias e derivadas, sendo estas as que advêm da economia privada — represen- tadas por tributo, ingressos parafiscais e multas — e aquelas as que decorrem da exploração do patrimônio público, v.g. compensações financeiras, ingres- sos comerciais e preços públicos. As receitas derivadas decorrem do exercício do poder de império, de forma que o Estado passa a exigir, na qualidade de poder público, a transferência compulsória de parte do patrimônio do particular para o Erário. A seguir, serão abordadas cada uma das espécies de receitas originárias: preços públicos, compensações financeiras e ingressos comerciais. (a) Preço público: O conceito de preço público, como nos esclarece Ricardo Torres45, [...] pode ser sintetizado como a prestação pecuniária que, não sen- do dever fundamental nem se vinculando às liberdades fundamentais, é exigida sob a diretiva do princípio constitucional do benefício, como remuneração de serviços públicos inessenciais, com base no dispositivo constitucional que autoriza a intervenção no domínio econômico. Como é possível notar, é muito tênue a linha que separa o conceito de pre- ço público do conceito de taxa de serviço, na medida em que ambos possuem um caráter contraprestacional, de remuneração ao Estado pela prestação de serviços públicos. Existe notável dificuldade em distinguir as taxas dos preços públicos. Po- de-se até dizer que o problema da discriminação entre as taxas e as contra- prestações de direito privado é um dos mais delicados do direito financeiro. Sobre o tema, Bernardo Ribeiro Moraes46 discorre que: 42. Como exemplos, podemos citar a captação de recursos pelo governo federal junto ao Fundo Monetário Internacional, vez que tem a natureza de ingresso porquanto o empréstimo deverá acarretar a devolução futura, ou mesmo a ação de perdas e danos julgada procedente em face de moto- rista causador de dano ao Erário, que será ingresso já que se trata de recurso condicionado a uma despesa anterior. 43. Neste sentido, BALEEIRO consigna que: “receita pública é a entrada que, integrando-se ao patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acres- cer seu vulto, como elemento novo e positivo”. BALEEIRO, Aliomar. Uma In- trodução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 116. 44. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São pau- lo: Renovar, 2003, p.166. 45. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São pau- lo: Renovar, 2003, p.169. 46. MORAES, Bernardo Ribeiro. Com- pêndio de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2002, ed. rev. aum. e atual., p. 310. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 18 47 STF. pleno. RE . 89.876/RJ. Rel. Min. Moreira Alves. j. 04.09.80. DJ 10.10.80. Registre-se que Flávio Bauer Novelli re- presentou o Município do Rio de Janei- ro, como seu procurador, defendendo a natureza de preço público da remune- ração devida em razão do serviço de remoção de lixo. 48 Criticando esse novo parâmetro adotado pelo STF, vide: NOVELLI, Flavio Bauer. “Apontamentos sobre o conceito jurídico de taxa”. In Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, vol. 189, p. 22. para demonstrar a árdua tarefa de se distinguir as taxas dos preços públicos e a verdadeira Ba- bel de enfoques no tema, vale conferir: FERNANDES DE OLIVEIRA OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Receitas Públicas Originárias. São paulo: Malheiros, 1994, pp. 104 e 105. O essencial para o conhecimento do preço público, [...] “é saber a opção política do Poder Público, qual regime jurídico adotado pelo le- gislador para o custeio da atividade estatal, pois uma mesma atividade pode ser custeada tanto por preço público como por tributo”. Diante do problema nitidamente político, por estar na opção do legislador a escolha do tipo de desinvestimento, o Ministro Victor Nunes Leal, salientou, em palavras dignas de relembrança: “o problema fundamen- tal não é dizer se é taxa ou não é taxa”, mas, sim, “determinar de que natureza vai ser explorado determinado serviço”. A fim de solucionar tal questão, foram propostos os mais diversos critérios. Analisaremos, em seguida, a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, sob a égide da Constituição de 1946, editou o Enunciado 545 da súmula da jurisprudência predominante nos seguintes termos: Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança con- dicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu. Como se vê, o critério utilizado pela Corte foi o da compulsoriedade. Posteriormente, em outra decisão proferida pelo Pretório Excelso, em que se discutia a respeito da natureza da prestação cobrada pela Companhia Mu- nicipal de Limpeza Urbana (COMLURB) do Rio de Janeiro, pela remoção do lixo dos prédios situados no Município, adotou-seum novo critério, con- siderando deficiente aquele esposado pela Súmula 545. A Corte Constitucio- nal destacou que é importante verificar se a atividade concretamente executa- da pelo Poder Público configura um serviço público ou não. A premissa adotada foi a seguinte: onde houver serviço público, necessariamente haverá taxa, inexistindo opção de o poder público cobrar preço público pela sua prestação47. Assim, o critério de distinção está na natureza do serviço prestado que, sendo “propriamente” público, leva necessariamente à consequên- cia de a remuneração ser por taxa e não por preço público. Em verdade, tal critério ainda é alvo de críticas, persistindo, assim, a busca por um critério científico suficientemente preciso e objetivo, que possa distin- guir os dois institutos em estudo48. A preocupação da doutrina se justifica na medida em que se equi- vocadamente se chama de “preço público” o que, em verdade, é 47. STF. pleno. RE . 89.876/RJ. Rel. Min. Moreira Alves. j. 04.09.80. DJ 10.10.80. Registre-se que Flávio Bauer Novelli representou o Município do Rio de Janeiro, como seu procurador, de- fendendo a natureza de preço público da remuneração devida em razão do serviço de remoção de lixo. 48. Criticando esse novo parâme- tro adotado pelo STF, vide: NOVELLI, Flavio Bauer. “Apontamentos sobre o conceito jurídico de taxa”. In Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, vol. 189, p. 22. para demonstrar a árdua tarefa de se dis- tinguir as taxas dos preços públicos e a verdadeira Babel de enfoques no tema, vale conferir: FERNANDES DE OLIVEIRA OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Receitas públicas Originárias. São paulo: Malhei- ros, 1994, pp. 104 e 105. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 19 49 STF. pleno. Recurso Extraordinário 541.511. pleno. Relator: Ministro Ri- cardo Lewandowski. Rio Grande do Sul, 22 de abril de 2009. In: DJ, 26 de junho de 2009. 50 STF. pleno. ADI 800-RS. Relator Min. Teori Zavascki, Julgado em 11.06.2014 51 STF. 1ª Turma, RE 201630. Rel. Min. Ellen Gracie, Dj de 02/08/2002 52 3.1orquanto sdo,se rortane tas.r tal conduta inadequada. EREsp 690.609- RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgados em 26.3.2008, DJ 07.04.2008. 53 STJ. primeira Seção. REsp 11170903/ RS. Rel. Min. Luiz Fux. j. 09.12.2009. DJe: 01.02.2010 54 STF. RE 518256/RS. Rel. Min. Luiz Fux. j. 15.12.2011. DJe 02.02.2012. “taxa”, isso ocasiona a instituição de um “novo tributo”, sem que esse “novo tributo” esteja obrigado a se submeter ao regime constitucional tributário. Não obstante, o critério distintivo da compulsoriedade/voluntariedade foi retomado quando o STF definiu a contraprestação paga pelo fornecimento de energia elétrica como um preço público49. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 800- RS50, em decisão plenária proferida por unanimidade de votos, consignou que o “pedágio cobrado pela efetiva utilização de rodovias conservadas pelo Poder Público, cuja cobrança está autorizada pelo inciso V, parte final, do art. 150 da Constituição de 1988, não tem natureza jurídica de taxa, mas sim de preço público”. Em seu voto, o Ministro Relator destacou que o critério da compulsorida- de vem sendo utilizado historicamente pela Corte Suprema para definir a questão, ressaltando, inclusive, que esse foi o critério para determinar que o fornecimento de água é serviço remunerado por preço público51. Destaque-se, por fim, que o STJ entende que a contraprestação cobrada por concessionárias de água e esgoto tem natureza jurídica de preço públi- co52. Nessa linha, em julgamento53 pelo rito da Lei dos Recursos Repetitivos — Lei 11.672/2008 — a Primeira Seção do mesmo STJ consolidou o enten- dimento de que a contraprestação pelos serviços de água e esgoto não possui caráter tributário por ter natureza jurídica de tarifa ou preço público e que sua prescrição é regida pelo Código Civil. Também o Supremo Tribunal Federal tem decidido nesses termos, confor- me revela o teor do julgado proferido no Recurso Extraordinário 518.25654: A remuneração dos serviços de água e esgoto, prestados por con- cessionária de serviço público, é de tarifa ou preço público, consubs- tanciando, assim, contraprestação de caráter não-tributário, razão pela qual não se subsume ao regime jurídico tributário estabelecido para as taxas. (Precedentes: RE n. 447.536-ED, Relator o Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 26.08.05; AI n. 516.402— AgR, Rela- tor o Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 21.11.08; RE n. 544.289-AgR, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe de 19.06.09; AI n. 765.037, Relator o Ministro Dias To- ffoli, DJe de 15.09.11; AI n. 765.696, Relator o Ministro Gilmar Men- des, DJe 07.10.11; RE n. 637.132, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 03.08.11; RE n. 509.167, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 28.04.11; AI n. 825.216, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 14.04.11; RE n. 486.306, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 02.02.11, entre outros). 49. STF. pleno. Recurso Extraordiná- rio 541.511. pleno. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Rio Grande do Sul, 22 de abril de 2009. In: DJ, 26 de junho de 2009. 50. STF. pleno. ADI 800-RS. Rela- tor Min. Teori Zavascki, Julgado em 11.06.2014 STF. pleno. ADI 800-RS. Relator Min. Teori Zavascki, Julgado em 11.06.2014 51. STF. 1ª Turma, RE 201630. Rel. Min. Ellen Gracie, Dj de 02/08/2002 52. 3.1orquanto sdo,se rortane tas.r tal conduta inadequada. EREsp 690.609-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgados em 26.3.2008, DJ 07.04.2008. 53. STJ. primeira Seção. REsp 11170903/RS. Rel. Min. Luiz Fux. j. 09.12.2009. DJe: 01.02.2010 54. STF. RE 518256/RS. Rel. Min. Luiz Fux. j. 15.12.2011. DJe 02.02.2012. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 20 55 SANTOS, Sérgio Honorato dos. Royal- ties do Petróleo à luz do Direito Positivo. Rio de Janeiro: ADCOAS, 2001, p. 31. 56 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São paulo: Re- novar, 2003, p. 171. 57 TORRES, Ricardo Lobo.Ob. cit.,p. 171. 58 BARROSO, Luís Roberto. Federalismo, isonomia e segurança jurídica: inconsti- tucionalidade das alterações na distri- buição de royalties do petróleo. p.14-16. 59 Eros Roberto Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito, 2002, p. 34: “Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A inter- pretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qual- quer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele do texto — até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, despren- dido do sistema jurídico, não expressa significado algum”. 60 23 CF/88, art. 155, § 2º: “O imposto previsto no inciso II [ICMS] atenderá ao seguinte: (...) X — não incidirá: (...) b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrifican- tes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica”. (b) Compensações financeiras: De acordo com o art. 20, § 1º, da CR/88, a compensação financeira (re- gulada pela Lei Federal 7.990, de 28.12.89) — ingresso patrimonial que tem natureza de receita originária — é devida aos Estados, Distrito Federal, Mu- nicípios e órgãos da administração direta da União em decorrência da explo- ração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plata- forma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva. Sérgio Ho- norato dos Santos55 afirma que: Os royalties constituem compensação financeira devida, principal- mente, a Estado, Distrito Federal, Municípios pelos concessionários de exploração e produção de petróleo ou gás natural, e serão pagos men- salmente, com relação a cadacampo, a partir do mês em que ocorrer a respectiva data de início da produção, vedadas quaisquer deduções. As compensações financeiras são devidas, portanto, pelos concessionários de exploração e produção de petróleo ou gás natural em razão da perda dos recursos naturais encontrados em seus territórios, tendo, nesse caso, natureza indenizatória56. Outra justificativa para o pagamento das compensações financeiras decor- re das “despesas que as empresas exploradoras de recursos naturais causam aos poderes públicos, que se vêem na contingência de garantir a infraestrutura de bens e serviços e a assistência às populações envolvidas em atividades econô- micas de grande porte (...)”57. No que se refere ao petróleo, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, em artigo acadêmico sobre o tema, apresenta estudo sobre as compensações financeiras de que trata o art. 20, § 1º, da CR/88 nos seguintes termos58: Passa-se, agora, à interpretação sistemática, pela qual a norma jurídi- ca deve ser interpretada dentro do contexto normativo como um todo. Não se interpretam normas isoladamente, sem fazer as conexões com o ordenamento jurídico, em cujo ápice está a Constituição59. A Consti- tuição tem uma unidade interna e, além disso, é responsável pela uni- dade geral do sistema. No ponto aqui relevante, deve-se assinalar que o art. 20, § 1º deve ser lido em conjunto com outras normas que afetam o ciclo econômico da produção do petróleo. Merece destaque, para os fins visados nesse estudo, a disciplina do imposto sobre circulação de mercadorias, especialmente o art. 155, § 2º, X, b, também da Consti- tuição2360. É possível afirmar que a regra geral, em relação a esse tribu- 55. SANTOS, Sérgio Honorato dos. Royalties do petróleo à luz do Direito positivo. Rio de Janeiro: ADCOAS, 2001, 56. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São pau- lo: Renovar, 2003, p. 171. 57. TORRES, Ricardo Lobo.Ob. cit.,p. 58. BARROSO, Luís Roberto. Federa- lismo, isonomia e segurança jurídica: inconstitucionalidade das alterações na distribuição de royalties do petróleo. p.14-16. 59. Eros Roberto Grau, Ensaio e discur- so sobre a interpretação/aplicação do Direito, 2002, p. 34: “Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A inter- pretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qual- quer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele do texto — até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, despren- dido do sistema jurídico, não expressa significado algum”. 60. 23 CF/88, art. 155, § 2º: “O impos- to previsto no inciso II [ICMS] atenderá ao seguinte: (...) X — não incidirá: (...) b) sobre operações que destinem a ou- tros Estados petróleo, inclusive lubrifi- cantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica”. TRIBUTOS EM ESpéCIE FGV DIREITO RIO 21 61 24 LC nº 87/96, art. 11: “O local da operação ou da prestação, para os efei- tos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: I - tratando-se de mercadoria ou bem: a) o do estabelecimento onde se encon- tre, no momento da ocorrência do fato gerador; b) onde se encontre, quando em situação irregular pela falta de documentação fiscal ou quando acom- panhado de documentação inidônea, como dispuser a legislação tributária; c) o do estabelecimento que transfira a propriedade, ou o título que a represen- te, de mercadoria por ele adquirida no país e que por ele não tenha transitado; d) importado do exterior, o do estabe- lecimento onde ocorrer a entrada física; e) importado do exterior, o do domicí- lio do adquirente, quando não estabe- lecido; f) aquele onde seja realizada a licitação, no caso de arrematação de mercadoria ou bem importados do exterior e apreendidos ou abandona- dos; (Redação dada pela LC nº 114, de 16.12.2002) g) o do Estado onde estiver localizado o adquirente, inclu- sive consumidor final, nas operações interestaduais com energia elétrica e petróleo, lubrificantes e combustíveis dele derivados, quando não destinados à industrialização ou à comercialização; h) o do Estado de onde o ouro tenha sido extraído, quando não considerado como ativo financeiro ou instrumento cambial; i) o de desembarque do pro- duto, na hipótese de captura de peixes, crustáceos e moluscos”. 62 25 V. STF, DJ 5.set.2000, RE 198088/ Sp, Rel. Min. Ilmar Galvão. 63 26 STF, DJ 19.dez.2003, MS 24312/DF, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie (trecho do voto do Min. Nelson Jobim). to, é o seu pagamento na origem, isto é, no Estado onde se dá a saída da mercadoria do estabelecimento comercial2461. Todavia, o dispositi- vo acima destacado cria, em relação ao petróleo — e, também, à ener- gia elétrica —, uma exceção: o ICMS, nesse caso, é pago no Estado de destino do produto. Como já apontou o STF, essa disciplina foi criada para beneficiar o “Estado de destino dos produtos em causa, ao qual cabe- rá, em sua totalidade, o ICMS sobre eles incidente, desde a remessa até o consumo”2562. 22. Tal sistemática, em relação ao petróleo, se deveu ao fato de que os Estados produtores, em lugar da tributação do ICMS, receberiam royalties e participações especiais, nos termos do art. 20, § 1º. Uma coisa, então, compensaria a outra. Também esse aspecto já foi abordado pelo STF. Confira-se, a propósito, o trecho abaixo transcrito, extraído do voto do Ministro Nelson Jobim, que, baseado em sua atuação como deputado constituinte, explicitou a conexão necessária — e deliberada — entre os dois dispositivos: ‘Daí por que preciso ler o § 1º do Art. 20, em combinação com o inciso X do art. 155, ambos da Constituição Federal. O que se fez? Estabeleceu-se que o ICMS não incidiria sobre operações que se destinassem a outros estados — petróleo, inclusive lubrificantes, com- bustíveis líquidos, gasosos e derivados e energia elétrica —, ou seja, tirou-se da origem a incidência do ICMS. (...) Assim, decidiu-se da seguinte forma: tira-se o ICMS da ori- gem e se dá aos estados uma compensação financeira pela perda des- sa receita. Aí criou-se o § 1º do art. 20 (...)’ (negrito acrescentado)2663. 23. É possível cogitar que o constituinte derivado pudesse — se se entendesse que isso não viola o princípio federativo, cláusula pétrea constitucional — modificar tal arranjo, alterando o equilíbrio esta- belecido no texto original. Mas o legislador ordinário, por certo, não pode desfazer o sistema concebido pelo constituinte para a matéria. Em suma: o art. 20, § 1º, da Constituição Federal garante o direito de participação ou de compensação aos Estados e Municípios produtores. Isso não quer dizer que os demais Estados-membros e Municípios não possam receber qualquer parcela, mas apenas que a decisão por distri- buir seria uma opção política da União, que pode repartir como quiser o seu próprio quinhão. O que ela não pode fazer é ceder o que não lhe pertence, atribuindo a outros Estados e Municípios aquilo que cabe apenas aos produtores. Na citada decisão do STF (MS 24312), a Corte se posicionou no seguinte sentido: 61. 24 LC nº 87/96, art. 11: “O local da operação ou da prestação, para os efei- tos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: I - tratando-se de mercadoria ou bem: a) o do estabelecimento onde se encon- tre, no momento da ocorrência do fato gerador; b) onde se encontre, quando em situação irregular pela falta de documentação fiscal ou quando acom- panhado de documentação inidônea, como dispuser a legislação tributária; c) o do estabelecimento que transfira a propriedade, ou o título que a represen- te, de mercadoria por ele adquirida no país e que por ele não tenha transitado; d) importado do exterior, o do estabe- lecimento onde ocorrer a entrada física; e) importado
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