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1 DIREITO FEUDAL: UMA PERSPECTIVA INTRODUTÓRIA DE SUA HISTÓRIA Karine Bonfada1 RESUMO O trabalho pretende falar sobre a organização inicial do direito feudal, um direito medieval que tem sua organização social como a base de sua própria “legislação”, esta não escrita, mas costumeira. No desenvolver do presente artigo, será abordado sobre peças principais para o surgimento do feudalismo, que rege o direito aqui elencado, mais especificamente focado para o declínio do Império Romano do Ocidente e o crescimento do cristianismo. Por fim, propriamente no feudalismo, aborda-se o conjunto de instituições que criam e regulam obrigações de obediência e serviço da parte de um homem livre para com outro homem livre. Além disso, obrigações de proteção e sustento da parte do senhor para com o vassalo, onde tal obrigação de sustento tem como efeito a concessão pelo senhor ao vassalo de um bem chamado feudo, sendo tais relações as que caracterizam a maior parte do direito feudal. Por fim, busca-se destacar que este período é marcado por forte domínio dos senhores feudais e influência do clero, tendo o rei com papel apenas figurativo, já que não havia mais um Império, ou Estado. Palavras-chave: Império Romano do Ocidente. Direito Medieval. Direito Feudal. Feudalismo. História do Direito. 1 INTRODUÇÃO Não é muito difícil perceber, durante os estudos do direito feudal, o grande retrocesso que ocorreu neste período de introdução à Idade Média. Fortemente marcado por relações costumeiras, o feudalismo perde a figura de rei, não há mais um Império, e passa a viver subordinado por obrigações propriamente feudais. Tais relações se davam em “obediência” aos chamados Senhores Feudais e, consequentemente, destes para com a Igreja, o clero. As relações, portanto, nesta época, retrocederam gradativamente, à proporção dos eventos lhe precederam. Para Lopes (2002, p. 73) o feudalismo, isto posto, é “uma sociedade de ordens e estamentos. Seu direito é um direito de ordens: os homens dividem-se em [...] aqueles que oram, aqueles que lutam e aqueles que trabalham”. 1 Acadêmica do Curso de Bacharelado Direito – II Semestre 2 2 DESENVOLVIMENTO 2.2 A queda do Império Romano do Ocidente e o cristianismo Ao fazer uma análise da perspectiva histórica se busca abordar sobre os principais fatores que levam o surgimento do direito feudal e do próprio sistema que é o feudalismo. Anterior à Idade Média, se deu um período chamado antiguidade, compreendida entre o século VIII a.C. ao ano de 476 d.C., onde pode-se destacar a organização política e administrativa do Império Romano do Ocidente. A administração de Roma, durante a Realeza, e na República na Grécia, são de imenso legado até mesmo para os dias atuais (NASCIMENTO, 2004). Ainda no viés de Nascimento: Alargando-se o Império Romano, formou-se uma categoria de funcionários que atuavam como delegados do poder central junto à administração pública. [...] vários foram os jurisconsultos romanos, que escreveram sobre assuntos relacionados com as funções públicas e, portanto, sobre questões de Direito Administrativo (2004, p. 107). Neste trecho, o autor demonstra que grande era o desenvolvimento jurídico e administrativo de Roma, para o período. Frente a isso, tal modelo só tinha a crescer, perpetuando-se através dos séculos. Contudo, o grande Império Romano começa a enfraquecer. Inicialmente por conta das invasões Bárbaras. Para Lopes A ocupação do império pelos povos do norte vinha ocorrendo desde meados do século II e muitos romanos resistiam a ela. Quando os imperadores centralizaram as funções judiciais e legislativas, ao mesmo tempo estavam minando o modo de vida romano tradicional (2002, p.64). Ou seja, sob este olhar, nota-se que esse período, de invasão dos povos ocupando o território romano, foi de forte crise social, econômica e política, onde o império com sua burocracia e seu exército já não conseguia mais conter e se sustentar. As invasões bárbaras foram responsáveis diretas por um intenso intercâmbio cultural que modificou profundamente a formação étnica, política, econômica, linguística e religiosa do mundo ocidental (SOUSA, 2015, p. 1). 3 Logo, ocorre uma crise na sociedade civil, onde muitos romanos até passaram a ficar em defesa deste povo estrangeiro. Como aponta Salviano (apud LOPES, 2002, p. 65) “muitos romanos passavam para o lado dos bárbaros: Os pobres estão despojados, as viúvas gemem e os órfãos são pisados a pés [...] para não perecer à perseguição pública, vão procurar entre os bárbaros a humanidade”. E é frente a este cenário, de decadência é reconhecido mais um fator que culminaria para o fim do império: Do ponto de vista econômico, o Império entrou em crise sobretudo após o colapso do sistema escravista, que teve de ser substituído pelo sistema de colonato, que consistia na relação entre pessoas com precárias condições de subsistência e grandes proprietários de terras, que contratavam seus serviços e, em troca, ofereciam proteção e terras para o trabalho (FERNANDES, 2015). Com a falta de escravos a economia ficou extremamente fragilizada e muitos setores foram atingidos, como por exemplo o Estado. Ou seja, com menos produção menos impostos eram arrecadados e Estado também era enfraquecido. Quanto ao cristianismo, que já era praticado em Roma, percebe-se um crescimento, de forma a ocupar grande espaço na idade antiga. E tais transformações religiosas, adotadas até mesmo por um dos imperadores deste período, Constantino, foram apontadas por muitos como um motivo para a queda. O filósofo Montesquieu (apud SARTIN, 2011, p. 10) comenta que A partir da morte de Marco Aurélio, ocorrida no ano 180, o império teria entrado em um processo de deterioração caracterizado por um círculo vicioso: o abandono da gradual “virtude cívica” caracteristicamente romana teria feito com que o Estado recorresse cada vez mais a elementos estrangeiros para assegurar sua defesa; isso, por sua vez, teria acelerado o processo interno de “barbarização” e perda da “romanidade”. A conversão ao cristianismo, por seu turno, também teria contribuído para a “queda” ao desviar recursos humanos e materiais das questões terrenas, erodindo ainda mais a capacidade do Estado de enfrentar os invasores. Tal afirmação reforçada por Barros, quando diz que: [...] havia os que enxergavam nas transformações religiosas do Império, consolidando-se na adoção do Cristianismo como religião única, a verdadeira origem das calamidades que agora se abatiam sobre a civilização romana, de modo que para salvar esta civilização seria preciso reverter ao paganismo. (2009, p. 548). 4 Logo, frente a tantos problemas de crise de identidade do povo, crises econômicas, de segurança e, religiosa, o cenário se transforma, e o que era um grande e poderoso império, vê-se acabado. 2.3 As transformações e o feudalismo Frente à queda do Império Romano do Ocidente, surge um novo modelo, um novo período da história, o qual é atualmente conhecido como Feudalismo. O Feudalismo que, em 476 d.C, marca o início da chamada Idade Média. Para Martins Júnior A principal obra de transição, que a Idade Média realizou, foi o estabelecimento do regime feudal ou mais propriamente católico feudal, instituído gradativamente do século X até o XI e soberanamente dominante daí até o século XIV (apud NASCIMENTO, 2004, p. 135). O feudalismo se “instala” como um modelo social e de certa forma econômico nas regiões da França, Alemanha e, com menor importância, Inglaterra, Itália e da Espanha cristã (GILISSEN, 2001). No viés de Lopes (2002, p.73)“Havia dois sistemas de relações: uma propriamente feudal, relativa a vassalagem e tenência da terra, e outra senhorial, relativa à apropriação da renda da terra, relação senhorial, entre o servo e o senhor”. Onde na primeira relação, o homem livre que oferece fidelidade ao senhor, chamado vassalo, almeja em troca de seus serviços de fidelidade e conservação dos castelos medievais da época, etc., a terra concedida gratuitamente (feudo). Afirma François Louis Ganshof (apud NASCIMENTO, 2004, p. 136) que o feudalismo pode ser definido como Um conjunto de instituições que criam e regulam obrigações de obediência e serviço – sobre tudo militar – da parte de um homem livre, chamado vassalo, para com outro homem livre, chamado senhor, e obrigações de proteção e sustento da parte do senhor para com o vassalo; a obrigação de sustento tem como efeito, na maior parte dos casos, a concessão pelo senhor ao vassalo de um bem chamado feudo. Logo, o elo entre o senhor e o vassalo era quase uma ligação contratual, pois o senhor exigia ao vassalo algumas prestações e, de barganha, lhe “recompensava”. 5 Ressalta-se que, tal vínculo tinha suas próprias características e acordos, não regidos por nenhum ordenamento, se não, o próprio costume que norteava-lhes. Assinala Lopes que esse feudalismo do século VIII ao XI, estabelecia um pacto perpétuo assim como o casamento, quando afirma que a vassalagem “era, pois, uma forma de contrato como o casamento: adquiria-se um status e havia um caráter religioso sacral” (2002, p. 74). A respeito do feudo, Gilissen aponta que: A instituição aparece sob o nome de beneficium, pelo menos desde o século VII; o termo fevum ou feodum, de origem germânica, suplanta-o progressivamente nos séculos X e XI. Primeiro, possessão vitalícia, o feudo torna-se hereditário no fim do século IX e no século X em França, e noutras regiões, mais tarde (2001, p.189). Completa Vilar (2010, p. 1) que, basicamente um feudo: Se dividia em três partes: o Manso senhorial(domínio) o qual consistia no castelo, campos, pastos e outros estabelecimentos ligados ao usufruto do senhor feudal, e de sua família e Corte. O Manso servil, o qual englobava as tenências dos servos, ou seja, as suas casas e famílias, assim como seus lotes de terra, para que plantassem e criassem animais. E por último o Manso comunal, o qual era formado por florestas, rios, terras incultiváveis, etc. Nesse caso, os servos só poderiam caçar nas florestas mediante autorização do seu senhor, em caso de isso não ocorre-se era restritamente proibido, e quem ousa-se caçar sem autorização, estaria cometendo um crime. Por conseguinte, vê-se caracterizada a relação da sociedade feudal, essencialmente marcada pelas relações senhoris. No plano econômico, o comércio desapareceu quase completamente, ainda sob o viés de Gilissen (2001), as relações feudais estabelecem um regime dominial, caracterizado por uma economia quase sem trocas entre os outros domínios, ou seja, sobrevivendo apenas do fruto de suas produções, exploração esta, dada pelo senhor com a ajuda dos servos. Houve, portanto, um retrocesso comparado ao período vivenciado anteriormente, de organização imperial em Roma por exemplo. Percebe-se que pouca foi a evolução nesse período medieval que compreende o início das relações feudais. 6 2.4 Base do Direito Feudal O primeiro direito propriamente dito, e já mencionado anteriormente, é o do vassalo para com o senhor, o qual através da homenagem, tem a garantia de exigir proteção e justiça. Martins Júnior (apud NASCIMENTO, 2004, p.136) diz que Tal contrato, de uma natureza toda especial, celebrava-se por meio de uma solenidade chamada homenagem, na qual o vassalo jurava ao senhor, antes de tudo, uma fidelidade absoluta, prometendo prestar-lhe um certo número de serviços e, em alguns casos excepcionais, certos auxílios pecuniários. Essa cerimônia solene é explicada por Bloch (1998, p. 179 apud VILAR, 2010, p.1), na qual havia Dois homens frente a frente: um, que quer servir, o outro que aceita, ou deseja, ser chefe. O primeiro une as mãos e, assim juntas, coloca-as nas mãos do segundo: claro símbolo de submissão, cujo sentido, por vezes, era ainda acentuado pela genuflexão. Ao mesmo tempo, a personagem que oferece as mãos pronuncia algumas palavras, muito breves, pelas quais se reconhece «o homem» de quem está na sua frente. Depois, chefe e subordinado beijam-se na boca: símbolo de acordo e de amizade. Eram estes - muito simples e, por isso mesmo, eminentemente adequados a impressionar espíritos tão sensíveis às coisas vistas - os gestos que serviam para estabelecer um dos vínculos mais fortes que a época feudal conheceu". Assinala Gilissen que, quanto as fontes do direito feudal, esse período de introdução, de certa forma arcaica do feudalismo, vê-se com um poder real desmembrado, pois com tais relações próprias dos feudos, até mesmo a realeza fica, de certa forma, submetida. “[...] muitas vezes o próprio poder desses grandes feudatários está desmembrado em benefício dos seus vassalos. O próprio poder judicial passou das mãos do rei para as dos seus vassalos e subvassalos” (GILISSEN, 2001, p. 190). Isso explica-se, pois a cada momento em que os senhores precisavam de proteção, que houvesse alguma guerra e estes necessitassem de guerreiros para proteger a propriedade, os vassalos lhes exigiam uma parte maior de terra, ou algum feudo a mais, caracterizando quase que uma relação de subordinação dos senhores para com o vassalo, nesses casos. 7 Quanto à legislação da época, como pode-se perceber, se dava de forma particular, em outras palavras, sua territorialidade era estrita para o feudo. Porém, com certas exceções, os três séculos do período foram quase sem legislação. É o que ressalva Ferreira Coelho (apud NASCIMENTO, 2004, p. 138) quando diz que “em cada feudo vigorava a sua própria legislação, aplicável a todos os casos aí acontecidos e a todas as pessoas que aí estivessem, qualquer que fosse a sua nacionalidade, vivessem ou não habitualmente no lugar”. E complementa Gilissen que, Tendo o princípio da personalidade do direito desaparecido nos séculos VIII e IX, o direito consuetudinário é sobretudo territorial. Já não há muitos vestígios de nomadismo. Cada coletividade humana, fixada ao solo do seu domínio ou da sua aldeia, vive segundo as suas tradições jurídicas próprias (2001, p.190). Eram poucas as formas de direitos, leis ou regras escritas e, esse momento da história era realmente reduzido à oralidade. Não poderia ser diferente, pois com exceção de alguns clérigos, quase ninguém sabia ler e escrever na sociedade. Os juízes em muitos casos nem sabiam ler latim, seu conhecimento advinha mais da transmissão oral, ouvindo aqueles que sabiam ler, descrever as leis, etc. Além disso, estudar direito na Idade Média, antes do século XII, era algo quase que exclusivamente reservado aos clérigos, pois em alguns casos a própria nobreza era analfabeta (VILAR, 2010, p.1). Os contratos dos direitos sobre os feudos raramente eram colocados no papel, quando muito, algumas instituições eclesiásticas mandaram redigir assuntos que lhe interessavam (GILISSEN, 2001). E é nesse sentido que aparece o clero com grande influência na criação da justiça. Como os clérigos eram os únicos que sabiam ler e, portanto, criavam as normas baseadas na justiça divina, a justiça passou a se basear na que provinha da vontade de Deus. Portanto, além da lei feita pelos senhores feudais, havia um outro lado em que os feudos “obedeciam à lei geral, emanada do poder central a que estavam política e juridicamente ligados” (NASCIMENTO, 2004, p. 138).Os julgamentos eram dados conforme as classes, por exemplo, o clero tinha um tribunal próprio para julgar seus membros, já as relações entre senhor e vassalo detinham outro juízo competente. Para Vilar (2010, p.1) “Assim, a justiça medieval 8 feudal era uma justiça de classes e regionalista, ou seja, a justiça agia de uma forma entre os nobres, entre os clérigos, entre os vilões e entre os servos [...]”. CONCLUSÃO Ante o exposto, o feudalismo tem grande relação com o período que lhe antecede, mais especificamente com o declínio do império romano do ocidente, o qual apontou diversos fatores que culminariam nesse novo modelo de organização da idade média. Além disso, conclui-se que dentre estes fatores responsáveis pelo surgimento do feudalismo, o cristianismo, que obteve um foco específico no presente artigo, foi um dos pontos que implicará não só em mudanças neste início da idade média, mas também no decorrer da história com o direito canônico, por exemplo. Contudo, optado em explanar tão somente sobre a participação do clero nas relações propriamente legislativas da época e, as relações até mesmo nos feudos, pois os senhores feudais estavam de certa maneira relacionados com esse poder. Percebeu-se acerca da territorialidade da legislação e eventuais julgamentos que ocorriam. Finalmente, eliminado o poder do Estado e Império, constatou-se que o feudalismo tinha no costume sua legislação e forma de organização social interligadas. E, por conseguinte, tinha o senhor feudal como grande “mandatário” que emanava o poder perante seus feudos em troca de serviços, proteção dos castelos, etc. Em síntese, as relações obrigacionais costumeiras ficaram bem marcadas nesse início da idade média. Percebe-se que a base não tinha um grande alicerce para se perpetuar, até mesmo por conta da precariedade da organização, porém, foi de fundamental importância para demarcar esses acontecimentos acerca da historicidade dos fatos e influências do feudalismo, e com isso, do Direito Feudal. 9 REFERÊNCIAS: BARROS, José D’Assunção. Passagens de Antiguidade Romana ao Ocidente Medieval: leituras historiográficas de um período limítrofe. História, v.28, n.1. São Paulo – 2009. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/his/v28n1/19.pdf>. Acesso em: 05/12/2015. FERNANDES, Cláudio. Queda do Império Romano; História do Mundo. Disponível em: <http://historiadomundo.uol.com.br/romana/queda-do-imperio- romano.htm>. Aceso em 07/12/15. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 3.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: noções introdutórias. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2002. NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de História do Direito. 15.ed., rev. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2004. SARTIN, Gustavo Henrique Soares de Souza. As estruturas sociais e econômicas do Império Romano do Ocidente e o estabelecimento do reino dos visigotos nas Galliae Aquitania e Narbonensis. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal – 2011. Disponível em: < http://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/16947/1/GustavoHSSS_DISSER T.pdf>. Acesso em: 05/12/2015. SOUSA, Rainer Gonçalves. Invasões Bárbaras; Brasil Escola. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/historiag/invasoes-barbaras.htm>. Acesso em: 07/12/2015. VILAR, Leandro. A Era Feudal na Europa; Seguindo passos da História, 2010. Disponível em: <http://seguindopassoshistoria.blogspot.com.br/2010/03/a-era-feudal- na-europa.html>. Acesso em: 09/12/15.
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