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m ~ o ~ o:JJ (: :: -- -: :~ \ ~ ~ m i> ~ ~ (f l< r r ~ ~ S ,, (f lm 1 :1 ,< _: :- .. .. :: .. :. .. -= .: :: ;- "P ~ ~ :J J mcnm Z r I( ) 1 > o ~ c _o 1 > C J) :J J -l Z » cn '- /? / "' T I ,. .- + o :T z C -l m C J) cn C J) C 'D "" "" I Título original IDEOLOGIE ET APAREILS IDEOLOGIQUES D'ETAT © Copyrightby La Pensée Traduçãode JoaquimJosé de MouraRamos Reservadostodosos direitos paraa línguaportuguesaà EditorialPresença,L.da Rua AugustoGil, 35-A- 1000LISBOA li i I I! t IDEOLOGIA E APARelHOS IDEOlóGICOS DE ESTADO 1 (Notas para uma investigação) 1 O presentetextoéconstituídopor doisextractos de um estudoem curso.O autor não quis deixar de os intitular «Notas para uma investigação». As ideias exposta.<;devemser consideradasapenascomo intro- duçãoa uma discussão.(N. D. R.). SOBRE A REPRODUÇÃO DAS CONDiÇÕES DA PRODUÇÃO Precisamosagoradedelimitaralgoqueape- nasentrevimosna nossaanálise,quandofalá- mos da necessidadede renovaçãodos meios deproduçãoparaquea produçãosejapossível. Trata-seapenasdeumaindicaçãodepassagem. Vamosagoraconsiderá-Iapor si mesma. ComoMarx dizia,atéumacriançasabeque se umaformaçãosocialnão reproduzas con- diçõesdaproduçãoaomesmotempoqueproduz não conseguirásobreviverum anoqueseja1. A condiçãoúltima da produçãoé portantoa reproduçãodas condiçõesda produção.Esta 1 Carta a Kugelmann,11-7-1868,(Lettres sur 1e le Capital, Ed. Sociales,p. 229), 9 podeser «simples»(reproduzindo'apenasas condiçõesda ,produçãoanterior)ou «alargada» (aumentando-as).Por agora,deixemosdeparte estaúltimadistinção. Queé entãoa reproduçãodas cOMiçõesda produção? Vâmosentrar num domÍinioque nos é ao mesmotempomuito familiar (a partir do Liyro II do Capital) esingularmentedesconhe- cido.As evidênciastenazes(evidênciasideoló- gicasde tipo empirista)do pontode vistada produção,isto é, do 'pontode vista da simples práticaprodutiva (ela própria abstractaem relaçãoaoprocessodeprodução),estãodeta,l maneiraembutidasnanossa«,consciência»quo- tidiana,queé extremamentedifícil, para~_não dizerquaseimpossível,elevarmo-nosao ponto de vistada reprodução.No entanto,fora deste pontodevista,tudopermaneceabstracto(mais queparcial: deformado)- não só ao nívelda produçãocomo,e principalmente,da simples prática. Tentemosexaminaras coisascommétodo. Para simplifi.cara nossaeXiposição,e se considerarmosquetodaa formaçãosocialre- levadeummododeproduçãodominante,pode- mosdizerqueo processode produçãopõeem 10 movimentoforças produtivasexistentesem (dans et 80US)relaçõesde produçãodefinidas. Dondese segueque,para existir, toda a formaçãosodaldeve,aomesmotempoquepro- duz,e parapoderproduzir,reproduzirascondi- çõesda sua produção.Deve!poisreproduzir: 1) as forças produtivas, 2) as relaçõesde produçãoexistentes. 11 REPRODUÇAO DOS MEIOS DE PRODUÇAO Hoje, todosreconhecem(inclusiveos eco- nomistasburguesesquetrabalhamna contabi- lidadenacionalou os teóri'cos«m8Jcro-econo- mistas»modernos),porqueMarx impôsesta demonstraçãono Livro II do Oapital, quenão há produçãopossívelsemquesejaassegurada a reproduçãodas condiçõesmateriaisda pro- dução:a reproduçãodosmeiosdeprodução. Qualquereconomista,quenestepontonão se distinguedequalquercapitalista,sabeque, anoapósano,é precisoprevero quedeveser substituído,o quesegastaouseusanaprodu- ção: matéria-prima,instalaçõesfixas (edifí- cios), instrumentosde produção(máquinas), etc.Dizemos:qualquereconomista=a qualquer capitalista,pois queambasexprimemo ponto devistadaempresa,contentando-secamcomeu- 13 tarsimplesmenteos termosda prática finan- ceirada empresa. Mas sabemos,graçasao géniode Quesnay que foi o primeiro a levantareste problema que «entrapelosolhosdentro»,e ao géniode Marx que o resolveu,que não é ao nível da empresaquea reproduçãodascondiçõesmate- riais da produçãopodeser pensada,porque nãoé na empresaqueelaexistenassuascon- diçõesreais.O quese ,passaao nível da em- presaé um efeito,que dá apenasa ideia da ne,cessidadeda reprodução,mas não permite de modoalgumpensar-lheas condiçõese os me,canismos. Um simplesinstantedereflexãobastapara nos convencermosdisto: o Sr. X, capitalista que na sua fiação 'Produztecidosde lã, deve «reproduzir»a suamatéria-prima,as sua'smá- quinas,etc.Ora nãoé ele queas produzpara a suaprodução- masoutroscapitalistas:um grandecriadorde carneirosaustraliano,o Sr. Y , o donode umagrandemetalurgia,o Sr. Z , etc, etc..., os quaisdevempor sua vez, para produzirestesprodutosquecondicionam a reproduçãodascondiçõesdaproduçãodoSr. X ..., reproduziras condiçõesda sua própria produçãoe assim indefinidamente- em pro- 14 porçõestais que,no mercadonacionalquando nãoé no mercadomundial,a procuraemmeios de produção(para a rt;produção)possaser satisfeita pela oferta. Para pensarestemecanismoquevai dar a umaespéciede«fiosemfim»,é precisoseguir o procesf1o«global»de Marx, e estudarprinci- palmenteas relaçõesde circulaçãodo capital entreo Sectorl (produçãodosmeiosde pro- dução)e o SectorII (produçãodosmeiosde consumo)e a realizaçãoda mais~valia,nos Livros II e III do Capital. Não entraremosna análisedestaquestão. Basta-noster mencionadoa existênciada ne- cessidadede reproduçãodas condiçõesmate- riais da produção. 15 REPRODUÇAO DA FORÇA DE mABALHO Contudo,há umacoisa quede certomodo não podeter deixadode espantaro leitor. Falámosdareproduçãodosmeiosdeprodução, - mas não da reproduçãodas forças produ- tivas. Portanto, não falámosda reprodução daquiloquedistingueas forçasprodutivasdos meiosde produção,ou seja,da reproduçãoda força de trabalho. Sea observaçãodoquesepassanaempresa, em'particularo exameda práUcafinanceira, dasprevisõesdeamortização-investimento,nos pôdedar uma ideiaa.proximadada existência do processomaterialda reprodução,entramos agoranumdomíniosobreo quala observação doquesepassanaempresaé senãototalmente, ,pelomenosquaseinteiramentecega,e poruma razão de peso: a reproduçãoda força de 2 17 trabalhoiP8.'3S8.-seessenciaLmentefora da em- presa. Comoé asseguradaa reproduçãoda força de traba~ho? :m asseguradadandoà força de trabalhoo meio material de se reproduzir: o salário. O saláriofigura na contabilidadede cadaem- presa, como «capital mão de obra»1 e de modo algum como condiçãoda reprodução materialda força de trabalho. No entantoé assimqueele«age»,dadoque o salário representaa.penasa partedo valor produzidapelodispêndioda forçadetrabalho, indispensávelà reproduçãodesta:entendamos, indispensávelà reconstituiçãoda força de trabalhodo assalariado(ter casapara morar, roupaparavestir,ter decomer,numapalavra poderapresentar-seamanhã- cada amanhã queDeusdá-ao Iportãoda fábrica); Mrescoo- temos:indispensávelà alimentaçãoe educa- çãodosfilhos nosquaiso proletáriose repro- duz (em x exemplares:podendox ser i,gual a O, 1, 2, etc....) comoforça detrabalho. 1 Marx forneceua estepropósitoumconceitocien- tífico: o de capital variável. 18 Lembremosque esta quantidadede valor (o salário), necessárioà reproduçãoda força de trabalho,é determilIladonãopelasnecessi- dadesde ~ S.M. I. G. «biológico»,maspelas cnecessidadesde um mínimo histórico (Marx sublinhava:é precisocervejapara os operá- rios inglesese vinhoparaos proletáriosfran- ceses)-portanto historicamentevariável. Indiquemostambémqueestemínimoé du- plamentehistórko pelofactode não ser defi- nido pelas necessidadeshistóricasda classe operária«reconhecidas»pelaclassecapitalista, maspelasnecessidadeshistóricasimpostaspela luta de classes proletária (luta de classes dupla: contrao aumentoda duraçãodo tra- balho8 contraa diminuiçãodossalários). Porém,nãobastaassegurarà forçadetra- balho as condiçõesmateriaisda sua reprodu- ção,paraqueela seja reproduzida comoforça de trabalho.Dissémosquea forçadetrabalho disponíveldeviaser «competente»,isto é, apta a ser postaa funcionarno sistemacomplexo do processode produção.O desenvolvimento dasforçasprodutivase o tipo de unidadehis- toricamenteconstitutivodasforçasprodutivas Ilummomentodadoproduzemo seguintere~ml- tado: a força de trabalhodeveser (diversa- 19 mente) qualificada e portanto reproduzida. comotal. Diversamente:segundoas exigên- cias da divisãosocial-técnicado trabalho,nos seusdiferentes«postos»e «empregos». .ora,comoé queestareproduçãoda quali- ficação(diversificada)da força de trabalhoé asseguradano regimecrupitalista?Diferente- mentedoqueserpassavanasformaçõessociais esclavagistase feudais,esta reproduçãoda qualificaçãoda força de trabalhotende(tra- ta-sede umalei tendencial)a ser assegurada não em «cimadas coisas»(aprendizagemna própriaprodução),mas,e cadavezmais,fora da produção:atravésdo sistemaescolarcapi- talista e outrasinstânciase instituições. Ora, o que se a,prendena Escola? Vai-se maisoumenoslongenosestudos,masdequal- quer maneira,aprende-sea ler, a escrever,a contar,.- portanto algumastécnicas,e ainda muitomaiscoisas,inclusiveelementos(quepo- demser rudimentaresou pelocontrárioapro- fundados)de«culturacientífica»ou «literária» directamenteutilizáveisnos diferenteslugares da produção(umai,ustruçãoparaosoperários, outra para Ü'Stécnicos,umaterceirapara os engenheiros,umaoutraparaos quadrossupe- 20 riores, eté.). ~rendem...geportanto «.saberes práticos»(des «savoir loire»). Mas,por outrolado,e aomesmotempoque ensinaestas,técnicase estes.conhecimentos,a Escola ensinatambémas «regras»dos bons costumes,isto é, o cornvortamentoquetodoo agenteda divisãodo trabalhodeveobse.rvar, segundoo lugarqueestádestinadoa ocupar: regrasda moral,daconsdênciecívka e pro- fissional,o que significa exactamenteregras de respeitopela divisãosocial-técnkado tra- balho,pelasregrasda ordemestabelecidapela dominaçãode classe.Ensina tambéma «bem falar»,a «redigirbem»,o quesignificaexacta- tamente(para os futuros capitalistase para os seus servidores) a «mandarbem», isto é, (soluçãoideal) a «falar bem»aos operá- rios, etc. Enunciandoestefactonumalinguagemmais científica,diremosque a reproduçãoda força de trabalhoexigenão só umareproduçãoda qualificaçãodesta,mas,aomesmotempo,uma .reproduçãoda submissãodestaàsregras da ordemestabelecida,isto é, umareproduçãoda submissãodestaà ideolÜ'giadominantepara os Olperáriose umareproduçãoda cap3JC1idaile (paramanejarbema ideologiadominantepara 21 08 agentesda eJqlloraçãoe da repressão,a fim de quepOS83Jmassegurartambém,«pela palavra»,a dominaçãoda classe dominante. Por outras palavras,a Escola (mas tam- bém outras instituiçõesde Estado como a Igreja ou outros aparelhoscomoo Exército) ensinam«saberespráticos»masemmoldesque assegurama sujeição à ideologia dominante ou o manejoda «prática»desta. Todos os agentesda produção,da exploraçãoe da re- pressão,nãofalandodos«profissionaisdaideo- logia» (Marx) devemestar de uma maneira ou deoutra«penetrados»destaideologia,para desempenharem«conscienciosamente»a sua tarefa- quer de explorados(os proletários), querdeexploradores(oscapitalistas),querde auxiliares da exploração(os quadros),quer dep3Jpasdaideologiadominante(osseus«fun- cionários»),etc.... A reproduçãodaforçadetrabalhotempois comocondiçãosine qua nonJ não só a repro- duçãoda «qualificação»destaforça de traba- lho, mastambéma reproduçãodasuasujeição à ideologiadominanteou da «prática»desta ideologia, com tal precisão que não basta dizer: «nãosó mas também»,pois conclui-se queé nas formas e sob as /0r-rtW8da sujeição 22 ideológica que é asseguradaa reproduçoo da qualificação da força de trabalho. Mas aqui reconhece-sea presençaeficaz de umanovarealidade:a ideologia. Aqui vamosintroduzir duas observações. A primeirapara fazer o balanÇoda nossa análiseda reprodução. Acabámosde estudarrapidamenteas for- masda reproduçãodasforçasprodutivas,isto é, dos meios de produçãopor um lado, e da força de trabalhopor outro lado. Mas ainda não abordámosa questãoda 7'eproduçãodas 7'elaçõesde p7'Odução.Ora esta questãoé uma questãocrucial da teoriamar- xista do modode produção.Não a abordaré umaomissãoteórica- pior, um erro político grave. Portanto,vamosabordá-Ia.Mas,para isso, precisamosumavezmais de fazerum grande desvio. A segundanotaé que,para fazerestedes- 'Vio,precisamosde mais uma vez levantaro nossovelhoproblema:que é uma socied3Jde? f3 INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA Já tivemosocasião1 de insistir sobre o carácterrevolucionárioda concepçãomarxista do «todosocial»naquiloque a distingueda «totalidade»hegel:iana.Dissémos(e estatese apenasretomavaas proposições,célebresdo materialismohistórico) que Marx ,concebea estruturade qualquersociedadecomoconsti- tuída pelos«níveis»ou «instâncias»,articula- dos por uma determinaçãoespecífica:a in- /raestrutura ou b3Jseeconómica(«unidade» das forçasprodutivase das relaçõesde pro- dução),e a superestrutura)quecomportaemsi mesmadois «crlÍveis»ou «instâncias»:o jurÍ- 1 Em Pour Marx e Lire le Capital (Paris. Ed. Maspero). 25 dico-político(o direitoe o Estado)e a ideolo- gia (asdiferentesideologias,religiosas,moral, jurídica,politica,etc.). Além do interesseteórico-<pedagógico(que ilustraa diferençaqueseparaMarx deHegel), estarepresentaçãooferecea vantagemteórica c3Jpitalseguinte:permiteinscreverno disposi- tivo teóricodosseusconceitosessenciaisaquilo a quechamámoso seu índioede eficáciares- pectivo. Que quer isto dizer? Qualquerpessoapode compreenderfacil- mentequeestarepresentaçãoda estruturade todaa sociedadecomoumedifícioquecomporta uma base (infraestrutura)sobre a qual se erguemos dois «andares»da superestrutura, é umametáfora,muitoprecisamente,umame- táfora espacial:uma tópica1. Comotodasas metáforaR,estasugere,convidaa ver alguma coisa.O quê? Pois bem,precisamosisto: que os andaressuperioresnão poderiam«man- 1 Tópica, do gregotopos: lugar.Uma tópica repre- senta,num espaçodefinido,os lugaresrespectivosocu- padospor estaou aquelarealidade:assimo económico está em baixo (a base)a superestruturapor .cima. 26 ter-se» (no ar) sozinhosse não assentassem defa-ctona suabase. A metáforado edifíciotem,portantocomo objectivorepresentara «determinaçãoem úl- tima instância»peloeconómico.Esta metáfora espacialtempois comoefeito afectara base deumíndicedeeficáciaconhecidonoscélebres termos:determinaçãoem última instânciado que se passa nos «andares»(da superestru- tura) pelo que se passa na baseeconómica. A partir desteíndicedeeficácia«emúltima instância», os «andares»da superestrutura encontram-seevidentementeafectadospor índi- Icesde eficáciadiferentes.Quetipo de índice? Podemosdizerqueos andaresda superes- trutura nãosão determinantesemúltima ins- tância,mas quesão determinadospela base; quesesãodeterminantesà suamaneira(ainda não definida),são-noenquantodeterminados pelabase. O seu índicede efi,cácia(ou de determina- ção),enquantodeterminadapeladeterminação em última instânciada base,é pensadona tradiçãomarxistasobduasformas:1 há uma «autonomiarelativa» da superestruturaem relaçãoà base;2 há «umaacçãoemretorno» da superestruturasobrea base. ,'27 Podemosportantodizerquea ,granc1evan. tagemteóricada tórpkamarxista,portantoda metáforaespacialdo edifício (basee superes. trutura) é simultaneamenteo facto de fazer ver que as questõesde determinação(ou de índicesdeeficácia)sãoIcapitais;mostrarque é a baseque determinaem última instância todo o edifício; e, por via deconsequência, obrigara levantaro problemateóricodo tLpo de eficácia«derivada»própria à superestru- tura, isto é, obrigara pensaro quea tradição marxistadesignasobos termos,conjuntosde autonomIarelativada superestruturae acção de retornoda superestruturasobrea base. O inconvenientemaiordestarepresentaçãoda estruturade qualquersociedadepelametá- fora espacialdo edifício é evidentementeo facto de ela soeI'metafórica:isto é, de per- manecerdescritiva. Mas a partir daqui,parece-nosdesejávele possívelrepresentaras coisasde outromodo. Ê precisoquenosentendam:nãorecusamosde modoalguma metáforaclássica,vistoquepor si só ela nos obriga a ir alémdela. E não vamosalémdela,para a rejoeitarcomocaduca. Gostaríamosapenasde tentar p€nsaro que ela nos dá na sua formadescritiva. 28 Pensamosque é a partir M, reprodução que é possível e necessáriopensar o que caracterizao essencialda existênciae natu- reza da superestrutura.Basta colocarmo-nos no ponto de vistada reproduçãopara quese esclareçamalgumasdas questõescuja exis- tênciaa metáforadoedifícioindicavasemlhes dar umarespostaconceptual. A nossatesefundamentaléquesó é possí- vel colocarestasquestões(e portantorespon- der-lhes)do pontode vista da reprodução. Vamos analisar brevementeo Direito, o Estadoe a ideologiaa partir destepontode vista.E vamosmostrarsimultaneamenteo que sepassadopontodevistadapráticae dapro- duçãopor umlado,epor outro,da reprodução. 29 o ESTADO A tradiçãomarxistaé peremptória:o Es- tadoéexplicitamenteconcebidoapartir doMa- nifesto e do 18 do Brumário (e em todosos textoscláss1cosulteriores,sobretudode Marx sobrea Comunade Pavis e de Lenine sobre o Estado e a Revolução) como aparelho repressivo.O Estado é uma «máquina»de repressãoque ,permiteàs classesdominantes (no séculoXIX à classeburguesae à «classe» dos proprietáriosde terras) assegurara sua dominaçãosobre a classe operária para a submeterao processode extorsãoda mais- -valia (quer dizer, à exploraçãocrupitalista). O Estado é entãoe antesde mais aquilo a que os clássicosdo marxismochamaram o aparelhode Estado. Este termocompreende: não só o aparelhoespecializado(no sentido 31 estrita)cuja existênciae necessidadereconhe- cemosa partir dasexigênciasda rprá.ticajurí- dica, isto é a policia- os tribunais- as pri- sões;mastambémo exér0ito,que (o ~raleta- riadopagouestaeXiperiênciacomoseusangue) Lntervémdirectamentecomoforça repressiva de arpodoemúltimainstâmciaquandoa polícia, e os seusco~posauxiliareseSlpecializados,são «ultrapR.ssadospelosa;contecimentos»;e acima desteconjuntoo chefedo Estada,a governoe a administração. Apresentadasabestaforma,a teoriamar- xista-Ieninistado Estado capta o essencial, semdúvida.O aparelhode Estadoque define ('EstadocomaforçadeexecuçãO'edeinterven- ção repressiva,«aoser,viçadas classesdomi- nantes»,na luta de classestravadapelabur- guesiae pelosseusaliadoscantra a proleta- rIado é de facto o Estado,e definede facto a «função»fundamentaldeste. DA TEORIA DESCRITIVA A TEORIA No entanto,tambémaqui e à semelhança do quefiZÉ'masnotara propósitodametáfora do edifício (infraestruturae superestrutura), estarupresentaçãoda naturezado Estadaper- manecedescritiva. Como vamosempregarvárias veres este adjectivo(descritivo)e, para evitar qualquer equívoco,impõe-seuma breveexplicação. Quandodizemos,falando da metáforado edifíciO',eu falandoda «teoria»marxistado Estado,quesão concepçõesou representações descritivasdo seu objecto,não pretendemos comisso criticá-Ias.Pelo contrário,pensamos que as grandesdescobertascientíficas não podemevitar passarpela fase a que chama- remosde uma <<teoria»descritiva. Fase essa que seria a primeirafase de toda a teoria, pelo menosno domíniO'que nos ocupa(o da ciência das formações sociais). Como tal, poder-se-ia- e segundocremosdeve-seaté- encararesta fase comoumafase transitória, necessáriaao desenvolvimentoda teoria.Ins- crevemoso seucaráctertransitóriona nossa expressão:«teoriadescritiva»assinalando,na conjunçãodostermosqueempregamos,o equi- valentea uma espéciede «contradição».Com efeito,o termodeteoria«briga»decertomodo com o adjectivo «descritiva»que lhe está aposto.Muito precisamente,isto quer dizer: 1) quea «teoriadescritiva»é defactO',semdú- 32 3 33 vida.possivel,o começosemretornoda teoria, mas2) quea forma«descritiva»emquea te0- ria.seapresentaexige.,precisamentepeloefeito desta ~contradição»,um desenvolvimentoda teoriaqueultrapassaa formada «des.crição». Precisemoso nossopensamento,voltando ao nossoobjectopresente:o Estado. Quandodizemosque a «teoria»marxista do Estado, de que dispomos,permaneceem parte«descritiva»,isto significaantesdemais que esta deoria» descritivaé, sem dúvida possível,o própriocomeçoda teoriamarxista do Estado,e queestecomeçonos dá o essen- cial, istoé, o princípiodecisivodetodoodesen- volvimentoulterior da teoria. Diremüscomefeitoquea teoriadescritiva do Estadoé correcta,dadoquepodemosper- feitamentefazer correS/ponderà definiçãoque ela dá do seu objeotoa imensamaioriados f!l;ctosobserváveisno domínioa queela se refere. Assim, a definiçãodo Estado como Estado de classe, existenteno aparelhode Estado repressivo,es.clarecede uma maneira fulgurantetodosOs fados observáveisnasdi- versasordensdarepressãosej!l;mosseusdomí- nios quaisforem:dos massacresde Junho d.e 48 à ComunadeParis, do sangrentoDomingo 34 de Maio de 1905 em petrogrado,da Resi8- LêIlJcia.deCharonne,etc.... às simples(e rela- tivamenteanMinas)intervençõesdeuma«cen- sura» qu~proíbea Religiooa.de Diderot ou umapeçade Gatti sobreFranco; elaesclarece todasasforma.sdirectasou indirectasdeeXiplo- raçãoedeextermíniod!liSmassasípqpulares(as guerraSimperialistas);ela esclareoea subtil (/orninaçâoquotidianaemqueestábrutalmente presente,por exemplonas formas da demo- (oraciapolítica,aquilo a que Lenme chamou dt'poisde Marx,a ditaduradaburguesia. Contudo, a teoria descritivado Estado rnpresentaumafaseda constituiçãoda teoria que exije por si mesmaa «superação»desta fase.Porqueéclaroquesoeadefiniçãoemques- 1:10 nosdáefectivamentemeiosparaidentificar " reconheceros f3Jctosde opr,essãorelacio- nando-oscomo Estado,concebidocomoapa- 1"1'lho repressivode Estado, este «pôr em n'laGão»dá lugar a um génerode evidência lllllito particular a que mais adiantevamos "('ferir-nos:«sim,é isso,é verdade!...»1. E a 1 Cf mais adiante:A propósito da ideologia. 35 acumulaçãodos factos sob a definiçãodo Estado,se mult~plicaa suailustração,nãofaz avançarrealmentea definiçãodo Estado,isto é, a suateolliacientífka.Todaa teoriadescri- tiva ,correpoiso risco de «bloquear»o desen- volvimento,noentantoindispensável,dateoria. É porissoquejulgamosindispensável,para desenvolveresta teoriadescritivaem teoria, i~to é, para compreendermosmais profunda- menteos mecanismodo Estadoe do seufun- cionamento,acrescentaralgumacoisa à defi- nição clássicado Estado ,comoaparelhode Estado. oESSENCIAL DA TEORIA MARXISTA DO ESTADO Precisemosantesdemaisumpontoimpor- tante: o Estado (e a sua existênciano seu aparelho)só temsentidoemfunçãodo poder de Estado. Todaa lutadeclassespolíticagira emtornodo Estado.Querdizer: emtornoda detenção,isto é, da tomadae da conservação do poderde Estado,por umacertaclasse,ou por umaaliançade classesou de fracçõesde classes.Esta primeiraprecisãoobriga-nospor- tantoa distinguiro ,poderde Estado (conser- 36 vaçãodo poderdeEstadoou tomadado poder deEstado),objectivodalutadeclassespolítica IPorum1000,e o ~arelhode Estadopor outro Indo. Sabemosque o apa.re1hode Estado pode lll'rmane.cerintacto,comoo provamas «revolu- I;ÔCS»burguesasdo século XIX em França (1830,1848)ou os gol;pesde Estado (o Dois li;.; Dezembro,Maio de 1958)ou as quedasdo l':stado(quedado Impérioem 1870,quedada :\."Repúblicaem1940),ou a ascensãopolítica da pequenaburguesia(1890-95em França), dc., semqueo aparelhode Estadoseja afec- ladooumodificadopor estefacto:podeperma- ']I{'cerintactoapesardos aJcontecimentospolí- Licos que 8Jfectaana detençãodo poder de I';cüado. Mesmoapósuma revoluçãosocialcomoa di' 1917,uma grandeparte do aparelhode I':stadopermaneceuintactaapósa tomadado 1")derde Estadopelaaliançado proletariado ('doscamponesespobres:Leninenãosecansoud,' o repetir. Podemosdizer que esta distinção entre ,poderde Estado e aparelhode EstOOofaz Il:tr·teda «teoria marxista» do Estado, de 3"1 usuario 1 Nota maneiraexpllcitaa partir do 18do Brumário e das Lutasde ClMSC8 emFrançade Marx. !Pararesumirmossobreestepontoa deoria marxistado Estado»,podemosdizer que os c1ássi,cosdo marxismo sempre afirmaram: 1) o Estadoé o aparelhorepressivodeEstado; 2) é precisodistinguiro poderde Estadodo a.parelhode Estado; 3) o objectivodas lutas de classesvisa o ,poderde Estado e, cons€- quentemente,a utilizaçãofeitapela.sclasses(ou aliançade classesou de fracçÕ€sdeclasses), detentorasdo poderde Estado,do aparelho de Estado em funçãodos seus objectivosde classe;e 4) o proletariadodevetomaro poder de Estadopara destruiro aparelhode Estado burguêsexistente,e,numaprimeirafase,subs- tituÍ-Io por um lliparelbode EstaAlocompleta- mentediferente,proletário,depois em fases ulteriores,ini.ciarum processoradical,o da destruiçãodo Estado (fim dorpoderdeEstado e de todoo poderde Estado). Destepontode vista, e por conseguinteo quenósnosproporíamosacrescentarà «teoria marxista» do Estado, já figura nela. Mas parece-nosque estateoria,assimcompletada, permaneceainda em parte descritivaembora 38 comportejá elementoscomplexose diferen- ciais cujo funcionamentoe jO'gO'só podemser compreendidosmedianteo recursoa um arro- fundamentoteóricosuplementar. 39 OS APARELHOS IDEOLóGICOS DE ESTADO o queé ,precisoacrescentarà «teoriamar- xista» do Estadoé pois outra coisa. Devemosagora avançar com prudência num terreno onde,de facto, os clássicosdo marxismonos precederamhá longo tempo, mas sem t€r sistematizado,sob uma forma teórica,os progressosdecisivosque as suas experiênciase os seusmétodose processos (démarches) implicaram.As suasexperiências (~métodospermaneceramde factono terreno da práticapolítica. De facto,na sua 'práticapolítica,os clás- sicosdo marxismotrataramo Estado como umarealidademaiscomplexadoquea defini- <Jioque dele se dá na «teoria marxista do Estado»,mesmocompletadacomoa apresen- bmos. Na suapráticareconheceramestacom- 41 plexidade,masnão a exprimiramnumateoria correspondente'. Gostaríamosdetentaresboçarmuitoesque- maticamenteesta teoriacorrespondente.Para essefim, prcpomosa teseseguinte. Para se avançarna teoria do Estado,é indispensávelter emconta,nãosó a distinção entrepoder de Estado e aparelho de Estado) mas tambémoutra realidadeque se situa manifestamentedo lado do ruparelho(repres- sivo) deEstado,masnãoseconfundecomele. Designaremosestarealidadepeloseuconceito: os aparelhos ideológicos de Estado. Quesãoos 8JparelhosideológicosdeEstado (AlE) ? Não seconfundemcomo aparelho(repres- sivo) de Estado. Lembremosque na teoria 1 S;ogundoo que conhecemos,Gramsci foi o único que se aventurou nesta via. Teve a ideia «singular» de que o Estado não se reduzia ao aparelho (repressivo) de Estado, mas compreendia, como ele dizia, certo nú- mero de insti tuições da «sociedade civil»: a Igreja, as Escolas, os sindicatos, etc. Gramsci não chegou infeliz- mente a siBtematizar estas instituições que permanece- ram no estado de notas perspicazes, mas parciais (cf. Gramsci: Oeuvres Coisies, Ed. Sociales, pp. 290-291 (nota 3), 293,295,436. Cf. LettresdePrison, Ed. Socia- les, p. 313. 42 marxista,o Aparelhode Estado(AE) com- preende:o Governo,a Administração,o Exér- cito, a Polícia, os Tribunais, as Prisões,etc., que constituemaquilo a que chamaremosa partir de agora o AiparelhoRe:pressivode Estado.Repressivoindicaqueo Aparelhode Estadoem questão«funcionapela violência», - .pelomenosno limite (porquea repressão, por exemploadministrativa,poderevestirfor- masnão físicas). DesLgn3JmOSpor AparelhosIdeológicosde Estadoum certonúmeroderealidadesquese 3Jpresentaillaoobservadorimediatosoba forma de instituiçõesdistintase especializadas.Pro- pomosuma lista empíricadestasrealidades que,é iClaro,necessitaráde serexaminadapor- menorizadametllte,posta à prova, rectificada e reelaborada.Comtodasas reservasqueesta exigênciaimplica,podemosdesdejá considerar comoAparelhosIdeológicosde Estadoas ins- tituiçõess~guintes(a ordempelaqualasenun- ciamos não tem qualquer significadoparti- cular): - O AlE religioso(O sistemadasdiferentes Igrejas), 1;3 - o AlE escolar (o sistemadasdiferentes ~()Ilas públicase particulares), - o AlE familiar1, - o ALE jurídico2, - o AlE polLtico (o sistemaiPOlíticode que fazemparte os diferentespartidos), - o ALE sindical, - o AlE da informação(imprensa,rádio- -televisão,etc.), - o ALE ,cultural (Letras, Belas Artes, desportos,etc.). Dissémos:os AlE não se Iconfundemcom o A!parelho(repressivo)de Estado. Em que consistea diferença? Num primeiromomentopodemosobservar que, se existe,um Acparelho(repressivo)de Estado,existe uma pluralidade de Aparelhos ideológicosde Estado.Supondoqueela existe, 1 A Família desempenhamanifestamenteoutras funçõespara alémdas de um AlE. Intervémna repro- dução da força de trabalho.E, segundoos modosde produção, unidade de produção e (ou) unidade de consumo. 2 O «Direito»pertencesimultaneamenteaoApare- lho (repressivo)de Estado e ao sistemados AlE. 44 aunidadequeCOQlstituiestapLuralidadedeALE numcorpoúniconãoé imediatamentevisível. Num segtlJ11domomento,podemosconstatar queenquantoo aparelho(repressivo)de Es- tado,unificado,pertenceinteiraanenteaodomí- nio público, a maioria dos AparelhosIdeoló- gicOSde Estado (na sua dispersãoaparente) relevapelocontráriodo domínioprivado. Pri- vadassãoasIgrejas,osPartidos,ossindicatos, as famílias, algumasescolas,a maioria dos jornais, as empresasculturais,etc.,etc.... Por agoradeixemosde partea nossapri- meira observação.Mas o leitor 'nãodeixará de relevara segundapara nosperguntarcom que direito podemosconsiderar,comoApare- lhos IdeológicosdeEstado instituiçõesque,na sua grande maioria, não possuemestatuto público,e sãopurae simplesmenteinstituições privadas. ComoMarxista conscienteque era, Gramscijá salientaraestaobjecção.A distin- çãoentreo públicoe o privadoéumadistinção interiorao direitoburguês,e válidanosdomí- nios (subordinados)emqueo direitoburguês exerceos seus«poderes».O domíniodo Estado escapa-lheporqueestá«paraalémdoDireito»: o Estado,queé o Estadoda classedominaJllte, não é nem públiconemprivado,é pelo con- 45 trário a co.ndiçãode toda a distinçãoentre públ1coe privado. Podemosdizer a mesma coisapartindoagoradosnossosAparelhosIdeo- lógicosde Estado.P01lJCOimportaque as ins- tituiçõesqueos realizamsejam«públicas»ou «;privadas».O que importaé o seu funciona- mento.Instituiçõesrprivadaspodemperfeita- mente«funcionar»comoAparelhosIdeológicos de Estado.Uma análiseU!Il1 poucomais pro- funda de qualquerdos AlE seria suficiente paraprovaro queacabámosdedizer. Mas vamosao essendal.O que distingue os AlE do Aparelho (repressivo)de Estado, é a diferençafundamentalseguinte:o Aparelho repressivodeEstado«funcionapelaviolência», enquantoos AparelhosIdeológicosde Estado funcionam «pew,ideologia». Podemosprecisar rectificaoooesta distin- ção.Diremosde facto quequalquer.A:parelho de Estado, seja de rep:-essivoou ideoló.5"ico, «funciona»simultaneamentepela violênciae pela ideologia,mas comumadiferençamuito importantequeimpedea confusãodosApare- lhos IdeológÍ'Cosde Estado com o Aparelho (repre~sivo)de Estado. Ê queemsi mesmoo Aparelho(represlsivo) de Estadofuncionade umamameiramass,iva- 46 m€'Ilteprevalentepelarepressão(inclusivefí- ska), emborafuncionesecundariamentepela ideologia.(Nãohá 81parelhorpuramenterepres- sivo).Exemplos:o Exércitoe a Políoiafuncio- nam tambémpela ideologia,simultaneamente para assegurara·sua própriacoesãoe repro- duçãoepelosvaloresqueprojeetamnoexterior. Damesmamaneira,masinversamente,deve- mos dizer que,em si mesmos,os .A:parelhos Ideológicosde Estadofuncionamde um modo massivamenteprevalentepelaideologia) em- bora funcionandosecundariamentepela re- Ipressão,mE'smoqueno limite,masapenasno Emite, esta seja bastanteatenuada,dissimu- ladaou atésimbólica.(Não há aparelhopura- menteideológico).Assim a e~colae as Igrejas «educam»por métodosapropriadosdesanções, de exclusões,de selecção,etc.,nãosó os seUs oficiantes,masassuasovelhas.Assima Famí- lia... Assim o AparelhoIE cultural (a cen- sura, para só mencionaresta), etc. Será útil referir queestadeterminaçãodo duplo«funcionamento»(dema,neiraprevalente, de maneirasecundária)pelarepressãoe pela ideologia,consoantese trata do Aparelho(re- pressivo)de Estado ou dos AparelhosIdeo- lógicosdeEstado,permitecompreEndero facto 47 de constantementese teceremcombinações muitosubtisexplícitasou tácitasentreo jogo do Aparelho(repressivo)do Estadoe o jogo dos AparelhosIdeológicosde Estado?A vida quotidianaoferece-nosinúmerosexemplosdisto queé precisoestudarempormenorparairmos mais alémda simplesobservação. Esta observaçãoobre-nosa via da com- preensãodo queconstituia unidadedo corpo aparentementedispar dos AlE. Se os AlE «funcionam»de maneiramassivamentepreva- lEntepelaideologia,o queunificaa suadiver- sidadeé precisamenteestefuncionamento,na medidaem que a ideologiapela qual funcio- namé sempreunificadaapesardas suascon- tradiçõese da sua diversidade,na,ideologia dominante)que é a da «classedominante»... Se quisermosconsiderarque em principioa «classedominante»detémo poderde Estado (de uma forma franca ou, na maioria das vezes,por meio de Aliançasde classeou de fracçõesdeclasses),e dispõeportantodoApa- relho (repressivo)deEstado,podemosadmitir que a mesmaclassedominanteé a.ctivanos AparelhosideológicosdeEstado.É claro,agir por leis e decretosno Aparelho (repressivo) deEstadoe «agir»por intermédiodaideologia dominantenosAparelhosideológicosdeEstado sãoduascoisasdiferentes.Seráprecisoentrar no pormenordestadiferença,- mas ela não poderáescondera realidadede umaprofunda identidade.A partir do quesabemos,nenhnma, elassepodeduravelmentedACtero poderdeEs- tadosemexercersimultaneamentea suahege- maniasobre e nos AparelhosIdeológicosde Estado.Douumúnicoexemploe prova:a preo- cupaçãolancinantede Leninede revolucionar o AparelhoideológicodeEstadoescolar(entre outros) para permitir ao proletariadosovié- tico,quetinhatomadoo poderdeEstado,asse- gurar o futuro da ditadurado proletariadoe a passagemao socialismo". Esta últimanotapermite-noscompreender queosAparelhosIdeológicosdeEstadopodem ser nãosó o al1'omastambémo localda luta de classese por vezesde formasrenhidasda luta de classes.A classe (ou a aliança de classes)no podernão dominatão facilmente 1 Num textopatéticodatadode 1931,Kroupskaia cop,taa história dos esforçosdesesperadosde ~n1ne e daquiloque ela consideracomoO seufracasso (<<L6 chemin parcouru»). 48 " 49 osAlE comoo Aiparelho(N1Pressivo)deEs- tado,e istonãosóporqueas antigasclasses dominantespodemdurantemuitoteilllPocon- servarnelesposiçõesfortes,mastambémpor- quea resistênciadasclassesexploradaspode encontrarmeiose ocasiõesde se exprimir neles,querutilizandoascontradiçõesexisten- tes (nosAIE), querconquistandopelaluta (nosAlE) posiçõesdecombate1. Resum8imosasnossasnotas. lOque aqui é dito rapidamente,da luta de classesnos AparelhosIdeológicosde Estado, está evi- dentementelonge de esgotar a questão da luta de classes. Para abordaresta questãoé precisoter presente no espírito dois princípios. O primeiro princípio foi formuladopor Marx no Prefácio à Contribuição:«Quandose consideramtais perturbações(uma revoluçãosocial) é precisodistin- guir sempreentreperturbaçãomaterial- quese pode constatarde uma maneira cientificamenterigorosa- dascondiçõesdeproduçãoeconómicas,e as formasjurí- dicas,políticas,relígiosas,artísticasou filosóficasnas quais os homenstomam consciênciadesteconflito e o levam até ao fim.~ Portanto, a luta de classes exprime-see exerce-senas formasideológicase assim tambémnas formas ideológicasdos AIE. Mas a luta 50 Sea tesequepropusemosé fundamentada, somosconduzidosa retomar,emboraprecisan- do-anumlponto,a teoriamarxUstaclássicado Estado.Diremosqueporumladoé preci&>dis- tinguiro poderdeEstado(e a suadetenção por...) e o .AparelhodeEstadoporoutrolado. Masacrescentaremosqueo Aparelhode Es- tado compreendedois corpos:o corpodas instituiçõesquer~resentll;mo Aparelhore· pressivode Estado,por um lado,e o corpo das instituiçõesquerepresentamo corpodos AparelhosIdeológicosde Estado,por outro lado. Mas, se assimé, nãopodemosdeixarde colocara questãoseguinte,mesmonoestádio, de classesultrapassa largamenteestas formas, e é porqueas ultraopassaque a luta das classesexplora- das pode também exercer-senas formas dos AIE, portantovirar contra as classesno podera arma da ideologia. E isto em virtude do segundoprincípio: a luta de classes ultra,passaos AlE porque está enrai- zada em qualqueroutra parte que não na ideologia, na infraestrutura,nas relaçõesde produçãoque são relaçõesde exploraçãoe que constituema base das relaçõesde classe. 51 muitosumário,das nossasindicações:qual é exactamentea medidadopapeldosAparelhos Ideológicosde Estado? Qual podeser o fun- damentoda suaimportância?Noutrostermos, a quecorrespondea «função»destesAparelhos IdeológicosdeEstado,quenãofuncionampela repressão,maspela,ideologia? 52 SOBRE A REPRODUÇAO DAS RELAÇõES DE PRODUÇAO Podemosrugoraresponderà nossaquestão centralque permaneceuemsusrpensodurante longaspáginas:C01'nO é asseguradaa reprodu- ção das relações de proàfuçáAO? Na linguagemda tópica (,infraestrutura, superestrutura),diremos:é, emgrande,parte assegurada1 pelasuperestrutura,jurídicü;pOlí- tica e ideológica. Mas visto que considerámosdooispensável ultrapassaresta linguagemainda descritiva, 1 Em grandeparte.Porque as relaçõesde produ- ção são primeiro reproduzidaspela materialidadedo processodeproduçãoe do processode circulação.Mas não se podeesquecerque as relaçõesi<leo16gicasestão imediatamentepresentesnestesmesmosprocessos. 53 diremos:é, emgrandeparte,assegurndapelo exercíciodo poderde Estadonos Aparelhos deEstado,noA'Par~lho(~ressivo)deEstado, porumlado,e nosAparelhosIdeológicosde Estado,poroutrolado. Poderemosagorareuniroquefoi di,toante- riormentenostrêssublinhadosseguintes: 1) Todosos AparelhosdeEstadofuncio- nam simultaneamentepelarepressãoe pela ideologia,coma diferençadequeo Aparelho (repressivo)de Estadofuncionademaneira massivamenteprevalentepelarevressão,en- quantoosAparelhosIdeológicosdeEstadofUiD.- cionamde maneiramassivamenteIPrevalente pelaideologia. 2) Enquantoo ApareTho(repressivo)de Estadoconstituium todoorganizadocujos diferentesmembrosestãosubordinadosa uma unidadede comando,a da políticada luta declassesrupHca-daIpelosrepresentantespolí- t1cosdas.classesdominantesquedetêmopoder deEstado,- os AparelhosIdeológicosdeEs- tado sãomúltiplos,distintos,«relativamente autónomos»e. susceptíveisde oferecerum campoobjectivoa contradiçõesqueex:primem, 54 sob formasora limitadas,ora extremas,os efeitosdoschoquesentrea lutadeol~ capi- talistae a luta de classes!proletária,assim comodassuasformassubordinadas. 3) Enquantoa nnidadedo Aparelho(re- pressivo)de Estadoé asseguradapela sua organizaçãocentralizadaUJlificadasoba direc- çãodosrepresentantesdasclassesno poder, exeeutandoa [políticade luta de ,classesdas classesno poder,- 'a unidadeentreos dife- rentesAparelhosIdeológicosdeEstadoéasse- gurada,namaioriadasvezesemformascon- traditórias,pela ideologiadominante,a da classedominante. Tendoemcomtaestascaracterísticas,pode- mosentãorepresentara reproduçãodasrela- çõesde produção1 da maneiraseguinte,se- gundoumaespéciede «divisãodotrabalho»: o papeldo Aparelhorepressivode Estado consisteessencialmente,enquantoaparelhore- pressivo,ema.ssegurarpelaforça (físicaou 1 Na parte da reproduçãopara quecontribuemo Aparelho repressivode Estadoe os AparelhosIdeoló- gicosde Estado. 55 não) as condiçõespolíticasda reproduçãodas relaçõesdeproduçãoquesãoemúltimaanálise relações de exploração. Não só o aparelhode Estadocontribuilargamentepara se reprodu- zir a elepróprio (existemno Estadocarpitalista dinastiasdehomenspolíticos,dinastiasdemi- litares,etc.), mastambéme sobretudo,o a.pa- relho de Estadoassegurapela repressão(da mais brutal força físiJcaàs simplesordense interditosadministrativos,à censuraabertaou tácita,etc.),as condiçõespolíticasdoexercício dos Ap:uelhos Ideológicosde Estado. São estes de facto que asseguram,em grandeparte, a própria reproduçãodas rela- ções de produção,«escudados»no aparelho repressivode Estado.É aqui quejoga massi- vamenteo papel da ideologiadominante,a da classedominanteque detémo poder de Estado.É por Intermédioda ideologiadomi- nante que é asseguradaa «harmonia»(por vezesprecária) entre o aparelhorepressivo de Estadoe os AparelhosIdeológicosde Es- tado,e entreos diferentesAparelhosIdeoló- gicosde Estado. Somosassim,conduzidosa encarara hipó- teseseguinte,emfunçãodaprópriadiversidade dos AparelhosIdeológicosde Estado no seu 56 papelúniICo,,porquecomum,da reproduçãodas relaçõesde produção. Enumerámosnas formaçõessociaiscapita- lis-tas,contemporâneas,um número relativa- menteelevadode arparelhosideológicosde Estado: o a"parelhoescolar,o a.parelhoreli- gioso,o a,parelhofamiliar,o aparelhopolítico, o aparelhosindical,o aparelhode informação, o a.parelho«cultura!»,etc. Ora, nas formaçõessociais do modo de produção«sen)Q,gista» (normalmentedito feu- dal), observamosque, se existe um aparelho repressivodeEstadoúnico,formalmentemuito semelhante,a verdadeéquenãosóa partir da Monarquiaabsoluta,comoa partir dosprimei- ros Estados antigos conhecidos,ao que nós conhecemos,o númerodosaparelhosideológicos deEstadoémenoselevadoe a suaindividuali- dadediferente.Observamosporexemploquena IdadeMédia a Igreja (aparelhoideológicode Estadoreligioso)acumulavamuitasdasfunções hoje atribuídasa vários aparelhosideológicos deEstadodistintos,novosemrelaçãoao pas- sadoqueevocamos,emparticularfunçõesesco- lares e culturais.A par da Igreja existia o Aparelho Ideológicode Estado familiar que desempenhavaump8.ipelconsiderávelemcom- 57 paraçãocomo quedeseInilJenhahoje lIlasfor- maçõessociaisc~italistas.Apesardas~_ cias,a 19rejae a Família nãoerailllosúni.cos AiparelhosIdeológicosde Estado.Existia tam- bémumAparelhoIdeológicodeEstadopolítico (asCortes,o Parlamento,asdiferentesfacções eLigaspolíticas,antepassadosdospartidospo- lítilcosmodernose todoo sistemaIPOlíticodas Coanunasfrancase,depois,dasCidades).Exis- tiatambémumpoderoso.AJparelhoIdeológicode Estado«pré-sindical»,arriscalIldoestaexpres- são forçoslamenteanacrónica(as poderosas confrariasdosmercados,dosbalIlqueirose tam- bém as associaçõesdos companheiros,ete.). Até a Ediçãoe a InformaçãoconheceramUiIn desenvolvimentoincontestável,assimcomoos eSlpectáculos,primeiro, parte integrante da Igreja e depoiscada vez mais independootes dela. Ora, no período histórico pré...c~italista, que examin8Jmosa traçoslargos,é absoluta- menteevidenteque existia um Apa;relhoIdeo- lógiao de Estado a.om.inante)a Igreja) que concentravanão só as funçõesreligiosasmas tambémescolares,e umaboa parte das fun- çõesde imorm8JÇãoe de «cultUlI'a».Não é [pOr 8Jcasoquetodaa luta ideológicado séculoXVI 58 ao séculoXVIII, a !partirdo !primeiroimpulso dado ,pelaReforma,se ccmcentralIlumaluta antidericale anti-religiosa;lIlãoé por acaso, é emfunçãoda própria,posiçãodominantedo AIparelhoIdeológicode Estadoreligioso. A Revoluçãof.rancesateve antesde mais por objectivoe resultadofazerpassaro poder de Estado da aristocraJCiafeudalpara a bur- guesiacapitalista.,comereial,queb.raremparte o antigoa.pareI:horepressivodeEstadoe subs- tituí-Io ;porum novo (ex.o Exércitonacional popular), - mas tambémaJtacaro ~are1ho ideológicode Estado n.o 1: a. Igreja. Dai a constituiçãocivil do clero,a.confis'caçãodos bensda Igreja e a criaçãode novosaparelhos ideológicosdeEstadoparasubstituiremo 8.lpa- relho ideológ1code Estado religiosono seu p~el dominante. Naturalmente,as coÍ8oonão andarampor si: comoprova,temosa Concordata,a Restau- raçãoe a longalutadeclassesentrea aristo- cracia fundiária e a burguesiaindustrial ao longo de todo o séculoXIX rpeloestabeleci- mento da hegemoniaburguesan8JSfunções outrora desemrpoohadaspela Igreja: a"ntesde mais,na Escola.Podemosdizerquea bu.rgue- sia se apoiou no novo a,parelhoideológico 59 de Estado político, democrático-parlamentar, criado nos rprimeirosanosda Revolução,em seguidarestauradoapóslongase violen~ lu- tas,durantealgunsmesesem1848,e durante dezenasde anos a.pósa queda do Segundo Império,a fim detravara lutacontraa Igreja e dese8JpoderardasfUtnçõesideológicasdesta, numapalavra,não só para assegurara sUJa hegemoniapolítica,mas tambéma sua hege- moniaideológica,indispensávelà reprodução das relaçõesde produçãoca.pitalistas. Ê Iporisso quenos julgamosautorizadosa avançara Teseseguintecomtodosos riscos que issocomporta:pensamosqueo Aparelho IdeológicodeEstadoquefoi colocadoem,posi- çãodominantenas formaçõesc8Jpitalistasma- duras, após uma violenta luta de classes políticae ideológicacontrao antigoAparelho Ideológicode Estadodominante,é o Aparelho Ideológico escolar. Esta tesepodeparecerparadoxal,seé ver- dadequepara toda a gente,isto é, na repre- sentaçãoideológicaquea burguesiapretende dar a si própriae às classesqueela eXiplora, pareceevidenteque o AparelhoIdeológicode Estadodominantenas formaçõessociaisc3Jpi- talistasnãoé a Escola,maso AparelhoIdeo- 60 lógicode Estadopolítico, isto é, o regimede democraciaIparlamentarnascidodo sufrágio universale das lutasdospartidos. E no entanto,a história,mesmorecente, mostra que a burguesia,pôdee podemuito bemvivercomAparelhosIdeológicosdeEstado políticosdiferentesdademocraciaparl3Jmentar: o Império,n.O1 e n.O2, a Monarquiada Carta (Luís XVIII e CarlosX), a Monarquiaparla- mentar (Luís Filipe), a democraciapresiden- cialista (de Gaulle),para só falar da França. Em Inglaterra,ascoisassãoaindamaismani- festas.Nestepaís a Revoluçãofoi particular- mente bem «sucedida»do ponto de vista burguês,visto que, de maneiradiferenteda França, em que a burguesia,aliás devidoà falta de visão da pequenanobreza,teve de acedera deixar-selevar ao poderà custade «jornadas revolucionárias»)camponesase ple- beias,que lhe custaramterrivelmentecaro,a burguesiainglesaconseguiu«compor»coma Aristocraciae «partilhar»comela a detenção dopoderdeEstadoe a utilizaçãodo 8Jparelho de Estado durantemuito tempo (paz entre todosos homensde boa-vontadedas classes dominantes!)Na Alemanha as coisas são aindamais manifestas,visto que foi sob um 61 aparelllOideológicode Estadopolíticoemque os Junkers imperiais(sÍtmboloBismark),o seu exéreitoe a suapoli0ia,lheserviamde escudo e de pesso.aldirigente,quea burguesiafez a sua entradaestrondosana históflÍa,antesde «atravessar»a repúblicade Weimar e de se confiarao nazismo. Cremosportantoter fontesrazõesparapen- sar que,por detrásdosjogosdo seuAparelho Ideológ1code Estado político, que estavaà bocade cena,o quea burguesia.crioucomo AparelhoIdeológicodeEstadon.O1, erportanto dominante,foi o aparelhoescolar,quedefacto substituiunassuasfunçÕ€so antigoAparelho IdeológicodeEstadodominante,istoé,a Igreja. Podemosaté acrescEntar:o duo Escola-FamÍ- ha substituiuo duo Igreja-Família. Porqueé queo a;parelhoescolaré de fado o .3JparelhoideológicodeEstadodominantenas formaçõessociais crupita1istase comoé que ele funciona? Por agora,bastadizer: 1.- Todosos AparelhosIdeológicosdeEs- tado,sejamelesquais forem,concorrempara um mesmoresultado:a reproduçãodas rela- 62 çõesdeprodução,istoé, dasrelaçõesdeexplo- raçãocrupitalistas. 2.- Cada um deles concorre para este resultadoúnicoda maneiraquelhe éprópria. O 3Jparelhopolíticosujei·tandoos indivíduosà ideologiapolíticadeEstado,a ideologia«demo- crática», «indirecta»(parlamentar)ou «di- recta» Cplebiseitáriaou fascista).O aparelho deinformaçãoembutindo,atravésdaimprensa, da rádio,da televisão,emtodosos «cidadãos», doses quotidianasde nacionalismo,chauvi- nismo,liberalismo,moralismo,ete.O mesmo acontececom o aparelho,cultural(o prupeldo desportono.chauvinismoédeprimeiraordem), etc. O ruparelhoreligiosolembrandonos ser- mõese noutrasgrandescerimóniasdo Nasci- mento,do Casamento,da Morte,queo homem nãoémaisquecinza,a nãoserquesaibaamar os seus-irmãosatéaopontodeoferecera face esquerdaa quemjá o esbofeteouna direita. O a,parelhofamiliar..., etc. 3. - O cOIllcertoé dominadopor umaparti- tura ún1ca,perturb3Jdade quandoem quando por contradições(as dos restosdas antigas classesdominantes,as dos proletáriose das 63 suas organizações):a ,partiturada ldeologia da classeactualmentedominante,queintegra na sua mús1caos grandestemasdo Huma- nismodosGrandesAntepassados,quefizeram antesdo Cristianismoo Milagre grego,e de- pois a Grandezade Roma,a Cidadeeterna,e os temasdo Interesse,particulare geral,etc. Nacionalismo,moralismoe economismo. 4.- Contudo,nesteconcerto,há um Apa- relho Ideológko de Estado que desempenha incontestavelmenteo papeldominante,embora nem semprese prestemuita atençãoà sua mús1ca:ela é de tal maneirasilenciosa!Tra- ta-seda Escola. Desdea rpré-1primária,a Escolatomaa seu cargo todasas criançasde todas as cJasses sociais,e a partir da Pré-Primária, inculca- olhesduranteMlOS, os anosemquea criança estámais «vulneráve!»,entaladaentreo apa- relhodeEstadofamiliareo aparelhodeEstado Escola,«saberespráticos»(des «savoir faire») envolvidosna ideologiadominante(o francês, o cálculo,a história,as ciências,a literatura), ou simplesmente,a ideologiadominanteno estadopuro (moral,instruçãocívica,filosofia). Algures, por volta "0S dezasseisanos,uma 64 ·I.~·~·.·O ~ J 11 -~( 'fI ~I "I .11 i4i enormemassadeQriamçasüai «naprodução»: são os OIperáriosou os pequenoscamponeses. A outr,aparteda juventudeeSicolarizávelcon- tinua: e seja comofor faz um troçodo cami- nho para cair semchegarao fim e preencher os postos dos quadros médiose pequenos, empregados,pequenose médiosfuncionários, pequeno-burguesesde toda a espécie.Uma últimaparteconsegueacederaoscumes,quer paracair no semi-desempregointelectual,quer parafornecer,alémdos«intelectuaisdo traba- lhador colectivo»,os agentesda exploração, (capitalistas,managers),os agentesdarepres- são (militares,polícias,políti,cos, administra- dores)e os profissionaisda ideologia(padres de toda a espécie,a maioriados qua,issão «laicos»convencidos). Cada massaque fica pelo caminhoestá praticamenterecheadada ideologiaque con- vém ao papel que ela deve desempenharna sociedadedeclasses:papeldeexplorado(com <c(;onsciênciaprofissiona1»,«mora!»,«cívica», <maJCional»e apolítica altamente«desenvol- vida»); papelde agenteda exploração(saber mandar e falar aos operários:as «relações humanas»),de agentesda repressão(saber mandar e ser obedecido«semdiscussão»ou 65 saber manejara dem8Jgogiada retóricados dirigentespolítkos), ou profissionaisda ideo- logia (ques8Jibamtra"taras consc,iênciascom o respeito,isto é, com o desprezo,a chan- tagem,a demagog;i.aqueconvêm,a.comodados às subtilezasda Moral,da Virtude,da «Trans- cendência»,da Nação,do p8Jpelda Fra"nçano mundo,etc.). l!: ,claro,grande nÚimerodestas Virtudes contrastadas(modéstia,resignação,submissão, iporum lado,cinismo,desprezo,altivez,segu- rança,categovia,'cap.acidadepara bem-falare habilidade)8Jprendem-setambémnasFamílias, na"sIgrejas,na Trop.a,nosLivros, nos filmes e aténosestádios.Mas nenhumAparelhoIdeo- lógicode Esta"dodiSipõedurantetanto tempo da audiênciaobrigatória (e ainda por cima gratuita...), 5 a 6 diasem7 quetema semana, à razãode 8 horaspor dia,da totalidadeda"s cTiançasda formaçãosocialcrupitalista. Ora, é atravésda aprendizagemde a"lguns saberespráticos (savoir-faire) envolvidosna inculcaçãomassivada ideologiadaclassedomi- nante,quesão em grandeparte reproduzidas as relações de produção de uma formação socialcapItalista,isto é, as relaçõesde explo- radoscomeXlploradorese deeXiploradorescom 66 , t 't JI i I i§; , explorados.Osmeclmismosquereproduzemeste resulta.dovital para o regimecapitalistasão naturalmenteenvolvidose dissimuladospor uma ideologiada Escola unive~salmenterei- nante,visto queé umadas formasessenciais da ideologiaburguesadominante:umaideolo- giaque representaa Escola comoum meio neutro, desprovidode ideologia(visto que... lai.co), em que os mestres, respeitososda «consciência»e da diberdade»das crianças que lhes são confiadas (com toda a con- fiança) pelos «pais» (os quais são igual- mentelivres, isto é, proprietáriosdos filhos) os fazemacederà liberdade,à rnoralidadee à responsabilidadede adultospelo seu próprio exemplo,pelosconhecimentos,pela literatura e pelassuasvirtudes«libertadoras». Peçodesculpaaosprofessoresque,emcon- diçõesterríveis,tentamvolta:rcontra a ideo- logia, ...:ontrao sistemae contra as práticas emqueesteos encerra,as armasquepodem encontrarna história e no saberque «ensi- nam».Em certamedidasão heróis.Mas são raros, e qua"ntos(a maioria)não têm sequer um vislumbrede dúvidaquantoao «trabalho» queo sistema(que os ultr3Jpassae esm3Jga) os obriga a fazer, ipior, dedic3Jill-se,inteira- 67 mentee em toda a consciênciaà realização dessetrabalho (os famososmétodosnovos!). Têm tão poucasdúvidas,que contribuematé peloseudevotamentoamantere a alimentara representaçãoideológicada Escolaquea torna hoje tão «natural»,indispensável-útile até benfazejaaos nossoscontemporâneos,quanto a Igreja era «natural»,indispensávele gene- rosaparaosnossooantepassadosdeháséculos. De facto,a Igreja hojefoi substituídapela Escola no seu papel de Aparelho Ideológico de Estado dmninante. Está emparelhadacom a Família como outrora a Igreja o estava. Podemosentãoafirmar que a crise, de uma profundidadesem precedentes,que por esse mundofora abalao sistemaescolarde tan- tos Estados,muitasvezesconjugadacomuma crise (já anunciadano Manifesto) queS8JCode o sistemafamiliar,adquireumsentidopolítko, seconsideramosquea Escola(eo parEscola- -Família) constituio AparelhoIdeológicode Estado dominante,Aparelhoque desempenha um papeldeterminantena reproduçãodas re- 1açãesde produçãode um modo de produção ameaçadona sua existênciapelaluta de clas- seamuudial. 68 A PROPóSITO DA IDEOLOGIA Ao aV8mçarmoso ,conceitode Aparelho Ideológi~ode Estado,quandodissemosque os AlE «funcionavampela ,ideologia»,invocámos uma realidadesobre a qurulé precisodiZ'er umaspalavnas: a ideologia. Sabe-seque a exipressão:a ideolo,gia,foi forjrudapor Cabanis,Destuutde Tracy e pelos seusamigos,quelheatribuírampor objectoa teoria (genética)da,sideias.Quando,50 anos mruistarde, Marx retomao termo,dá-lhe,a partir das Obras de Juventude,um sentido totalmentediferente.A ideologiapassaentão a ser o sistemadas ideias,dasrepresentações, que domina° espírito de Um homemou de um gruposocial.A luta ideológko-politicaque Marx desencadeounos seusartigosda Gazeta Renana depressao confrontariamIcomesta 69 realidade,eobrigá-Io-iama 341rofundarassuas primeiras,intuições. No entamto,depar.amo-lIlosnestepontocom um paradoxoespantoso.Tudo parecia levar Marx a formularumateoriada ideologia.De facto,a ]dJeologia Alemã oferece-nos,antesdos Manuscritosde 44, uma teoria exlplícitada ideologia,mas... não é marxista (e prová-lo- -emosem breve).QUailltoao Capital) se con- tém mui,tasind1caçãesipaTa'UJIllateooi.a.das ,ideologias(a mais visível: a ideologiados economistasvulgares), não contémpropria- menteestateorlÍa,a qualdependeemgrande parte de uma teoria da ideologJiaem geral. Gostariade 'correro risco de proporum esboçoesquemátioodestateoriada ideologia emgeral.As tesesde quevoupartir nãosão, é claro, improvisadas,mas só podemser de- fendidase ex.perimentadas,istoé,iConfi~a;das ou rectif1cadas,atr,avésde estudose anáLises a,profundados. 70 A IDEOLOGIA NÃO TEM HISTóRIA Primeiroquetudo,umaprulavraparaeXipor a razão de prindpio que me parece,se não fundamentar,pelomenosa,utorizaro projecto deumateoriadaideologiaem geral) enãoo de uma teoria das ideologiasparüculares,que eXiprimemsempre,seja qual for a sua forma (religiosa,moral,jurídka, política),posições de classe. Será sem dúvida necessáriodesenvolver umateoriadas ideologiasconsideradasnoduplo aspectoacima indicado.Veremosentão que umateoria das ideologiasrepousaem última análisena históriadasformaçõessociais,por- tanto na dos modosde produçãocombinooos nas formaçõessociaise da históriadas lutas declassesquenelassedesenvolvem.Nestesen- tido, é ela:roque não se pode fOI11I1lularuma teoria da,s ideologiasem geral) pois que as 71 ideologias(definidassob a duplarelaçãoque indicamosacima: regionale de iclasse)têm uma história, cuja determinaçãoem última instânciase encontra,comoé e~idente,fora das ideologiasem sd., emboradizendo-Ihesres- peit<;}o Todavia,sepossodefiniro projectodeuma teoriada ideologiaem geral) e se esta teoria é de factoumdoselementosde quedependem as teorias das ideologias,isso impLicauma proposiçãoaparentemetllteparadoxalqueenun- ciarei nos seguintesvermos:a ideologia não tem história. Comose s,abe,esta fórmula figura numa passagemda Ideologia Alemã. Marx enuncia-a a propósitoda metafísicaque, segundodiz, tal ,comoa moral,não temhistória (subenten- dido: e as outrasformasda ideologia). Na Ideologia Alemã) esta fórmula figura numcontextofrancamentepositivista.A ideo- logiaé entãoconcebidaeomopurailusão,puro sonho,isto é, nada.Todaa sua realidadeestá fora desi própria.É pensadacomoumacons- truçãoimagináriacujoestatutoé exactamem.te semelhanteao estatutoteóricodo sonhonos autoresanterioresa Freud. Para estesauto- res,o sonho'erao resultadopuramenteimagi- 72 nário,istoé,nulo,de «resíduosdiurnos»,apre- sentadosnumacomposiçãoenumaordemarbi- trárias,por vezes«invertidas»,numapalavra, «nadesordem».Para eles,o SOIIlhoera o ima- ginário vazioe nulo «eorn:struido»arbitraria- mente,ao acaso,COtmresíduosda únicareali- dadecheiae positiva,a do dia.Tal é, na Ideo- logia Alemã) o estatutoexactoda filosofia e da ideologiaCpoisquelIlestaobra a filOsofia é a ideologiapor excelência). A ideologia,começapor ser,segundoMarx, uma construçãoimaginária,um puro sonho, vazio e vão, ,constituídopelos«resíduosdiur- nos»da únicarealidadeplenae positiva,a da história concretados indivíduos concretos, materiais, produzindomaterialmentea sua existência.É nestaperspectivaque,na Ideolo- gia Alemã, a ideologianãotemhistória,dado quea sua história está fora dela,está onde existea únicahistória possível,a dos indiví- duosconcretos,etc. Na Ideologia Alemã) a tesesegundoa qual a ideologianão temhis- tória é portantoumatesepurament1enegativa poisquesignificasimultaneamente: 1.- a ideologianãoé nadaooquantopuro sonho (fabricadonão se sabepor quepotên- 73 eia: sabe-se.rupooasqueela IProvémda aliena- ção da divisãodo trabalho,o que é também uma determinação'J'IAegativa)• 2.- a ideologianão tem história, o que não querde maneiranenhumadizerque não tenha história (pelo contrário,uma vez que é apenaso pál'idoreflexo,vazio e invertido, da história real), mas ela não Itemhistóma própria. Ora a teseque eu gostariade derender, retomaindoformalmenteos termosda Ideolo- gia Alemã (<<aideologianão'tem história»), é radicalmentediferooteda tese positivista- -historicistada IdeologiaAlemã. Porque,por um lado,,creioIpodersustentar que as ideologiastêm uma história própria (emboraesta história seja determinadaem última instâJllciapela luta de .classes);e, por outro lado,quea ideologiaemgeralnão tem história)nãonumsentidonegativo(a suahis- tória estáfora dela) masnumreIlitidoabsolu- tamentepositivo. Este sentidoé 'positivo,se é verdadeque é ,próprioda ideologiao ser dotadade uma estrutura e de um funcionamentotais, que fazemdelauma realidadenão histórica,isto 74 é,omni-histórica,IIlOsentidoemqueestaestru- tura e este funcionamentoestão, sob uma mesmaforma,imutável,PI"eSootesnaquiloa que sechamaa históriainteira,no sentidoemque o Manifestodefinea históriacomoa história da luta de classes,isto é, história das socie- dadesdJeclasses. Para forneceru:mareferênciateórica,di- rei, retomando°exemplodo sOIIlhoagorana concepçãofreudiana,que a proposiçãoenUlIl- ciada: a ideologianão tem história, pode e deve(e de umamaneiraquenão tem absolu- tamentenadade arbitrário, mas que é pelo contrárioteoricamentenecessária,porqueexis- te uma ligaçãoorgânicaentre as duas pro- posições)ser postaemrelaçãodirectacoma protposiçãodeFreud segundoa qualo incons- cienteé eterno)istoé, nãotemhistória. Se eternonão querdizer tramscoodentea todaa história (temporal)masomnipresente, trans-histárico,portantoimutávelnasuaforma ao longo da história,retomarei,valavra por palavra,a expressãode Freud e direi: a ideo- logia é eternacomoo inconsciente.E aJCres- centarei que esta aproXlimaçãome parece teoricamentejustificaJdapelo faotode que a eteI'lnidadedo incOlIJ.lscientebem uma certa 75 relação com a eternidadeda ideolo~iaem geral. Ê assim que me jul~ autorizado,pelo menospresuntivamente,a propor uma teoria da ideologiaemgeral,nosentidoemqueFreud formulouumateoI"iado inconscienteemgeral. Para simplificara expressão,e toodoem contao quesedissesobreas ideologias,pas- samos a empregaro termo ideologiaprura designara ideologliaem geral, de que disse quenãotemhistória ou, o queé equivalente, que é elerna,isto é omnipresente,sob a sua forma imutável,em todaa história (=histó- ria das formaçõessociaiscompreendendoclas- ses sociais). ProvisoI1iamente,limito-me de factoàs«sociedadesdeclasses»eàsuahistória. 76 A IDEOLOGIA É UMA ((REPRESENTAÇÃO)) DA RELAÇÃO IMAGINARIA DOS INDIVIDUOS COM AS SUAS CONDIÇõES DE EXISTt:NCIA Para abordara tesecentralsobrea estru- tura e o funcionllimentoda ideologia,proponho duas <teses:uma negativae outra Ipositiva. A primeirarefere-seao objectoqueé «repre- sentado»soba formaimagináriada ideologia, a segundarefere-seà materialidadeda ideo- logia. Tese1: A ideologiarepresentaa relação imlligináriados indivíduoscom as suas con- diçõesreaisde existência. De umamaneirageral,diz-seda ideologia religiosa,da ideologiamoral,da ideologiajurí- dica,da ideologiapolítica,etc.,quesão «con- cepçõesdo mundo».E é claro quese admite, a mooosque se viva uma destasideologias 77 camaa verdade(,parexemplO',sese«acreditar~ emDeus,na DeverO'Una Justiça, etc.),quea ideologiade que~ fala entãO'de um pontO' de vistacrítica, aO' examiná-Iacomaum etnó- lagO'e~aminaas mitosdeuma«sociedooepri- mitiva»,que estas «'concepçõesdO' mundO'» sãO'na sua grandeparte imaginárias,,istO'é, 1}ãa«carrespondentesà realidade». ContudO',embon adinütindO'que elas nãO' correspandemà realidooe,portantO'que cans- tituemumailusão,admite-~quefazemalusãO' à realidade,e quebasta«inte~retá-las»para reencontrar,sO'ba sua representaçãO'imaginá- ria damundO',a própriarealidadedessemundO' (idealagia=ilusão/alusão). E~istemdiferentesüpas de inte~retaçãa, dasquaisas mais,canhecidassãO'O'üpO'meca- nicista)correntena séculO'XVIII (Deusé a representaçãO'imagináriada Rei 'real), e a interpretaçãO'«hermenêutica»,inauguradape- los primeirosPadresda Igrejae vetamadapar Feuerbache pela es,calateO'lógi,ca-filO'sófica nele inspirada,pO're~emplO'O'teólogO'Barth, etc. (Para Feuerbach,par e~empla,Deus é a essênciadaHomemreal).Afirma a essencial di~endaque,sab a condiçãO'de interpretara transposiçãO'(e a inversãO')imagináviada 78 ideolog,ia,chega-seà ,conclusãodequena ideo- lagia «os homensse representamsob uma farma imagináriaassuascondiçõesde e~is- tênciareais». Esta inte11pretaçãadei~ ,infeli~menteem suspelI1Saum pequenaprablema:parque«,pre- cisam»as homensdesta transp08'içãaimagi- náI'liadas suascondições,reaisde e~istência, para se «representarem»as suascandiçõesde existênciareais? A primeira resposta,a da séculO'XVIII, propõeuma soluçãO'simples:acu1pa é das Padrese dasDéspotas.Faram elesque «far- jaram» as BelasMentiraspara que,julgandO' abedecera Deus, as hamensabedecessemde factO'aos padresau aas Déspatas,na maiar :partedasvezesaliadasnasuaimpostura,asPa- dresao serviçO'dosDéspatasauvice-versa,se- gundoaspasiçõespalíticasdosditas«teóricos». ExisteportantO'umacausaparaa transpasiçãa imagináriadas candiçõesde existênciareal: estacausaéa exis,tênciadeumpequenogrupO' de hamenscínicas,queassentama sua dami- naçãO'e a sua explaraçãada «pava»numa representaçãO'falseadada mundO'que inven- taram para subjugaras espíritas,dominando a ima,ginaçãadestes. 79 A segundareSlposta(a de Feuerba,ch,reto- madaa par e passopor Marx nas ObI1asde Juventude)é mais «profunda»,isto é, igual- mentefalsa. Tambémela procurae encontra umacausaparaa transposiçãoe paraa defor- maçãoimagináriadas condiçõesde existência reaisdoshomens,numapalavra,paraa aliena- çãono imaginádoda representaçãodascondi- çõesde existênciados homens.Esta causajá nãosãoos Padresou osDéspotas,nema ima- ginaçãoactivadestese a imaginaçãopassiva das suas vít,imas.Esta eausaé a alienação materialquereinanascondiçõesdeexistência dospróprioshomens.Ê assimque,na Questão Judaica e noutros escritos,Marx defendea ideiafeuerbachianasegundoa qualos homens se fazemumarepresentaçãoalienada(= ima- ginária) dassuascondiçõesdeexistênciapor- que estascondiçõesde existênciasão em si alienantes(nos Manuscritosde 44: porque estas condiçÕ€ssão dominadaspela essência da sociedadealienada:o «trabalhoalienado»). Todasestasinterpretaçõestomamportanto à letraa tesequepressupõem,e emquerepou- sam,a saber,queo queé reflectidona repre- sentaçãoimagináriado mundo,presentenuma 80 ideologia,são as condiçõesde existênciados homens,,istoé, o seumundoreal. Ora, retomoaquúumatesequejá formu- lei: nãosãoas,condiçõesdeexistênciareais,o seumundoreal,que«oshomens»«serepresen- tam»na ideologia,masé a relaçãodoshomens comestas condiçõesde existênciaque lhes é representrudana 'ideologia.Ê esta relaçãoque estáno c~mtrodetodaa representaçãoideoló- gica, porta:ntoimaginária,do mundo real. Ê nestarelaçãoqueestácontidaa «üausa»que devedar contada deformaçãoimagináriada representaçãoideológicado mundoreal. Ou melhor,rparadeixa:remsuspensoa linguagem da ica:usa,convémformulara tesesegundoa qual é a naturezaimaginária destarelação quefundamentatodaa deformaçãoimaginária quese ipodeobservaremtodaa ideologia(se mãose viver na verdadedesta). Falando uma Linguagemmarxista, se é verdadequea ,representaçãodasIcondiçõesde existênciarealdosülJdividuosqueOCUP3JID pos- tos de agentesda produção,da exploração,da repressão,da ideologização,da prática cien- tifka, relevaemúltimainstânciadasrelações deproduçãoe dasrelaçõesderivadasdasrela- çõesde produção,rpodemosdizer O seguinte: 81 todaa ideO'logiarepresenba,nasuadefO'rmação necess,ariamenteim~ginária,nãoasrelaçõesde [produçãoex:istentes(e as O'utrasrelaçõesque delasderivam),mas antesde mais a relação (imaginária)dos ,indivíduoscom as relações deproduçãoe ,comas reLaçõesquedelasderi- vam. Na !ideologia,o que é representadonãO' € o si,stemadasrelaçõesreaisquegovel1nama existênciados indivíduos,mas a relaçãO'ima- gináriadestesindivíduos,comas relaçõesreais emquevivem. Se\lldoassim,a questãoda «causa»da de- formaçãO'imaginária das relaçõesreais na ,ideologia,caJi[lor ,terra,e deveser substituída por umaoutraquestãO':ipO'rqueé quea repre- sentaçãO'dada aos indivíduosda sua relação (individual)comasrelaçõessociaisquegover- namas suas ,condiçõesde existênciae a sua vida ,coleertivae individual,é necessariamente imaJginária?E qual é a naturezadesteima- ginário? Assim colocada,a questãoeV3;0uaa soluçãopeLa«pandilha»(<<clique»)1 de um 1 11:propositadamenteque empregoeste termo muito moderno,Porque mesmonos meioscomunistas, 82 grupO'de indivíduos (Padres ou Déspotas) autO'resdagrandemistificaçãoiÍdeológLca,asSiÍm comO'a soluçãO'pelo carkter ali€lIladO'do mundO'real.NO'prosseguimentO'da iIlossaexpO'- siçãO'vamosver pO'l1quê.PO'raJgüra,nãO'ire~ mosmais longe. Tese II: A ideologiatem uma ~istência material. Já aflO'rámO'sesta tese quandO'dissérrlos que as «1dieias»üU «rCfPresentações»,etJc.,de queparecesercO!IllIpostaaiÍdeologia,nãO'tinham existênciaideal,CiSlPiritiUal,masmaterial.Suge- rimos que a existênôiaideal, eS[lLritual,das «ideias»relevavaex:clusivamentedeumaideO'- logia da «ideia»e da ideologiae, acrescen- temos,deumaideolO'giadO'querpareee«funda- mentar»estaiCollicerpçãO'a[lartirdarupariçãO'das ciências,a sruber,O'que00 práticosdas,ciências se re[lresentam,na sua ideolügiacS[lOlltânea, comO'«ideias»,verdadeirasüU falsas.É clarO' que,rupresentaJdasO'b'a fO'rmade umaafirma- çãO',estatesenãO'é demOIlSitrada.Aipenaspedi- a «explicação»de um desviopolítico (oportunismode direita ou de esquerda)pela acçãode uma «pandilha» (<<clique») é infelizmentecorrente. 83 mosquellie sejaIconcedtdo,emnomedo ma;De- vialismo,um preconceitofavorável.DesenvoJ- vimentosmuitolongosseriamnecessários:para a SiUademonstração. A tese:presuntiva da existêncianão oopiri- tual masma;teI'Íaldas «ÍJdeias»ou outras«re- presentações»,é-tllosde Lado necessáriapara wvançarna anáLiseda naturezada ideologia. Ou melhor,é-nosútil :paraescl3;I'ecero que todaa análisesé.riade umaideologiamostra imediatamente,eIl1ipirkamente,'atodoo obser- v8Jdormesmopoucocritico. Dissemos,ao falar dos aparelhosideoló- gicosdeEsta;doe dasprá1Jitcasdestes,quecooa um delesera a crealizaçãode uma ideologia (sendoa unidadedestasdiferentesideologias regionais- religiosa,moral,jurkLi:ca,(política, estética,€tc.- asseguradapela sua subsun- ção à 'ideologiadominante).Retomamosesta tese:umaideologiaexiste,semprenuma;pare- lho, e na sua prática ou suaspráticas.Esta existênciaé material. Ê daro quea existênciamaterialda ideolo- gianumaparelhoenassuas:práticasnãopossui a mesmamodalidooequea e~istênüiamaterial de umapedraou de uma espingarda.Mas, e correndoo risco de nos chamaremn€o-aristo- 84 télicos (note-seque Marx tinha Aristóteles emgrande'conta),diremosque «amatériase àiz em vários sentidos»,ou melhorque ela existesobdiferentesmodalidades,todasenrai- zadasemúltimainstâneiana matéria«física». Dito isto, vejamoso que se passa nos «indivíduos»que vivemna ideologia,isto é, numa ropresentaçãodo mundo determinada (religiosa,moral,etc.),cuja deformaçãoima- ginária dependeda relaçãoimagináriadestes indivíduoscomassuascondiçõesdeexistência, Íf,toé, emúltimainstâmcia,comasrelaçõesde produçãoe declasse(ideologia=relaçãoima- gináriacomrelaçõesreais). Diremosqueesta relaçãoimagináriaé emsi mesmadotadade umaexistênciamate!1Íal. Ora verificamoso seguinte: Um indivíduocrê em Deus,ou no Dever, ou na Justiça, etc. Esta crençareleva (para todosos quevivemInuma'representaçãoideo- lógka da ideologia,que reduz a ideologiaa ideiasdotadaspor definiçãodee~istênciaespi- ritual) das ideiasdessemesmoindividuo,por- tantodele,comosujeitopossuindouma cons- ciênciana qual estão contidasas ideias da suacrença.Atravésdodispositivo«concerptual» perfeitamenteideológicoassim estabelecido 85 (umsuj<litodotadodeumaconsciênciaemque fo~malirvremente,ou reconhecelivremente,as ideiasemquecrê),ocompomamento(material) do dito sujeitodecorrenaturalmente. O ,indivíduoem,questãoconduz-sedestaou daquelamameira,adOlptaesteou ruquelecom- portrumento(práticoe, o queé ma~s,iParbidpa emcertasprátLcasreguladas,quesãoasdoapa- relho ideológi'code que «dependem»as ideirus queenquantosujeitoescolheulivremente,cons- cientemente.SecrêemDeus,vaià Igreja para assistirà Missa, ajoelha-se,reza,confeSlSa-se, faz penitência(antigMIlJent<lestaera material no sentidocorrentedo teNllo)e naturalmente arrepende-se,e continua,etC.Secrêno Dever, terácomportamentos,correspondentes,inscritos nasprática,srituais,«,conformesaosbonscostu- mes».S'ecrê na Justiça, subme1er-se-ásem discussãoàs regras do Direito, e poderáruté prort€sltarquamdoestas são v,iolrudas,russinar petições,tomaripartenumamanifestação,e1lc. Em tOldoesteesquemaverificamos,portanto que:arepresentaçãoideológicada ~deologiaé obrigadaa reconhecerque todo o «sujeito», dotado de uma «,consciência»e crendonas «ideüas»quea sua «:consciência»lhe inspirae que aceitalivremente,deve«agir segundoas 86 II -~I '" 1.,. suasideias»,deverportantoinscrevernosactos dasuaprátilcamaterÍailas suasprqpriasideias desujeito,Livre.Se 01 não faz, «ascoisasnão estãobem». De facto, se não faz o que deveriafazer emfunçãodaquiloemque rucredJita,é ipOTque faz outra coisa,o que,sempreemfunçãodo mesmo:esquemaideaJista,dá a entenderque temideiasdiferootesdasqueproclruma,e que agesegundoessasoutrasideias,comohomem querdnconsequente»(<<ninguémé mauvolun- tariamente»),quercÍillÍICoou perverso. Em quaLquerdoIS,casos,a ideologiadaá.deo- logiareconheceportanto,apesarda suadefor- maçãoimaginária,queas«ideias»deumsujeito humanoexistemnosseulSalCtos,oudevemexis- tir nos seus:tctos,e se ,istonãowcnntece,em- presta-lheoutras 1deiascorrespondentesaos aJctos(mesmopervemos)queelerealiza.Esta ideologi,afala dos·actos: nós falaremosde actosinseridosempráticas.E faremosnotar que estasIpráticaJssão reguladaspor rituais emqueelasseinscrevem,no seiodaexistência materialde um aparelhoideológico)mesmo quese trate de umaipequenísSlÍma:partedeste alParelho:umamissapoucofrequentrudanUlffia crupela,um enterro,'UmpeqUi€lIlOdesalfiode 87 fuItebolnumasooiedadedesportiva,um d~ade aulasnumaescOila,uma'I1tmniãoouummeeting de um partidopolítico,eW. Devemosà «dia1OOt~ca»defemsivadePascal a maravilhosafórmula que nos vaiÍpermitir invertera ordemdo esquemanocionalda ideo- logia.Pl8,SlcaldÍQ';aproximadamenteo seguinte: «Ajoelhai-iVos,mexeios lábioscomose fOSlSeis rezar,esereiscrentes».Inverteportantoescam- dalosarnenteaordemdascoisas,trazendo,como CrÍlSto,nãoa rpaz,masa divisão,e aLémdisso, o queémuitopoucocristão('porque3:idaquele que provocaescâruialo!),o escândalo.Bem- -aventuradoescândaloque, 'por desafiojan- senista,o leva a falar uma Linguagemque designaa Tealidadeem/pessoa, VamosdeixarPascal aosseusargumentos de luta ideológkano seiodo aparelhoideoló- gicode mstrudoreLigiosodo seu tOO'lrpo.Reto- maremosuma HIIl@U8<gemmais directamente marxista,sepudermos,rpoisentramosemdomí- nios aindamal explorados. Diremosportanto,,considerandoarpenrusum sujeito (tal indivíduo),que taexistênciada::; ideirusda sua ,crençaé material,porquerus suas idcias são ados materiaisi1'Weridosem 88 t II práticas materi.ati8,regulaiUlspar ritu.wismate- riais quesoo tambémde/i'Yllido8 peloaparelho ideológicomaterialde que relevam00 ideia8 dessesujeito.o,squaItroadjectivos«materiais~ ÍlnsoritosnanossarprÜlposiçãodevemserafecta- dosdemodalidadesdiferentes:a materialidade de uma deslocaçãopara ~r à missa,de um ajoelhar,de um gestode sinal da oruz ou de meaculpa,de UJInafI'lase,de uma oração,de uma,contrição,deumapenitência,deumolhar, de um apertode mão,de um dis~ursoiVerbal ex'temoou de um d~urso verball«'interno» (a consciência)não é uma única e mesma materia1idade.Deixamosemsuspensoa teoria dadiferençadasmodalidadesdamaterialidade. N~ta apresentaçãoIÍnverlidadas coisas, não estamoslperamteuma «inversão»,pois const3Jtlamosque a;lgumas:noçõesdeS3jparece- rampura e simplesmenteda nossaiI10IVaaJPre- sentação,enquantooutras subs,iateme novos termos3Jparecem. Desapareceu:o termo ideias. Subsistem:os ,termossujeito, cornseiência) crença,aotos. AJparecem:os termospráticas)rituais,apa- relho ideológico. 89 Não se !trataportMlJtode uma inversão (salvo.nosentidoem que se diz que 111m,go- vermoou um capoforam derrubados[renver- sés] ), mas de umaremodelação(de tipo não ministerial)ibastamteestI1amha,dadoqueobte- moso seguJ1nteresult8ido: As ideias desa'Pareceramenquamtotais (enquantodotadasde uma e~istênciaideal, espiritual),na med,idaemquef:lcouclaroque a existêncIadestasse linscreY1ianosactosdas práticasreguladas,pelosrituais def,inidosem última instânciaIpor UtIll alParellioideológico. Surge assim que o sujeito age enqu8mJtoé agidopeloseguintesistema(enunciadona sua oroemde determina.çãoreal): ideologiaexis- tindonum aparelho'ideológicoma;terirul,pres- crevendop.rMic8JSmateriais,reguladaspor um rutualmruteI1ial,as quais (práticas) existem nos actosmaJteriaisde um sujeitorugindoem consciênciasegundo,asua crença. ~as estaapresentação~ostra que,conser- vámosasInoçõesseguintes:sujeito,consciência, crença,actos.Desta sequência,extraímosjá o termo,central,decisivo,dequetudodepende: a Inoçãode ~mjeito. 90 E enunoi'amosentão as duas teses con- juntas: 1- Só existeIPrátleaatravése sob uma ~deologia; 2- Só existe,ideoJogiaatravésdo sujeito e para sujeitos. Podemosagora regressar à nossa tese central. 91 A IDEOLOGIA INTERPELA OS INDIVíDUOS COMO SUJEITOS Esta tese seTVepara eXip1icitara nossa última proposição:só existe ideologiapelo sujeito e para sujei,tos.Entenda-se:só existe ideologiapaJ'asujeitosconcretos,e estadesti- naçãoda ideologiasó é possívelpelosujeito: entenda-se,pelacategoriadesujeitoe peloseu funcionamento. Com,istopretendemosdizerque,mesmoque elasóapareçasobestadenominação(osujeito) aquandoda instauraçãoda ideologi'aburguesa, e sobretudoaquandoda instauraçãoda ideo- logia jurídica\ a categoriade sujeito '(que 1 Que toma a. categoriajuridica de «sujeito de direito» para fazer dela uma noção ideológica:o ho- memé por naturezaum sujeito. 93 podefuncionarsob OIUtvasdenominações:par exemplüem Pl3Jtãü,a alma,Deus, ebc.) é a eategorra,cün'Sltitutivadetüdaa ideülOlg,ia,seja qual for a detellminaçãüdesta (regionalou de classe)e seja qual [ar a sua data histó- rka - dadoque a ideologianão temhistória. DizemüS:raC3Jtegüria.desujeitoé 'Constitu- tiva detodaa ,ideola~ia,masaümesmütempo e imediatamenterucresc€II1Jtamosque a cate- goria de sujeito só é constitrutivade toda a ideologia)na mediàaem quetodaa ideologia tempar função(quea deji'Y/Je)«constituir»üS i'YIJdivíduosconcretosemsujeitos.É nestejogo de duplacolI),sUtuiçãoquecOll.&iste01 fUiOJciona- mentodetodaa ideülogia,!poisquea ideolog;ia não é mais que o seuprÓlIJriüfUllIcionamerntü nas forma:smruteriaisda exJistêrnoiadestefutll- cijünamento. Para secompreenderbem01 quesegue,con- vémsublinharquetantüa autordestaslinhas, camüo leitür, são sujeitas,rportantüSlUjeitos ideológi'cas(prOlposiçãotautOllógica),istü é, quea 3Jutorcomü01 leitor ,desta:slirnhasv,ivem «eSIPontaneamente»üu «rnaturalmente»na ideo- log,ia,no sentidü em que dissémasque «o hamemé par naturezaum anianalideológica». 94 Queo autor,enquantoescreveestaslinhas deumdiscursoquesepretente.científilca,es.teja completamenteauselllte,,como«sujeito»,do «seu»discursrOcierntíficüCrporquetodo a dis- curso rCicntíficoé por def,iniçãoum discurso semsujerito;não existe «Sujeitoda ,ciência» a não ser numaideologiada ciência), é outra questãoque por agara deixaremosde lado. COlmodizi,aadmiraveLmenteS. Paula,é no «Lagos»(entenda-se:na ideülo~ia),quetemos «o ser, o movimentoe a vida».Segue-seque paravocê(leitor),rcoma'paramim,a categoria desujeitoé uma«evidêrnóa»primeira(asevi- dênciassãasernpre,primeiras): éclaroqueeu e você somossujeitos (1.ivres,morais, et:c.). Cama todas as evidênaias,incluindo as que fazemcom que uma !palavra«designeuma coisa»üu «possuaumasignifi:cação»(portantü incluindü,aiSevidêrnciasda «trans'parência»da linguagem),esta«evidência»dequeeu e você somossujeitos- e queessefactonãü
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