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O Que é Filosofia Alexandre Noronha

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O QUE É FILOSOFIA 
Dr. Alexandre Noronha Machado (UFPR)
1
 
 
O que essa pergunta pede? Geralmente perguntas da forma "O que é ____?" pedem uma definição, 
entendida como a especificação de condições necessárias e suficientes para que algo seja o que é. No 
presente caso, são as condições necessárias e suficientes para que algo seja filosofia que estão em 
questão. Mas agora que já temos uma ideia do que essa pergunta pede, como podemos respondê-la? 
Se alguém nos pergunta qual é o peso de um certo objeto, sabemos o que devemos fazer para 
responder à pergunta. Devemos procurar uma balança, colocar o objeto no local apropriado e olhar 
para o mostrador da balança para ver o que ele registra. Essas são as instruções que devemos seguir, 
desde o começo, para responder à pergunta sobre o peso de um objeto. Mas quais são as instruções 
que devemos seguir na tentativa de responder à pergunta "O que é filosofia?" É claro que nem a 
filosofia é um objeto físico, nem a pergunta pede informação sobre alguma característica física da 
filosofia. Sendo assim, qual a primeira coisa que devemos fazer ao tentar responder a essa pergunta? 
É claro, também, que devemos pensar, refletir, sobre a filosofia. Mas como devemos fazer isso? Qual 
é o primeiro passo nessa reflexão? 
Para quem está no início dos seus estudos filosóficos, uma resposta tentadora a essa meta-pergunta 
(ou seja, a essa pergunta sobre outra pergunta) consiste em dizer que devemos examinar a história da 
filosofia, prestando atenção no que os grandes filósofos disseram sobre a filosofia. Dado que são 
grandes, pensa-se, eles devem ter tido uma excelente compreensão do que a filosofia é. Portanto, no 
que essas autoridades no assunto disseram sobre a filosofia, deve estar a resposta à pergunta "O que é 
a filosofia?". Essa estratégia tem vários problemas que a tornam irremediavelmente errada. 
(1) A natureza ou essência da filosofia é matéria de enorme controvérsia entre os filósofos. Alguns 
deles dizem coisas sobre a natureza da filosofia que são mutuamente incompatíveis, ou seja, coisas 
que não podem ser todas verdadeiras. Aqui há duas alternativas. Se as afimações dos filósofos forem 
contraditórias entre si, então uma delas é verdadeira e a outra é falsa. Se forem contrárias, então 
talvez ambas sejam falsas
2
. Se tais afirmações forem, de um jeito ou de outro, incompatíveis entre si, 
se for o caso que nem todas as afirmações dos filósofos sobre a filosofia podem ser verdadeiras, 
como podemos saber quais são as verdadeiras e quais são as falas? 
 
1
 Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (1994), mestrado em Filosofia pela 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1997), doutorado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do 
Sul (2004), foi bolsista de Doutorado Sanduíche na University of Oxford (2000) e foi Bolsista Recém Doutor na 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2005). Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná 
e participa dos grupos de pesquisa Semântica e Filosofia da Lógica, sediado na Universidade Federal de Goiás, Mente, 
Realidade e Conhecimento, sediado na Universidade Federal da Bahia, e Filosofias da Experiência, sediado na 
Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia da Linguagem, Filosofia 
da Lógica, Metafísica, Epistemologia e Filosofia da Mente, atuando principalmente nos seguintes temas: Wittgenstein, 
Realismo/Anti-realismo. 
2
 Duas afirmações são contraditórias quando são incompatíveis e uma é a negação da outra. Por exemplo: "A filosofia é 
uma ciência" e "A filosofia não é uma ciência". Essas afirmações não podem nem ser ambas verdadeiras, nem ambas 
falsas . Duas afirmações são contrárias quando são incompatíveis, embora uma não seja a negação da outra. Por exemplo: 
"Isso é completamente verde" e "Isso é completamente vermelho". Essas afirmações não podem ser ambas verdadeiras. 
Todavia, podem ser ambas falsas. 
 (2) Mesmo que as afirmações dos filósofos sobre a natureza da filosofia não fossem incompatíveis 
entre si, se examinarmos a história da filosofia e descobrirmos o que os filósofos disseram sobre a 
natureza da filosofia, então o conhecimento que obteremos nesse exame é sobre o que? É sobre a 
natureza da filosofia? Não. Se descobrirmos o que os filósofos disseram sobre a natureza da filosofia, 
obteremos conhecimento sobre... o que os filósofos disseram sobre a natureza da filosofia. Para 
disso obter conhecimento sobre a natureza da filosofia, devemos saber que o que os filósofos 
disseram é verdade. E o que eles disseram não é verdade apenas porque foram eles, grandes 
filósofos, que disseram, mas porque a filosofia é tal como eles disseram que ela é. 
 (3) Nada garante que o que um filósofo diz sobre a natureza da filosofia, mesmo um grande filósofo, 
seja verdadeiro. Isso fica evidente a partir do ponto (1). Se o que grandes filósofos dizem é 
incompatível, então ao menos uma de suas afirmações é falsa. Portanto, ao menos um grande filósofo 
disse algo falso sobre a natureza da filosofia. Mas como isso é possível? Como se explica que um 
filósofo, especialmente um grande filósofo, diga algo falso sobre a natureza da filosofia? Em parte 
isso se explica pela distinção entre duas habilidades. Em geral, uma coisa é a habilidade para se f 
azer algo , outra coisa é a habilidade para se descrever o que se faz . Por exemplo: uma pessoa pode 
ter muita habilidade para se deslocar em uma cidade, escolhendo sempre o caminho mais curto entre 
dois pontos. Mas ele pode não ter nenhuma habilidade para representar, em um mapa, o caminho que 
toma, ou para dar instruções sobre qual caminho tomar. O fato que essas duas habilidade nem sempre 
estão juntas explica, em parte, por que, em alguns casos, há pessoas que são tão competentes fazendo 
algo que são incapazes de ensinar, se esse ensino envolve descrever o que se faz. Pois algo desse tipo 
pode acontecer com os filósofos: eles podem ser muito bons fazendo filosofia, filosofando, mas não 
serem tão bons ao descreverem o que fazem. 
Como, então, podemos saber se o que os filósofos disseram sobre a natureza da filosofia é verdade? 
Naturalmente, os filósofos não apenas afirmaram coisas sobre a natureza da filosofia, mas também 
tentaram justificar essas afirmações, oferecendo razões para acreditar que o que disseram sobre a 
natureza da filosofia é verdade. Parece, então, que devemos examinar essas razões, para ver se o que 
os filósofos dizem sobre a natureza da filosofia é verdade. Mas essas razões são afirmações, das 
quais ao menos algumas são sobre a filosofia . Portanto, dizer que devemos examinar essas razões 
simplesmente transfere o problema de lugar sem resolvê-lo: como podemos saber que essas 
afirmações oferecidas como razões são verdadeiras? Se não queremos embarcar em um regresso ao 
infinito , indo de uma afirmação para suas razões, e dessas para as razões das razões, e dessas para as 
razões das razões da razões, etc., em algum ponto devemos ter um meio de saber que uma afirmação 
de um filósofo sobre a natureza da filosofia é verdadeira sem que isso consista apenas em relacionar 
essa afirmação com outras. 
Se queremos saber se o que alguém diz sobre Curitiba é verdade, em última análise devemos 
comparar o que essa pessoa diz com Curitiba. Portanto, devemos examinar Curitiba, para ver se ela 
é tal como essa pessoa diz que é. Analogamente, se queremos saber se o que um filósofo diz sobre a 
filosofia é verdade, devemos examinar a filosofia , para ver se ela é tal como o filósofo diz que ela é. 
Mas, para examinar a filosofia, devemos ter algum tipo de acesso a ela e devemos nos certificar deque se trata do acesso a ela e não a outra coisa. Ocorre que, aparentemente, para nos certificarmos de 
que se trata do acesso à filosofia, devemos saber o que a filosofia é. Como podemos ter acesso a um 
dos termos da comparação, à filosofia, se não sabemos que se trata de um dos termos da comparação, 
ou seja, se não sabemos que aquilo a que temos acesso é filosofia? Todavia, nesse contexto, isso 
implica que, para avaliar as respostas à pergunta "O que é filosofia?", devemos, de algum modo, 
saber o que a filosofia é, na medida em que devemos comparar essas respostas com aquilo que 
sabemos ser filosofia . Em suma, se esse raciocínio está correto, para descobrirmos o que a filosofia 
é, já devemos saber, de algum modo, o que a filosofia é. Mas essa parece ser uma enrascada da qual 
não podemos sair. Aparentemente, ninguém pode descobrir o que uma coisa X é, se, para isso, já 
tiver de saber o que X é. Essa é uma tarefa paradoxal. 
O paradoxo acima tem uma certa relação importante com um paradoxo formulado por Santo 
Agostinho. E uma comparação entre ambos pode nos ajudar a sair da enrascada descrita acima. O 
paradoxo de Agostinho é o seguinte: "Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu o sei; se 
desejo explicar a quem o pergunta, não o sei." ( Confissões ) Por que alguém deixa de saber o que é o 
tempo apenas porque deseja explicar isso, isto é, dar uma definição de "tempo"? Em que sentido essa 
pessoa, quando não deseja explicar o que ele é, sabe o que é o tempo? A explicação aqui tem uma 
relação com a diferença entre fazer algo e descrever o que se faz, mencionada acima. 
A maioria de nós (para dizer o mínimo) sabe usar competentemente a palavra "tempo" e expressões 
temporais de um modo geral: "antes", "depois", "durante", "simultaneamente", "sucessivamente", 
"tarde", "cedo", "demorado", "rápido", " n horas", "ontem", "hoje", "amanhã", etc. Mas como 
alguém pode ser competente nesse uso e não saber o que o tempo é? Parece absurdo dizer que, em 
qualquer sentido de "saber o que o tempo é", uma pessoa não sabe o que o tempo é mesmo tendo 
competência no uso de expressões temporais. Ou seja, parece plausível dizer que, em algum sentido 
de "saber o que o tempo é", aquele que é competente no uso de expressões temporais sabe o que o 
tempo é. E se ela sabe o que o tempo é nesse sentido e não sabe dar uma definição de "tempo", então 
não há paradoxo na afirmação de Agostinho. Ela sabe o que o tempo é no sentido em que ele é 
competente no uso das expressões temporais e não sabe o que o tempo é no sentido em que ele é 
incapaz de dar uma definição de "tempo". E saber dar uma definição pode ser visto aqui como 
análogo a saber dar uma descrição do que se faz, por oposição a saber fazer. Saber dar uma definição 
de "tempo" é formular em palavras a regra (ou regras) para o emprego da palavra "tempo", por 
oposição a saber seguir essa regra. 
Mas como tudo isso pode nos ajudar a sair daquela enrascada? Se alguém sabe usar um termo geral 
"F" competentemente sem saber dar uma definição de "F", isso significa que sabe distinguir entre 
casos a que que "F" se aplica verdadeiramente e casos a que "F" não se aplica verdadeiramente. Ou 
seja, sabe distinguir entre casos em que a frase "Isso é F" é verdadeira e casos em que essa frase é 
falsa. Mas isso é saber distinguir entre exemplos de coisas que são F e exemplos de coisas que não 
são F . Portanto, se é possível usar um termo geral "F" competentemente sem saber dar uma 
definição desse termo geral, então é possível distinguir entre exemplos de F e exemplos de não- F 
sem saber dar uma definição de "F". O que temos que saber agora é se podemos distinguir entre 
exemplos de filosofia e exemplo de não-filosofia, digamos assim, sem sabermos dar uma definição 
de filosofia. Se podemos, então isso significa que podemos saber o que a filosofia é sem saber dar 
uma definição de "filosofia". E é examinando os exemplos de filosofia que podemos investigar o que 
eles têm (se tiverem) de necessário e suficiente para ser o que são, e, desse modo, obter uma 
definição de "filosofia". 
Uma reflexão sobre como ensinamos o uso de termos gerais por meio de exemplos pode nos dar um 
pista sobre o tipo de exemplos que devemos buscar. Há casos de tons de cores que estão entre o azul 
e o verde, não sendo claro se se tratam de azuis esverdeados ou verdes azulados. Se queremos 
ensinar uma criança o uso de "verde" e "azul", não vamos usar esses casos como exemplos de azul 
ou de verde. Em vez disso, vamos usar exemplos paradigmáticos de verde e de azul, ou seja, casos 
sobre os quais não paira dúvida de que são exemplos de verde e exemplos de azul. O que isso sugere 
é que o conhecimento sobre o que a filosofia é por meio de exemplos envolve a habilidade para 
identificar exemplos paradigmáticos de filosofia (e de não-filosofia), a despeito de haver casos 
duvidosos. 
 Mas que tipo de coisas seriam esses exemplos? Dado que o que queremos são exemplos 
paradigmáticos e que esses são aqueles em que não há controvérsia sobre se são casos de filosofia, o 
tipo de coisas no qual devemos nos concentrar é aquele sobre o qual não há controvérsia que 
encontramos na filosofia. Ou seja, devemos iniciar nossa busca pelo que é mais trivial acerca da 
filosofia. Em primeiro lugar, dada a distinção entre fazer e descrever o que se faz, está claro que 
estamos procurando exemplos de uma certa atividade , a atividade de filosofar. Mas o que há de 
incontroverso sobre essa atividade por meio do qual possamos começar nossa busca por exemplos? 
Bem, parece incontroverso que, ao filosofar, os filósofos formulam certas perguntas e procuram 
respondê-las do melhor modo possível. É o que viemos fazendo até aqui... Essas perguntas são 
formulações de problemas filosóficos
3
. Agora temos ao menos parte da descrição do tipo de coisas 
que são os exemplos paradigmáticos que procuramos: problemas filosóficos. Quais poderiam ser os 
melhores paradigmas de problemas filosóficos? 
Geralmente os manuais e introduções à filosofia apresentam como exemplos paradigmáticos de 
problemas filosóficos perguntas que têm a forma do título dessas postagem: "O que é ____?", que, 
como vimos, em geral pede uma definição, entendida em termos de condições necessárias e 
suficientes para algo ser o que é. Isso está ligado à idéia popular que a filosofia tem como objeto de 
estudo a essência ou natureza das coisas. Mas ela não estuda a essência de qualquer coisa. A 
filosofia não estuda a essência das cadeiras, por exemplo. Quais são, pois, os exemplos 
paradigmáticos de problemas filosóficos dessa forma? Geralmente três desses problemas são 
apresentados como os principais, sendo os demais de algum modo subordinados a eles. Esses três 
problemas são: 
O que é a verdade? 
O que é o bem? 
O que e o belo? 
Podemos aumentar essa lista: 
O que é o conhecimento? 
O que é a justiça? 
O que é a virtude? 
O que é arte? 
O que é Deus? 
 
3
 Em geral um problema é uma pergunta cuja resposta não sabemos e, por alguma razão, precisamos saber. Por isso, nem 
toda pergunta cuja resposta não sabemos é um problema. Se não precisamos saber a resposta a uma pergunta, ela não é 
um problema. 
O que é mente? 
O que é ciência? 
E assim por diante. Esses parecem ser exemplos inequívocos, paradigmáticos, de problemas 
filosóficos. A fim de tentar definir "filosofia", podemos agora examinar o que esses exemplos têm 
em comum, fora a forma. O que os conceitos de verdade, bem, beleza, conhecimento, justiça, 
virtude, etc., têm em comum? Por que os conceitos de cadeira e de ameba, por exemplo, não estão 
nessa lista? Podemos ver o que esses conceitos têm emcomum por meio de um experimento mental
4
. 
Tentemos imaginar como seria a vida de um povo inteiro que não tivesse o conceito de verdade, por 
exemplo. Se as pessoas desse povo que não tivessem esse conceito, então elas nunca avaliariam suas 
afirmações como verdadeiras ou falsas. Elas jamais pensariam que o que dizem é verdadeiro, ou que 
é falso. Para pensar isso, elas deveriam ter o conceito de verdade. É difícil, para dizer o mínimo, 
imaginar a vida de um tal povo. Essas pessoas poderiam ter linguagem descritiva? Como elas 
aprenderiam essa linguagem? Como seria seu ensino? Seja o que for que imaginemos, se 
conseguirmos imaginar alguma coisa, trata-se de uma forma de vida radicalmente diferente da nossa. 
E quando digo isso, não estou pensando no contraste entre a forma de vida americana e a forma de 
vida islâmica, por exemplo. Essas duas formas de vida são muito semelhantes entre si, se 
comparadas com a forma de vida de um povo que não possuísse o conceito de verdade. Isso mostra 
que a nossa forma de vida é enformada pela posse desse conceito. Ela é como é porque, entre outras 
coisas, possuímos o conceito de verdade, porque avaliamos nossas afirmações como verdadeiras ou 
falsas. Nesse sentido, podemos dizer que o conceito de verdade é um conceito fundamental : é um 
conceito tal que não podemos imaginar alguém que não o tenha e não seja radicalmente diferente de 
nós, que o possuímos. 
O mesmo parece valer, em graus diferentes, para os demais conceito que aparecem na lista de 
problemas filosóficos acima. Todos eles, em maior ou menor grau, são conceitos fundamentais, no 
sentido recém explicado. Tentemos imaginar um povo que não possua conceitos estéticos, por 
exemplo (belo, feio, sublime, grotesco, harmonioso, etc.), e que, portanto, não avalie nada do ponto 
de vista estético. Todos esses conceitos enformam nosso modo de pensar sobre o mundo. É difícil 
imaginar como seria pensar qualquer coisa sobre o mundo sem usar esses conceitos
5
. 
Mas se o filósofo, ao perguntar o que é a verdade, por exemplo, quer uma definição de "verdade", 
por que ele não se contenta com a definição de "verdade" que ele encontra em um bom dicionário ? 
O que ele teria a dizer a alguém que lhe oferecesse uma definição de dicionário como resposta? 
Supostamente, definições de dicionários são corretas, pois são feitas por lingüistas que conhecem 
muito bem o idioma. Sendo assim, um filósofo não pode rejeitar essas definições sob a alegação de 
que não são corretas, salvo se tiver alguma boa evidência em contrário. Qual é, pois, a diferença 
entre um filósofo e um lingüista? Uma tentação muito comum nesse ponto é dizer que as definições 
 
4
 Um experimento mental, ou experimento de pensamento, não é um experimento psicológico, mas sim a descrição de 
uma situação, real ou fictícia, que serve para enfatizar certos aspectos dos nossos conceitos. Descrita a situação, nos 
perguntamos como deveríamos usar um determinado conceito nessa situação, ou se poderíamos usá-lo, ou se o teríamos, 
etc. Conforme a resposta, aspectos desse conceito se tornarão mais evidentes. 
5
 Mesmo um naturalista como Quine, que não reconhece uma diferença categorial entre a filosofia e as demais ciências, 
pois vê ambas como contínuas, quando perguntado sobre a natureza da filosofia, não diz algo muito diferente do que foi 
dito acima. Leia http://problemasfilosoficos.blogspot.com/2008/05/quine-filosofia-como-anlise-conceitual.html; uma 
transcrição de um trecho de uma entrevista em que Quine diz o que acredita ser a filosofia. 
dos dicionários não são profundas . Mas geralmente não é nada claro o que se quer dizer com 
"profunda". Por que as definições do dicionário não são profundas? Quais são as condições para que 
uma definição seja profunda? 
Alguém poderia dizer que, enquanto o linguista está interessado na linguagem, na palavra "verdade" 
, por exemplo, o filósofo está interessado na própria verdade , na verdade em si mesma . Mas se 
esse interesse na verdade é um interesse na essência da verdade e se a definição de "verdade" do 
dicionário apresenta essa essência, então essa não é uma boa explicação da diferença entre um 
linguista e um filósofo. 
Para saber que diferença é essa, temos que investigar a motivação do filósofo para fazer suas 
perguntas. Por que o filósofo quer saber, por exemplo, o que a verdade é? Um lingüista quer 
encontrar definições porque ele é um cientista da linguagem e, como tal, está interessado em 
quaisquer conhecimentos sobre a linguagem. O filósofo não está interessado em quaisquer 
conhecimentos sobre a linguagem. Ele está interessado em conhecimentos lingüísticos apenas na 
medida em que eles são úteis para lidar com um tipo de problema com o qual o lingüista não lida. 
Por isso, esses problemas com os quais o linguista não lida são os verdadeiros problemas filosóficos. 
Tais problemas são os paradoxos formulados com os conceitos que aprecem nas perguntas 
filosóficas da forma "O que é ____?". 
Um paradoxo, de modo geral pode ser pensado como um problema que mostra um certo conflito 
(real ou aparente) entre nossas intuições . Uma intuição, no sentido em que dizemos que uma 
afirmação é intuitiva ou contra-intuitiva, é uma afirmação que à maioria de nós parece verdadeira à 
primeira vista, que a maioria de nós está inclinada a considerar verdadeira à primeira vista. Algumas 
afirmações intuitivas são banais e particulares. Outras são importantes e gerais. Por exemplo: o 
princípio de não contradição, que diz que não é possível que uma afirmação e sua negação ("Chove" 
e "Não-chove", p.ex.) sejam ambas verdadeiras, é uma intuição muito importante e geral. Um 
paradoxo é um problema que mostra que, ao menos aparentemente, algumas dessas intuições gerais e 
importantes estão em conflito. 
Um exemplo paradigmático de paradoxo é um dos assim chamados “Paradoxos de Zenão”. A 
apresentação informal desse paradoxo começa com uma definição de movimento. Um objeto a se 
move se, e somente se, em instantes de tempo diferentes a estiver em pontos diferentes do espaço. 
Suponhamos que a se mova do ponto A ao ponto B. Antes de chegar ao ponto B, a deve passar 
pelo ponto C, que eqüidista de de A e B. Mas antes de passar por C, a terá que passar pelo ponto D, 
que eqüidista de A e C. E antes de passar por D, a terá de passar pelo ponto E, que eqüidista de A e 
D. E assim por diante, ao infinito . Isso sugere que entre A e B e, portanto, entre quaisquer dois 
pontos, há infinitos pontos e, por isso, infinitos intervalos de espaço. Portanto, se a se move de A a 
B, ou de um ponto qualquer do espaço para outro, então a percorre infinitos intervalos de espaço. 
Agora, para qualquer ação, se ela é composta de um número infinito de etapas, então trata-se de uma 
ação impossível, que não pode ser realizada. Se pudesse ser realizada, então isso significa que todas 
as etapas teriam sido realizadas e, portanto, não seriam infinitas. Mas ir de um ponto a outro do 
espaço percorrendo infinitos intervalos de espaço é justamente uma ação composta de infinitas 
etapas. Portanto, se percorrer infinitos intervalos de espaço é necessário para que um objeto qualquer 
se mova, ou seja, para que vá de um ponto do espaço a outro, então nenhum objeto pode se mover. 
Logo, o movimento é impossível. 
Esse paradoxo é uma inferência, um raciocínio, que parece ter as seguintes três características: ela 
parece ter premissas verdadeiras , parece ser uma inferência válida e parece ter uma conclusão 
falsa . Mas isso não é possível. Uma inferência válida é justamente uma que não pode ter premissas 
verdadeiras e conclusão falsa. Portanto, se essa inferência é realmente válida, então ouao menos uma 
de suas premissas, embora pareça muito intuitiva, é falsa, ou a conclusão, embora pareça muito 
contra-intuitiva, é verdadeira. Se nenhuma dessas opções é o caso, então só pode ser porque essa 
inferência, embora pareça válida, é inválida. Seja qual for a opção correta, o paradoxo mostra que 
temos que abandonar alguma intuição . E na investigação sobre qual opção é correta, o filósofo 
pergunta: O que é o movimento? O que é um ponto? O que é a divisibilidade infinita do espaço? O 
que é o infinito? Ele faz perguntas dessa forma a fim de lidar com esse paradoxo. Um lingüista não 
estuda a linguagem com o objetivo de lidar com paradoxos. 
Os verdadeiros problemas filosóficos são os paradoxos
6
. Eles formam a parte submersa de um 
iceberg cuja ponta é formada pelas perguntas da forma "O que é ____?". Eles são o que motivam o 
filósofo a fazer perguntas dessa forma. É claro que um físico, por exemplo, pode lidar com 
paradoxos também, em meio às suas investigações e teorizações físicas. Se assim for, ele estará às 
voltas com problemas filosóficos em meio à sua atividade como físico. Os paradoxos mostram que 
não temos uma clareza reflexiva sobre o conteúdo de conceitos fundamentais e, portanto, de 
intuições fundamentais que são expressas por meio desses conceitos. A importância de se lidar com 
esses problemas é, pois, diretamente proporcional à importância de se ter clareza sobre tais conceitos 
e intuições. 
A filosofia não é determinada apenas pelos problemas com os quais os filósofos lidam. Ela também é 
determinada pelo modo como eles lidam com esses problemas. E é nesse ponto em que as diferenças 
mais profundas entre os filósofos se fazem mais sentidas. Alguns defendem, por exemplo, que os 
problemas filosóficos devem ser resolvidos por meio de uma teoria empírica sobre aquilo que é 
representado pelos conceitos que aparecem na formulação desses problemas. Outros acreditam que 
tais problemas devem ser tratados de forma a priori , isto é, independentemente da experiência, seja 
porque eles devem ser dissolvidos por meio de análise lógica da linguagem, seja porque eles devem 
ser resolvidos por meio de conhecimento a priori
7
. E muitas outras diferenças metodológicas 
poderiam ser listadas. Mas, mesmo nesse ponto, devemos ter em mente a distinção entre fazer algo e 
descrever o que se faz. Se um filósofo diz que a filosofia é empírica, por exemplo, então o que 
devemos fazer é examinar como o seu filosofar de fato depende de conhecimento empírico. 
Obviamente, ele dizer que seu filosofar é uma atividade empírica não a torna empírica. Mutatis 
mutandis , o mesmo vale para o filósofo que diz que seu filosofar é uma atividade a priori. 
 
6
 Russell dizia que os <i>puzzles</i> (literalmente, quebra-cabeça) têm uma função na filosofia da lógica análoga à 
função que a experiência tem na física: servem para testar as teorias filosóficas, assim como a experiência serve para 
testar as teorias científicas ("Sobre a Denotação"). Entre os puzzles estão os paradoxos. 
7
 Um problema é dissolvido quando algum tipo de erro suposto pela sua formulação é exibido. Esse erro tanto pode ser 
uma crença falsa quanto uma confusão conceitual. Uma vez descoberto o erro, a pergunta não é respondida, o problema 
não é resolvido, mas simplesmente abandonado. Ele deixa de ser um problema.

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