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Rosélia Pereira de Moraes CARTÃO DE CRÉDITO e alguns aspectos polêmicos Monografia de Conclusão de Curso de Direito apresentada ao Centro de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade Luterana do Brasil. Orientada pelo Professor Dr. Leonardo Machado Cusato (Professor de Direito Comercial) Gravataí/RS 2004 RESUMO Este trabalho trata do cartão de crédito e alguns de seus aspectos polêmicos. Neste estudo é abordada a origem do cartão de crédito, como ele é conceituado na doutrina, e que tipo de classificação é atribuída aos cartões de crédito. Também, trata das relações jurídicas contratuais que constituem o sistema, bem como a natureza jurídica desta relação. Examinando finalmente alguns dos aspectos polêmicos do instituto, em uma análise doutrinária e jurisprudencial. SUMÁRIO 1INTRODUÇÃO................................................................................................. 8 2 NOÇÕES HISTÓRICAS................................................................................ 10 3 CONCEITO.....................................................................................................16 4 MODALIDADES DE CARTÕES DE CRÉDITO..............................................19 4.1 Cartões de Crédito não-bancário.................................................................20 4.2 Cartões de Crédito bancário........................................................................21 5 ELEMENTOS QUE INTEGRAM A RELAÇÃO.............................................. 24 6 RELAÇÕES JURÍDICAS CONTRATUAIS.....................................................27 6.1 Administradora e Titular..............................................................................27 6.2 Administradora e Fornecedor......................................................................32 6.3 Fornecedor e Titular.....................................................................................35 6.4 Instituição Financeira...................................................................................40 6.5 Extinção do Contrato...................................................................................43 7 NATUREZA JURÍDICA...................................................................................45 7.1Título de Crédito...........................................................................................47 7.2 Cessão de Crédito.......................................................................................49 7.3 Contrato de Mandato...................................................................................51 7.4 Natureza Jurídica Propriamente Dita...........................................................54 8 SISTEMA FINANCEIRO.................................................................................57 9 ALGUNS ASPECTOS POLÊMICOS..............................................................58 9.1 Da Perda, Roubo, Furto, Clonagem e Extravio do Cartão...........................58 9.2 Da Emissão sem Prévia Anuência do Titular...............................................62 9.3 Da Cláusula Mandato..................................................................................64 9.4 Dos Juros, Multa e Encargos Contratuais...................................................69 9.5 Do Princípio da Informação e o Código de Defesa do Consumidor............71 10 CONCLUSÃO...............................................................................................76 REFERÊNCIAS................................................................................................ 79 ANEXOS............................................................................................................82 8 1 INTRODUÇÂO As estatísticas levantadas sobre o volume de negócios realizados através dos Cartões de Crédito, em vários países do mundo, mostram como esse instrumento de pagamento tem servido para viabilizar e/ou aumentar as operações comerciais. Sob a designação Cartões de Crédito, encontra-se um número considerável de serviços distintos do que se possa designar simplesmente crédito. Cada operadora, visando o aumento da carteira de clientes, oferece cada vez mais uma infinidade de serviços adicionais ou optativos, ou seja, não oferecem somente créditos aos consumidores, mas também uma série de serviços, tais como: seguro contra perda e roubo, programa de recompensa, cartões para familiares, seguro viagem, assistência médica, entre outros. Os usuários, hoje, podem adquirir uma gama cada vez maior de bens ou serviços utilizando-se dos Cartões de Crédito, nas diversas modalidades de liquidação de débitos, o que, indiscutivelmente torna muito mais prático, para os mesmos, o emprego dos cartões do que outras modalidades de pagamento, como dinheiro e talões de cheques. 9 Se decorrente ou não de um processo de globalização, com correspondente uniformização de costumes, não faz parte do presente trabalho uma tal análise, limitando-se contudo, a constatação do aumento da utilização e uniformização do cartão de crédito cada vez mais como importante ferramenta do indivíduo. Novas formas, novos problemas. O direito não fica alienado ao novo. O tratamento jurídico se impõe. É justamente, da análise de alguns problemas enfrentados pelos tribunais e doutrina que se ocupa o trabalho. Deixa-se claro ab initio que o mesmo não visa a apresentação de todos os aspectos polêmicos que o emprego do que se designa por cartão de crédito comporta. Tampouco, a apresentação de solução para todos os problemas apresentados. Visa-se, sobremodo, apresentar os problemas como se estivesse o trabalho a catalogá-los. Nesse prisma, a presente monografia terá por passos a abordagem da origem do instituto, como ele é conceituado na doutrina e, que tipo de classificação é atribuída aos Cartões de Crédito, dando ênfase nas relações jurídicas contratuais, natureza jurídica e alguns aspectos polêmicos. 10 2 NOÇÕES HISTÓRICAS Conforme Fausto Pereira de Lacerda Filho1 o Cartão de crédito teve sua visão notável em meados de 1888, com a publicação da novela Looking Backward, de autoria de Edward Bellamy. Em uma das passagens dessa novela, um dos personagens, Dr. Lelte, menciona a respeito de um documento, o qual é denominado Cartão de Crédito: Cada cidadão recebe, anualmente, uma parcela correspondente à sua participação no produto interno bruto da nação, que lhe é creditada em livros de contabilidade pública, no início de cada exercício, recebendo, ao mesmo tempo, um Cartão de Crédito que ele apresenta na rede nacional de armazéns, onde são encontráveis os produtos que ele possa desejar...esse cartão é expedido para um certo montante de dólares – o termo serve apenas como símbolo algébrico para comparação dos valores dos produtos entre si. O valor ou o preço do que eu procuro neste cartão é checado pelo funcionário do armazém, que picota nessas séries demarcadas o preço do que eu solicitei.2 Por volta de 1914, no continente Europeu, surgiu os cartões de credenciamento ou bom pagador, utilizados por empresas hoteleiras, na França, Inglaterra e Alemanha, para uso exclusivo de seus clientes, que 1 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Cartão de Crédito. 1990. p. 17 2 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Ibidem. 11 recebiam uma credencial, permitindo debitar os gatos de hospedagem e alimentação, para pagamento posterior a data da despesas realizadas.3 Em 1920 teve seu desenvolvimento nos Estados Unidos, quando a empresa Esso e a Texaco distribuidoras de gasolina, forneciam aos seus clientes um cartão de identificação, denominados cartões de identificação de bonspagadores, com a finalidade de prender esses clientes às mesmas, facilitando um pagamento posterior das compras feitas em determinado período.4 Não havendo grande repercussão comercial, em virtude da restrita circulação do cartão entre os estabelecimentos emitentes, teve como seu marco do surgimento o ano de 19495, nos Estados Unidos, onde logo tiveram grande expansão. Pois conta-se que foi em um jantar com os amigos, que o milionário norte-americano Alfred Bloomingdale, proprietário da cadeia de lojas conhecidas pelo seu sobrenome, se viu surpreendido por ter esquecido o seu talão de cheque e dinheiro, não podendo então pagar a nota de despesa apresentada, pediu para que “pendurasse” a mesma, mediante a colocação da assinatura6. Iniciando-se uma discussão entre os amigos acerca das vantagens que poderia surgir com a criação de um documento de identificação e crédito, 3 MARTINS, Fran. Cartões de crédito natureza jurídica. 1976. p. 26 4 SANTOS, Marília Benevides. Cartão de crédito nos dias atuais. 1997. p. 7 5 MARTINS, Fran. Op. cit. 6 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de crédito questões controvertidas. 2001. p. 19 12 comprovando a idoneidade do portador, surgiu o cartão de crédito “Diner`s Club”, fundado por Ralph Schneider, Robert McNamara e Alfredo Bloomingdale. Destinado a um número extremamente reduzido de milionários norte- americanos, ficando a sua circulação restrita a hotéis e restaurantes conveniados, sendo um sucesso comercial, administrado por uma empresa privada, já surgindo interesse do sistema financeiro em administrar. Surgindo então em 1951, o primeiro cartão de crédito bancário com a intervenção de Franklin National Banck , proporcionando aos seus clientes comodidade na utilização do cartão, facilitando sua transações, bem como, uma abertura de crédito rotativo em seu nome.7 Discorre o autor Fausto Pereira Lacerda Filho sobre a evolução do Cartão de Crédito: “antes que a década findasse, os grandes bancos já haviam encampado a idéia, adotando o sistema de cartões e conformando-se de acordo com os perfis e contornos atualmente conhecidos.”8 Segundo Gerson Luiz Carlos Branco: O nascimento do cartão de crédito tem como causa fatores econômicos e sociais, que igualmente deram origem à moeda, 7 MARTINS, Fran. Op.cit. p. 28 8 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Op. Cit. 1990, p. 30-41 13 à letra de câmbio e ao cheque: as necessidades ligadas à troca, ao consumo de bens, à circulação e acumulação de riquezas.9 Em meados de 1968, poderia se verificar que mais de 627 (seiscentos e vinte e sete) bancos americanos, haviam adotado o cartão como expressão equivalente à administração moderna dentre outras características, ou seja, através de associações de companhias emissoras juntamente com bancos e administradoras.10 Conforme menciona Marília Benevides Santos em sua monografia: Essa tendência se comprova com o que ocorreu no maior banco norte-americano, o Banck of America, que lançou um programa denominado “Bankamericard”, cujo objetivo se resumia ao franqueamento de seu sistema a outras entidades bancárias, que passavam a se utilizar do mesmo cartão, mediante o pagamento de uma comissão na proporção inversa da difusão que o cartão obtivesse o banco associado11 Nos países da Europa, como a França tiveram conhecimento inicialmente pelo o cartão de crédito Diner’s Club e American Express, sendo associados ao Banco Rothschild, cujo emitiu um cartão com o mesmo nome, mas limitado, seguindo então outros bancos como o Credit Industriel et Comercial, emitindo um cartão denominado Carte Bleu.12 Segundo Fausto Pereira de Lacerda Filho, comenta sobre o desenvolvimento do cartão de crédito na França: 9 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual do cartão de crédito. 1998. p. 4 10 SANTOS, Marília Benevides. Cartão de crédito nos dias atuais. 1997. p. 8 11 SANTOS, Marília Benevides. Ibidem. p. 9. 12 SANTOS, Marília Benevides. Cartão de Crédito nos dias atuais. 1997. p. 9 14 O desenvolvimento lento do cartão na França deveu-se à circunstância de o francês médio apresentar uma tendência de endividamento sete vezes menor do que a do americano médio e, preferir manusear o dinheiro em espécie. Talvez como conseqüência das guerras e das dificuldades então sofridas.13 Em Portugal o cartão de crédito é o denominado “Unibanco”, emitido pela UNICRE, sociedade parabancária, instituída por seis Bancos, ou seja, Borges e Irmão, Espírito Santo, Fonseca e Burnay, BNU, Banco Português do Atlântico e Totta e Açores.14 Já na Inglaterra, foi em 1950 que introduziram os cartões de crédito, quando Finder’s Dining Club Limited se associou ao Diner’s Club nos Estados Unidos. Em meados de 1967, os Bancos Lhoyds e Martins deram origem ao American Express, feito pelo National Provincial, um cartão de garantia de cheques no mercado inglês, tendo o maior peso econômico a associação do Barclays Banck com o sistema americano, denominado Bankamericard, em 1997, houve a alteração da denominação sociedade Ibanco para Visa International, onde o Barclays aderiu o sistema, causando interesse em outros bancos se associarem em busca de lugar no mercado.15 No Japão, em 1960 deu-se origem ao Diner’s club, onde se conveniaram o Diner’s Club International, Secretaria de turismo do Japão e o Banco Fuji, originando-se o cartão de crédito de maior prestígio, emitidos pelo Banco Mitsubichi, Sumitomo e Japan Credit Bureau.16 13 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Op. cit. p. 30-41 14 SANTOS, Marília Benevides. Op.cit. p. 10 15 SANTOS, Marília Benevides. Op. Cit. p. 10 16 SANTOS, Marília Benevides. Ibidem. p. 11 15 Já no Brasil, os cartões de crédito tiveram um grande desenvolvimento, com a introdução do cartão de crédito Diner’s Club, emitido como cartão de crédito não-bancário, originando-se outros cartões, sendo os mesmos emitidos com a participação de bancos, tais como o Cartão Nacional, administrado pelo Banco Unibanco; o cartão Elo, pelo Bradesco; Ourocard, associado ao sistema Visa e o American Express. Conforme o autor Fausto Pereira de Lacerda: O Brasil foi o primeiro a introduzir o sistema de cartão de crédito na América do Sul. Esse fato ocorreu por volta dos anos 50, quando o Diner’s club se associou à família Klabin para implantar o seu sistema. Durante muito tempo, o cartão Diner’s reinou absoluto no mercado brasileiro. Com a saída da família Klabin da sociedade formada com Diner’s, o cartão Diner’s perdeu a aura de cartão de elite. Posteriormente, formou-se uma nova sociedade com a entrada do Banco Sul Brasileiro S/A. Mais tarde, o cartão Diner’s teve seu título negociado com a Credicard, associada ao gigante Mastercard, que já explorava um cartão com seu nome. 17 Embora, o cartão de crédito esteja consolidado no mercado, fazendo parte do cotidiano das pessoas, verificamos que o direito brasileiro não regulamentou o cartão de crédito, propriamente dito, baseando-se nas normas legais específicas no direito das obrigações regida pelo Código Civil, bem como o contrato de adesão e decisões (jurisprudência) dos Tribunais de Justiça. 17 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Op. Cit. p. 40 16 3 CONCEITO O cartão de crédito é expressão sugestiva do instrumento físico com que se dão as operações de crédito aberto pelos estabelecimentos emissores a favor do usuário.18 Sendo também um documento que atesta a existência de um créditoem favor de seu portador.19 Segundo Alcio Manoel de Souza Figueiredo, conceitua o cartão de crédito, como: O cartão de crédito consiste em um cartão de plástico brilhante, colorido, retangular, padronizado, medindo 85mm por 54mm, com tarja magnética e identificação do usuário, emitido por uma administradora de cartões de crédito (fornecedora do serviço) ao usuário do cartão (consumidor), que o utiliza para aquisições de produtos e serviços ou para efetuar pagamentos em estabelecimentos comerciais conveniados.20 O sistema contratual de cartão de crédito inicia após a aquisição do direito de uso do cartão enviado pela entidade emissora. Para adquirir ou efetuar pagamentos dos produtos ou serviços, o titular deve apresentar o cartão junto de outro documento de identificação, que comprove que ele é seu proprietário. O estabelecimento comercial, após confirmar com a administradora a autorização para transação, emite o documento de venda, por leitura magnética, ou por nota de venda padronizada. Para receber o valor 18 ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários. 1996. p. 278 19 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro. 1994. p. 268 20 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de crédito questões controvertidas. 2001. p. 23 17 correspondente à transação é necessário que a nota de venda seja enviada para a administradora. A empresa emissora, por sua vez, envia a fatura (esta fatura, via de regra, é constituída pela distinção dos gastos, anexa a um boleto bancário) com o resumo de suas despesas para que o titular quite seu débito por completo, ou, no caso de pagamento mínimo,21 faça a opção pelo crédito bancário.22 Para Fausto Pereira de Lacerda Filho, não foi criada definição para o cartão de crédito, como instituto, que contemple o instituto com todas as suas variáveis. Deste modo, o autor relata que a simples enunciação de seu nome já fala por si. A simples enunciação do nomen juris do instituto já o auto-explica.23 Assim, relata o autor supra citado: Constitui, também, uma espécie de contrato de crédito – contrato de uso de crédito eventual – cumprindo uma função correlata, independentemente de formalizar-se de modo bilateral ou trilateral (quando intervém a empresa especializada), ou, ainda, plurilateral, quando se manifesta a intermediação bancária ou financeira...O instituto constitui uma espécie de contrato de crédito – um contrato de uso eventual de um crédito previamente aberto e aprovado – cumprindo essa finalidade independentemente da espécie de cartão de que se esteja tratando, seja bilateral, trilateral ou plurilateral, com características bancárias ou não-bancárias, dado à intervenção ou não da empresa especializada e da instituição financeira.24 21 Possibilidade e faculdade ao titular de realizar o pagamento de apenas parte do valor de sua fatura, financiando o restante do débito, e estando sujeito aos encargos do financiamento. 22 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Op.cit. p. 23 23LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Op. cit. p 52 24 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Ibidem. p. 52-53 18 O conceito de cartão de crédito para Waldirio Bulgarelli, esclarece: (...) o cartão de crédito é um negócio jurídico com várias facetas. Integrado por vários contratos que se desdobram entre os componentes do negócio, unifica-se pela finalidade proposta: permitir que o consumidor adquira de imediato, em determinados estabelecimentos comerciais ou de serviços, os bens e serviços de que necessita.25 Para finalizar as conceituações doutrinárias, Nelson Abrão26 define o cartão de crédito como sendo documento comprobatório de que o titular detém crédito perante quem o emitiu para realizar compra de bens e utilizar-se de serviços mediante sua apresentação. 25 BULGARELLI, Waldirio. A regulamentação dos cartões de crédito. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 19, 1995 26 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 1999. p. 140 19 4 MODALIDADES DE CARTÕES DE CRÉDITO Segundo Fran Martins27, classifica os cartões de crédito em cartões de bom pagador ou cartões de credenciamento uma vez que o mesmo servia para identificar os seus portadores, tendo interferência o comprador e o vendedor, pois o emissor só fornecia aos seus bons clientes, ainda hoje existentes em grandes magazines, tendo a finalidade, sem interferência de terceiros, fazer a venda diretamente ao seu cliente, encarregando-se de receber do mesmo, no prazo estipulado pela emissora. Já ao lado dos cartões de credenciamento, podemos ver os cartões de crédito verdadeiros, ou seja, os cartões de crédito stricto sensu, segundo a classificação do autor Chabrier28, que são cartões de crédito que dão aos seus titulares a faculdade de adquirir bens ou serviços nos mais diversos estabelecimentos filiados ao sistema, que por sua vez é maior que o departamento ou filiais de uma grande loja, bem como a diversidade de mercadorias e serviços oferecidos, podendo inclusive o titular em alguns sistemas até retirar dinheiro em estabelecimentos bancários, não ocorrendo o mesmo com o cartão de credenciamento. O verdadeiro cartão de crédito tem como interferência o titular, o fornecedor e o organismo emissor, sendo que na sua emissão é o órgão emissor que abre o crédito ao titular e não o vendedor, verificando que neste modo o titular que deveria pagar ao vendedor deve fazer o mesmo ao emissor, 27 MARTINS, Fran. Op. cit. p. 38-39 28 CHABRIER apud LACERDA FILHO, Fausto Pereira, Cartão de crédito. 1990. p.45 20 ou seja, o vendedor quando realizada a venda passa a ser credor do emissor e não do comprador. Os cartões de crédito “de bom pagador” ou “cartões de credenciamento”, não são considerados verdadeiros, pois se reduzem a uma venda a termo, sendo a operação realizada entre o emissor e o titular de simples crédito pessoal, como em todo o contrato a prazo. Esta modalidade dos cartões stricto sensu ou verdadeiros se subdivide entre os cartões de crédito não-bancários e os cartões de crédito bancários. 4.1 Cartões de crédito não-bancário São os cartões emitidos por órgãos não-bancários, ou seja, por uma empresa com recursos próprios que assume a posição de intermediária entre o titular e o fornecedor, respondendo pelas despesas efetuadas. Tem como característica três elementos, sendo a organização emissora, os titulares e os fornecedores, para a emissão necessita que se firme um contrato entre a organização emissora e o titular, que garante o fornecimento de bens ou serviços junto aos fornecedores, onde também é firmado um outro contrato entre organização emissora e fornecedor, aceitando o cartão de crédito e gerando o pagamento por conta da emissora. 21 As empresas privadas administradoras de cartões, estão cada vez mais ligadas as instituições financeiras, por ser mais seguro por não correr o risco da insolvabilidade de seus titulares, temos ainda hoje empresas de cartões não-bancários, como o Diner’s Club em alguns países, por exemplo, Estados Unidos e Brasil, não esquecendo que a mesma é associada em outros países com bancos, como por exemplo, Banco Westminster (na Inglaterra) e o Banco Fuji (no Japão).29 Não podemos deixar de citar que o cartão de crédito não-bancário foi o precursor do cartão de crédito nos dias atuais, tendo papel importantíssimo na formação do cartão de crédito bancário, dando a essa modalidade o maior número de aderente. 4.2 Cartões de crédito bancárioSão os cartões emitidos por órgãos bancários ou grupo de bancos, com a participação direta e indiretamente, podendo os mesmos criarem uma sociedade ou associação para administrar a emissão dos cartões, tendo as operações ligadas às instituições financeiras. Tem como característica os mesmos elementos do cartão de crédito não-bancário, ou seja, organização emissora, os titulares e os fornecedores, tendo como importância a organização emissora , uma vez que é um estabelecimento bancário, podendo ele mesmo emitir o cartão de crédito, abrindo neste caso um crédito bancário em favor do titular, movimentado com o 29 MARTINS, Fran. Op. Cit. p. 61 22 cartão. Quanto ao emissor e fornecedor ao firmar o contrato é aberto uma conta corrente em favor do fornecedor, onde é debitado todas as importâncias pagas ao fornecedor e por ele devidas, em relação ao titular e o fornecedor segue as mesmas do cartão de crédito não-bancário. Trata-se de um cartão com fim em operação bancária, dando ao titular a opção de efetuar o pagamento apenas de uma parte, sendo o restante financiado, trazendo juntamente ao saldo o acréscimo de juros e comissões, aumentando a sua importância, onde devem ser liquidadas dentro do prazo estipulado, sob pena de suspensão ou cancelamento. Segundo Moema Augusta Soares de Castro, em se tratando das modalidades dos cartões de crédito, determina: [...]os autores podem variar para mais ou para menos a qualificação própria de cada um, mas o resultado será, “mutatis mutandis”, sempre calcado na mesma base: a) cartões privativos; b)cartões em que intervém uma entidade bancária; c) cartões em que há a intervenção de uma terceira entidade, de natureza não bancária. 30 Fran Martins31, determina que os cartões de crédito possuem três modalidades básicas, sendo: - Cartões de credenciamento ou bilaterais: emitidos por empresas comerciais para uso restrito dos seus clientes. Exemplos destes cartões na atualidade: Cartão Big Supermercados, Bourbom, Carrefour, C&A, Lojas Renner, etc. 30 CASTRO, Moema Augusta Soares de. Cartão de crédito. 1999. p. 55 31 MARTINS, Fran. Op. cit. p. 40 23 - Cartões não-bancários ou trilaterais: emitidos por empresas intermediárias entre os compradores e vendedores, chamados de cartões de crédito “próprios”. Exemplos: Diner’s Club, etc. - Cartões bancários ou plurilaterais: editados por bancos, ou grupos de bancos, que possibilitam ao usuário a utilização de crédito bancário. Eexemplos: Cartões Visa, Mastercard, Credicard, American Express, etc. Podemos constatar que o cartão de crédito não-bancário e o bancário são semelhantes, uma vez que o cartão de crédito bancário tem sua característica própria em se tratando do titular pagar seu débito junto ao fornecedor, podendo utilizar ou não de seu crédito bancário. 24 5 ELEMENTOS QUE INTEGRAM A RELAÇÃO A relação dos cartões de crédito, normalmente, é composto por três partes ou elementos, que são denominados como: administradora (também chamado de empresa emissora), titular (usuário) e fornecedor (empresa filiada ao sistema). Naturalmente, encontrar-se-ão na doutrina inúmeros sinônimos paras as partes da relação dos cartões de crédito, os quais não alteram o significado destes institutos. Segundo Fausto Pereira de Lacerda Filho, a relação dos cartões de crédito, é composto: [...]cartão de crédito cria uma triplicidade de relações entre as seguintes partes: entidade emissora, titular-usuário do cartão e comerciante-fornecedor aderido ao sistema, podendo reduzir- se ocasionalmente o número de participantes aos dois primeiros, quando o próprio fornecedor é o emissor do cartão, ou ao contrário, estender-se a um quarto, pela intermediação bancária.32 Conforme Fran Martins33, a relação dos cartões de crédito identifica os seguintes sujeitos: - o emissor: intermediário entre o comprador e o vendedor, geralmente pessoa jurídica (para poder arcar com os custos do sistema). É o mediador. Possibilita a realização das operações de compra e venda, ou prestação de serviços entre o titular e o fornecedor. 32 LACERDA FILHO, Fausto Pereira, Cartão de crédito. 1990. p. 58 33 MARTINS, Fran. Op. cit. p. 21 25 - o titular: é a pessoa credenciada pelo emissor a fazer as aquisições junto ao fornecedor, também denominado beneficiário, usuário, ou ainda portador. - o fornecedor: pode ser pessoa jurídica ou física, mas deve estar devidamente habilitada para vender produtos ou prestar serviços. Gerson Luiz Carlos Banco menciona o fato de não apenas a pessoa física, mas também pessoa jurídica, ter a possibilidade de ser titular de cartão de crédito, sendo o cartão usualmente direcionado para o uso de determinada pessoa, representante da empresa. O titular pode ser uma pessoa natural ou jurídica. No caso de pessoa jurídica, por ser o cartão um típico instrumento para aquisição de bens de consumo, a sua emissão, na prática comercial em geral, é feita em favor de pessoa jurídica, mas nominalmente para um indivíduo em especial, podendo somente ele ser usuário de determinado cartão, em virtude de neste conter sua identificação.34 E quando houver a interferência dos bancos por intermédio de uma empresa administradora, a relação que compunha três elementos aumenta para quatro: o titular, o fornecedor, a empresa administradora, e ainda a instituição financeira. 34 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Op. Cit. p. 79 26 A instituição financeira são os bancos autorizados pelas bandeiras a emitir o cartão35. Tendo como receita da Administradoras a seguinte classificação:36 - Anuidade que é a taxa que a administradora cobra do portador para se associar ao sistema de cartão de crédito. - Comissão que é paga pelo estabelecimento à instituição que o afiliou pela utilização do cartão por parte do usuário. Esta comissão varia de acordo com algumas variáveis, tais como: total movimentado via cartão; valor de venda média por operação; risco do negócio; tradição no ramo e tempo de mercado. - Remuneração de garantia que trata-se de uma receita que a administradora cobra do portador do cartão quando as compras são financiadas. - Taxa de administração é que toda vez que há um financiamento por parte do portador algumas administradoras cobram também uma taxa mensal. 35 Conforme Eduardo Fortuna é importante esclarecer que as administradoras de cartão de crédito não são empresas financeiras e sim empresas prestadoras de serviços, que fazem a intermediação entre os portadores de cartões, os estabelecimentos afiliados, as bandeiras (Visa, Mastercard etc.) e as instituições financeiras. (FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro produtos e serviços. 1998. p. 302) 36 FORTUNA, Eduardo. Ibidem. p. 303 27 6 RELAÇÕES JURÍDICAS CONTRATUAIS Nas relações jurídicas contratuais, de um modo geral, as partes contratantes do cartão de crédito são: administradora ou emissora; titular, usuário ou consumidor; e estabelecimento filiado, comerciante, prestador de serviço ou fornecedor.37 6.1 Administradora e Titular A administradora de cartão de crédito é quem controla economicamente todo o sistema, pois compete a ela selecionar seus titulares, credenciar fornecedores e estabelecer as regras contratuais entre as partes. É responsável pela organização e administração do sistema (cartão de crédito), tendo um conjunto de pessoas (emissora, estabelecimentos credenciados, bancos associados,portadores de cartões, consumidores, etc.), que através de procedimentos, como contratos, segurança e monitoramento, pode bloquear a utilização do mesmo para novas transações. Conforme Fran Martins, nos ensina que a administradora: É a pessoa jurídica (dificilmente poderia tal empresa ser constituída por uma pessoa física) que se organiza com a finalidade de fornecer a pessoas selecionadas, segundo critério da empresa, cartões que as credenciam a adquirir bens ou serviços de uma série de estabelecimentos 37 Conforme Alcio, não se trata somente de serviços ou produtos prestados por comerciantes, de forma profissional, habitual e com fim lucrativo, mas também por outros fornecedores não mercantis, tais como hospitais, táxi, profissionais liberais etc. (FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de crédito questões controvertidas. 2001. p. 30) 28 (chamados estabelecimentos filiados ao sistema de cartões) que mantém contrato com o organismo emissor.38 No mesmo sentido Gerson Luiz Carlos Branco: A empresa administradora é um intermediário de quem depende toda a existência do sistema. Realiza o empreendimento, seleciona titulares do cartão, credencia sociedades mercantis, comerciantes e prestadores de serviços, que serão fornecedores dos bens, dominando economicamente todas as posições. Além disso, sustenta normativamente o sistema, estabelecendo as regras de funcionamento do cartão tanto para fornecedores quanto para titulares, fixando os deveres contratuais e as possibilidades de negociação através de condições gerais dos negócios e de instrumentos de adesão.39 O sistema de cartão de crédito não se encontra monitorado por qualquer regulamentação, bem como não depende de qualquer autorização governamental para sua contratação, pois quem idealiza as normas de funcionamento é própria empresa que controla, ou seja, a administradora.40 Em se tratando dos bancos emitirem seus próprios cartões o mesmo deve ser autorizado pelo Conselho Monetário Nacional, sendo fiscalizada pelo Banco Central do Brasil, na forma do artigo 10, inciso IX e X, da Lei 4.595, de 31/12/6441. Quanto aos bancos se associarem às administradoras de cartão de crédito, não necessita de autorização para funcionamento e nem será fiscalizado pelo Banco Central do Brasil. 38 MARTINS, Fran. Op. cit. p. 62 39 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual do cartão de crédito. 1998. p. 79 40 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Op. Cit. 2001. p. 31 41 Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964 – Dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. “Artigo 10 - Compete privativamente ao Banco Central do Brasil: (...) IX. Exercer a fiscalização das instituições financeiras aplicar as penalidades previstas; X. conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam: (...)”. 29 Quando os bancos interferem por intermédio da administradoras discorre Gerson Luiz Carlos Branco, que: Quando os bancos interferem por intermédio de uma empresa administradora, a relação que contava com três sujeitos passa a ter quatro, aumentando ainda mais a complexidade do sistema contratual. A participação dos bancos, que está presente praticamente na totalidade dos sistemas do mercado, dá-se como fonte de crédito. Como as atividades do mútuo e do crédito em geral são privativas das instituições financeiras, não podem exercê-las as administradoras de cartões, pelo que apelam aos bancos sem excluir outras instituições financeiras, de forma associada à concessão desses serviços. (...) O banco, quando não emite o cartão, intervém concedendo crédito ao titular, representado nesta operação pela administradoras, que, em alguns casos, também é fiadora do titular perante o banco.42 A relação entre a administradora e o titular é bilateral43, pois cria dentro de sua estrutura uniforme uma série de direitos e obrigações regulada pelas cláusulas do contrato apresentado pela administradora (emissora), devendo a mesma ser interpretada pelos princípios gerais de direito, da teoria geral dos contratos e das obrigações.44 Para que haja a emissão do cartão de crédito é necessário que o futuro titular assine a proposta de adesão, informando seus dados cadastrais, para que a mesma seja enviada à empresa administradora para análise de crédito. Aprovada a proposta, a administradora enviará ao titular um cartão de plástico, 42 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Op. Cit. p. 80. 43 “Contrato bilateral é aquele cujas obrigações das partes são correspectivas e interdependentes, ligadas de tal forma que a obrigação de uma parte encontra sua razão de ser na da outra, e vice-versa, havendo onerosidade para ambas” (BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Ibidem. p. 87-88) 44 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Op. Cit. p. 67-68 30 com o nome do titular, a logomarca do emissor, data de validade, tarja magnética e painel de assinatura.45 Devendo o titular assinar o cartão de crédito, assim que receber, para que possa utilizar dos benefícios, ou seja, adquirir bens e/ou serviços em estabelecimentos filiados a administradora, bem como saques em dinheiro, em se tratando de cartão de crédito bancário. Ao analisar a relação administradora e titular, Gerson Luiz Carlos Branco conclui que: A relação estabelecida entre o titular e a administradora constitui um contrato atípico, em que há uma abertura de crédito em favor do titular, o estabelecimento de uma prestação de serviço de caixa pela administradora, num mandato outorgado pelo titular para o financiamento (nos contratos bancários) e seus credenciamento no sistema, pelo que recebe um cartão de identificação, com o qual poderá utilizar-se dos benefícios estabelecidos contratualmente.46 As administradoras acabam tendo variadas formas de adesão, sendo uma delas o envio de um cartão de crédito ao titular, sem mesmo que este tenha previamente solicitado, tendo a validade com a assinatura no aviso de entrega do cartão. Também efetiva-se a adesão, no caso dos cartões múltiplos47, através da assinatura da proposta de abertura de conta corrente ou pela utilização do 45 Contrato dos Cartões de Crédito e Débito. Banco Santander. III Formas de Adesão. 46 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Op. Cit. p. 86 47 Cartões Múltiplos compreende o Cartão que possui funções de Crédito e de Débito no Brasil e/ou no Exterior, em único plástico, e é de uso exclusivo de correntistas do emissor. 31 cartão em qualquer de suas funções (compras, saques, consultas, etc.), também pelo pagamento da fatura mensal, pelo desbloqueio do cartão, etc.48 O emissor tem como dever enviar o cartão ao titular, atribuindo-lhe um limite de crédito em moeda corrente nacional, pagando as despesas feitas pelo titular com o uso do cartão, dentro de um certo limite, estabelecido pela mesma, tendo o direito de ser reembolsado pelo titular, após remessa periódica da liquidação dos gastos junto aos fornecedores.49 Conforme Nelson Abrão, afirma que: [...], em troca da retribuição anual que lhe paga o titular, o emissor lhe fornece o cartão, mantém a sua disposição um serviço de caixa, a fim de pagar as despesas tidas com o uso do cartão, eventualmente pode habilitá-lo a saques em dinheiro em suas agências, além de credenciá-lo à aquisição de bens e serviços junto a fornecedores determinados.50 A taxa de anuidade é cobrada pela inclusão e permanência do titular ao sistema de cartão de crédito. Está, normalmente, preestabelecida no contrato de adesão, e correspondeà retribuição dada à administradora pelo pagamento das despesas efetuadas pelo titular, e por outros benefícios concedidos pelo sistema. São considerados como benefícios do titular, a realização de compras de bens e serviços em estabelecimentos filiados, e até mesmo saques em dinheiro, desde que dentro dos limites estabelecidos pela administradora. 48 Contrato dos Cartões de Crédito e Débito. Banco Santander. III Formas de Adesão. 49 ABRÃO, Nelson. Direito bancário.1999. p. 138 50 ABRÃO, Nelson. Op. cit. p. 144-145 32 Tendo o titular a obrigação de assinar o cartão no ato de seu recebimento, bem como, os comprovantes de venda ou saque, podendo ser assinatura eletrônica (senha)51 ou de arquivo (transações via telefone), devendo o mesmo pagar os extratos remetidos, mantendo a administradora sempre informada quanto a perda, roubo/furto, atualização de endereço, bem como a utilização do crédito dentro do limite estabelecido. 6.2 Administradora e Fornecedor Nesta relação a administradora de cartões de crédito e o fornecedor se consuma com o contrato firmado entre eles, denominado de “contrato de filiação”. Pelo qual se obriga a pagar as despesas efetuadas pelo titular, tendo esse contrato duração determinada, podendo ser renovado por duração tácita. É o estabelecimento credenciado, seja ele nacional ou estrangeiro (internacional), que está autorizado a aceitar os cartões de créditos emitidos pela administradora, conforme Gerson Luiz Carlos Branco: Fornecedor é qualquer pessoa que preste serviços ou tenha produtos à venda e que esteja cadastrado, filiado ao sistema. É ele quem prestará os serviços ou mercadorias ao titular, tornando-se credor da administradora das importâncias equivalentes ao valor dos bens consumidos, pagos por meio do cartão.52 51 Designa-se a relação numérica, de quatro ou mais algarismos, de conhecimento exclusivo do usuário do cartão e que lhe permite realizar uma série de operações ou desfrutar de uma gama variada de serviços, digitando-os na máquina ou terminal de computador. 52 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Op.cit. p. 81-82 33 Conforme Alcio Manoel de Souza Figueiredo o fornecedor ao celebrar o contrato com a administradora fica obrigado: a vender mercadorias ou prestar serviços aos portadores de seus cartões, nas mesmas condições do consumidor que compra à vista. Por sua vez, deve a administradora pagar ao fornecedor os bens ou serviços pagos através do cartão.53 Gerson Luiz Carlos Branco, determina a relação deste contrato como: Constitui também um contrato atípico, misto, no qual se estabelece que o fornecedor aceitará como meio de pagamento de bens e serviços a apresentação dos cartões sem aumento das despesas, dando quitação, e pagará taxa à administradora (normalmente de 5% a 10%), que por outro lado, será encarregada de encaminhar fregueses (prestação de serviços) e pagar as notas apresentadas (sub-roga-se nos direitos do fornecedor), assumindo os riscos da cobrança contra o titular, desde que dentro dos limites permitidos.54 Baseada na Moema Augusta Soares de Castro, discorre que a relação contratual entre administradora e fornecedor é: O contrato que une entidade emissora e fornecedor aderido é chamado de contrato de filiação, e nele estão elencadas as obrigações, principalmente as do fornecedor, como a aceitação da retenção da comissão pelo emissor nas vendas efetuadas por aquele mediante o uso dos cartões de crédito. É também um contrato de adesão, visto que as condições para a aceitação do fornecedor são impostas pela entidade emissora. O contrato de filiação é bilateral, pois cria obrigações para ambas as partes.55 Para perfectibilizar o contrato, o fornecedor recebe da empresa administradora uma máquina – chamada de “estação”, quando interligada à 53 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Op. Cit. p. 34 54 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual do cartão de crédito. 1998. p. 95 55 CASTRO, Moema Augusta Soares de. Cartão de crédito. 1999. p. 74 34 rede on-line, que expedirá comprovantes de venda e depósito eletrônicos; - se não estiver interligada à rede, denominar-se-á “maquineta”, e, neste caso, os comprovantes de venda e os resumos de operação serão manuais. A empresa administradora poderá, em alguns casos, cobrar taxa de aluguel dos equipamentos de sua propriedade, desde que seja de prévio conhecimento do fornecedor. Neste sentido, Nelson Abrão, disciplina que: O emissor assina um contrato com o fornecedor, pelo qual se obriga a pagar as despesas efetuadas pelo portador, até um certo montante, independentemente de falta de provisão, insolvência ou oposição do titular do cartão. Como o uso deste só pode ser feito perante um rol de fornecedores selecionados, incumbe ao emissor indicá-los aos futuros compradores. Esse contrato entre o emissor e o fornecedor tem uma duração determinada, sendo, entretanto, admissível a renovação por recondução tácita.56 Em relação aos deveres do fornecedor, Nelson Abrão tem em vista que: O fornecedor se obriga a aceitar os cartões efetuando as vendas ou prestação de serviços, sem qualquer acréscimo no preço, dando quitação ao portador, no ato em que este assina a nota de venda ou serviços. Cede seu crédito ao emissor, que o recebe do portador do cartão. Pelos serviços prestados pelo emissor, tais como indicação de fregueses e pagamento dos débitos do titular do cartão, o fornecedor lhe paga uma comissão. Cumpre ao fornecedor verificar a validade e autenticidade do cartão.57 Conforme os doutrinadores Gerson Luiz Carlos Branco58 e Fausto Pereira de Lacerda Filho59 consideram que o melhor tratamento a ser dado 56 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 2002. p. 174. 57 ABRÃO, Nelson. Ibidem. P. 175 58 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Op. Cit. p. 95 59 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Op. Cit. p. 68 35 para esta relação diz respeito às regras relativas à estipulação em favor de terceiro, conforme artigo 436 e 437 do Novo Código Civil60, pois a relação “não deriva de um contrato cujo adimplemento é o fim da relação, não advém de um contrato originário, mas sim da execução de outro sistema.”61 Após a assinatura do contrato, onde especificadas as obrigações assumidas por ambas as partes, administradora e fornecedor, para inclusão dos estabelecimentos filiados ao sistema dos cartões de crédito, fica o fornecedor com a obrigação de verificar a autenticidade da assinatura do titular, bem como a validade do cartão, confirmar com a administradora a autorização para compra ou prestação de serviços, expor cartazes informando a quais administradoras está filiado o seu estabelecimento, etc. 6.3 Fornecedor e Titular Vincula-se a um contrato de compra e venda ou prestação de serviço, tratando-se de um negócio típico regulado pelas normas do Código Civil Brasileiro e do Código do Consumidor. Enfatiza Marília Benevides Santos que: Formar-se-ia, portanto, em princípio, um contrato de compra e venda ou prestação de serviços, figurando o titular do cartão como comprador-credor e o fornecedor como vendedor-credor. 60 “Artigo 436 – O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação. Parágrafo único – Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante o não inovar nos termos do artigo 438.” “Artigo 437 – Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato,se deixar o direito de reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor.” 61 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Op. cit. p. 68. 36 Não ocorre tal configuração, contudo, no Sitema do Cartão de Crédito havendo uma substancial alteração nas relações entre as partes (credor e devedor), em razão de que a utilização do cartão, aciona o seu mecanismo, fazendo surgir um terceiro na relação operacional: o emissor. (...) Observa-se então, que o pagamento do preço, que deveria ser feito pelo comprador (titular do cartão), será de responsabilidade do emissor. Ficando, este, devedor do vendedor (fornecedor) e credor do comprador (titular do cartão).Entretanto, essa modificação, proveniente do Sistema de Cartão, não descaracteriza a compra e venda ou prestação de serviço realizada entre as partes, sendo totalmente compatível.62 Pois a compra e venda caracteriza-se por uma prestação de serviço, mediante ao pagamento em dinheiro, moeda corrente, independente de como se realiza, exaurindo para ambas as partes a relação com a extinção do vínculo obrigacional, ou seja, com entrega da coisa e o recebimento do preço. O pagamento via cartão de crédito é necessário que o titular entre em contato, ou dirija-se a alguns dos estabelecimentos conveniados à empresa emissora do seu cartão. O fornecedor, ou vendedor, deverá receber o cartão e identificar o usuário. O titular, ou comprador, deverá assinar uma nota de despesa63 cujo objetivo é certificar o emissor da ciência, e da autorização do usuário no momento da transação. Ao titular cabe assinar a nota que discrimina os seus gastos, e respeitar o limite de seu crédito estabelecido pela administradora. O fornecedor necessita verificar as condições do cartão, ou melhor, se o cartão está ativo, se confere a assinatura do titular na nota de despesa, se a 62 SANTOS, Marília Benevides. Op. Cit. 77-78 63 Designa-se o documento comprobatório da realização de determinada operação de compra e venda de mercadoria ou de prestação de serviços entre o usuário e o fornecedor. 37 transação obedece ao limite do titular, e também deve entregar a mercadoria cobrando o preço de uma operação paga à vista. Esclarece Gerson Luiz Carlos Branco, quanto a sua quitação: A quitação, para todos os efeitos, é um atestado de que o fornecedor recebe o valor da venda como pagamento, com caráter definitivo, sem condição resolutiva ou suspensiva, tanto que o pagamento á aceito como pagamento integral não podendo o credor beneficiar-se da retenção facultada pelo artigo 1130 do Código Civil64 65 Ressalvando Gerson Luiz Carlos Branco que: “Na realidade, o fornecedor satisfaz no ato as exigências do comprador, como se o cartão moeda fosse, com a diferença de que, com sua aceitação, o vendedor constitui a administradora automaticamente em devedora.”66 Considerar a operação como à vista é a melhor forma de impedir que o fornecedor cobre preços diversos para produtos e serviços pagos com cartão de crédito. Por outro lado, acaba-se, também, por impossibilitar o titular de reter o pagamento das despesas, caso o fornecedor não satisfaça completamente sua obrigação, faculdade permitida pelo artigo 476 e477 do Novo Código Civil Brasileiro.67 64 Conforme o artigo mencionado pelo o autor supra citado, corresponde ao artigo 491 do Novo Código Civil Brasileiro que rege “Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa, antes de receber o preço.” Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. 65 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual do cartão de crédito. 1998. p. 99 66 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Ibidem. p. 99 67 “ Artigo 476 – Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro. Artigo 477 – Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual 38 No que tange a apreciação do pagamento a prazo, determina Gerson Luiz Carlos Branco como: “algo injustificável juridicamente em face do próprio sentido da existência do cartão, que é ser meio de pagamento, substitutivo do dinheiro ou cheque.”68 Assim, conclui o autor que: “entender o pagamento com cartão como operação a prazo em razão dele ser posterior às despesas é desconhecer o papel da administradora como intermediária.”69 Para o autor, o cartão de crédito não deve ser julgado como meio de pagamento de um ponto de vista jurídico, uma vez que o pagamento realizado pelo titular à administradora é em momento posterior. Pode ser economicamente considerado como meio de pagamento, porém, juridicamente, envolve uma concessão de crédito. Deste entendimento, conclui-se que a forma de pagamento com cartão de crédito deve ser “pro soluto”, mesmo que haja necessidade de pagamento posterior do consumidor para a administradora. A obrigação do titular para com o fornecedor esgota-se no ato da assinatura da nota de despesa, e mesmo que se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.” 68 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Op. Cit. p. 100 69 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual do cartão de crédito. 1998. p. 100 39 a administradora se torne insolvente, o fornecedor não poderá voltar-se contra o titular, devendo perseguir seu crédito contra a administradora. Reputa-se que o único caso em que o fornecedor pode perseguir o titular ocorre quando ambos violam deveres contratuais. Por exemplo, se o consumidor extrapolar o limite de crédito que possuir, ou se utilizar de cartão não mais habilitado no sistema, e esta infração ocorrer em razão da negligência do fornecedor, este não poderá solicitar o ressarcimento do prejuízo junto da administradora, pois esta não terá obrigação pagamento das despesas. Se o inadimplemento for apenas por parte do titular, a administradora deverá persegui-lo para adimplir o pagamento da fatura, pois não ficará isenta do pagamento ao fornecedor, já que o objetivo do contrato de cartão de crédito é afastar os riscos de inadimplência. Admite Fausto Pereira Lacerda Filho que: Com o entrosamento entre o usuário e o fornecedor, na realidade, comprador e vendedor, completa-se o circuito, mobilizando-se o crédito previamente aberto e coordenando-se as relações em face da entidade emissora, dando funcionalidade ao sistema.70 E prossegue: [...] as obrigações e direitos então originados, serão, em princípio, as que constituirão o fechamento do circuito, consistindo, basicamente, no respeito aos preços ofertados ao público em geral e em igualdade de condições e tratamento que se deve dispensar ao usuário do cartão e ao comprador 70 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Cartão de Crédito. 1990. p. 68 40 que paga em dinheiro e à vista, ressalvada a hipótese de vendas promocionais ou “liquidações.71 Quanto ao usuário o autor trata como: Não poderá mais ser demandado pelo fornecedor no que diz respeito ao pagamento da compra, a não ser na hipótese em que o cartão tenha sido incluído na “lista negra” e o comerciante, não se apercebendo disso, não obtém o pagamento por parte da emissora, já que ter-se-á configurado infringência contratual de sua parte e somente imputável a si. O comerciante, então, agirá como que detendo um direitoregressivo contra o usuário.72 Para que se possam configurar as obrigações próprias do sistema, cabe ao comerciante entregar uma cópia da nota, correspondente à operação efetuada ao usuário, e outra cópia à emissora do cartão (administradora). Deste modo, o fornecedor realiza uma operação fundamental para a posterior exigência, pelo emissor, do pagamento do preço ao usuário – recendo o cartão do portador, identificando-o, verificando junto à administradora o limite de crédito e a autorização para a realização da compra e venda ou da prestação de serviços. 6.4 Instituição Financeira A última relação que pode ocorrer, no sistema de cartão de crédito é quando se verifica a participação da instituição financeira que torna o sistema contratual dos cartões de crédito um instituto plurilateral. 71 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Ibidem. p. 68 72 LACERDA FILHO, Fausto Pereira, Cartão de crédito. 1990. p. 69 41 A instituição financeira proporciona ao usuário maiores opções para o financiamento de seu débito, além de tornar viáveis os saques em moeda corrente, quando lhe aprouver. Para Nelson Abrão a instituição financeira se classifica em pública e privada, ou seja: O que a Lei nº 4.595/64 assim denomina, empregando o gênero pela espécie, são os bancos públicos, mantidos pelos Governos Federal ou estaduais, encarregados da execução da política creditícia dos respectivos Governos, se bem que os não federais ficam sujeitos às disposições relativas às instituições financeiras privadas, além de se dedicarem às operações dos bancos comerciais comuns.73 Quanto a instituição financeira privada: Finalmente, compõem o Sistema Financeiro Nacional, implantado pela Lei nº 4.595/64, as instituições financeiras privadas, destacando-se, entre elas, os bancos comerciais em geral, constituídos obrigatoriamente sob a forma de sociedade anônimas. Compreende, também, as cooperativas de crédito, que possuem forma jurídica própria[...].74 Dentro desta linha de abordagem, no que toca às instituições financeiras, a Lei de Reforma Bancária (4.595/64), em seu Artigo 17, caracteriza com mais exatidão:75 Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou 73 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 2002. p. 44 74 ABRÃO, Nelson. Ibidem. p. 45 75 FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro produtos e serviços. 1998. p. 12 42 de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. E complementa, em seu parágrafo único: “Para os efeitos desta Lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.” Segundo Eduardo Fortuna a instituição financeira tem como função: financiar bens de consumo duráveis por meio do popularmente conhecido “crediário” ou crédito direto ao consumidor. (...) Por se uma atividade grande risco, suas operações passivas não podem ultrapassar o limite de 12 vezes o montante de seu capital realizado mais as reservas. Está também limitada à sua responsabilidade direta por cliente.76 Esta relação ocorre através da outorga pelo titular à administradora de uma cláusula-mandato, concedendo poderes à administradora do cartão de crédito, em nome do titular do cartão, para negociar e obter crédito junto às instituições financeiras no Brasil e no Exterior, sendo a administradora fiadora, avalista e principal pagadora do financiamento obtido.77 76 FORTUNA, Eduardo. Ibidem. p. 25 77 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de crédito questões controvertidas. 2001. p. 43 43 6.5 Extinção do Contrato A extinção contratual poderá ocorrer a qualquer momento entre as partes, pois trata-se de um contrato bilateral, por tempo determinado, admitindo-se a renovação por recondução tácita. Quando a iniciativa de rescisão partir do titular, ou fornecedor, pelo motivo de não gozar mais da confiança do emissor, por não cumprir suas obrigações, como também a morte, interdição e falência os mesmos ficam obrigados a dar quitação ao saldo devedor. Quando por iniciativa do emissor, o contrato pode ser cancelado até mesmo sem qualquer notificação, pelo motivo do titular descumprir alguma das cláusulas do contrato, quando fornecer informações invertidas ou insuficientes em seu cadastro, quando praticar atos dolosos, visando o prejuízo do emissor, bem como, se houver alguma alteração negativa no perfil creditício do titular. Pelo motivo do fornecedor quando ocorrer o requerimento, ou a decretação de falência, ou a sua declaração de insolvência. A extinção do contrato para Fran Martins, ocorre quando: [...] Pode, entretanto, o contrato ser denunciado, a qualquer tempo, por iniciativa de qualquer das partes. Um período suplementar, posterior à denuncia do contrato, pode ser estabelecido, durante o qual o fornecedor, mesmo que haja pedido de rescisão do contrato, se obriga a aceitar os cartões do sistema, ficando, naturalmente, com o direito de receber do emissor as despesas dos clientes. Também é motivo de 44 extinção do contrato a falência ou concordata do emissor ou do fornecedor.78 O contrato de cartões de crédito é sempre feito por prazo determinado, renovável periodicamente, e assim se extingue quando atingido esse prazo e não renovado. Pode, porém, extinguir-se, antecipadamente, pela vontade unilateral de cada uma das partes, sem necessidade de justificação. O emissor pode, ainda, cancelar o cartão, dando por findo o contrato, se forem violadas cláusulas contratuais, como, por exemplo, quando o cartão é usado indevidamente e quando o titular não paga, na época convencionada, as despesas feitas.79 Para Nelson Abrão a extinção do contrato não prejudica o direito adquirido de terceiros (fornecedores): “[...] que devem ser pagos pelo emissor, se anteriormente feitas as aquisições; o mesmo ocorre se o uso do cartão foi feito posteriormente à resilição, se esta não foi oportunamente notificada ao fornecedor.”80 Deve-se salientar que, quaisquer destes contratos são celebrados por tempo determinado, se nenhuma das partes opor a resilição do contrato, este prossegue, pelo mesmo período. 78 MARTINS, Fran. Cartões de crédito natureza jurídica. 1976. p. 87 79 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais.2002. p. 523 80 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 2002. p. 177 45 7 NATUREZA JURÍDICA Foi em 1975, o Instituto dos Advogados Brasileiros elaborou um anteprojeto de lei sobre os cartões de crédito, a ser encaminhado ao Ministério da Justiça.81 Conforme tópico da indicação apresentada ao Instituto dos Advogados Brasileiros pelo Jurista Othon Sidou, um dos autores, conforme transcrito pelo Waldirio Bulgarelli: É de todos conhecida a instabilidade no atinente aos cartões de crédito no Brasil. Ora são os postos de gasolina que se recusam a honrá-los; ora são os hotéis e as companhias de aviação, inopinadamente, do dia para noite que decidem não os acolher. E sempre as mesmas alegativas: demasia da taxa cobrada, liqüidação morosa, desorganização de serviços, alegativas que, se procederem , não interessam absolutamente ao usuário, que pagou pelo cartão ou que o recebeu por direito de cliente do banco e que aderiu a um típico contrato de promessa de fato de terceiro. Um viajante chegaa um hotel ou restaurante catalogado entre os que operam com o cartão de que é portador; ao pedir a conta, é-lhe recusado tal tipo de liquidação sob alegativa de que o estabelecimento deixou de operar sob essa modalidade; ou que está operando com outro cartão. O mesmo viajante, longe do seu domicílio, já desmonetizado porque transferiu o numerário para o seu destino por não convir levá-lo no bolso, dirige-se, no aeroporto, à empresa de aviação de que há bem pouco se servira através do cartão, e é surpreendido com a recusa, por motivo semelhante. São situações encontradiças, que deixam o consumidor em desespero, quando menos sob condição vexatória. [...] Já é tempo de dar-se um ponto final no crédito de confiança que as autoridades monetárias abriram às empresas responsáveis pelos cartões de crédito. Ponto final que se traduza na edição de uma lei na qual se estipulem os direitos da empresa de cartões de crédito, os direitos das empresas que com elas contratarem a prestação de serviço (se contrataram é porque tiram vantagens no estipulado), e os direitos do consumidor, afinal o único, desse triângulo negocial, que a nenhuma regulamentação pública faz deixar à margem de qualquer direito.82 81 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 2002. p. 524 82 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 1997. p. 652 46 Pecando o anteprojeto pelo fato de se referir apenas aos cartões de crédito bancários, ficando empresas emissoras sujeitas à fiscalização do Banco Central, mesmo hoje pela tendência dos cartões de créditos serem emitidos pelas instituições bancárias, não podemos esquecer da existência dos cartões de crédito não-bancários, bem como a possibilidade de sua criação. Existe uma grande dificuldade em conceituar este instituto através de outros institutos já tradicionais do direito, por se tratar de negócio jurídico complexo, pois de um lado possui uma unidade econômica, e por outro, uma atipicidade, ou seja, multiplicidade jurídica. A unidade econômica, conforme mencionada, verifica-se facilmente, pois vincula-se as obrigações de pagar com cartão e a prestação. Juridicamente não há correspondência a esta unidade, pois mesmo havendo ligação entre todos os pontos deste sistema contratual, no momento em que se necessita resolver conflitos dele decorrentes, o que se pode ver é uma análise restrita de uma relação bilateral, sem visualizar os efeitos do sistema como um todo. Conforme os doutrinadores, Fausto Pereira de Lacerda Filho, Moema Augusta Soares de Castro, Fran Martins, Marília Benevides Santos e outros, para conceituar a natureza jurídica dos cartões de crédito necessita-se comparar entre os institutos jurídicos pré-existentes, verificando as divergências entre eles, conforme a seguir: 47 7.1 Título de Crédito O título de crédito tem como características fundamentais a literalidade, autonomia, legitimidade, abstração, e suficiência para circulação, faltando aos cartões de crédito tais características. O cartão de crédito não realiza as funções de legitimação e circulação típicas dos títulos de crédito. Sendo mero documento de identificação, considerado ainda incompleto, pois trata-se de um simples cartão sem fotografia. Tendo apenas a comprovação que o titular possui crédito aberto no mercado, estando autorizado a usufruir do crédito em suas transações. Quanto ao princípio da cartularidade (ao dever de pagar implica o dever de entregar o título a quem pagou), indispensável para os títulos de crédito, o entendimento dos doutrinadores é de que este também não se perfectibiliza no sistema de cartão de crédito. Segundo Moema Augusta Soares de Castro, o direito ligado ao cartão surge e é comprovado pela relação contratual travada entre as partes. O cartão “é o meio comprobatório da celebração deste contrato”83, mas não representa toda complexidade do sistema em si. Gerson Luiz Carlos Branco preleciona: Se, por um lado, o cartão legitima o titular a exercer seu direito de crédito, esta legitimidade não depende unicamente do documento, sendo vinculada a uma relação contratual anterior. 83 CASTRO, Moema Augusta Soares de. Cartão de crédito. 1999. p. 81 48 Nesse sentido, enquanto todas as intervenções nos títulos de crédito são unilaterias, pelo que abstratas e autônomas, no cartão de crédito dito cada operação é realizada através de um negócio jurídico bilateral, que tem como causa um contrato anterior.84 Quanto ao princípio da legitimidade nos títulos de crédito, esta vinculada ao direito do titular ou portador, e somente deste, de exigir o cumprimento de uma obrigação, sendo o diverso do sistema de cartões de crédito, em que a legitimidade fica comprovada pela identificação do solicitante ou titutar do cartão, tendo doutrinariamente o seguinte entendimento: [...] enquanto no cartão de crédito aquele que o utiliza nem sempre é o integrante do sistema, pois podem ser emitidos cartões para uso de terceiros, recaindo a responsabilidade ante o titular, integrante do sistema, nos títulos de crédito, para que alguém possa assumir obrigações por outrem, há necessidade de um endosso-mandato, com conseqüências jurídicas extremamente distintas. Se não há cartularidade, quanto mais literalidade, autonomia e abstração, resultando em não constituir um título de crédito.85 Para Fausto Pereira de Lacerda Filho, contrariamente de outros doutrinadores, dispõe que: Com relação à legitimação, pensamos que o cartão de crédito efetivamente, legitima o seu portador. A assinatura aposta pelo portador sobre o mesmo, no momento da emissão, é confrontada com a que se lança na fatura no momento em que se realiza o negócio jurídico de compra e venda ou a prestação de serviço, configurando-se, assim, o seu direito de comprar a crédito. Esta, no nosso entender, a única característica que o cartão possui que o poderia assemelhar-se aos títulos de crédito.86 84 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual do cartão de crédito. 1998. p. 42 85 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Ibidem. p. 42. 86 LACERDA FILHO, Fausto Pereira, Cartão de crédito. 1990. p. 84 49 A única semelhança que se pode atribuir entre o cartão de crédito e o título de crédito, diz respeito à existência da assinatura na nota fiscal fatura, ou nota de despesa. Sendo que nesta nota, a assinatura tem o intuito de identificação, mesmo que represente uma declaração de vontade. Além disso, a mesma não é transferível, nem possui autonomia, ou abstração. 7.2 Cessão de Crédito Conforme Caio Mário da Silva Pereira, considera-se cessão de crédito como: [...] negócio jurídico em virtude do qual o credor transfere a outrem a sua qualidade creditícia contra o devedor, recebendo o cessionário o direito respectivo, com todos os acessórios e garantias. É uma alteração subjetiva da obrigação, indiretamente realizada, porque se completa com uma transladação da força obrigatória, de um sujeito ativo, mantendo-se em vigor o vinculum juris original.87 Conceber o contrato de cartão de crédito como contrato de cessão de crédito é admitir que há neste instituto a substituição do credor originário (fornecedor), pelo cessionário (entidade emissora do cartão), e que a administradora sub-roga-se no direito de crédito do fornecedor contra o usuário do cartão. Para Fausto Pereira de Lacerda Filho não há a possibilidade de haver uma cessão de crédito, conforme: 87 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Contratos. 1999. p. 179 50 Note-se que se osportadores de cartões não realizarem negócios jurídicos com os comerciantes aderidos ao sistema, a cessão de créditos que estes realizam às entidades emissoras não se efetiva. Dito de outro modo, cedem-se créditos sobre negócios jurídicos que não existem, o que, no nosso entender, é inadmissível face à nossa legislação. (...) Ora, se não houve negócio, não há crédito e, por conseguinte, não pode haver sua cessão.88 Gerson Luiz Carlos Branco entende que a cessão de crédito é, dentre as concepções tradicionais, a que mais se assemelha e se enquadra no sistema de cartões de crédito, isto porque, mesmo que neste sistema existam vários contratos distintos entre as partes, é um contrato de cessão de crédito que realiza a ligação entre estes contratos. Apesar de serem distintos os contratos particulares entre as três partes, é um contrato de cessão que os une. Algumas cláusulas regulamentares garantem a ligação entre os contratos, resultado na possibilidade do direito de exceção do titular em face da administradora.89 O autor supra citado critica em relação ao enquadramento do sistema como uma mera cessão de crédito, é no sentido de que nesta análise, não se considera “a relação fundamental, que detona o sistema, que é a relação titular/fornecedor”90. Assim, nesta concepção não se permite avaliar o sistema como um todo, visualizando somente à posição da emissora do cartão que substitui o usuário no pagamento das suas despesas, e substitui também o fornecedor na cobrança das despesas realizadas pelo usuário. 88 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Cartão de crédito. 1990. p. 88 89 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual do cartão de crédito. 1998. p. 45 90 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual do cartão de crédito. 1998. p. 46 51 Para Fran Martins é perfeitamente aceitável o entendimento da natureza jurídica dos cartões como cessão de crédito. O autor fundamenta seu entendimento nos seguintes termos: Tomando-se por base os cartões de crédito, verifica-se que as obrigações do emissor justificam a operação como uma cessão de crédito. Assim, o titular, através de um contrato feito com o emissor, se obriga a pagar a este os débitos que fizer com o uso do cartão, valendo essa obrigação como o conhecimento que o titular tem de que o seu débito será transferido ao emissor, fato esse reafirmado no contrato do emissor com o fornecedor, quando este se obriga a não cobrar do titular os débitos por estes contraídos com o uso do cartão.91 Fran Martins, em sua análise, considera a natureza jurídica de cartões de crédito não-bancários. Além disso, somente admite a cessão de crédito como natureza jurídica na relação entre o organismo emissor e o fornecedor. Nesta relação o emissor paga a dívida do titular para o fornecedor, e posteriormente tem o poder de cobrar a dívida do titular. 7.3 Contrato de Mandato O contrato de mandato tem como conceito, segundo Waldirio Bulgarelli: “[...]quando um comerciante confia a outrem a gestão de um ou mais negócios mercantis obrando o mandatário e obrigando-se em nome do comitente. [...].92 91 MARTINS, Fran. Cartões de crédito natureza jurídica. 1976. p. 126 92 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 2000. p. 471 52 A natureza jurídica do cartão do crédito como um contrato de mandato, deve-se considerar que tanto os usuários, quanto os fornecedores delegam funções à entidade administradora. Os usuários delegam o poder de pagar os débitos frente aos fornecedores, pois proporcionam à administradora o poder de adquirir em seu nome crédito junto à instituições financeiras. Já os fornecedores delegam à administradora a função de cobrança das despesas que os usuários realizam nos seus estabelecimentos. Não se pode conceber a natureza deste instituto, como um contrato de mandato, visto que estaria completamente desconfigurado, pois o papel da administradora neste instituto é de intermediar e facilitar a aquisição de produtos ou serviços por meio do cartão de crédito, e não atuar como mandatária. Se a administradora paga as despesas do titular para os fornecedores, é porque futuramente será reembolsada, o que não acontece no contrato de mandato. No contrato de mandato não há qualquer reembolso, pois o mandatário age em nome dos interesses do mandante. Além disso, o valor pago aos fornecedores é deduzido de uma comissão que consiste na remuneração da administradora, o que também não se enquadra no instituto do mandato. Esta remuneração é referente a participação do fornecedor na cadeia de estabelecimentos credenciados que o organismo emissor possui. Conforme Fausto Pereira de Lacerda Filho, quanto o contrato de mandato: 53 “[...]o mandato teria sempre uma característica isolada, de atendimento a um caso específico, o que não acontece com o cartão, dada a multiplicidade de seu uso.”93 A administradora assume os riscos do pagamento das dívidas, como se as dívidas tivessem sido adquiridas por ela mesma, e realiza o pagamento em seu próprio interesse de acordo com o dever que assumiu com o fornecedor. No contrato de mandato o mandatário não age por interesse próprio, mas simplesmente representa o mandante cumprido com suas obrigações. O instituto do mandato não dá respostas aos questionamentos como a oponibilidade de exceções e aos conflitos pela responsabilidade por fato e vício do produto ou serviço, pois no mandato o contrato é meramente de epresentação, enquanto no instituto do cartão de crédito, existem múltiplas relações jurídicas a serem analisadas. Segundo Gerson Luiz Carlos Branco, dispões: É concepção centrada em demasia nas regras de direito comercial, deixando de lado a consideração de que o sistema contratual do cartão de crédito é constituído por um conjunto de relações de consumo, com identidade e autonomia intrínsecas não resolvidas pela idéia da delegação de poderes.94 O que mais se assemelha ao mandato no sistema de cartão de crédito é a delegação de poderes do titular para a administradora para que esta o vincule perante as instituições financeiras. 93 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Cartão de crédito. 1990. p. 92 94 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual do cartão de crédito. 1998. p. 44 54 7.4 Natureza Jurídica Propriamente Dita Por não haver no sistema tradicional qualquer instituto que se enquadre perfeitamente na complexidade do cartão de crédito, considera a doutrina um sistema95 contratual. A natureza jurídica deste instituto é mista, assim como, o contrato de cartão de crédito é um contrato misto. É uma congregação de relações jurídicas complexas e convergentes, pois integradas para a realização de um fim comum. A falta de qualquer uma destas relações torna sem efeito a existência das demais relações do instituto.96 Pode-se considerar o sistema de cartão de crédito como uma combinação de contratos com o objetivo de facilitar a aquisição de bens ou serviços. A definição a ser dado para este instituto do cartão de crédito, segundo Fausto Pereira de Lacerda Filho, é a chamada teoria da emancipação: Pela teoria da emancipação, os contratos inominados seriam resultado da combinação de elementos que criam, por meio de usos e costumes, novas figuras contratuais completamente dissociadas e distintas daquelas tradicionalmente reguladas. O intérprete, então, deve lançar mão dos princípios gerais dos contratos e, procedendo a estudos analógicos, aplicar as normas do(s) contrato(s) nominado(s) que mais se assemelhem à figura analisada, sem, contudo, perdê-la de
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