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e penetrantes, como os de uma boneca de porcelana, carregavam uma certa tristeza. Prostração. Mas às vezes brilhavam. Tornavam-se janelas que revelavam nervos que eram como pontas desencapadas de dois fios elétricos. Separados, eles carregavam somente o potencial para a violência. Um comentário mal-entendido, um inocente esbarrão no trem, podem simplesmente causar um sorriso. Ou as extremidades desencapadas podem se tocar e liberar uma corrente de raiva. Era quando ela perdia o controle. Logo acima, uma mariposa presa ao lustre batia as asas desesperadamente. Abaixo, Laylah estava sentada, tremendo. Sua camiseta encharcada de suor destacava seus mamilos. Pressionava seus dentes, eles rangiam. Estavam apertados. Seus olhos, agora, se fecharam firmemente, ela murmurava baixo, como que sob efeito de drogas: — Não durma. Não posso dormir! Não posso deixá-los entrar. O cigarro que estava entre seus longos dedos caiu no chão. O relógio da parede batia tique-taque, tique-taque, enquanto os escuros minutos da noite passavam. Cada respiração ficava mais fraca, desigual. Ela abriu os olhos. O rosto refletido devolveu o olhar, com firmeza, sondando. Pensou, e sussurrou: — Eu sou, portanto eu mato? O som de passos vinha do corredor externo... aproximava-se... Ela arregalou os olhos. Segurou a respiração e concentrou seus ouvidos, os olhos marejados voltaram-se para a porta em uma busca obsessiva. "Continua trancada! Não os deixe entrar!". ... e parou por um momento. A sombra apareceu por debaixo da porta e foi sumindo. O som dos passos continuou e foi, gradualmente, silenciando. A respiração que estava presa explodiu de seus pulmões. Ela respirou aliviada. O toque estridente do telefone rompeu o ar. Tocou novamente. Ele estava no chão. Tocou uma terceira vez. Suas mãos trêmulas se fecharam. Finalmente, com a mão livre, ela pegou o telefone. Por um momento, quem fez a ligação respirou forte, descompassadamente, mas sem dizer nada. Então, uma voz rouca e firme disse: — Vamos fazer um joguinho... Seus olhos piscaram duas vezes em uma sucessão muito rápida, seu rosto talhado por mãos que não podiam ser vistas, a assassina se contorcendo pela carne e pelos ossos até chegar à superfície. Ela assumiu o controle e disse com a voz firme: — Estou escutando. — Você tem um novo alvo. Kazim Rahman. — Rahman —, ela repetiu. — Sim — disse a voz rouca. — Ele está esperando pacientemente por você no Club-Q, em Bergen Strasse, na Zona. Olhe para o monitor. Os olhos de Laylah miraram o monitor que estava no chão. A imagem de um homem moreno, do Oriente Médio com um fino bigode apareceu na tela. Sentada, com o rosto sem expressão e os olhos sem brilho, ela ouvia atentamente. — Rahman responderá ao código de identificação: eu prefiro xadrez. — Eu prefiro xadrez. — Ele vai esperar que você faça uma troca. Mas você não fará. Neutralize o alvo e consiga o documento que ele carrega. Clique. O som contínuo do tom de discagem. A braçadeira de aço que a prendia se soltou e foi embutida no braço da cadeira, Foram três fortes estalos e as trancas eletrônicas se abriram sucessivamente. Um leve ranger e a porta começou a abrir. No corredor podia-se ver o vulto de uma pessoa. Cuidadosamente, a figura avançou até a entrada e parou. Estendeu o braço no qual carregava uma mala. Com a voz dura e rouca disse: — Você precisa se trocar. Vá fazer a maquiagem. A batida da música eletrônica vinha dos alto-falantes do Club-Q. As luzes estroboscópicas pulsavam, revelando lampejos de um bar preto, envernizado, com neon roxo e barracas pretas de couro presas à pista de dança. O ar era a mistura de fumaça, suor, violência e feromônios. Rahman estava no bar. Pedia mais uma dose, e suava em profusão. As calças e a jaqueta de couro que usava não respiravam como as leves túnicas que estava acostumado a vestir em sua terra natal, a Arábia Saudita. Seu trabalho o tinha levado a locais estranhos. Vendia peças de arte e antiguidades. Peças sem preço, antigos artefatos roubados, no mercado negro. O dinheiro recebido financiava os esquadrões suicidas da al-Qaeda. Sua mais nova oferta eram os escritos do sábio e alquimista árabe Gerber, que tinham vindo do recente assalto ao Museu de Bagdá. Uma mulher passava pela multidão, sorrateira, na direção dele. Ela colocou os ombros para trás e ergueu a cabeça, orgulhosa. Ela irradiava autoconfiança e vitalidade. Ele percebeu a reação que ela tinha causado em todos os homens no bar. Seus rostos fechados ganharam vida e acompanharam o caminho dela. Mas desviavam o olhar quando ela passava, como se soubessem, de alguma forma, que um simples olhar cortante daquela mulher pudesse castrá-los. Quando a mulher passou por uma garota com o cabelo arrepiado e uma roupa de vinil preta, a garota lançou-lhe um olhar desafiador. Como se tentasse decifrar se a desejava física ou sadicamente, ou ambos. Rahman achava que a maioria dos homens ali, como ele, estava em busca de algo além de sexo e violência. A diferença era que ele tinha experimentado o poder de sugar a força vital, a essência dessa mulher ao segurar seu corpo junto ao dele e fitar seus olhos sem vida. A mulher desviou e ficou ao lado dele no bar. Ela não conseguia chamar a atenção do garçom. Ele ergueu uma nota de euro de grande valor e o garçom veio diretamente obedecer a sua ordem. Uma Heineken longneck. Enquanto ele observava o perfil dela, ela se virou. Seus olhos tinham o mesmo tom de azul de uma chama, porém eram frios. Seu olhar era direto, friamente sensual, um pouco doloroso. Tudo nela demonstrava uma selvagem vitalidade. Era a perfeição física. A pele bronzeada e brilhante. Maçãs do rosto bem desenhadas. Lábios carnudos, boca generosa. Embora estivesse vestida modestamente, sua blusa de seda estava desabotoada o suficiente para que ele visse de relance seu colo. Ela balançou a cabeça, prendeu os cabelos sedosos e sorriu. Quando ela se apoiou no bar, o olhar dele abaixou, fixo em sua cintura fina, nas longas e suaves linhas de suas pernas, nas formas como as tiras de seu sapato de salto destacavam seus delicados tornozelos. Ela tomou a cerveja e olhou para ele por cima da garrafa, enquanto lentamente a levava novamente até a boca. Seus lábios se divertiam à medida que ela percebia que ele se excitava. Ele deu um sorriso, apertou o bigode e disse: — Vou ficar na cidade só essa noite. Com uma voz delicada ela perguntou: — Você não gosta de jogos, gosta? Ela tomou mais um gole. Ele observava os músculos de sua garganta à medida que ela engolia a bebida. Imaginou uma lâmina afiada cortando sua delicada pele. — Jogos? — ele perguntou. — Eu prefiro xadrez. A referência ao xadrez não passou despercebida. Então ela é o meu contato para a troca, ele pensou. Rahman, Ele, o grande, enviou-lhe um presente. Distraidamente, ele levou a mão até o peito, para certificar-se de que os manuscritos continuavam a salvo no forro da jaqueta. Ela passou a língua pelo lábio superior, lentamente, para impressionar, e piscou para ele. Ele colocou a mão atrás dela e sentiu o firme contorno de seus quadris. Ela gemeu, deslizou pelo bar e pressionou seu corpo ao dele, seus olhos tremulavam. Ele se imaginou cortando cada um daqueles globos oculares, fazendo com que olhassem para dentro, introspectivos, simbolizando sua arrogância. Ela aproximou-se mais, sua respiração quente no rosto dele. Seus olhos não vacilavam, efetivamente bloqueavam sua intimidade dos curiosos