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ICPC – INSTITUTO DE CRIMINOLOGIA E POLÍTICA CRIMINAL A (ANACRÔNICA) IMPORTAÇÃO DA DOUTRINA DA CEGUEIRA DELIBERADA PELA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA: INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE A TEORIA NORTE-AMERICANA CAUSALISTA E O TRATAMENTO DO ERRO DE TIPO NO MODELO FINALISTA DE AÇÃO CURITIBA 2015 HERMÍNIA GERALDINA FERREIRA DE CARVALHO A (ANACRÔNICA) IMPORTAÇÃO DA DOUTRINA DA CEGUEIRA DELIBERADA PELA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA: INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE A TEORIA NORTE-AMERICANA CAUSALISTA E O TRATAMENTO DO ERRO DE TIPO NO MODELO FINALISTA DE AÇÃO Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de especialista no Curso de Pós- Graduação em Direito Penal e Criminologia do Instituto de Criminologia e Política Criminal - ICPC. Prof. Orientador: Dr. Juarez Cirino dos Santos CURITIBA 2015 II TERMO DE APROVAÇÃO HERMÍNIA GERALDINA FERREIRA DE CARVALHO A (ANACRÔNICA) IMPORTAÇÃO DA DOUTRINA DA CEGUEIRA DELIBERADA PELA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA: INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE A TEORIA NORTE-AMERICANA CAUSALISTA E O TRATAMENTO DO ERRO DE TIPO NO MODELO FINALISTA DE AÇÃO Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do título de especialista no Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Criminologia do Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC) pela seguinte comissão examinadora: ___________________________________ Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos ICPC. ___________________________________ Prof......................................................... ICPC. Curitiba, 31 de julho de 2015. III AGRADECIMENTOS À minha mãe, exemplo de vida e fonte de inspiração pessoal e profissional. Ao meu pai que, com muito amor, ensinou-me a importância da disciplina e da dedicação. À minha irmã Amélia, eterna companheira nos bons e maus momentos. À minha irmã Louise, ser iluminado que me ensina diariamente a ser melhor, mesmo sem dizer uma palavra. À minha tia Maria Hermínia, com quem, desde muito cedo, aprendi a gostar de ler, e por quem nutro enorme amor e admiração, além de ser uma efetiva mãe e amiga nas aventuras e desventuras destes últimos tempos. Não tenho palavras para agradecer o que tem feito por mim. À minha avó Hermínia, companheira e amiga, não me lembro de nenhum verão sem suas peripécias e histórias. À minha avó Geraldina, in memoriam, que sempre batalhou muito para construir nossa família e até o fim, não deixou de ajudar os outros antes de pensar em si. À Marcia e à Margarete, minhas mães por opção que dedicam muitas orações em meu nome, sempre mostrando-me o caminho certo e torcendo pelo meu sucesso. Devo muito aos seus conselhos. Ao meu fiel amigo Luis Eduardo Schaitza, in memorian, por ter sido o melhor companheiro que tive durante a graduação, confidente e professor que me ensinou muito e em tão curto tempo. É impossível descrever o quanto me iluminou com a sua presença, da qual fui prematuramente privada em nome de um objetivo superior que ainda me é desconhecido. Serei eternamente grata pelos livros que me deixou, os quais inclusive serviram de lastro para a presente pesquisa. Ao meus amigos: Jamil de Assis, Allan Hilani, Guilherme Yamada e Pedro Felipe, eternos companheiros, em qualquer lugar do mundo, com quem aprendi muito e sonhei por um mundo melhor; Paloma e Thuan, amigos incondicionais que me ajudaram tanto em momentos difíceis; Victor Romfeld e Stefani Tackes, aos quais me apeguei tanto neste último ano, companheiros da graduação e da pós que tiveram um papel muito importante no meu crescimento pessoal. Aos meus colegas acadêmicos: Thaís Cecato, Ellen Faleiro, Fabio De Masi, Ryana Nones, Stefani Rackes, Milkevikz e Édelis Dellagnol, Luiza Beghetto, Maraisa Ferreira, Eline Martins e Débora Bueno, companheiros de altos e baixos acadêmicos, assim como de boas risadas. Ao Professor Juarez Cirino dos Santos, com quem aprendi não só o Direito Penal ou o ofício que quero desempenhar para o resto da vida, mas, principalmente, a construir uma visão mais humana e crítica sobre o crime. Neste último ano, pude conhecê-lo melhor durante os encontros semanais no ICPC e, assim, nutrir ainda maior admiração, concluindo que sempre será um mestre de notável conhecimento, de exemplar distinção acadêmica, de excepcional contribuição para o desenvolvimento do conhecimento crítico da criminologia e da dogmática penal, além de ser um inconfundível personagem da Academia, com singular simpatia e simplicidade. IV Ao Professor Jacinto Coutinho, exemplo de dedicação incansável, com quem aprendi a importância da ética e da tomada de posição para o exercício do Direito. Ao meu mestre Roberto Brzezinski Neto, que não só me instrui e ilustra diariamente com ensinamentos práticos e teóricos, mas que muito me ensina através de seu exemplo, ao colocar em prática uma advocacia ética e de qualidade ímpar, a quem devo muito e por quem nutro estima paternal. Ainda luto para aprender a me insurgir da forma respeitosa e polida que frequentemente observo em seus apelos. Aos meus colegas de profissão Ricardo Mathias Lamers, que de forma costumeira me aconselha e acompanha durante o acelerado percurso da prática do Direito, Caio Bogus, que costumeiramente me auxilia na exaustiva revisão de meus trabalhos, e Gabriel Carneiro. Aos meus eternos professores do Escritório Professor René Dotti, com quem aprendi muito e nutro perene gratidão, sem sua atenta orientação e dedicação, não escolheria este rumo. Ainda agradeço, especialmente, ao Escritório do Professor René Dotti e ao meu amigo Bruno Malinoski Correa, os quais defendem voluntariamente meus interesses em um caso de especial importância pessoal. V RESUMO Pretende-se realizar a problematização a importação da doutrina estadunidense da cegueira deliberada (willful blindness) e a sua equivocada equiparação ao dolo eventual pelos aplicadores do direito, ignorando-se a exigência legal do elemento cognitivo atual do dolo (seja este direto ou eventual), bem como a consequência legal de sua inexistência: a exclusão do dolo da conduta devido ao reconhecimento do erro de tipo, ainda que evitável. Neste sentido, entende-se que a construção jurisprudencial do direito anglo-saxão, tributária do causalismo, equipara o potencial conhecimento dos elementos objetivos do crime ao conhecimento atual, presumindo-se o elemento intelectivo do dolo (knowledge) pelo simples fato de não ser razoável o erro de fato (mistake of fact). Todavia, o conceito é incompatível não só com a sistemática do modelo finalista de ação, adotado pelo Código Penal brasileiro após a Reforma da Parte Geral de 1984, mas com a própria definição legal de dolo, que exige o conhecimento atual dos elementos do tipo objetivo para que reste configurado o dolo, sob pena de erro de tipo. Em verdade, busca-se questionar a possibilidade de equivaler o erro de tipo evitável (nos casos em que o conhecimento e o resultado seriam previsíveis, mas não foram previstos ou foram erroneamente representados pelo autor) ao dolo eventual, através da importação da teoria da cegueira voluntária, e os riscos que a sua aplicação anacrônica pelos tribunais brasileiros impõem aos princípios da legalidade e da culpabilidade através da moralização da teoria do erro (somente seria excluído o dolo se o erro de tipo fosse evitável, mediante uma inversão da ordem de importância). VI ABSTRACT With this assignment, the author intents to criticizethe use of the willful blindness construction of the United States Courts and the it’s inaccurate comparison to the civil law category of “dolo eventual”, made by the Brazilian Courts, disregarding the legal requirement of actual knowledge of dolus (direct or eventual), as well as the legal consequences of its absence: the elimination of the actor’s intention after the recognition of the “erro de tipo”, reasonable or not. Therefore, the jurisprudential construction of common law, influenced by the causalism, equals the actor’s potential knowledge to the actor’s actual knowledge of the legal circumstances that involves the crime definition, in other words, it allows the presumption of the knowledge state of mind. However, the willful blindness instruction is incompatible with the finalistic structure of crime, which requires the actual knowledge of the criminal circumstances, otherwise the intention will be excluded with the recognition of the Brazilian mistake (erro de tipo). VII “Mas esta cegueira é tão anormal, tão fora do que a ciência conhece, que não poderá durar sempre”. (O Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago). VIII SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 9 CAPÍTULO 1. ESTRUTURA DOGMÁTICA DO DELITO NO MODELO CAUSALISTA DE AÇÃO .................................................................................................................................. 12 1.1 A bases históricas do sistema clássico de fato punível .................................................. 12 1.2. O sistema clássico de fato punível e o modelo causal de ação ..................................... 18 1.2.1 A teoria psicológica da culpabilidade no sistema clássico ........................................... 23 1.2.2 Vinculação da antijuridicidade objetiva e as consequências do erro de fato e do erro de direito ................................................................................................................................... 24 1.3 O sistema neoclássico de delito e a reestruturação da culpabilidade com a teoria normativo-psicológica .......................................................................................................... 29 1.3.1 Teoria extremada do dolo: consequências do erro de fato e erro de direito ................ 32 1.3.2 Teoria limitada do dolo: ............................................................................................... 34 CAPÍTULO 2. ESTRUTURA DOGMÁTICA DO DELITO NO MODELO FINALISTA DE AÇÃO: ................................................................................................................................. 40 2.1. O sistema finalista e a teoria normativa pura da culpabilidade ...................................... 40 2.2 As consequências da despsicoligização da culpabilidade para o tratamento do equívoco penal – erro de fato e erro de direito X erro de tipo e erro de proibição ............................... 47 CAPÍTULO 3. OS MODELOS DOGMÁTICOS ADOTADOS PELOS SISTEMAS LEGAIS E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O TRATAMENTO DO ERRO – PROBLEMATIZAÇÃO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA ......................................................................... 53 3.1. Sistema legal brasileiro e a reforma do Código Penal de 1984: adoção do sistema finalista de ação, da teoria normativa da culpabilidade e as suas consequências para o tratamento do erro ............................................................................................................... 53 3.2. Sistema legal norte-americano: adoção do sistema causalista de ação, da teoria psicológico-normativa da culpabilidade e da corrente limitada do dolo: mistake of fact e mistake of law ...................................................................................................................... 63 3.2.1 A invenção da doutrina da cegueira deliberada (willful blindness) ............................... 70 3.3 A adoção da doutrina da cegueira deliberada pelo Supremo Tribunal Espanhol e a criticável importação da teoria da ignorância proposital pela jurisprudência brasileira: incompatibilidade lógica ....................................................................................................... 72 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 84 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 91 9 INTRODUÇÃO A utilização de construções jurisprudenciais norte-americanas para legitimar condenações por fatos supostamente delituosos tornou-se prática ordinária dos tribunais brasileiros, claro e temerário exemplo de analogia in malam partem sob o pretexto da validade transcendental de tais soluções. Assim, o presente trabalho busca problematizar importação da doutrina estadunidense da cegueira deliberada (willful blindness) e a sua equivocada equiparação ao dolo eventual pelos aplicadores do direito, ignorando-se a exigência legal do elemento cognitivo atual do dolo (seja este direto ou eventual), bem como a consequência legal de sua inexistência: a exclusão do dolo da conduta devido ao reconhecimento do erro de tipo, ainda que evitável. Neste contexto, para melhor compreender o atual tratamento do erro no Direito Penal e suas consequências jurídicas, uma breve retrospectiva histórica dos modelos de fato punível constitui importante ferramenta de crítica, na contramão da concepção histórica positivista ainda vigente na dogmática do Direito. O volver instrumental da pesquisa em questão é o rompimento com a clássica abordagem positivista da dogmática jurídica, que confere à história um papel meramente auxiliar para legitimar e glorificar a estrutura vigente (conceito linear e evolucionista da narrativa histórica)1. Desta forma, pretende-se utilizar o passado sem que neste seja projetada a leitura tendenciosa do presente, analisando cada sistema em seu contexto doutrinário próprio, sem cometermos anacronismos. Esta é a importância de ser realizado um estudo diacrônico, com a inscrição temporal de cada sistema enquanto lastro de uma consciência crítica. 1 FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução Teórica à História do Direito. Curitiba: Juruá, 2010, p. 38. 10 Por isso, a categorização do equívoco penal deve ser revista dentro de cada um dos modelos doutrinários operacionalizadores do conceito de crime. A teoria do fato punível, enquanto principal segmento da dogmática penal, busca sistematizar o conceito de delito a partir de uma definição analítica, objetivando “indicar os pressupostos de punibilidade das ações descritas na lei penal como crimes, de funcionar como critério de racionalidade da jurisprudência criminal e, acima de tudo, contribuir para a segurança jurídica do cidadão”2. Assim, conforme leciona Juarez Cirino dos Santos, a dogmática penal trabalha com “o tipo de injusto e a culpabilidade”, enquanto “categorias elementares do fato punível”3. Cada um dos modelos doutrinários da teoria do fato punível sistematizou o erro de forma particular, de acordo com as definições e as disposições lógicas destas categorias elementares. A análise diacrônica de cada uma destas construções dogmáticas, bem como das consequências das diferentes disposiçõeslógicas (ou até mesmo geográficas) do dolo é fundamental para que seja diferenciado o modelo teórico caulista, adotado pela construção jurisprudencial anglo-saxônica para a criação da doutrina da cegueira deliberada (willful blindness), em relação à conceituação finalista de crime, que serviu de base para a reforma do Código Penal de 1984. Somente então será possível fornecer elementos para sopesar a possibilidade de transpor conceitos dogmáticos da teoria estadunidense, e a incompatibilidade lógica de importar as consequências do equívoco penal voluntário, criadas a partir de um conceito de fato punível que prescinde dos limites legais do conteúdo do dolo 2 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 4 ed. Curitiba: ICPC: Conceito Editorial, 2010,p. 72. 3 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 72. 11 (elemento cognitivo e volitivo contemporâneos à ação, cf. dispõem os arts. 18, I e 20, caput, do Código Penal) visto a partir do conceito finalista de ação. O primeiro capítulo tem como objeto principal a análise da formulação do modelo clássico de definição do fato punível, bem como as suas consequências para o tratamento do erro. Assim, serão analisadas a teoria psicológica da culpabilidade, a definição de erro de fato e sua distinção do erro de direito, bem como suas releituras através do sistema neoclássico e a despsicologização da culpabilidade. Enfim, serão estudadas as teorias do dolo e as suas repercussões no tratamento do equívoco penal. No segundo capítulo, o presente trabalho deteve-se exclusivamente à estrutura dogmática do fato punível no modelo finalista de ação, conferindo maior enfoque às consequências de sua adoção para o tratamento do erro, bem como a distinção entre o antigo erro de fato e a adoção da categoria do erro de tipo. O terceiro capítulo busca fornecer elementos básicos para a análise da estruturação das legislações brasileira e norte-americana, de acordo com o modelo dogmático adotado por cada uma delas. Assim, enquanto no Brasil se sustenta a definição de erro de tipo, tributário do finalismo, nos Estados Unidos ainda é aceita a antiga distinção entre erro de fato (mistake of fact) e erro de direito (mistake of law). Em uma subseção própria, será analisada a invenção da teoria da cegueira deliberada (willful blindness) pelo direito anglo-saxão, bem como a sua imprecisa importação pelo Supremo Tribunal Espanhol e pela jurisprudência brasileira. 12 CAPÍTULO 1. ESTRUTURA DOGMÁTICA DO DELITO NO MODELO CAUSALISTA DE AÇÃO 1.1 A bases históricas do sistema clássico de fato punível A partir da reforma penal do século XVIII, enquanto junção da teoria penal com a estratégia da estatização do poder punitivo e produto “da pressão sobre as ilegalidades populares [tornando-se] na época da Revolução, depois no Império, finalmente durante o todo século XIX, um imperativo essencial”4, observou-se a construção de uma nova tecnologia punitiva que permitiu a universalização da pena, objetivando o aumento de sua eficácia. Assim nasceu a Escola Clássica, tributária do Iluminismo e da necessidade de controlar e codificar os atos ilícitos, previamente definidos e puníveis com segurança5. A unidade ideológica do movimento político liberal e humanitário que buscou responder à demanda de estipular limites e conferir justificativas ao poder punitivo, tutelando-se a liberdade individual: o sujeito de direitos como “fronteira legítima do poder de punir”6. Conforme leciona Vera Andrade, o movimento clássico do Direito Penal buscou uma “vigorosa racionalização do poder punitivo em nome, precisamente, da necessidade de garantir o indivíduo contra toda intervenção estatal arbitrária. Daí porque a denominação ‘garantismo‘ seja talvez a que melhor espelhe seu projeto 4 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 38ed. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 85. 5 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir...cit., p. 84. 6 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir...cit., p. 72. 13 racionalizador”7. A crise da antiga economia do castigo foi solucionada pela reforma iluminista do século XVIII: “o castigo deve ter a ‘humanidade‘ como ‘medida‘, sem poder dar um sentido definitivo considerado entretanto incontornável”8. A inspiração racionalista e individualista deste novo jusnaturalismo deu ensejo às teorias contratualistas e ao Iluminismo, baseadas na vontade disciplinadora da política e da sociedade civil, legitimada pelo direito natural. Assim, a Escola Clássica buscou os fundamentos metafísicos do Direito Penal, fruto do direito natural evidente, universal e eterno (o jusnaturalista), que pudesse fazer frente ao direito positivo e justificar uma reforma penal legítima, baseada nos direitos naturais e, posteriormente, racionais9. A partir desta premissa, os doutrinadores do Direito Penal Clássico, essencialmente Beccaria e Carrara, buscaram a superação do Direito Penal do Antigo Regime, criando o Direito Penal Moderno, no qual a lei penal é oriunda de um sistema fechado, legitimado pela exatidão matemática e dedução lógica: propõe-se a invenção do sistema dogmático racional. Cesare de Beccaria foi o maior divulgador das ideias dos “reformadores lombardos”, que compunham a Accademia dei Pugni e divulgavam as ideias iluministas, adepto ao racionalismo liberal, ressaltando a necessidade de se limitar o poder soberano, que somente seria legítimo se representasse a soma das vontades individuais dos indivíduos livres o constituíram10: “o conjunto de todas essas 7 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal: em busca da segurança jurídica prometida. 501 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1994, p. 129 – 130. 8 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir...cit., p. 72. 9 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit.,p. 130. 10 BECCARIA, Cesare. Dei delliti e delle pene. Milano: Mursia, 1973, p. 07: “Le leggi sono le condizioni, colle quali uimini indipendenti ed isolati si unirono in società, stanchi di vivere inun continuo stato di guerra e di godere una libertà resa inutile dall‘incerteza di conservarla. Essi ne sacrificarono una parte per goderne il restante con sicurezza e trnquilità. La somma di tutte queste porzioni di libertà sacrificate al bene di ciascheduno forma la sovranità di una nazione, ed il sovrano è il legittimo depositario ed amministratore di quelle”. 14 pequenas porções [de liberdade] é o fundamento do direito de punir; todo exercício do poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato, e não de direito; é uma usurpação e não mais um poder legítimo”11. Sua base ideológica é incontestável: “para ele, a origem das penas encontra-se no contrato social e na necessidade de defendê-los dos ataques particulares”12. Se o objetivo da sociedade civil é proteger os indivíduos, a pena só se justifica na medida em que seja útil para conservar a segurança pública13, devendo ser limitada pela lei – não ficando mais ao arbítrio do juiz. Somente o legislador, legitimado pelo poder soberano do povo (ou seja, a soma de suas vontades livres e individuais), que pode fixar as penas de cada delito, cabendo ao magistrado somente aplicar a lei: “nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão”14. Percebe-se a influência de Lockee, principalmente, de Montesquieu no tocante à importância dada ao poder legislativo, o legislador é o homem que não comete crimes15: “o poder legislativo deve indicar os fatos que constituem delito, não somente para limitar o poder soberano para castigar, como igualmente porque isso serve para evitar sua comissão enquanto utilidade”16. Baseando-se na divisão dos poderes e no poder punitivo proveniente do contrato social, Beccaria ressalta a “exigência de legalidade, princípio que veio consubstanciar na fórmula nullun crimen nulla poena sine lege que lhe imprimiu Feuerbach”17. 11 BECCARIA, Cesare. Dei delliti e delle pene...cit., p. 09. Tradução livre: “L‘aggregato di queste minime porzioni possibili forma il diritto di punire; tutto il di piú è abuso e non giustizia, è fatto, ma non già diritto”. 12 ANITUA, Gabriel Ignacio. História dos pensamentos criminológicos. Tradução Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2008, p. 161. 13 BECCARIA, Cesare. Dei delliti e delle pene...cit., p. 09. 14 BECCARIA, Cesare. Dei delliti e delle pene...cit., p. 10. 15 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir...cit., p. 88. 16 ANITUA, Gabriel Ignacio. História dos pensamentos...cit., , p. 162. 17 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit., p. 134. 15 O fundamental na tese de Beccaria é a segurança de todo indivíduo em face do poder punitivo arbitrário do soberano “e sua preocupação central é a instauração de um regime estrito de legalidade (Penal e Processo Penal) que evite toda a incerteza do poder punitivo, ao mesmo tempo em que promova sua humanização e instrumentalização utilitária”18. É necessário calcular a pena não em função do crime, mas principalmente em razão de sua possível repetição “fazer de tal modo que o mal feitor não possa ter vontade de recomeçar, nem possibilidade de ter imitadores. Punir será então uma arte dos efeitos”19. Beccaria formulou o princípio da legalidade para crimes e penas, além de defender a certeza e a igualdade jurídica; a proporcionalidade, utilidade preventiva e humanização da pena foram importantes críticas ao regime punitivo Absolutista20. Com esse saber iluminista e reformista, nasce um projeto de uma nova Justiça Penal, com a promessa moderna de segurança individual. Esses postulados são positivados pelo movimento codificador europeu do século XVIII, originando o Direito Penal liberal. O primeiro Código Penal foi obra de Catarina II, da Rússia, em 1767, seguido de José II, da Áustria, vinte anos mais tarde, com a promulgação de uma Lei geral sobre os castigos dos delitos. Os códigos revolucionários franceses (1791 e 1795) também positivam os postulados Clássicos até que, em 1810 é promulgado o Código Penal Napoleônico. O objetivo da Escola Clássica não era mais combater a Justiça Penal, mas efetivar os princípios básicos já positivados, dando lugar ao posicionamento construtivo e não mais crítico-negativo: “no lugar da crítica à legislação, ao processo e à execução penal do Antigo Regime, o classicismo passa a edificar a construção conceitual 18 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit., p. 133. 19 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir...cit., p. 89. 20 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit., p. 133. 16 sistemática do Direito Penal, do crime, da responsabilidade penal e da pena, que deverão sustentar o novo Direito Penal liberal”21. Em seguida, Carrara passa a construir a definição de crime como “ente jurídico”, decompondo-o analiticamente em dois elementos construtivos (forças físicas e psíquicas), estabelecendo as bases da análise lógico-formal. A ação humana foi estudada a partir da liberdade individual, garantia em face do poder punitivo arbitrário que só se efetivou quando as características voluntárias da ação foram definidas: “além de ser uma violação, o crime é, para o classicismo, uma violação ‘consciente e voluntária‘ da norma penal e, pois, dos seus elementos constitutivos conferem especial relevância à vontade culpável”22, fruto do livre- arbítrio de violar a norma. A concepção de crime manifesta um “normativismo abstrato”: a responsabilização penal decorre da violação consciente, livre e voluntária da lei penal, baseando-se na responsabilidade moral e no livre-arbítrio23. No contexto do racionalismo da Escola Clássica, surge o conceito científico de delito, duplamente segmentado entre imputação objetiva (imputatio facti) e subjetiva (imputatio iuris), ou seja, uma definição bipartida do fato punível: “Sendo assim, por intermédio de autores como Feuerbach, Mittermayer, Romagnosi, dentre outros, buscou-se um conceito científico de delito, procedendo-se a diferenciação entre imputação objetiva e imputação subjetiva (imputatio facti e imputatio iuris). Nesse sentido, merece destaque a obra de Francesco Carrara. Na verdade, o pensamento na fase que precedeu ao desenvolvimento moderno da teoria do crime atingiu em Carrara o seu apogeu, tanto assim que ele teria aconselhado seus discípulos a não mais se dedicarem ao Direito Penal, mas, sim, ao Processo Penal. Com efeito, para aquele autor, delito era entendido como a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso. Destacavam-se, na sua teoria, duas orientações: força moral e força física. A primeira (interna) consistente na 21 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit., p. 137. 22 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit., p. 141. 23 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit., p. 142. 17 vontade inteligente do homem, e, a segunda (externa), o movimento do corpo com o qual o agente executa o propósito criminoso” 24 . Hans Welzel relata que, neste momento inicial, “a dogmática do Direito Penal tentou compreender, primeiro (desde 1884), o conceito do injusto, partindo da distinção: objetivo-subjetivo”25. Por conseguinte, à definição legal de crime, ou seja “ao injusto deviam pertencer, exclusivamente, os caracteres externos objetivos da ação, enquanto que os elementos anímicos subjetivos deviam constituir a culpabilidade”26, analisada pelo juiz. Aliás, desde a primeira metade do século XIX, o Direito Penal buscava diferenciar o injusto e a imputação do fato, quando “antijuridicidade e culpabilidade confundiam-se em um conceito superior de imputação, teoria sustentada por Puffendorf, com a finalidade de distinguir o fato, como obra humana, do puro acaso”27. Todavia, a estrutura bipartida de crime – teoria da imputação, que ainda continua sendo observada em determinados países, como é o caso da França e dos Estados Unidos – sofreu inúmeras modificações doutrinárias na Itália e na Alemanha. Desta forma, surge o conceito de antijuridicidade objetiva, desenvolvido por Rudolf von Ihering em 1867, para o Direito Civil, “demonstrando que cuidava-se de um estado objetivo para o qual, em certos casos, a culpabilidade nada significava, como, por exemplo para o possuidor de boa fé de coisa alheia”28. 24 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 137 – 138. 25 WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán. Tradução Juan Bustos Ramirez e Sérgio YánezPérez. Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1970, p. 89. 26 WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán...cit., p. 89. 27 CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 16. 28 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 138. 18 1.2. O sistema clássico de fato punível e o modelo causal de ação Von Liszt transpôs o conceito de antijuridicidade objetiva para o Direito Penal e, assim, “abandonou-se a velha teoria da imputação, assumindo-se o conceito de delito como ação antijurídica e culpável, conforme a tripartição pioneiramente desenvolvida por Heinrich Luden”29. Karl Binding, por intermédio de sua Teoria das Normas, sedimentou o conceito de antijuridicidade no Direito Penal, conferindo-lhe autonomia própria em relação à definição civilista de Ihering: “na verdade, a ação punível não infringiria a lei penal (que se limita prever a sanção), mas, sim, o mandato e a proibição do ordenamento jurídico (as normas) que, conceitualmente, precedem a lei”, ou seja “toda a teoria do crime deveria ser compreendida autonomamente a partir do conteúdo das normas penais”30. Adolf Merkel, por sua vez, sistematizou uma nova teoria da imputação em 1889, e assim, unificou dolo e culpa em um “conceito superior da determinação volitiva contrária ao dever”31. Então foi inventado o modelo clássico do delito, que “mantinha em partes absolutamente distintas o aspecto objetivo, representado pela tipicidade e pela antijuridicidade, e o aspecto subjetivo, representado pela culpabilidade”32. Welzel relata que Liszt desenvolveu pela primeira vez, claramente, a separação entre culpabilidade e antijuridicidade, de acordo com critérios subjetivos e objetivos33. 29 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 138. 30 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit.,, p. 138. 31 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 138. Ver também: CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito..cit., p. 16. 32 CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito..cit., p. 17. 33 WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán...cit., p. 89. 19 Enfim, Beling acrescentou a tipicidade à definição de fato punível, “o último predicado que se somou na construção da forma quadripatida do conceito de delito”34. O autor sintetizou a sua criação da seguinte forma: “delito é a ação típica, antijurídica, culpável, submetida a uma cominação penal adequada e ajustada às condições de dita penalidade”35. O conceito clássico de fato punível é tributário da filosofia naturalista do século XIX36, pensamento científico que rechaçava qualquer definição transcendental. No Direito Penal, o pensamento mecanicista reproduziu a necessidade de “verificação do fato criminoso” no plano prático e sensível, que “demandava a existência de fatos perceptíveis pelos sentidos, tal como um conceito físico ou biológico, consoante o nexo de causalidade física ou natural”37. Assim, para o modelo clássico de definição do crime, enquanto produto do pensamento jurídico do positivismo científico, afastou-se quaisquer contribuições de valorações filosóficas, psicológicas e sociológicas transcendentais, pretendendo-se “resolver todos os problemas jurídicos nos limites exclusivos do Direito Positivo e de sua interpretação, deu um tratamento exageradamente formal ao comportamento humano que seria definido como delituoso”38. De forma concomitante, surge o modelo causal de ação, construção teórica baseada nestas categorias científicas que “define a ação como produção causal de um resultado no mundo exterior por um comportamento humano voluntário”39. A ação é concebida de forma simplesmente naturalística, estruturando-se “com um 34 CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito...cit., p. 16. 35 JESCHECK, Tratado de Derecho Penal. Trad. Mir Puir e Muñoz Conde. Barcelona: Bosch, 1981, p. 272. 36 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 76. 37 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 140. 38 CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito..cit., p. 17. 39 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 82. 20 tipo objetivo-descritivo, a antijuridicidade [que] era puramente objetivo-normativa e a culpabilidade, por sua vez, apresentava-se subjetivo descritiva”40. Em outras palavras, o delito seria uma ação típica, antijurídica e culpável. Para o sistema clássico de Liszt e Beling, “considerava-se ação movimento que causava o resultado externo previsto pelo legislador nos tipos delitivos, sendo estes concebidos descritivamente, ou seja, prescindindo-se de valorações ou subjetivações”41. O aspecto objetivo do fato punível, limitado ao tipo, era completado pelo aspecto subjetivo, representado pela culpabilidade “que consistia na relação psíquica do autor com fato praticado, figurado duas formas de culpabilidade: dolo ou culpa”42. É fundamental a compreensão do sistema clássico e de seu modelo causal de ação, pois o dolo, enquanto nexo psicológico entre o autor e a ação típica, era analisado na culpabilidade. A definição legal de crime limitava-se a tipificar um resultado, e não uma conduta finalística. Assim, o legislador definia qual resultado seria criminalizado, enquanto o aplicador do direito iria definir qual seria a culpabilidade no caso concreto, enquanto nexo subjetivo do autor com o fato. O modelo causal de ação seria estruturado de forma meramente objetiva: “a ação humana, mutilada da vontade consciente do autor, determinaria o resultado como uma forma sem conteúdo, ou um fantasma sem sangue, conforme a expressão de BELING”43. Segundo Juarez Cirino dos Santos, “a voluntariedade da ação indica apenas ausência de coação física absoluta, o resultado de modificação 40 CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito..cit., p. 17. 41 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 140. 42 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 140. 43 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 82. 21 no mundo exterior é elemento do conceito de ação – assim, não existe ação sem resultado”44. Juarez Tavares ressalta que o sistema Liszt-Beling, radicado no conceito naturalista, fundamentou a ação enquanto elemento geral e comum a qualquer espécie de crime, papel básico e central na definição do delito. Assim, a ação deveria ser conceituada de acordo com “o que for mais geral e necessário à formulação, tendo em vista seus objetivos” e, consequentemente, “na ação não se investiga o conteúdo da conduta, nem seus possíveis aspectos normativos. A ação é valorativamente neutra, sendo identificada como um movimento corpóreo voluntário, que produz uma modificação no mundo exterior”45. A vontade da ação é verificada apenas para descaracterizar o constrangimento mecânico ou psicofísico, servindo como impulso que dá partida ao movimento46. A expressão da vontade no mundo exterior, enquanto conceito natural de causa (e efeito), foi compreendida enquanto movimento corpóreo,perceptível na realidade externa do ato, e o resultado seria o produto da vontade e da conduta exterior do autor47.Juarez Cirino dos Santos sintetiza a definição do sistema clássico da seguinte forma: “O modelo clássico de fato punível, conhecido como LISZT/BELING/RADBRUCH, originário da filosofia naturalista do século 19, parece claro e simples: a) a ação é um movimento corporal causador de um resultado no mundo exterior; b) a tipicidade é a descrição objetiva do acontecimento; c) a antijuridicidade é a valoração de um acontecimento contrário às proibições e permissões do ordenamento jurídico; d) a culpabilidade é um conceito psicológico, sob as formas de dolo e imprudência, que concentra todos os elementos subjetivos do fato punível” 48 . 44 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 82. 45 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito (variações e tendências). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980, p. 17. 46 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 18. 47 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 19. 48 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 76. 22 Percebe-se que a estrutura da teoria do fato punível ainda observa o dualismo do sistema de imputação anterior. Conforme ilustra Juarez Tavares, “o delito, em seu conjunto, não se consome, todavia, na causalidade objetiva da conduta”, exigindo-se “para sua completa integração, que o agente tenha também se ligado ao resultado, em seu conteúdo, subjetivamente”49. Desta forma, ao fazer da causalidade objetiva e do lime subjetivo partes constitutivas do delito, o modelo clássico dividiu a análise do fato punível em dois estágios legais, “de maneira que a primeira (causalidade) se encontra caracterizada na tipicidade e na antijuridicidade, e a última parte (vínculo psicológico) constitui a base da culpabilidade”50. Este era o esquema tradicional do final do século XVIII já presente na obra de Feurbach (sistema da imputação), mas o sistema causal, ao tomar por base a ação humana, a antiga divisão de seus dois elementos (imputatio facti e imputatio iuris) deu lugar à análise do conteúdo objetivo no tipo de injusto e de seu substrato subjetivo na culpabilidade51. O tipo seria “a descrição objetiva e neutra do desenrolar de uma conduta, prevista na lei penal, e onde representam papel preponderante o movimento do agente (realidade causal) e o resultado”52. A antijuridicidade, seria objetiva, uma simples contradição às normas jurídicas: compara-se o fato típico às normas e, conquanto inexistisse qualquer causa de justificação (critério negativo de determinação), a antijuridicidade estaria afirmada53. Já a culpabilidade não faria parte da definição legal do delito, representando apenas os “componentes 49 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 20. 50 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 20. 51 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 20. 52 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 21. 53 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 23. 23 psicomentais, referidos ao autor no momento do fato”54, de acordo com a teoria psicológica da culpabilidade. 1.2.1 A teoria psicológica da culpabilidade no sistema clássico Conforme se relatou anteriormente, o sistema clássico e o modelo causal de ação de Liszt e Beling indica duas bases do conceito de fato punível: “o injusto, como dimensão objetiva, e a culpabilidade, como dimensão subjetiva do fato punível”55. Assim, os elementos objetivos do fato seriam inerentes à antijuridicidade típica (tipificação legal de um resultado causal de lesão ao bem jurídico e ausência de causas de justificação), enquanto os elementos subjetivos do fato punível estariam limitados à culpabilidade, “como relação psíquica do autor com o fato, próprio do modelo causal”56. A culpabilidade, por sua vez, seria formada por componentes próprios. Em seu núcleo, estariam o dolo e a culpa e, ao seu lado, “figuram, como pressuposto, a imputabilidade, que deve estar presente no momento da ação ou da omissão” e “a consciência da antijuridicidade”57, parcialmente aceita pela doutrina como elemento autônomo da culpabilidade. Neste sentido, as lições de Juarez Cirino dos Santos: “O conceito psicológico de culpabilidade é formado por dois elementos: a) a capacidade de culpabilidade (ou imputabilidade), como capacidade geral ou abstrata de compreender o valor do fato e de querer conforme a compreensão do valor do fato, excluída ou reduzida em situações de imperfeição (imaturidade) ou de defecção (doença mental) do aparelho psíquico; b) a relação psicológica do autor com o fato, existente como consciência e vontade de realizar o fato ou como causação de um resultado típico por imprudência, imperícia ou negligência” 58 . Portanto, a culpabilidade seria o nexo psicológico entre o autor e o fato (dolo ou culpa), bem como a sua capacidade de culpabilidade (imputabilidade). Conclui-se 54 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 25. 55 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 275. 56 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 275. 57 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 25. 58 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 275. 24 que “a compreensão da culpabilidade não é retirada, pois, de um conceito unitário, que informe sistematicamente seus elementos”59, análoga ao sistema tradicional da imputação (no qual os elementos subjetivos do crime seriam a imputatio iurisi), ressaltando-se que o cerne de seu conteúdo “é o liame subjetivo que une o autor ao fato típico e antijurídico, através do dolo ou da culpa”60. 1.2.2 Vinculação da antijuridicidade objetiva e as consequências do erro de fato e do erro de direito Em um momento inicial, o sistema causal-naturalista reproduziu o conceito de antijuridicidade objetiva (Ihering), e assim, Liszt entendeu que o dolo compreenderia apenas a consciência e a vontade de praticar uma ação antijurídica, contrária ao ordenamento jurídico como um todo. Assim, o doutrinador adotou a conclusão de que o erro sobre a ilicitude do fato (erro de direito) seria irrelevante, enquanto que o erro de fato excluiria o dolo, já que não haveria a consciência determinante de sua vontade. Seria “o acolhimento do princípio de que o erro de direito não escusa, mas, pelo contrário, error iuris semprer nocet, ou ignotantia iuris non escusat”61. Não havia uma dimensão subjetiva da antijuridicidade62, “negava-se, nessa época, a autonomia e importância à consciência da ilicitude”63. A imposição do conhecimento da lei e a inescusabilidade do erro de direito deve-se à imposição da obrigatoriedade da lei, aliadas às exigências sociais e de política criminal: “Não se pode, entretanto, deixar de reconhecer que foi com as primeiras codificações do Direito Penal que ‘desapareceu a plasticidade das soluções adotadas pelos romanos, canonistas e práticos, em matéria de ignorância da antijuridicidade. A preocupação da lei preponderou sobre o critério da 59 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 25. 60 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 25. 61 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição. 5ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais: 2001, p. 47. 62 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 141. 63 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit.,p. 47. 25 culpabilidade e, por isso, em antítese aos elásticos princípios anteriores, passou-se a adotar a regra absoluta da inescusabilidade da ignorância do ilícito por erro de direito” 64 . Isso porque a teoria psicológica do dolo negava que a este pertenceria a consciência da antijuridicidade. Manzini já sustentava que “para a existência do dolo, seria exigida a intenção de ocasionar o evento, mas não a intensão de violar a lei”65. Seria uma forma de legitimar as legislações penais que reproduziam a preocupação de permitir absolvições por ignorância da lei e, assim, os códigos “expressamente aludem à irrelevância do erro de direito, a regra de que a ignorância da lei não escusa, basta para evidenciar a impossibilidade de incluir no dolo o conhecimento da antijuridicidade”66. Segundo Juarez Tavares, a conclusão da teoria psicológica do dolo de que o erro de direito não escusa “decorre de uma certa confusão que nasce precisamente da separação que se pretende fazer entre, de um lado, o antijurídico objetivo, e de outro, o culpável sujeito”67. Assim, ao admitir que a antijuridicidade seria uma simples comparação entre a conduta e a ausência de justificações, sendo objetivamente determinada, a doutrina chegou à conclusão de que seriam “inadmissíveis erros incidentes sobre a mesma antijuridicidade”68. Este seria um problema para o próprio conteúdo da culpabilidade, pois não inclui a consciência da antijuridicidade (elemento subjetivo desta), apenas a consciência do fato. A autoridade do princípio romano do error iuris nocet e a preocupação de que o infrator poderia ter uma absolvição cômoda foram fatores que impediram que a 64 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 47. 65 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 48. 66 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 48. 67 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 24. 68 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 24. 26 doutrina reconhecesse a consciência da ilicitude como componente da culpabilidade69. O erro de fato, para a doutrina psicológica da culpabilidade, recairia sobre as características do crime ou sobre a existência de uma situação justificante. Por outro lado, o erro de direito seria aquele que recairia sobre “a obrigação de respeitar a norma por ignorância da antijuridicidade de sua conduta”70. Percebe-se que havia uma confusão entre o conceito de ignorância da lei (lei formal) e o erro de proibição (consciência da ilicitude). Na Alemanha, o Tribunal do Reichgericht (Tribunal do Império Alemão) utilizou a distinção entre erro de fato e erro de direito por 50 anos, “ainda sobre os pressupostos cientificistas que dividiam o mundo em elementos subjetivos e elementos objetivos”71. Assim, por haver disposição expressa do §59.1 do Código Penal Alemão então vigente, “os Tribunais concluíram que – por não haver menção ao conhecimento efetivo das normas jurídicas – o erro de direito penal seria impertinente”72. Segundo Flavio Antônio da Cruz, a fórmula permitia que as Cortes incorressem em soluções inaceitáveis, “porquanto se obrigava a reconhecer como erro irrelevante o desconhecimento do caráter alheio da coisa, no furto, por mais que se cuidasse de um indiscutível fator de redução a reprovabilidade da conduta”73. Para relativizar a rigorosa impossibilidade de escusar o erro de direito, o Tribunal do Império Alemão passou a diferenciar o erro de fato (como erro sobre os fatos) e erro de direito (como desconhecimento de conceitos jurídicos). Assim, “a) se trata do desconhecimento de preceitos penais, o erro é irrelevante: error iuris nocet; 69 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 49. 70 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 49. 71 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro em um Direito Penal de bases democráticas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 124. 72 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 124. 73 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 124 – 125. 27 b) se concerne o desconhecimento a normas jurídicas extrapenais (...), então o erro é relevante”74. Flavio Antônio da Cruz ressalta que esta construção jurisprudencial é tributária à “constatação das nefastas consequências jurídico-penais da distinção absoluta entre o empírico e o valorativo”75. Este erro sobre normas jurídicas extrapenais, que seria o erro relevante, foi tratado agora como erro de fato76. É incontroverso que os erros de fato e os erros de direito não são análogos aos atuais erros de tipo e erros de proibição. Isso porque o erro de direito certamente englobaria o erro sobre os elementos normativos do tipo. Como para o sistema clássico do modelo causalista, o “tipo objetivo-descritivo não correspondia a uma série de delitos que exigiam a compreensão de sentidos sociais para a sua caracterização (elementos normativos), quando não de especiais tendências”77, o erro sobre a existência material de um elemento normativo (se a coisa seria alheia ou não, por exemplo) seria considerado como um erro de direito, enquanto, atualmente, seria tipo como um erro de tipo (erro sobre as circunstâncias fáticas elementares do tipo). O Tribunal do Império Alemão passou a reconhecer a relevância dos erros incidentes sobre normas extrapenais (como seria o caso da natureza alheia da coisa, no furto, fixada a partir de normas de direito civil) e, como consequência, haveria a “exclusão do dolo, com a cominação imprudente caso o tipo respetivo fosse previsto em lei”78. 74 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 50. 75 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 125. 76 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 125. 77 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 141. 78 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 125. 28 Todavia, a solução do Tribunal do Reichgericht não foi fruto de uma mudança da sistemática causalista do delito, tampouco de uma alteração da disposição lógica de suas categorias elementares. Conforme ilustra Jorge Figueiredo Dias, “a questão é muito mais da aferição da censurabilidade do equívoco do autor do que, propriamente, da adoção de uma fórmula a priori”79. Apesar de ser falha em suas premissas, possuía como mérito a relativização da solução de alguns casos a partir dos critérios substanciais que motivavam o Tribunal80. David Felip I Saborit explica que a solução foi muito criticada, já que na prática seria muito difícil diferenciar os erros que incidiam sobre elementos de direito penal e de direito extrapenal, “posto que ambas valorações estão presentes em qualquer elemento do tipo – de forma parecia a impossibilidade de manter elementos normativos e elementos estritamente fáticos”81. Outrossim, a fórmula estava dissociada dos pressupostos básicos da legalidade, inerentes ao Estado de Direito, permitindo que o julgador utilizasse critérios arbitrários para definir o que seria norma de direito penal e norma de direito extrapenal82. De qualquer forma, o Código Penal italiano de 1930 (que serviu de base para o Código Penal brasileiro de 1940) ainda reproduz a orientação de que o erro de direito não escusa o autor do crime. Como veremos mais adiante, a fórmula relativizadora do Tribunal doImpério Alemão foi adotada pelos tribunais brasileiros para atenuar as consequências do brocado romano. 79 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 125. Apud DIAS, Jorge Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em derecho penal. 5ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 51. 80 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 125. 81 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 126. Apud FELIP I SABORIT, David. Error Juris: El conocimiento de la antijuridicidade y el artículo 14 del código penal. Barcelona: Atelier, 2000 , p. 32. 82 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 126. 29 1.3 O sistema neoclássico de delito e a reestruturação da culpabilidade com a teoria normativo-psicológica Sob a influência da filosofia do neokantismo, nas primeiras décadas do século XX surge a Escola sudocidental ou de Baden83 que, “em lugar da lógica formal de um pensamento jurídico restrito ao ontologismo (categorias do ‘ser’), deveu-se a ideologia de redefinir o conceito de delito segundo os fins superiores que perseguem o Direito Penal (...) bem assim os juízos de valor ou axiológicos que lhes serviriam de base”84. O primeiro passo importante do sistema neoclássico, ainda vinculado à teoria causalista, não foi relacionado à definição da ação (que, assim como na corrente anterior, “continuou a ser percebida como movimento voluntário que dá causa ao resultado no mundo exterior”85), mas sim no âmbito da tipicidade, com a descoberta dos elementos normativos e subjetivos do tipo, ao lado dos elementos descritivos: “Diversamente, uma mudança foi propiciada no âmbito da tipicidade: a concepção descritiva e avalorada do tipo ficou estremecida com a descoberta de elementos normativos que somente poderiam ser compreendidos através do conteúdo cultural que lhes fosse atribuído pelo juiz (ex. documento, coisa alheia, ato obsceno etc.). Da mesma forma, por meio do descobrimento de elementos subjetivos do tipo, tornou-se inviável a ideia de um tipo puramente objetivo determinado apenas por dados do mundo exterior” 86 . No âmbito da antijuridicidade, deixou-se de utilizar um conceito meramente objetivo de Binging (ausência de causas de justificação), para ser deduzida “das finalidades da disposição penal a compreensão do injusto como danosidade social (antijuridicidade material), além da já mencionada necessidade de sua dimensão 83 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 141. 84 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 141 – 142. 85 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 142. 86 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 142. 30 subjetiva”87. Assim, Max Ernest Mayer sustentou que a dimensão subjetiva da culpabilidade não seria o dolo em si, mas a consciência da ilicitude da conduta. Em 1907, Frank redefiniu a culpabilidade como reprovabilidade, abandonando a antiga definição de relação psíquica entre o autor e o fato. O doutrinador “introduziu um componente normativo no conceito de culpabilidade, sob o argumento de que ‘um comportamento proibido só pode ser atribuído à culpabilidade de alguém se é possível reprovar-lhe sua realização”88. Conforme leciona Salo de Carvalho, a antiga teoria psicológica definia a culpabilidade como “categoria meramente descritiva (empírica) do elemento subjetivo do crime, não sendo admissível qualquer espécie de graduação”, sendo um simples “vínculo psicológico (subjetivo) entre a conduta e o resultado, pois o vínculo causal (objetivo) será definido no âmbito do injusto (conduta típica e ilícita)”89. A dogmática penal respeitava a preponderância do positivismo criminológico na determinação da pena, a qual era definida pela periculosidade do autor como medida da sanção corporal, em consonância ao paradigma determinista. Este positivismo etiológico foi incorporado pelo direito penal através da dogmática penal, mais precisamente, pela concepção causal de ação e pela teoria psicológica da culpabilidade. A culpa seria a estrutura psíquica do ilícito, enquanto imputabilidade (capacidade de culpabilidade), dolo e negligência, elementos subjetivos do crime90. Com a teorização de Reinhart Frank, “a culpabilidade deixará de ser um juízo estritamente descritivo para, além disso, transformar-se em um juízo de valor (juízo 87 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 142. 88 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 276. 89 CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 162. 90 CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 163. 31 de reprovação”91. Por conseguinte, ao publicar a obra Sobre a Estrutura do Conceito de Culpabilidade), Frank deixou de atribuiu à culpabilidade um papel limitado aos elementos subjetivos do crime, conferindo-lhe um caráter normativo, enquanto índice de reprovabilidade da conduta. Uma solução de compromisso que importou em transição gradual para o conceito normativo puro de culpa, surge a teoria psicológico-normativa da culpabilidade, modelo intermediário no qual “o dolo, a culpa e a exigibilidade coabitam”92. Neste processo de despsicologização da culpabilidade, a dogmática passou a compreender os elementos do delito interligados à pena, projetando nesta a culpabilidade e formando um elo entre a teoria do delito e a teoria da pena, passo relevante para a superação do determinismo positivista da periculosidade93. A culpabilidade sofreu relevantes alterações com a concepção normativa- psicológica de Frank, “no sentido de agregar ao dolo ou a culpa (vínculo psicológico) a noção de reprovabilidade pela formação da vontade contrária ao dever: um comportamento proibido é imputável à culpabilidade de alguém quando pode ser-lhe reprovado por haver optado por ele”94: “O modelo neoclássico de fato punível é o produto da desintegração do modelo clássico de fato punível e de sua reorganização sistemática conforme novas concepções: a) a ação deixa de ser naturalista para assumir significado valorativo, refefinida como comportamento humano voluntário; b) a tipicidade perde a natureza descritiva e livre de valor para admitir elementos normativos (documento, motivo torpe, etc.) e subjetivos (a intenção de apropriação, no furto, por exemplo); c) a antijuridicidade troca o significado formal de infração da norma jurídica pelo significado material de danosidade social, admitindo graduação do injusto conforme a gravidade do interesse lesionado; d) a culpabilidade psicológica incorpora o significado normativo, com reprovação do autor pela formação de vontade contrária ao dever: se o comportamento proibido pode ser reprovado, então pode ser atribuído à culpabilidade do autor” 95 . 91 CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 164. 92 CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 164. 93 CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 165. 94 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 142. 95 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 77. 321.3.1 Teoria extremada do dolo: consequências do erro de fato e erro de direito Com o reconhecimento da existência da consciência da ilicitude, enquanto componente da culpabilidade, surge a teoria extremada do dolo, a qual “concebia o dolo na culpabilidade e a consciência da antijuridicidade no próprio dolo”96. Daí porque a doutrina nomeou este conceito de dolo como “dolo normativo ou dolus malus - isto é, representação e vontade da conduta e ciência de que a mesma é proibida”97. Como o dolo seria sempre atual ao fato, e como foi equiparado a este o conhecimento da antijuridicidade, passou-se a exigir que esta também fosse atual. Assim, o antigo brocado romano que impedia a escusa por erro de direito foi relativizado: “dessa forma, caso o agente soubesse o que estava realizando, mas ignorasse, no momento da ação, a injuridicidade do seu atuar, a consequência era que todo o dolo era excluído. Excluído o dolo, excluída também restava a culpabilidade (teoria causalista da ação)”98. Segundo Francisco de Assis Toledo, o erro jurídico-penal, seja de fato, seja de direito, “tem a virtude de excluir o dolo, permitindo, todavia, a punição por fato culposo”99. Isso porque o dolo e a culpa não seriam mais espécies da culpabilidade, ao contrário do que levava a crer a teoria psicológica: “dentro da teoria normativa, ganham novo tratamento. Eles são mantidos na culpabilidade, mas já agora como 96 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 254. 97 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 254. 98 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 255. 99 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 282. 33 formas, graus, requisitos ou elementos, não como ‘as’ espécies de culpabilidade, ao lado da exigibilidade de conduta conforme ao Direito”100. A diferença de tratamento, enquanto graus de culpabilidade, é tributária à nova concepção de culpabilidade a partir de Frank, enquanto juízo de reprovabilidade101. Justamente por abrigar requisitos psicológicos e normativos que a doutrina é intitulada como teoria psicológico-normativa da culpabilidade, que acolheu o dolus malus. Luiz Flávio Gomes define o dolus malus como “dolo mais a consciência da antijuridicidade (ilicitude)” pois, conforme relata Mezger, aquele que “não sabe que procede injustamente, não comete nunca um delito doloso”102. Assim, durante a realização da conduta, exige-se que o autor “além de representar a realidade fática (requisito intelectual do dolo) e de desejar realizar a conduta (requisito volitivo do dolo), tenha consciência real e inequívoca (ainda que num juízo leigo) de que sua conduta contraria o ordenamento jurídico (é a consciência real da ilicitude”)103. Neste contexto, restou-se insustentável o rigoroso princípio romano do error iuris semper nocet, passando-se a admitir a escusabilidade do erro de direito104. Estas teorias do dolo normativo conferiram “tratamento unitário ao erro, seja porque são enormes as dificuldades para explicar a distinção entre o erro de fato e o erro de direito, seja porque, agora, passa-se a empresar relevância ao erro de direito”105. Juarez Cirino dos Santos sustenta idêntica sistematização da corrente: “a teoria do dolo considera o conhecimento do injusto elemento dolo, constituído pela consciência e vontade do fato e do desvalor do fato, configura o chamado dolus 100 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 63 – 64. 101 CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 164. 102 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 64. Apud MEZGER, Edmund. Derecho Penal – parte general – Libro de estudio. Tradução Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Bibliográfica, 1955, p. 247. 103 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 65. 104 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 65. 105 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit.. p. 69. 34 malus, que fundamenta a definição do crime doloso como ‘rebeldia contra o direito’”106. Assim, “o erro sobre o fato ou o desvalor do fato exclui o dolo – não existe a relação dicotômica (a) erro de fato/ erro de direito e (b) erro de tipo/erro de proibição”107. Todavia, a teoria extremada do dolo deu ensejo a severas críticas dogmáticas, principalmente no caso de erro de fato (e de direito) evitável: “onde não há previsão legal do crime culposo, surgem ‘sérias lacunas de punibilidade’. Consoante Wessels, essa teoria ‘beneficia a posição indiferente ao direito, pois atribuir, também, ao erro grosseiro e simplesmente indesculpável de valoração, efeito excludente do dolo”108. As lacunas da teoria do extremada do dolo, segundo Welzel, “induziram seus defensores a ampliá-la de dois modos: a) mediante a criação de um tipo axiliar da culpa jurídica (Schrñder) e b) negando a relevância da cegueira jurídica (ou inimizade ao Direito), tese desta defendida e fundamentada acaloradamente por Mezger”109, propostas que constavam no Projeto do Ministro da Justiça da Alemanha Gürtner, de 1936. 1.3.2 Teoria limitada do dolo: Com o objetivo de superar as dificuldades da doutrina anterior, desenvolveu- se a teoria limitada do dolo. Segundo Jupiassú, esta corrente ainda segue a disposição do dolo na culpabilidade, composto pela representação e vontade do fato, aliado à consciência da ilicitude. Todavia, através do conceito psicológico- normativo de culpabilidade e com o sistema neokantiano de definição do delito, 106 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 297. 107 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 297. 108 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 70. 109 Apud GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., 70. 35 “substitui-se o conhecimento atual da antijuridicidade, anteriormente mencionado, pelo conhecimento potencial: o agente sabe ou poderia saber que aquilo que realiza é contrário ao Direito”110. Assim, “caso o agente não soubesse, mas demonstrasse desprezo ou indiferença para com as leis, continuaria a responder pela culpabilidade dolosa”111. Ao substituir o conhecimento atual da ilicitude pelo conhecimento potencial, a teoria limitada também passou a exigir a consciência da ilicitude material e não puramente formal112. Estas limitações, principalmente de Mezger, permitiram “a equiparação ao dolo, quanto aos seus efeitos jurídicos, quando o autor atuava sem consciência da ilicitude em virtude da ‘cegueira do Direito’ ou ‘inimizade ou hostilidade ao direito’”113. O Projeto Gürtner expressamente previa que “o erro do autor é irrelevante se obedece a uma atitude incompatível com a concepção popular sana do Direito ou do injusto”114. O Projeto Gürtner (Ministro da Justiça da Alemanha) de 1936 previa uma cláusula de superação do caráter excepcional do tipo culposo, segundo a qual “as hipóteses de imprudência do Direito, em caso de não estar tipificada a correspondente modalidade imprudente do delito em questão, seriam castigadas com penas de até dois anos de prisão, desde que as mesmas nunca fossem mais graves que as previstas para a comissão dolosa”115. Ou seja, caso houvesse um erro e este fosse evitável, poderia ser excluído o dolo e seraplicada a pena de um delito imprudente sem previsão legal. 110 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 255. 111 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 255. 112 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos...cit., p. 283. 113 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 71. 114 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 71. 115 FELIP I SABORIT, David. Error Juris...cit., p. 36. CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit.,. 136. 36 Flavio Antônio da Cruz ressalta que esta proposta, caso tivesse sido aceita, “atingiria a segurança jurídica da vida em comum, na exata medida em que as relações sociais impõem, constantemente, a assunção de riscos que poderão – ainda que lastimados pelo autor –redundar em resultados lesivos”116. Contudo, a solução da teoria trouxe graves consequências à dogmática penal, principalmente devido ao ambiente social no qual foi desenvolvida (a Alemanha da década de 30), e assim, “os seguidores da teoria limitada do dolo conceberam uma culpabilidade do autor ou culpabilidade pela condução de vida, perseguindo-se uma legião de marginalizados que não se alinhavam às normas do chamado sentimento do Estado totalitário”, ou seja, “ao tentar corrigir o dolus malus, criara-se a criticável figura do dolus suppositu”117. A teoria estrita do dolo legitimou a tendência dos Tribunais Alemães “a aplicação da parêmia ‘versari in re ilicita’, segundo a qual o agente se tornava responsável pelas consequências de seus atos ilícitos, mesmo aqueles resultados fortuitos e incontroláveis”118. Isso porque, se o sujeito agia em desconformidade com o Direito, ele deixou de informa-se a respeito de suas proibições, ou seja, “o indivíduo deveria assumir todos os resultados lesivos produzidos, mesmo quando fossem por ele indesejados”119. Ora, é incontroverso que tal solução tendia-se para “uma evidente responsabilidade penal objetiva”, pois “se ele não sabia que fazia algo indevido, a rigor, o problema estava em um imemorável comportamento censurável: o 116 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit.,p. 136. 117 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 255. 118 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 134. 119 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 134. 37 descumprimento do dever de conhecer as regras jurídicas que lhe eram aplicáveis”120. A proposta do Projeto Gürtner foi arquivada, mas permitiu à doutrina flexibilizar o conceito de dolo. Esta é a posição de Edmund Mezger (“cuja filiação ao socialismo foi objeto de recente livro de Muñoz Conde”121), a exigência da consciência das circunstâncias do fato e de suas ilicitude ser atual à prática do crime foi “substituída pela categoria da hostilidade ao direito”122. Segundo Flavio Antônio da Cruz, Mezger “estava preocupado, a rigor, com a falta de consciência do ilícito, no momento do fato, causada justamente pela habitualidade do crime”123. Mezger sustentava que exigir a atualidade da consciência da ilicitude durante a prática delitiva, como requisito para que fosse reconhecido o dolo, “seria o mesmo que garantir a total impunidade daqueles que colocaram a si mesmos em situação de ignorância da Lei”124. Assim, se o sujeito optou por não conhecer as circunstâncias valorativas do fato (elementos normativos que, à época, se desconhecidos, seria considerado o erro de direito e não erro de tipo) seria uma causa de impunidade, “sobretudo quando se cuidasse – no dizer de Edmund Mezger – de pessoas embrutecidas, torpes, totalmente avessas ao cumprimento das regras de convívio social”125. Daí porque, na teoria limitada do dolo, a exigência de um conhecimento atual, no momento da prática do delito, sobre a ilicitude ou a danosidade social da conduta 120 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 134. 121 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 136 – 137. 122 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 137. 123 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 137. 124 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 137. 125 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 137. 38 “foi substituída pela exigência de um conhecimento meramente potencial, dado que – em muitos casos – presumia-se a indiferença ao Direito”126. A cegueira jurídica seria um instrumento de reprovar a “falta de sentimentos no autor”127, teoria de forte inspiração Nazista, vez que, à época de Mezger, “é provável que os oficiais da Gestapo ingressassem este grupo – e todos os outros que, por estarem marginalizados, poderiam se ver rotulados como inimigos”128. Conforme ilustra Japiassú, reproduzindo o pensamento de Bernard Schünemann, a partir de 1930, o neokantismo causalista seria tão frágil que legitimou a perspectiva totalizadora da Escola de Kiel, que sustentaram a definição de crime baseada em “uma perspectiva intuitiva, baseada na noção de infração do dever, restringindo as possibilidades de causas de justificação e de exculpação [incluindo o erro de fato e de direito], introduzindo na teoria do tipo de autor (Direito Penal do autor)”129, manipulado pelo arbítrio protagonizado pela Gestapo. Nos casos de cegueira jurídica e de inimizade ao direito, os doutrinadores alegavam que dificilmente o sujeito teria agido com a consciência atual da antijuridicidade, não cometido, em tese, um crime doloso. Todavia, para contornar este empecilho, a teoria da cegueira jurídica entendia que ele deveria ser “julgado como autor de um delito doloso porque estamos na presença da um conceito que supõe a comparação com o sano sentimento popular”130. Percebe-se que os conceitos de cegueira jurídica e hostilidade ao direito são avessos aos princípios da legalidade e da culpabilidade, uma forma de driblar a ausência de previsão legal de crimes imprudentes (que permitiram a punição do erro 126 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 138. 127 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 138. 128 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 138. 129 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 143. 130 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit.,p.138. Apud BARREALES, María A. Trapero. El error em las causas de justificación. Valencia: Tirant lo blach, 2004, p. 133. 39 de fato vencível). Como bem pontou Flavio Antônio da Cruz, “não obstante isso, muitas das categorias manejadas por Edmund Mezger ainda sobrevivem na dogmática contemporânea”131. Aliás, através deste esquema, buscou-se facilitar a responsabilização dos sujeitos que estariam errando sobre a valoração de um conceito jurídico (à época, tido como erro de direito, ainda que extrapenal) “naquelas hipóteses em que o tipo legal veicula elementos normativos”132. Em verdade, as teorias do dolo não permitiam soluções coerentes: se, por um lado, o sistema neoclássico sustentava o conceito voluntarista de culpabilidade (vontade de agir contra a lei), por outro, concebia o dolo como um elemento do juízo de culpabilidade, tornando o modelo certamente confuso. Isto é, o
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