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Alterações do pensamento CAP. 18 de Dalgalarrondo • Os elementos propriamente intelectivos do pensamento dividem-se em três operações básicas: os conceitos, os juízos e o raciocínio. • Os conceitos se formam a partir das representações. Ao contrário das percepções (e, em certo sentido, também das representações), o conceito não apresenta elementos de sensorialidade, não sendo possível contempla- lo, nem imagina-lo. • Nos conceitos, exprimem-se apenas os caracteres mais gerais dos objetos e dos fenômenos. • Para a formação dos conceitos, são necessários dois passos fundamentais: ▫ Eliminação dos caracteres de sensorialidade. Estes caracteres ainda marcam essencialmente as representações. Quando se conceitualiza cadeira como um objeto de quatro pés, móvel utilizado para sentar, suprime-se a dimensão sensorial (no caso, aqui, visual), ficando apenas a dimensão puramente conceitual. ▫ Generalização. Quando, por exemplo, se pensa em “cadeira” como conceito, tal conceito é válido para qualquer tipo de cadeira. O conceito resulta da síntese, por abstração e generalização, de um número considerável de fenomenos singulares. • Formar juízos é o processo que conduz ao estabelecimento de relações significativas entre os conceitos básicos. O juízo consiste, a princípio, na afirmação de uma relação entre dois conceitos. ▫ Por exemplo, ao tomar-se os conceitos “cadeira” e “utilidade” (ou seja, qualidade de ser útil), pode-se formular o seguinte juízo: a cadeira é útil. ▫ O juízo tem, por função básica, formular uma relação unívoca entre um sujeito e um predicado. • A função que relaciona os juízos recebe a denominação de raciocínio. O processo do raciocínio representa um modo especial de ligação entre conceitos, de sequência de juízos, de encadeamento de conhecimentos, derivando sempre uns dos outros. • O processo do pensar, abrange os seguintes aspectos ou momentos do pensamento: o curso do pensamento, a forma ou estrutura do pensamento e o conteúdo ou temática do pensamento. ▫ O curso do pensamento é o modo como o pensamento flui, a sua velocidade e seu ritmo ao longo do tempo. ▫ A forma do pensamento é a sua estrutura básica, sua “arquitetura”, preenchida pelos mais diversos conteúdos e interesses do indivíduo. ▫ O conteúdo do pensamento pode ser definido como aquilo que dá substância ao pensamento, os seus temas predominantes, o assunto em si. • Tipos alterados de pensamento ▫ Pensamento mágico É o tipo de pensamento que fere frontalmente os princípios da lógica formal, bem como os indicativos e imperativos da realidade. Segue os desígnios dos desejos, das fantasias e dos temores, conscientes ou inconscientes, do sujeito, adequando a realidade ao pensamento, e não o contrário. Algumas leis e particularidades do ato e do pensamento mágico: Lei da contiguidade. É a base da magia de contágio, que utiliza o preceito de que “coisas que estiveram em contato continuam uni- das”. Lei da similaridade. É a base da chamada magia imitativa. Vodu. • Tipos alterados de pensamento ▫ Pensamento mágico O pensamento mágico pressupõe que a uma relação puramente subjetiva de ideias corresponda uma associação objetiva de fatos. Mais comum entre as crianças. Pode-se verificar a ocorrência de tal forma de pensar em alguns transtornos da personalidade, como os transtornos esquizotípico, histriônico, borderline e narcisista. Nos quadros obsessivo-compulsivos, ocorrem com frequencia pensamentos mágicos e rituais compulsivos dominados pelas leis da magia. Na esquizofrenia e na histeria, também podem ser detectados pensamentos mágicos. • Tipos alterados de pensamento ▫ Pensamento dereístico O pensamento só obedece à lógica e à realidade naquilo que interessa ao desejo do indivíduo, distorcendo a realidade para que esta se adapte aos seus anseios. O pensar volta-se muito mais ao mundo interno do sujeito, suas fantasias e seus sonhos, manifestando-se como um devaneio, no qual tudo é possível e favorável ao indivíduo. Pode ocorrer nos transtornos da personalidade (esquizotipica, histriônica, borderline, narcisista, etc.), na esquizofrenia, na histeria e, eventualmente, em crianças e adolescentes (e mesmo em adultos) normais. • Tipos alterados de pensamento ▫ Pensamento concreto ou concretismo Não ocorre a distinção entre dimensão abstrata e simbólica e dimensão concreta e imediata dos fatos. O indivíduo não consegue entender ou utilizar metáforas, o pensamento é muito aderido ao nível sensorial da experiência. Indivíduos com deficiência mental (principalmente) como os pacientes dementados e esquizofrênicos graves podem apresentar concretismo. • Tipos alterados de pensamento ▫ Pensamento inibido Inibição do raciocínio, com diminuição da velocidade e do número de conceitos, juízos e representações utilizados no processo de pensar, tornando-se o pensamento lento, rarefeito, pouco produtivo à medida que o tempo flui. Ocorre em quadros demenciais e depressivos graves. ▫ Pensamento vago As relações conceituais, a formação dos juízos e a concatenação destes em raciocínios são caracterizadas pela imprecisão. Pensamento muito ambíguo, podendo mesmo parecer obscuro. O pensamento vago pode ser um sinal inicial da esquizofrenia ou ocorrer em quadros demenciais iniciais, transtornos da personalidade (p. ex., esquizotípica) e neuroses graves. • Tipos alterados de pensamento ▫ Pensamento prolixo O paciente não consegue chegar a qualquer conclusão sobre o tema de que está tratando, senão após muito tempo e esforço. O paciente dá longas voltas ao redor do tema, e mescla, de forma imprecisa, o essencial com o superfluo. A tangencialidade ocorre quando o paciente responde às perguntas de forma oblíqua e irrelevante, não sabendo discriminar o supérfluo do essencial. Tratam-se de respostas que apenas tangenciam aquilo que foi perguntado, nunca chegando ao ponto central. A circunstancialidade descreve o raciocínio e a digressão do paciente como “rodando em volta do tema”, sem entrar nas questões essenciais e decisivas. Eventualmente o paciente alcança o objetivo do seu raciocínio. • Tipos alterados de pensamento ▫ Pensamento deficitário (ou oligofrenico) É um pensamento de estrutura pobre e rudimentar. O indivíduo tende ao raciocínio concreto; os conceitos são escassos e utilizados em sentido mais literal que abstrato ou metafórico. A abstração apenas ocorre com dificuldade, sem consistência ou grande alcance. Não há falta, porém, da generalização e da utilização da memória, sempre vinculadas às necessidades mais imediatas do sujeito. Há pouca flexibilidade na aplicação de regras e conceitos aprendidos. Fenômeno de extensa memorização mecânica é denominado ilhotas de memória, ocorrendo geralmente em deficientes mentais e autistas, que, em função de tal habilidade, eram chamados de idiotas-sábios (atualmente savant). • Tipos alterados de pensamento ▫ Pensamento demencial Trata-se também de pensamento pobre, porém tal empobrecimento é desigual, ao contrário do que ocorre no pensamento deficitário, no qual o empobrecimento é mais homogêneo. Em certos pontos, o pensamento demencial pode revelar elaborações mais ou menos sofisticadas, embora de forma geral seja imperfeito, irregular, sem unidade ou congruência. • Tipos alterados de pensamento ▫ Pensamento confusional Verifica-se, devido à turvação da consciência, um pensamento incoerente, de curso tortuoso, que impede que o indivíduo apreenda de forma clara e precisa os estímulos ambientais e possa,assim, processar seu raciocínio adequadamente. Há marcante dificuldade em estabelecer vínculos entre conceitos e juízos devido às alterações de consciência, de atenção e de memória imediata. ▫ Pensamento desagregado Trata-se de pensamento radicalmente incoerente, no qual os conceitos e os juízos não se articulam minimamente de forma lógica. O paciente produz um pensamento que se manifesta como uma mistura aleatória de palavras, que nada comunica ao interlocutor. • Tipos alterados de pensamento ▫ Pensamento obsessivo Predominam ideias ou representações que, apesar de terem conteúdo absurdo ou repulsivo para o indivíduo se impõem à consciência de modo persistente e incontrolável. Há uma luta constante entre as ideias obsessivas, que voltam de forma recorrente à consciência, e o indivíduo, que se esforça por bani-las de sua consciência, gerando um estado de angústia constante • Alterações do processo de pensar ▫ Curso do pensamento Aceleração do pensamento O pensamento flui de forma muito acelerada, uma ideia se sucedendo à outra rapidamente. Ocorre nos quadros de mania, na esquizofrenia, nos estados de ansiedade intensa, nas psicoses tóxicas (sobretudo por anfetamina e cocaína) e na depressão ansiosa. Lentificação do pensamento O pensamento progride lentamente, de forma dificultosa. Há certa latência entre as perguntas formuladas e as respostas. Ocorre principalmente nas depressões graves, em alguns casos de rebaixamento do nível de consciência , em certas intoxicações (por substâncias sedativas) e em determinados quadros psicorgânicos. • Alterações do processo de pensar ▫ Curso do pensamento Bloqueio ou interceptação do pensamento Verifica-se o bloqueio do pensamento quando o paciente, ao relatar algo, no meio de uma conversa, brusca e repentinamente interrompe seu pensamento, sem qualquer motivo aparente. O doente relata que, sem saber por que, “o pensamento pára”, é bloqueado. Trata-se de alteração quase que exclusiva da esquizofrenia. Roubo do pensamento O indivíduo tem a nítida sensação de que seu pensamento foi roubado de sua mente, por uma força ou ente estranho, por uma máquina, uma antena, etc. O roubo do pensamento é um tipo de vivência de influência (ver descrição também no item sobre delírio de influência). O roubo do pensamento é uma alteração típica da esquizofrenia. • Alterações do processo de pensar ▫ Forma do pensamento Fuga de ideias É uma alteração da estrutura do pensamento secundária à acentuada aceleração do pensamento, na qual uma ideia se segue a outra de forma extremamente rápida, perturbando-se as associações lógicas entre os juízos e os conceitos. Dissociação do pensamento É a designação cunhada por Bleuler para a desorganização do pensamento encontrada em certas formas de esquizofrenia. Os pensamentos passam progressivamente a não seguir uma sequência lógica e bem organizada, e os juízos não se articulam de forma coerente uns com os outros. • Alterações do processo de pensar ▫ Forma do pensamento Afrouxamento das associações Embora ainda haja concatenação lógica entre as idéias, nota-se já o afrouxamento dos enlaces associativos. As associações parecem mais livres, não tão bem articuladas. Manifesta-se nas fases iniciais da esquizofrenia e em transtornos da personalidade (sobretudo no da personalidade esquizotípica). Descarrilhamento do pensamento O pensamento passa a extraviar-se de seu curso normal, toma atalhos colaterais, desvios, pensamentos supérfluos, retornando aqui e acolá ao seu curso original. Geralmente está associado a marcante distraibilidade. Observado na esquizofrenia e, eventualmente, nos transtornos maníacos. • Alterações do processo de pensar ▫ Forma do pensamento Desagregação do pensamento Neste caso, há profunda e radical perda dos enlaces associativos, total perda da coerência do pensamento. Sobram apenas “pedaços” de pensamentos, conceitos e ideias fragmentadas, muitas vezes irreconhecíveis, sem qualquer articulação racional, sem que sejam detectadas uma linha diretriz e uma finalidade no ato de pensar. Trata-se de alteração típica de formas avançadas de esquizofrenia e de quadros demenciais. • Alterações do processo de pensar ▫ Conteúdo do pensamento Os principais conteúdos que preenchem os sintomas psicopatológicos são: 1. Persecutórios 2. Depreciativos 3. Religiosos 4. Sexuais 5. De poder, riqueza, prestígio ou grandeza 6. De ruína ou culpa 7. Conteúdos hipocondríacos • Alterações do processo de pensar ▫ Conteúdo do pensamento A persecutoriedade (ou vivências de perseguição) é provavelmente muito importante pelo fato de a sobrevivência em um mundo potencialmente ameaçador ser tema onipresente em quase todos os grupos sociais. Os conteúdos de poder, riqueza, ruína e culpa com certeza também têm conexão com a dimensão de sobrevivência. A sexualidade, por sua vez, apesar de secularmente reprimida na maioria das sociedades, nunca deixou de ser tema de primeiro interesse ao ser humano. Freud e o desenvolvimento de sua psicanálise trouxeram à luz da sociedade vitoriana e conservadora a grande importância da sexualidade para a vida mental e social do ser humano. Tal importância deriva de fatores instintivo-biológicos (sobrevivência da espécie) e psicológicos. • Alterações do processo de pensar ▫ Conteúdo do pensamento Os temas religiosos e místicos também são muito comuns na psicopatologia, o que se justifica pelo fato de que não há cultura ou grupo social humano em que a religião não desempenhe papel central na organização da representação do mundo, na articulação de formas de compreensão da origem e do destino do ser humano, dos valores ético-morais, da compreensão do sofrimento e dos modos de constituição da subjetividade. Os temas hipocondríacos revelam a importância que o corpo tem na experiência humana. Também estão implicados, com esses temas, o narcisismo relacionado às vivências corporais, o desejo de bem- estar físico, os temores relacionados ao ris- co permanente que todo ser humano tem de adoecer fisicamente, sofrer e falecer. • Pergunta para reflexão sobre a lição ▫ Quais são as alterações do pensamento quanto a curso, forma e conteúdo?
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