Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 18ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Apelação nº 0160180-06.2008.8.26.0100 - Voto 25468 Registro: 2014.0000664756 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0160180-06.2008.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante SANTOS BRASIL S/A, é apelado CONSELHO DOS EXPORTADORES DE CAFÉ VERDE DO BRASIL CECAFÉ. ACORDAM, em 18ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ROQUE ANTONIO MESQUITA DE OLIVEIRA (Presidente sem voto), HENRIQUE RODRIGUERO CLAVISIO E CARLOS ALBERTO LOPES. São Paulo, 15 de outubro de 2014. WILLIAM MARINHO RELATOR assinatura eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 18ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO 2 Apelação nº 0160180-06.2008.8.26.0100 - Voto 25468 Apelação nº 0160180-06.2008.8.26.0100 Apelante: Santos Brasil S/A Apelado: Conselho dos Exportadores de Café Verde do Brasil Cecafé Comarca: São Paulo Juiz(a): Gilberto Ferreira da Cruz Voto nº 25468 TRANSPORTE DE CARGA. Despesas de armazenamento das mercadorias. Atraso no embarque. Legitimidade ativa e passiva. Cláusula FOB. Contrato de depósito oneroso caracterizado. Legalidade da cobrança ao exportador que descarregou as mercadorias no terminal. 1. O art. 5º, XXI, da Constituição Federal, dá amparo à representatividade da autora aos interesses de seus associados pertinentes ao seu objeto. Logo, não há de se falar em ilegitimidade ativa. 2. Da mesma forma, não se vislumbra a alegada ilegitimidade passiva porquanto a cobrança de armazenamento das cargas ora questionada é perpetrada pela ré, operadora portuária. 3. Em conformidade com os procedimentos adotados pelo mercantilismo marítimo, as exportações de café estão submetidas à cláusula “FOB” (“free on board”), mediante a qual o exportador é o responsável pela carga até que esta tenha cruzado a amurada do navio no porto de embarque. 4. Além disso, é imperioso destacar a prestação de serviços da ré, operadora portuária, aos associados da autora. Portanto, se o exportador descarregou cargas no terminal portuário para embarque sob administração da ré, é certo que esta lhe prestou serviços que devem ser remunerados em razão da existência de contrato de depósito caracterizada. Precedentes jurisprudenciais. Recurso provido. 1) Julgada parcialmente procedente a presente ação PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 18ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO 3 Apelação nº 0160180-06.2008.8.26.0100 - Voto 25468 ordinária (fls. 829/837), apela a ré, concessionária de serviço público responsável pelas operações de armazenagem e embarque de mercadorias em navios cargueiros no Porto de Santos, sustentando preliminarmente que a apelada é parte ilegítima, uma vez que não acostou aos autos o seu estatuto social. Defende também a sua ilegitimidade passiva porquanto a demanda deveria ter sido proposta em face das empresas de navegação, supostas responsáveis pelo atraso no embarque da mercadoria, dando causa aos prejuízos suportados pelas exportadoras de café. Ressalta que a presente demanda é conexa a várias outras demandas individualmente ajuizadas pelas associadas da apelada. Salienta que, diante disso, deve ser reconhecida a prevenção do Juízo da 5ª Vara Cível de Santos, que despachou primeiro. Assevera que não é ilegal a cobrança dos serviços de armazenagem decorrentes do atraso excedente a sete dias da carga parada. Anota que os contratos de exportação de café são firmados na condição FOB, pela qual o exportador se responsabiliza pela carga e todas as despesas incorridas, inclusive as de armazenagem. Informa que, por mera liberalidade, concede o prazo de sete dias livres de despesas de armazenagem, tempo suficiente para que o exportador tome as providências necessárias ao processo de embarque da carga ao destino. Alega que esta cobrança também se justifica porque passa a ser fiel depositária da carga e que é equivocada a interpretação da Resolução nº 1/2008, do CAP (Conselho de Autoridade Portuária), no sentido de que as cobranças de despesas de armazenagem devem PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 18ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO 4 Apelação nº 0160180-06.2008.8.26.0100 - Voto 25468 apenas ser feitas diretamente aos causadores de eventual atraso. Argumenta que a r. sentença julgou além do pedido inicial, porquanto declarou a ilegalidade da cobrança por atos e omissões não apenas da empresas de navegação, conforme pleiteado, mas também por atos de importadores ou outros coadjuvantes das operações portuárias. Subsidiariamente, salienta que deve ser fixado o tempo de devolução de valores para a liquidação de sentença, uma vez que são inexigíveis os valores cobrados anteriormente à edição da Resolução nº 1/2008, do CAP. Além disso, caso mantida a sentença, assevera que a sucumbência, na verdade, deve ser proporcionalmente distribuída e compensada, uma vez que o pedido inicial não foi acolhido integralmente. Requer, ainda, caso assim não seja entendido, a redução da verba honorária. Pugna, enfim, pela reforma da r. sentença e pela condenação da apelada nas penas por litigância de má-fé (fls. 842/900). Recurso regularmente processado e respondido (fls. 977/1012). É o relatório, adotado, no mais, o da r. sentença. 2) Emerge dos autos que a autora busca, em síntese, o reconhecimento da ilegalidade da cobrança de despesas decorrentes da armazenagem de carga no terminal portuário até o seu ingresso no navio, bem como a condenação da ré ao pagamento de multa administrativa por infração à ordem econômica. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 18ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO 5 Apelação nº 0160180-06.2008.8.26.0100 - Voto 25468 O feito foi julgado parcialmente procedente porquanto não acolhida a pretensão relativa à multa, insurgindo-se a ré, nesta oportunidade, defendendo a legalidade da cobrança das custas pelo atraso no embarque das cargas. 3) Inicialmente,cabe analisar as preliminares arguidas. Tal como ponderou o nobre magistrado, não se vislumbra a ilegitimidade ativa uma vez que a autora está apta a representar judicialmente os interesses de seus associados pertinentes ao seu objeto, conforme o disposto em seu estatuto. Ressalte-se, ademais, que a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXI, dá amparo a esta representatividade, sem a qual, aliás, inútil seria a atuação das associações. Por outro lado, não se pode também cogitar da ilegitimidade passiva, na medida em que a legalidade da cobrança ora questionada é perpetrada pela ré. Da mesma forma, não se vislumbra conexão desta demanda com a ação individual da 5º Vara Cível de Santos porquanto o objeto aqui é mais abrangente e abarca o interesse de todas as associadas da autora. Não sobra ensejo, ainda, para visualizar o alegado julgamento em desconformidade com o pedido inicial. Isso porque a discussão aventada nos autos diz respeito à legalidade da cobrança das despesas de armazenagem decorrentes do PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 18ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO 6 Apelação nº 0160180-06.2008.8.26.0100 - Voto 25468 atraso no embarque das mercadorias em relação aos associados da autora, independentemente de quem sejam os efetivos causadores da permanência das cargas no terminal portuário. Logo, vencidas as preliminares, passa-se ao exame do mérito. 4) A ré-apelante, concessionária de serviço público, é arrendatária da CODESP (Companhia Docas do Estado de São Paulo), que, por sua vez, cuida da armazenagem e movimentação das cargas no Porto de Santos. Em conformidade com os procedimentos adotados pelo mercantilismo marítimo, as exportações de café estão submetidas à cláusula “FOB” (“free on board”), mediante a qual o exportador é o responsável pela carga até que esta tenha cruzado a amurada do navio no porto de embarque. Assim, somente a partir do ingresso da mercadoria no navio é que o importador passa a responder por todos os custos e riscos. Diante disso, o armazenamento das mercadorias ali entregues pela autora-exportadora, além do prazo convencional (sete dias o chamado “free time”), autoriza a cobrança do depósito das cargas, que não pode ser considerado gratuito. Neste sentido, já decidiu este Egrégio Tribunal de Justiça em diversos casos semelhantes: “Ação anulatória de duplicata - alegação de ausência de PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 18ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO 7 Apelação nº 0160180-06.2008.8.26.0100 - Voto 25468 relação jurídica - autora que, na condição de exportadora de café, entrega mercadorias em depósito à ré, que é agência portuária - venda do café ao estrangeiro, que se aperfeiçoou na modalidade FOB - operação mercantil segundo a qual o exportador só se dá por despedido de responsabilidade pelos custos e riscos sobre a carga a partir do momento em que esta ingressa no navio - atraso no embarque - circunstância em relação à qual nenhuma culpa coube à agência portuária - direito de cobrar pela armazenagem - saque da duplicata legítimo - sentença de improcedência da demanda acertada - recurso não provido” (Apelação nº 9115203-42.2009.8.26.000, Rel. Des. Waldir de Souza José, j. 27/10/2009). “Ação declaratória e indenizatória. Procedência. Cobrança de despesas relativas a armazenagem e movimentação de contêineres. Responsabilidade do exportador pelo pagamento dos custos decorrentes, mormente tendo-se em conta a contratação com cláusula FOB. Exportadora que assume a utilização dos serviços, de modo a tornar desnecessária contratação por instrumento escrito. Vedação ao enriquecimento sem causa, dada a efetiva prestação dos serviços. Recurso provido. Ação principal e cautelar improcedentes; reconvenção procedente.” (Apelação nº 9208505-62.2008.26.000, Rel. Des. Cauduro Padin, j. 25/11/2013). “AÇÃO DECLARATÓRIA C.C. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - Declaração de inexistência de relação jurídica entre os associados do autor (exportadores de café) e os transportadores PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 18ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO 8 Apelação nº 0160180-06.2008.8.26.0100 - Voto 25468 marítimos - Impossibilidade - Exportadores que assumem determinadas obrigações indispensáveis ao transporte das mercadorias - Cláusula "Free on board" (FOB), convencionada em contrato de compra e venda internacional, que regula apenas o ajuste entre vendedor e comprador, não gerando qualquer efeito em relação ao contrato de transporte - Cobranças pelos armadores de despesas ou taxas com a emissão de documentos de embarque, lacração e outras, exigidas até o momento do embarque da carga, que são de responsabilidade dos exportadores - Sentença mantida e ratificada nos termos do art. 252, do RITJESP - Recurso não provido.” (Apelação nº 0177127-33.2011.8.26.0100, Rel. Des. Ligia Araújo Bisogni, j. 22/05/2013). Além disso, não obstante a incidência da cláusula FOB, é imperioso destacar a prestação de serviços da ré, operadora portuária, aos associados da autora. Nesse sentido, já se pronunciou esta C. 18ª Câmara de Direito Privado: “PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - OPERADOR PORTUÁRIO - A relação jurídica entre as partes é evidente, vez que os bens a serem exportados foram entregues pela apelada à ré, para que os guardasse e embarcasse no navio previamente designado - A existência do contrato de depósito oneroso restou caracterizada - Inteligência do artigo 628 do Código Civil Brasileiro - Ação procedente e reconvenção improcedente - Decisão reformada - Recurso provido”. (Apelação nº 0016761-27.2006.8.26.0510, Des. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 18ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO 9 Apelação nº 0160180-06.2008.8.26.0100 - Voto 25468 Rel. Carlos Lopes, j. 11/04/2012) Diante disso, se o exportador descarregou cargas no terminal portuário para embarque sob administração da ré, é certo que esta lhe prestou serviços que devem ser remunerados em razão da existência de contrato de depósito ora caracterizada, o que não lhe permite invocar a Resolução nº 1/2008, do Conselho de Autoridade Portuária. Insta salientarque a referida resolução, além de representar uma diretriz para a dinâmica portuária, não isenta o exportador das despesas questionadas, tampouco afasta as responsabilidades contratualmente assumidas, bem como aquelas que decorrem de imposição legal. Dessarte, a r. sentença deve ser reformada para o fim de julgar improcedente a presente demanda. Apesar disso, rechaça-se, a alegada litigância de má-fé da autora. Não há como enquadrar o comportamento da apelada, que está convicta na defesa de seu interesse, como litigante de má-fé. Tal, como reputa o legislador processual, não é aquele que envereda, equivocadamente por teses ferrenhamente sustentadas e sim, aquele que, em sã consciência, busca ludibriar a Justiça através de medidas judiciais flagrantemente inidôneas. Como anota Theotonio Negrão: “é litigante de má-fé a parte que deduz pretensão contra fato incontroverso e altera sua PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 18ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO 10 Apelação nº 0160180-06.2008.8.26.0100 - Voto 25468 verdade, postergando o princípio da lealdade processual” (cfr. CPC e Leg. Proc. em vigor, Saraiva, 35ª edição, nota 10 ao art.17, pág. 118). Finalmente, vencedora a autora, deverá a ré arcar com o pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 5.000,00 (o que corresponde a 10% do valor da causa), em conformidade com o art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. 5) Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso. William Marinho Relator assinatura eletrônica
Compartilhar