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Nordeste a pujança e, talvez, neste momento, a primazia nesses estudos”. Em prefácio, de 1980, a Estado de Direito, Liber- dades e Garantias, Miguel Reale viu Nelson Saldanha como “figura bem representativa da mudança de atitudes operada no Brasil, no que se refere à análise das idéias políticas e sua reper- cussão no meio nacional, com definitivo abandono da erudição livresca que comprometia a obra de nossos raros investigadores na área política”. E, de seu amor pelo processo histórico, “em sintonia com o das estruturas sociológicas” resultava “uma opção valiosa pelas soluções achegadas ao real, ou delas emergentes, o que o situa, a justo título, nesse grande e complexo movimento que, na falta de expressão melhor, se tem preferido designar com a pala- vra ‘culturalismo’”. No prefácio de A Escola do Recife (1985), Antonio Paim, ao incluir Nelson Saldanha entre os autores que têm con- tribuído para fixar a problemática do culturalismo, afirmava que lhe coube “entre outras coisas, enfatizar que não se trata apenas de repisar a tese de que o homem faz a cultura e é feito por ela, mas de inserir os próprios problemas filosóficos no plano cultural e tê-lo 22 Nelson Nogueira Saldanha como referência ao considerar a feição de que se revestem. Os problemas filosóficos se renovam e se encaminham nessa ou naquela direção segundo as épocas e a própria perspicácia e acuidade do pensador, da influência que venha a exercer. Em suma, Nelson Saldanha de certa forma radicaliza o relativismo que está presente ao culturalismo, tendo porém o cuidado de distingui-lo do ceticismo”. E ressaltou: “Há contudo na obra de Nelson Saldanha uma questão nuclear em que residiria, talvez, a sua contribui- ção fundamental ao enriquecimento do culturalismo. Trata-se da medita- ção sobre a história, que o absorve desde o começo de sua atividade intelectual... O problema com que defrontou parece-me ter sido o do reco- nhecimento da autonomia da cultura, em contraposição às filosofias do século passado que pretenderam reduzi-la a um fator determinante, a exemplo do marxismo, face à evidência de que essa autonomia não impe- de certo ordenamento, que se estabeleçam consensos ou que facultem sejam ditas enormidades como seria vincular-se o Decálogo de Moisés à luta de classes.” Apresentando o livro Historicismo & Culturalismo, Evaristo de Moraes, vê o autor como “orteguiano, culturalista, historicista”, colocando-o “numa posição relativista e perspectivista quase extremada, posição essa que defende com muito talento e sólida argumentação. De forma alguma chega ao ceticismo, é cla- ro, mas à maneira da crítica da razão histórica de Dilthey, está convencido de que o conhecimento humano é um produto histó- rico, situado, válido a partir do conjunto de fatores que o condicionaram. Daí a função numa só concepção inextricável do historicismo e do culturalismo”. E termina por louvar “sua capaci- dade abstrativa, o seu trato com os problemas filosóficos, a sua informação bibliográfica e, sobretudo, o seu rigoroso senso crítico, descompromissado. Há nele a alegria de pensar e de criar, alegria essa que se transmite ao leitor”. História das Idéias Políticas no Brasil 23 Falando dos textos reunidos, em 1994, em Estudos de Teoria de Direito , afirmava o Professor Paulo Bonavides que a homogeneidade deles fazia convergir “para a tese capital e conclusi- va do pensamento jurídico-filosófico do Professor Nelson Saldanha: a rejeição do pensamento puro, já o de Kelsen, já aquele, não menos rigoroso, das inspirações logicistas da segunda metade deste século”. Ao descer aos problemas constitucionais, Saldanha demons- traria, segundo ele, “por igual sua invejável capacidade de crítica e análise científica do fato político”. Ostentaria “ao mesmo passo o grau de erudição e familiaridade a que chegou no conhecimento das grandes questões publicitárias e filosóficas de nosso tempo”. Era, afinal, um pensador “em cuja formação cultural concorrem o juris- ta, o sociólogo e o historiador, numa dimensão enciclopédica e interdisciplinar de impressionante amplitude”. Finalmente, em prefácio a Romantismo, Evolucionismo e Sociologia – Figuras do Pensamento Social do Século XIX, Sebastião Vila Nova diz que “o interesse de Nelson Saldanha por algumas das personalidades intelectuais mais marcantes no pensamento social brasileiro do século XIX – um Tobias Barreto, um Sílvio Romero, um Euclides da Cunha, ou mesmo o português Sampaio Bruno – revela um historiador das idéias plenamente afinado, talvez à la diable, com promissoras tendências da ciência social na atualidade. É que Nelson Saldanha não parte do pensamento para o pensador, mas, ao contrário, atento aos perigos da reificação das idéias, parte do pensador, como homem concreto, situado em um tempo e um espaço sociocultural singular, para, daí, alcançar o seu pensamento”. O QUE ACRESCENTAR Cabe acrescentar, somente, que é em linguagem clara, em 24 Nelson Nogueira Saldanha estilo agradável, que Nelson Saldanha expõe. Para isso lhe valeram os anos de docência e o dom da poesia, que desde os verdes anos exercita. Ele diz, na introdução de A Relva e o Calendário (Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1990), que começou “fazendo poesia. Aliás, desenhando e fazendo poesia”. Os sonetos antes reunidos em Livro de Sonetos (Re- cife, Edições Pirata, 1983) dão conta desse grave exercício; em que a emoção, embora ainda contida, parece corrigir a secura cerebrina de outros de sua geração, que refugavam a inspiração em favor, sempre e exclusivamente, da elaboração consciente. Nelson não integra o número desses “falsos poetas exaspe- rados”, de que Valéry anunciava a “desaparição futura”.4 Nem repete, como Monsieur Teste, que “qualquer coisa em nós, ou em mim, se revolta contra o poder inventivo da alma sobre o espírito.”5 Pois ele confessa: “O poema resulta de alguma coisa como uma iluminação, ou de um processo artesanal lento, mas ele é sempre uma junção de “arte” e de conteúdo.” 6 Neste livro, ele aponta, inicialmente, a complexidade de sua tarefa, a responsabilidade ao enfrentar um material – as idéias – que, sem forma em si mesmo, “tem a forma ou as formas que lhe deram os que o trataram e retrataram”. Mas nos dá, verdadeiramente, como pretendeu, mais uma história de teorias que de teorizadores. E, com sua tão rica contribui- 4 Valéry, Paul, Lettres à Quelques-Uns. Paris: Gallimard. 5 Valéry, Paul, Monsieur Teste. Paris: Gallimard, 1948, p. 129. 6 Saldanha, Nelson, A Relva e o Calendário. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1990, pp. 10/11. História das Idéias Políticas no Brasil 25 ção, ajuda-nos, em um país que, como lembra, em “seu modo de ter futuro”, tanto depende de uma lucidez histórica. Resta, somente, reiterar o júbilo de Afonso Arinos: Nel- son Saldanha “vai continuar, mercê de Deus, a nos explicar coisas”.7 WALTER COSTA PORTO 7 Franco, Afonso Arinos de Melo, in prefácio a O Pensamento Político no Brasil. Rio: Forense, 1978, p. XII. História das Idéias Políticas no Brasil 27 azer história de idéias é assumir especiais responsabilidades intelec- tuais. São responsabilidades que, sem dúvida, se compõem de obrigações metodológicas e de padrões doutrinários, e que, por outro lado, se comple- tam ou se coligam com responsabilidades éticas, políticas, culturais. Não seria um jogo de palavras dizer que dos livros que se escrevem, os de história assumem um especial compromisso histórico. Todo livro se insere num sistema de pretensões culturais, mas nos de história a dimensão do tema obriga o autor a uma consciência peculiar. A responsabilidade de quem narra idéias é feita do dever de ser leal ao passado – que não pode retornar para explicar-se –, e do de ser fiel ao presente, que sempre quer “ver” o passado como uma razão de ser de sua própria substância. O presente sente certas coisas, e espera do historiador