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que, falando de como o passado pas- sou, dê conta da origem daquelas coisas. Pelo seu lado doutrinário, a reponsabilidade consiste em man- ter-se entre as pontas dum dilema: não trair suas próprias convicções, no aplicável à interpretação dos assuntos que trata, e não desnaturar o perfil dos assuntos, ao apresentá-los ou ao fazer-lhes a devida apreciação. Quer dizer que tal responsabilidade é, de certo modo, dever de objetividade. O que talvez não signifique propriamente dever de “equilíbrio”: o historiador pode Introdução ....................................... Sumário da Introdução: Sobre “história de idéias”. História de idéias e preocupação nacional. Teorias, teorizadores e textos. As idéias políticas e as “outras”. O problema é da divisão em épocas; os modos de articular o cronológico. Teoria e experiência em política: pontos de vista e explicações. Interesse do problema para nosso continente e nosso país. Autocrítica do livro. Menções e agradecimentos. F 28 Nelson Nogueira Saldanha ou não, evitar os extremos, e pode ser possuído por um deles sem perder o senso das verdades, se bem isso seja então muito menos fácil. Pelo seu lado metodológico, o problema consiste em colocar-se formalmente à altura da tarefa. Ou seja, em cumprir o projeto da melhor forma, utilizando os pro- cessos de investigação devidos e incorporando adequadamente os elemen- tos levantados. Quando se faz história de fatos, a metódica da historiografia se apresenta como um feixe de técnicas, limitações e sugestões, convergin- do. para uma “restauração” dos passados. Mas se se faz história de idéias, os passados a restaurar são diferentes: não são coisas. As técnicas cronográficas, então, nem sempre são bastantes, e a interpretação se faz necessária, o que é um permanente convite à projeção daquilo que pensa o autor, sobre o que pensaram os outros (exemplo: atribuir facilmente esquerdismo e direitismo aos escritores brasileiros de há cem ou duzentos anos). Há um vasto, senão vastíssimo material a ser manipulado; e ele não tem forma em si mesmo, tem a forma ou as formas que lhe deram os que o trataram e retrataram. Há por outro lado um rol de finalidade que podem, uma a uma ou em conjunto, estar servindo ao historiador: a mera contempla- ção, o propósito erudito, a reforma do presente, a demonstração partidária. Há sempre, latente ou difuso embora, um padrão dominante quanto ao que deve ser o trabalho histórico e quanto ao “estado das questões” estudadas. E há o desejo de ver claro, ou o transbordamento, possivelmente lícito, de juízos pessoais sobre os esquemas e os conteúdos que formam o objeto do traba- lho histórico. E ninguém se furtará, em escrevendo uma história de ideais ou de discussões, a dizer que trabalha em prol da pátria; se lhe cobrarem mais, que a favor da humanidade; possivelmente, em vista de algum credo, ou ao menos de um modo peculiar de não ter nenhum. De qualquer sorte, o ideológico e o metodológico, ao menos enquanto no plano das funda- mentações, estão sempre ligados. Dessarte, um trabalho assim não deve ficar reduzido à só pes- quisa documental, ou à mera crônica de dados e situações, nem ainda à especulação por conta própria e à revelia dos pensadores tratados, embora a propósito deles; deve de certo modo ser tudo isso, em integração com um propósito de revisão, reestimação e balanço (“balanço de perspectiva” como, desde o título nem sempre citado de Jaspers, se sói às vezes dizer). E deve História das Idéias Políticas no Brasil 29 ser, tanto quanto possível – que às vezes não é tanto –, mais história de teorias que de teorizadores. Esta mesma relação, entre a alusão a teorias e a alusão a teorizadores, não pode porém ser previamente dosada, nem estabelecida. É que às vezes o que se chama de “pensamento político” se apresenta em textos, livros, publicações, documentos; outras vezes aparece como sentimento político, e se manifesta através de atitudes, situações, afir- mativas episódicas. Isto quer dizer que são “interesses” políticos os elemen- tos a pesquisar então. De modo que a história dos problemas fica sendo verificação de crenças, tanto quanto de idéias, para usar o binômio de Ortega (e por falar em Ortega, este sugeriu, no § 26 de La Idea de Principio en Leibniz, talvez seu maior livro, a distinção entre “ideoma”, ou formulação de pensamento meramente tomada como possibilidade mental, e “draoma”, ou drama, que é o ideoma convertido em realidade vivente pela sua adoção num ato). É difícil não ver como “ideais” aqueles sentimentos, e é também difícil evitar a necessidade, às vezes legítima, de vincular, à exposição do pensado antes, as interpretações de agora. Por tudo isto, frases como a de que se deve fazer história em nome da verdade e não de tradição – ver José Honório Rodrigues na Introdução de Conciliação e Reforma – não se podem embandeirar sem mais aquela, mesmo porque a tradição e a verdade não são coisas neces- sariamente incompatíveis, e porque saber o que é “verdade” em história é coisa diferente de apurar verdades físicas. Do mesmo modo, torna-se dis- cutível dizer que a história das idéias equivale a uma “história dos erros” (v. a propósito os elegantes relativismos de F. Battaglia, no artigo “Valore e funzione della storia delle dotrine politiche”, inserto nos Studi in onore di Enrico Besta, Milano, 1939, vol. III, pp. 495 e seguintes.) Quanto à importância de revelar alguns textos ou de exibir fatias deles, não radica apenas no fato de serem importantes como ex- pressão do “modo” de formalizar o pensamento, mas também no fato de que o progresso que eles mostram reflete o da técnica de pensar, e o da crítica ostensiva ou implícita que a apura. Pode ocorrer, mesmo que os textos citados sirvam, pela análise de sua estrutura, para o levanta- mento de princípios ou caracteres culturais latentes nas concepções que eles exprimem. 30 Nelson Nogueira Saldanha Em certas ocasiões, a exposição das idéias deste ou daquele au- tor tem de ser restrita à apresentação de uma espécie de “corte” transversal ou diagonal, em sua obra, mostrando as facetas principais ou os pontos nucleares. Pode dar-se casos em que o corte abre em duas bandas a obra, separando o lado da temática política de outros lados, ou outras temáticas que cultivou; ou revela pluralidade de aspectos dentro da obra. Lamentavel- mente não pude, em geral, ir muito além desses cortes, limitando a expla- nação a tópicos básicos, pondo porém à disposição do leitor as fontes, e os conteúdos essenciais para situar sua posição no processo da vida nacional. Ensejando inclusive a possibilidade de um dia voltar ao desenvolvimento de certas partes. Procurei sempre fixar o que veio sendo mais represantativo, independentemente às vezes de “melhor” ou de “pior”, no sentido de uma crítica negadora ou exaltadora. * * * É ocioso, nos dias que correm, acentuar a necessidade de revi- são do desenvolvimento das idéias políticas no Brasil. Se se pode sugerir a consideração de épocas mais e menos “propícias” a semelhante trabalho, a atual será das “mais”, e quero crer que com isso devem estar de acordo gregos e troianos. Mesmo porque, sendo a filosofia um permanente dar-se conta de sua própria situação no curso das formas de pensar, toda teoria ligada á filosofia, como é o caso da política, deve viver de revisões e retoma- das. Uma revisão, porém, não deve ser apenas julgamento, supondo e omi- tindo exposição, nem exposição exclusivamente. A relativa pobreza de nossa historiografia não impede que ela seja bem provida de tipos, ou ao menos de exemplos que fundam modos de pretender modelos ou adotar padrões. E às vezes, adoções e pretensões significam acusação contra os estilos alheios: assim, os adeptos da historiografia tipo new history e história-social, acusam de formalismo e academicismo as obras tradicionais ocupadas com dinastias e ministérios; os partidários