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Filosofia da educação I - prof. Ivanilde Apoluceno(1).pdf

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UniversidadedoEstadodoPará
PlanoNacionaldeFormaçãodeProfessoresdaEducaçãoBásica
Pró-ReitoriadeGraduação
CentrodeCiênciasSociaiseEducação
CursodeLicenciaturaemFilosofia
COLETÂNEADETEXTOS
DADISCIPLINAFILOSOFIA
DAEDUCAÇÃOI
ProfessoraOrganizadora:
IvanildeApolucenodeOliveira
Belém-Pará
Dezembrode2011
2
PlanoNacionaldeFormaçãodeProfessoresdaEducaçãoBásica–PARFOR
MaterialorganizadoparadesenvolvimentodadisciplinaFilosofiadaEducaçãoIno
CursodeLicenciaturaemFilosofiaaserofertadopormeiodeconvêniofirmadoentreo
MinistériodaEducação-CoordenaçãodeAperfeiçoamentodePessoaldeNível
Superior–MEC/CAPESeaUniversidadedoEstadodoPará–UEPA.
UniversidadedoEstadodoPará
Reitora
MaríliaBrasilXavier
Vice-Reitora
MariadasGraçasdaSilva
Pró-ReitoriadeGraduação(PROGRAD)
Pró-ReitoriadePesquisaePós-Graduação(PROPESP)
JofreJacobdaSilvaFreitas
Pró-ReitoriadeGestão(PROGESP)
ManoelMaximinianoJúnior
Pró-ReitoriadeExtensão(PROEX)
MarianeFranco
DiretoradoCentrodeCiênciasSociaiseEducação
MariaJosédeSouzaCravo
CoordenadorGeraldoPARFOR-UEPA
CoordenadoraAdjuntadaUniversidadeAbertadoBrasil-UAB
LéaMariaGomesdaCosta
CoordenadordoCursodeLicenciaturaemFilosofia
JoelciléaAyres
AssessoriaPedagógica
AliniCruz
3
SUMÁRIO
Apresentação
04
PlanodeEnsino
05
TEXTO1-OqueéFilosofia? 07
TEXTO2–Oqueéeducação? 14
TEXTO3–Filosofiadaeducação:especificidades 20
TEXTO4–PorumaPedagogiadaPergunta 26
TEXTO5–Ideologia,categoriaexplicativadoconhecimentohumano 31
TEXTO6–Ohomemunidimensional:aanálisedeHerbertMarcuse 47
TEXTO7–Ooperárioemconstrução 56
TEXTO8–Opensamentoeducacionalnafilosofiaclássica 58
TEXTO9–SobreopapeldomestreedoensinoemAgostinhoeTomásde
Aquino
87
4
APRESENTAÇÃO
AdisciplinadeFilosofiadaEducaçãoItemcomoobjetivopossibilitaraos
educandosaaquisiçãodesubsídiosfilosóficosnecessáriosàeducação,pormeioda
compreensãodasimplicaçõesdafilosofianasvisõesdemundoedeeducação,bem
comopelaatitudecrítico-reflexivaem relaçãoàsteorias,aspolíticasepráticas
pedagógicasnocontextoeducacionalbrasileiro.
NessaColetâneadeTextosdaFilosofiadaEducaçãoIdoCursodeFilosofiao
leitorencontraráoplanodeensinodadisciplinaetextosparaleituraemsalaenas
atividadesnãopresenciais.
Nestesentido,aColetâneadeTextoselaboradaconfigura-secomopontoinicial
paraoestudodosconteúdosdadisciplinaFilosofiadaEducação,aqualenvolveações
educativaspresenciaiseadistância.
Queostextosapresentadossejaminstigadoresdasreflexõesfilosóficaspropostas
nadisciplinaFilosofiadaEducaçãoIequecontribuamparaumaformaçãoeducacional
críticaedialógica.
IvanildeApolucenodeOliveira
5
UNIVERSIDADEDOESTADODOPARÁ
CENTRODECIÊNCIASSOCIAISEEDUCAÇÃO
CURSODELICENCIATURAPLENAEMFILOSOFIA
DISCIPLINA:FILOSOFIADAEDUCAÇÃOI
PROFªDRªIVANILDEAPOLUCENODEOLIVEIRA
TURMA: CH:40H
PLANODEENSINO
EMENTA
Adisciplinavisaexplicitararelaçãoentreafilosofiaeaeducação:característicasda
reflexãoedapráticafilosóficaedosaber-fazereducacional.EducaçãoeIdeologia.O
PensamentoeducacionalnaFilosofiaClássicaeFilosofiaMedieval.
TEMAS
TEMAI-FilosofiaeEducação:caracterizaçãodareflexãoedapráticafilosóficaedo
saber-fazereducacional.
TEMA II–Educação.FilosofiadaEducação.ImportânciadaFilosofiaparaa
educação.
TEMAIII–IdeologiaeEducação.
TEMAIV–Opensamentoeducacionalnafilosofiaclássica:Sócrates,Platãoe
Aristóteles.
TEMAV–Opensamentoeducacionalnafilosofiamedieval:SantoAgostinhoeSão
TomásdeAquino.
ESTRATÉGIASPEDAGÓGICAS
Aulasexpositivasdialogadas;leiturasreflexivasecríticasdetextoseobrasdeautores
citadosnabibliografia;debatesdasleiturasefetivadasem classeouextra-classe,
semináriosepesquisabibliográfica.
PROCEDIMENTOSDEAVALIAÇÃO
Aavaliaçãodaaprendizagemserádiscutidacomogrupo,observando-searelevânciado
conteúdoprogramáticoeoprocessometodológicodesenvolvidoemsaladeaulaeno
ensinoadistância.
BIBLIOGRAFIA:
ABBAGNANONicola.HistóriadaFilosofia–Vol.1,IIeIV.Lisboa:Presença.1969.
ARISTÓTELES.APolítica.Madri:Gredos,1999.
6
_____Metafísica.PortoAlegre:Globo,1969
____ÉticaàNicômaco.OsPensadores.SãoPaulo:AbrilCultural,1973.
BRANDÃO,CarlosR.Oqueéeducação.5e.SãoPaulo:Brasiliense,1982.
CHAUÍ,Marilena.ConviteàFilosofia.SãoPaulo:Ática,1994.
FREIRE,Paulo;FAUNDEZ,Antonio.Poruma Pedagogia daPergunta.Riode
Janeiro:PazeTerra,1985.
KONDER,Leandro.FilosofiaeEducação:deSócratesaHabermas.RiodeJaneiro:
Forma&Ação,2006.
LARROYO,Francisco.HistóriaGeraldaPedagogia.TomoI.2e.SãoPaulo:Editora
MestreJou,1974.
MARÍAS,Julián.HistóriadaFilosofia.5e.Portugal:Porto,1959.
OLIVEIRA,IvanildeApolucenode.FilosofiadaEducação:reflexõesedebates.2e.
Petrópolis-RJ:Vozes;Belém:UNAMA,2011.
___Opensamentoeducacionalnafilosofiaclássica.Belém:UEPA,2011(mimeo).
PAGNI,PedroAngelo;SILVA,DivinoJoséda.IntroduçãoàFilosofiadaEducação:
temascontemporâneosehistória.SãoPaulo:Avercamp,2007.
PLATÃO.ARepública.InDiálogos.ColeçãoAmazônica.Belém-Pará:UFPa.,1976.
____Leis.In:Diálogos.ColeçãoAmazônia.Belém-Pará:UFPa.,1976.
____OsPensadores.SãoPaulo:AbrilCultural,1972
SEVERINO,AntonioJoaquim.Educação,ideologiaecontra-ideologia.SãoPaulo:EPU,
1986.
SANTOAGOSTINHO.OsPensadores.SãoPaulo:AbrilCultural,1973
SÃOTOMÁSDEAQUINO.OsPensadores.SãoPaulo:AbrilCultural,1973
SILVA,MarcosRobertoLeiteda.Sobreopapeldomestreedoensinoem
AgostinhoeTomásdeAquino.PAGNI,PedroAngelo;SILVA,DivinoJoséda.
IntroduçãoàFilosofiadaEducação:temascontemporâneosehistória.SãoPaulo:
Avercamp,2007.
SÓCRATES.OsPensadores.SãoPaulo:AbrilCultural,1972
HIRSCHBERGER,Johannes–HistóriadaFilosofiadaAntiguidade.SãoPaulo:Herder.
1969
7
TEXTO1
OQUEÉFILOSOFIA?
1
«Contraaontologiaclássicadocentro,desdeHegel
atéHabermas,paramencionaromaislúcidoda
Europa,levanta-seumcontradiscurso,umaFilosofia
daLibertaçãodaperiferia,dosoprimidos,asombra
quealuzdosernãotempodidoiluminar,osilêncio
interpelantesempalavraainda.Desdeonão-ser,o
nada,oopaco,ooutro,aexterioridade,oexcluído,o
mistériodosem-sentido,desdeogritodopobre,
partenossopensar».
EnriqueDussel(2001a,p.32).
Paraoestudodoqueéfilosofia?devemospartirdetrêspressupostosbásicos:
1
o
)Queafilosofiaéumaatividadeespecificamentehumana.Oserhumanoé
quefilosofanasuarelaçãocomomundo.
2
o
)Queafilosofiaseapresentacomumaestruturateórica,conceitual,masnão
estádesvinculadadaprática,davida,darealidade,namedidaemqueénelaquese
fundamenta.
3
o
)Queafilosofianãoéneutra,desinteressada,mashistórico-política.
Afilosofiacomoatividadeespecificamentehumana
Nãopodemosfalardoserhumanosemmencionaromundo,noqualhomense
mulheresestãoinseridos,comotambémnãopodemosnosreferiraomundosemfalarda
presençadoserhumanoqueotransformaelheconferesignificação.Omundomarcae
condicionaoserhumano,mas,também,sofreasuaintervenção.
Anaturezacomoumaspectodomundoganhasignificadoapartirdapresença
humana.Aculturaéoresultadodaaçãoefetivadoserhumanonomundo.Porsuas
açõeshomensemulheresconvertemanaturezaemcultura,incorporando-aàhistória.
Transformam nãosóanatureza,masmodificam continuamenteoquejáfoi
transformado.
SegundoFreire(1980b,p.38):
Namedidaemqueohomemintegrando-senascondiçõesdeseucontextoevida,reflete
sobreelaselevarespostasaosdesafiosqueselhesapresentam,criacultura.Apartir
dasrelaçõesqueestabelececomseumundo,ohomem,criando,recriando,decidindo,
dinamizaestemundo. Contribuicomalgodoqualeleéautor...Porestefatocria
cultura[...]Nãosóporsuasrelaçõeseporsuasrespostaso homem écriadorde
cultura,ele é,também, 'fazedor' dahistória.Namedidaemqueoserhumano
1
Fonte:OLIVEIRA,IvanildeApolucenode.FilosofiadaEducação:reflexõesedebates.2e.Petrópolis-
RJ:Vozes;Belém:UNAMA,2011
8
criaedecide,asépocasvãoseformandoereformando.
Acadamomentoomundoapresentaaoserhumanodesafiosqueprovoca
questionamentoseestimulamainvestigaçãosobaformadoquedenominamosde
problema.Oquecaracterizafundamentalmenteoproblemaéserumobstáculoquedesafiaoindivíduoequeeletem"necessidade"desuperar.A«necessidade»comonota
constitutivadanoçãodeproblema,apontaparadoisaspectos:um objetivoeum
subjetivo.Ossereshumanosassumemumasituaçãocomoproblemáticajustamente
porqueexistemcircunstânciasconcretasqueafazexistireadesafiá-los.
ParaSaviani(1980,p.21):
Algoqueeunãoseinãoéproblema;masquandoeu ignoroalgumacoisaqueeu
precisosaber,eis-me,então,diante deum problema.Damesma forma,um
obstáculoqueénecessáriotranspor,umadificuldadequeprecisasersuperada,uma
dúvidaque não podedeixarde ser dissipada são situações que nos
configuram comoverdadeiramenteproblemáticas.
Oserhumanodiantedosproblemasquearealidadesocialapresentaassumeuma
atitudefilosófica.Porqueexisto?Porqueháalgoemvezdenada?Oserhumanodiante
domundocomeçaainterrogareafilosofar.Ofilosofarpressupõeaconsciênciadeque
estamosenraizadosemproblemasqueacondiçãohumanaapresenta.
ParaPlatãoaraizdofilosofaréo«espanto».Osentidodavisãopermitiuaoser
humanocontemplaranaturezaqueestimulouainvestigaçãodouniversoepara
Aristótelesa«admiração»incitouossereshumanosafilosofar.Admiraramcomoque
lhesaconteciadeestranhoeavançaramparaainquisiçãodosmovimentosnaturais(lua,
sol)eparaageraçãodetodasascoisas.Doespantoedaadmiraçãoprovém,portanto,a
interrogaçãoeoconhecimento.Oserhumanotorna-seconscientedesuaignorânciae
procuraconhecerosfatos.Masoconhecimentodosfatoscolocahomensemulheres
diantedadúvida.ComDescartes,dadúvidaemrelaçãoaoqueseconhecederivaa
comprovaçãocríticaeaclaracerteza.Procuraoserhumanoumacertezaaoabrigode
qualquerdúvidaequeresistaatodasascríticas.AproposiçãodeDescartes«Penso,logo
existo»constituiparaeleumacertezaindubitável,poismesmoqueopensamentoo
enganassenãopoderiailudir-sequantoaofatodeexistir.Seelepensa,eleexiste.
Oserhumanofilosofatambém,segundoEpiteto,pordefrontar-secomsituações-
limites,situaçõesessencialmenteidênticaseintransponíveiscomomorrer,sofrer,estar
sujeitoaoacaso.Eatomadadeconsciênciadestassituaçõesfazhomensemulheres
filosofaremebuscaremsoluçõesatravés:dodomíniodanatureza(peloconhecimentoe
técnica);dacolaboraçãohumana(laçosdesolidariedade)edafé(buscado
transcendente).
Emconseqüência,naorigemdaprópriahumanidadecomodesenvolvimentoda
capacidadeperceptivaepensantedoserhumanosobreasuavidaemrelaçãocomo
mundoéqueestáaorigemdafilosofia.
InícioHistóricodaFilosofia:
discursohelenocêntricoversusdiscursocrítico
Cronologicamente,éestabelecidooiníciodaFilosofia,naGrécia,noSéc.VI
a.C.,comoexplicaçãoracionaldosfatos,marcandooiníciodopensamentocientíficoem
reaçãoàsexplicaçõesmitológicas.Pressupõe-sequecomosurgimentodafilosofiana
9
Grécia,aformadepensarreflexivaveioopor-seaopensamentomítico(omitoera
definidocomonarrativasfantásticasreferentesadeusescom aspectoshumanose
compreendidopelassociedadesantigascomohistóriaverdadeiraporreferir-seà
realidade,históriasagradapordescreverseressobrenaturaisehistóriasignificativapor
servirdemodeloparaaaçãohumana).
HáosquedefendematesedequeonascimentodafilosofianaGréciamarcao
começodopensamentoracionalecientíficoemquearazão(ologos)libertou-sedomito.
O«milagregrego»consistenarupturacomomitoetraduziaaopovogregoopapelde
precursor,instaurando-senaGréciaumcomportamentohumanomaisacentuadamente
racional(Burnet).Outros,comoVernant,defendemaidéiadequeafilosofiatemuma
origem mítica,maseladesenvolveumanovaestruturadepensamento. Assim,a
Cosmologiamodificaalinguagem(demágico-religiosaparadialogal)eoconteúdo(de
narrativoparaumaformaexplicativadosprincípiosconstitutivosdoser).Surgeum
pensamentopositivo(excluindoosobrenatural)eabstrato(despojadodaforçadivina).
Essastransformaçõesnãoconstituememum«milagregrego»,masemumfatohistórico,
existindocorrelaçãoentreopensamentofilosóficoeaconcepçãoeodesenvolvimento
econômicoepolíticodaPólis.
Ofilósofodestaca-sedomagopelofatodeensinaromistério.Afilosofiarompe
oquadrodeconfraria,nãolimitandosuamensagemaumaseita,maspormeioda
palavraedaescritadirige-separatodosdacidade.Eaotrazeromistérioparaapraça
pública(Àgora)converteomistérioemdebatepúblico,noqualaargumentaçãosuperaa
iluminaçãosobrenaturaleopensamentoracionaltendeatornar-seuniversal.
EnriqueDussel(2001b,p.35)criticaatesedo«milagregrego»,afirmandoque:
O«milagregrego»nãonasceudonadaoudopurogêniodosinvasoresindo-europeus.
GréciafoiumaterralargamentecultivadadesdeoterceiroMilênioporegípciose
fenícios
CitaofatodeTalesdeMileto,oprimeirofilósofogregoterorigemfeníciae
estudadogeometrianoEgitoeainfluênciaegípcianaescolapitagóricacomoevidencias
históricasdequeosgregostiveraminfluênciadaculturaoriental.
Afilosofia,então,paraDussel(2001b,p.39),
nãonasceunaGréciacontinental,esimnahélademarítima,comercial,emantiga
convivênciacomascostasdoDeltadoEgitoydeFenícia(estaúltimatãoantigaoumais
queaprópriacivilizaçãoegípcia.
NavisãodeDussel,afilosofiateveentreosárabes(AlKindi,Al-Farabi,IbnSina
eIbnRushud)aodefenderemarazãoanteafé,umdesenvolvimentoparticular,ecom
elesnasceoquehojesechamasecularizadamentede«filosofia»(Séc.IX dC).
ConformeDussel,antesdeles,oqueexistiahistoricamenteentreosgregoserauma
«sabedoriaracional»com intençãoteológica.Osgregosiniciaram formalmente a
filosofia,masforamosárabesquetornaramafilosofiaautônomadaracionalidade
teológica.Afilosofia,comoamoràsabedoriadePlatãoouAristóteles,comodizJaeger,
é«theologia»,nãosópeloconteúdo,mastambém porsuaintenção.Aristóteles
considerava«sábio»e«teólogo»comoamesmacoisa.
Assim,Dussel(2000,p.42)édeopiniãoque:
sócomosmuçulmanos,quepuderamconhecerosdiscursosanteriores(odosgregos,o
dosjudeuseodoshelenistascristãos)egraçasàprecisãoeaorigorformalqueo
OrganondeAristótelespermite(quepoucotemavercomasteologiasneoplatônicas),
perceberam pelaprimeiravezaautonomiadeum horizonteformalfilosófico
propriamenteracional(alógicaeascategoriasmetafísicasAristotélicas,nãotantoa
10
platônica)comrespeitoaoAlcorão,tidopeloscrentescomomaterialepositivamente
revelado.AssimnasceoKalampropriamentedito,ouousodafilosofiacomométodo
hermenêuticonodesenvolvimentodeumdiscursoracionalconstruídoapartirdotexto
«revelado»e,aomesmotempo,comocultivoautônomodeumafilosofiasecularizada
enquantotal.
NaperspectivaHelenocêntrica,aFilosofiaapresentaemsuahistóriaosseguintes
períodos:
1.FILOSOFIAGREGA
1.1.Cosmológico(Séc.VIa.C.)denominado,também,dePré-Socrático,porque
refere-seaosfilósofosgregosquevêmhistoricamenteantesdeSócrates.
Aproblemáticafilosóficafundamental,nesteperíodo,eraexplicarapluralidade
dascoisasatravésdaunidade(oumeomúltiplo).AFilosofiasurgecomoexplicaçãoda
physis(natureza),comoindagaçãosobreoprincípioprimordialconstitutivodomundo
físico(arké).[...]
1.2.Antropológico(Séc.Va.C.).Esteperíodocoincidecom oapogeuda
democracianaGrécia.ComaPólis(Cidade-Estado),aconvivênciahumanaprecisouser
racionalmentefundamentada.
Aquestãofilosóficafundamentalcentra-senoserhumano,envolvendoaspectos
doseuconhecer,fazereagir,ouseja,psicológico,pedagógico,social,moralepolítico.
[...]
1.3.Ontológico(Séc.IVa.C.).AquestãofundamentaléoSer(Ontos/Metafísica)
procurando-seconciliaroserhumano,anaturezaeDeus.Ainvestigaçãofilosófica
eradirecionadaparaa«realizaçãodavidateorética,entendidacomounidadeda
ciênciaedavirtude»(ABBAGNANO,1969,p.11)[...]
1.4.Ético(Séc.IIIa.C.)Aquestãocentraldosfilósofoséamoral.Afilosofiase
constituinaprocuradeumaorientaçãomoral,deumacondutadevida.
OsEstóicoselaboramumaéticaqueseapresentacomoumateoriadousoprático
darazão.Amoraléfundamentadanaracionalidadehumana[...](ABBAGNANO,1969).
OsEpicuristaselaboramumaéticapautadanafelicidade,queconsistenoprazer
estável,oquenãoprovocador,sofrimento.Afirmamocarátersensíveldosprazerese
queoserhumanoagesabiamente,quandousasuavontadelivreparaproporcionar-lhe
prazer.
2.FILOSOFIAMEDIEVAL.
Operíodomedievalémarcadopeloobscurantismodarazãohumana,namedida
emqueaverdaderacionalmenteconstruídapeloserhumanoésubstituídapelaverdaderevelada.Alémdisso,acrençasubstituiarazãocomoqualidadehumana,assimcomoa
temáticafilosóficacentra-senarelaçãoentreDeuseoserhumano.
AIdadeMédiacaracteriza-seporduascorrentesfilosóficas:aPatrística(Séc.I
d.C.)eaEscolástica(Séc.IXd.C.)queprocuravamarticularafilosofiaeoCristianismo
(arazãoeafé).
NaPatrística,osescritorescristãosouPadresdaIgrejainterpretavam o
cristianismopormeiodeconceitostiradosdafilosofiagrega,bemcomoreconduziao
significadodafilosofiagregaaoprópriocristianismo.Dedicavam-seacombateras
heresias,firmandoadoutrinacristãcontraopaganismoeaelaboraçãodoutrinaldas
11
crençascristãs(ABBAGNANO,1969).
NaEscolástica,asatividadesliteráriasdeseusescritoresestãoassociadasà
funçãodocente,aotrabalharemocomentáriodetextoseoexameargumentativode
problemas.Destaforma,oproblemadaescolásticaconsistiaemlevaroserhumanoa
compreenderaverdadereveladacontidanasEscriturasequeserianorteadoradasações
humanas;problemaqueestáligadoàeducação,porenvolveraformaçãodosclérigos.O
principalobjetivodaescolásticaé«compreenderaverdadejádadanarevelaçãoenãoo
deencontraraverdade».Assim,aescolásticaprocuravaharmonizararazãoeafé,
estabelecendoarelaçãoentreDeuseodestinodapessoahumana,constituindo-sea
filosofiagrega,principalmenteaPlatônicaeAristotélica,materialespeculativoparaa
afirmaçãodateologiacristã(ABBAGNANO,1977,p.11).[...]
3-FILOSOFIAMODERNA
OSéc.XVIIImarcaoretornodoserhumano,atravésdarazão(racionalismo)e
daexperiência(empirismo),comocentrodeinteressedafilosofia.Écaracterizadopelo
iluminismo,ouseja,operíododerupturadastrevasdaidademédia,paraumcaminhar
deluzes,construídopelaracionalidadehumana.É narazão,naproduçãodo
conhecimentohumano,queselançam asbasesdeumanovacivilização.O
conhecimentoem geral(gnosiologia)eoconhecimentocientífico(epistemologia)
passam,então,aserostemasfundamentaisdeinvestigaçãofilosófica.
3.FILOSOFIACONTEMPORÂNEA
Predominaainda,noséculoXX,avalorizaçãodaciência,edoconhecimento
comotemáticasdominantes,expandindonocampofilosóficotendênciasdiversas:
positivistas,materialistas,existencialistas,pragmatistasefenomenológicas.Entretanto,
aciênciavemsendoquestionadaporsuapseudoneutralidadeepeloseupodernocampo
doconhecimentohumano.Estamosvivendoapassagemdoséculodas«certezas»parao
séculodas«dúvidas»,do«cientificismo»parao«filosófico».Acertezadosaber
científicoestásendosubstituídapelacriticidadeepeladúvida,bemcomoháumabusca
deumainteraçãoentreasdiversasformasdemanifestaçãodoconhecimentohumano.
EnriqueDusselelaboracríticasàimplantaçãogeopolíticahelenocêntricada
filosofia,situadanaEuropa(Grécia),apontandoparaumnovoreferencialdahistóriada
filosofia,ooriente.EleproblematizaaindaadivisãodahistóriaemIdadeAntiga
(antecedente),IdadeMédia(preparatória)eIdadeModerna(européia),considerandoser
estauma«organizaçãoideológicaedeformantedahistória».Questionaavisão
eurocêntricademodernidade,porserum fenômenoexclusivamenteeuropeu,que
consideratertidoaEuropa:«característicasexcepcionaisintensasquepermitiramque
elasuperasse,essencialmenteporsuaracionalidade,todasasoutrasculturas[...]O
"eurocentrismo"consisteexatamenteemconstituircomouniversalidadeabstratahumana
emgeralmomentosdaparticularidadeeuropéia»(DUSSEL,2000,p.69).
EvidenciaDusselanecessidadedeafilosofiarompercom essavisão
reducionistaeurocêntrica,considerandoseressareduçãoumproblemaéticoderespeito
aoutrasculturas.Aoproblematizarahistóriahelenocêntricaoficialdafilosofianos
mostraaimportânciadacríticanoprocessodedesconstruçãodediscursoshegemônicos
construídoshistoricamentenosdiversoscamposdosaber.
AcepçõesdeFilosofia
AFilosofia,nasuaacepçãoampla,éconsiderada«umaacepçãodevidaede
12
mundo».Acepçãoqueseaplicaatodossereshumanos.Todoserhumanotemumavisão
demundoprodutodequestionamentosereflexõessobreasações,sentimentoseidéias,
extraídasdavivênciacotidianaegeradapelacuriosidade.
ParaGramsci«todososhomenssãofilósofos»,poisparticipamdeumafilosofia
espontâneaexpressanalinguagem,nosensocomum,naculturapopular,crenças,
folclore,etc.Sóqueestareflexãonabuscadeumaexplicaçãodosfatoseda
compreensãodesuarazãodesersedádeformaassistemática,ametódica,ocasionale
espontânea.Nestesentido,homensemulheresfilosofam,enquantosereshumanos,que
refletem,tentandocompreender,explicareresolverosproblemasexistenciaisesociais.
KorshunovaeKirilenko(1986,p.03)ressaltam oquestionamentoea
problematizaçãodetodosossereshumanossobrearealidadeemquevivem.
Cadahomem,pormuitoindiferenteoudistantequeestejadaatividadecientífica,da
lutapolítica,domovimentorevolucionário,perguntaasiprópriocomoseráomundo
numfuturoprevisível?Queesperaohomemnofuturo:oincêndiodaguerraouavida
empaz?
Masoquecaracterizaotrabalhofilosóficopropriamentedito?Oquedistinguea
minhafilosofiadevida(minhaconcepçãodemundo)daFilosofiadePlatãoouadeKant?
Afilosofianasuaacepçãoestritaconsistena«procuradesoluçõesparaasproblemáticas
doserhumano».Éabuscadeexplicaçõesdascausasdosfenômenos,eminvestigaro
porquêearazãodeserdosfatos.Afilosofia,nestaperspectiva,secaracterizacomo
umaatividaderacionalquenãosedetém nascomunsimpressões,masbusca
fundamentarporrigorosoexamecríticoereflexivotodasasconvicções,encarandoa
realidadecomoproblema.Éumabuscaprocessadademaneirametódica,sistemática
(nãoocasional,segueumsistemalógicodepensamento)evisaaoUniversal(queseja
comumatodososindivíduos).
Rodrigues(1984,p.15)colocacomoumatrajetóriamínimaparaaatividade
intelectualdofilósofo,queofilosofaré:
questionaroprópriofazereofazerdoshomens. Équestionarparaavançarna
compreensãodaaçãoepoderabraçaroseufazernumadimensãototalizadoraque
englobeoentendimentodasrelaçõesqueodeterminam.Énecessárioquestionarnão
sóofazer,masigualmenteosresultados,asvontadeseoscompromissos,oquerereo
poder.
Eexplica,também,que:
setoda filosofiaéumquestionarnemtodo questionamentoéfilosofia.Aquestão
filosóficaéaquelaquesedirigeaomundodemodoradical;queultrapassa,portanto,os
limites dotroncodaárvore,visívelàsuperfíciedaterra,paraalcançaraparteque
lhedásolidezeéinvisível:asraízes.
Ofilósofocontribuiparaoconhecimentodarealidadeaoresgataravisãode
totalidadepertinenteaofenômenoestudado,quandobuscaaessênciadascoisas,asua
razãodeser,procurandoenxergaralém dofenômeno(oaparente).Estavisãode
totalidadepossibilitaráaoserhumanoaampliaçãodeseushorizontescomoagente
históricoesociocultural.
EtimologicamenteapalavraFilosofiavemdogregophilos=amigoesophia=
sabedoria,significandoamigodosaber.A filosofiaseapresenta,nestesentido
etimológico,numaperspectivade«procuradosaber»emcontraposiçãoàidéiade
«possedosaber».Fazerfilosofia,então,éestaremcaminho,embusca.Hánapesquisa
filosóficaumahumildadeemoposiçãoaoorgulhodogmáticodofanáticoqueestácerto
depossuiraverdade.Aconsciênciafilosóficaéumaconsciênciainquieta,insatisfeita,
13
presaaumceticismoenãoàpossedeumsaberabsoluto.
Filosofiacomoatividadeteórico-práticaehistórico-política
Essa«procuradosaber»natradiçãogregaclássicaapresenta-secomoprocura
«amorosa»,«desinteressada»,eeminentemente«teórica».Entretanto,Marx nasua
compreensãodafilosofia,introduzaprática.Paraele(1978,p.53)«osfilósofosse
limitaramainterpretaromundodiferentemente,cabetransformá-lo».AFilosofiacom
Marxadquireocaráterdepráxis(reflexão-ação,teoria-prática).
Afilosofiasendoumaatituderacional,umaatividadecrítica,eumapráxis,tem
comoprincipaltarefalevaroserhumanoapensaroseuprópriopensamento,aexaminar
suasopiniõesecrenças.Aelevaraconsciênciadeumplanoa-críticoparaocrítico,
objetivandotransformararealidadesocial.
Gramsci(1991b,p.12)colocaaseguintequestão:
épreferível“pensar”sem distoterconsciênciacrítica,deuma maneiradesagregada
e ocasional, isto é “participar” deumaconcepção demundo“imposta”
mecanicamentepelo ambienteexteriorouseja,porumdosváriosgrupos sociais
nos quais todos estão automaticamenteenvolvidosdesdesuaentradanomundo
consciente [...]ouépreferívelelaborarasuaprópria concepçãodomundode
maneira crítica econscientee,portanto,emligaçãocomestetrabalhodopróprio
cérebro,escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na
produçãodahistóriadomundo,seroguiadesimesmoenãoaceitardoexterior,
passivaeservilmente,amarcadaprópriapersonalidade?
EstabeleceGramsciadistinçãoentreHomem-MassaeHomem-Crítico.O
Homem-Massaéoserconformistaqueaceitatudopassivamente,enquantoqueo
Homem-Críticonãoaceitasimplesmenteoquelheéimposto,passandoainterrogarea
problematizararealidade,osfatoshumanosesociais.
SegundoGramsci,opensamentocríticocoerentenãodeveficarrestritoauma
classeougrupodeintelectuais,masdeveserampliadoatodos,universalmente.A
filosofiasendocríticatemumarelaçãohistórica.Écríticadomundoatual.Cada
filósofoéfilósofodoseutempo,dasuaépocaevairefletirsobreosproblemasquea
realidadedoseutempoapresenta.
DusselnosfaladeumaFilosofiaCríticaedaLibertação,comprometida
politicamentecomosoprimidosecomasvítimasdosistema,sendosuastarefaso
escutaravozdosoprimidoseocompromissocom essapalavra. “A filosofia
primeiramenteéescutaàvozhistóricadopobre,dopovo;compromissocomessa
palavra;desbloqueioouaniquilaçãodatotalidadeantigaenquantoúnicaeeterna”
(DUSSEL,1986,p.208).
Filosofiacompreendidanãoapenascomoumateoria,mastambémcomoação
ético-políticadeintervençãocrítica.
A pobrezadegrandepartedaHumanidade,situadanosuldoplaneta,ea
possibilidadeecológicadaextinçãodavidaserãoosdoisproblemascentraisda
filosofianoséculoXXI.AFilosofiadaLibertaçãoossituoudesdesuaorigemcomo
opontodepartidadeseupensarcrítico(DUSSEL,2001a,p.09).
Afilosofia,naperspectivaDusseliana,nãoéneutra,nemdesinteressada,mas
crítica,historicamentesituadaepoliticamentecomprometidacom aprodução,o
desenvolvimentoeareproduçãodavidahumana.
Destaforma,afilosofia,comoradicalmenteproblematizadoraecrítica,é
14
histórica,éticaepoliticamentecontextualizadanarealidadesocialenoexistirhumano.
TEXTO2
OQUEÉEDUCAÇÃO?
2
“A educação tem sentido porque o mundo não é
necessariamenteistoouaquilo,porqueossereshumanossão
tãoprojetosquantopodemterprojetosparaomundo.A
educação tem sentido porque mulheres e homens
aprenderamqueéaprendendoquesefazemeserefazem,
porquemulheresehomenssepuderamassumircomoseres
capazesdesaber,desaberquesabem,desaberquenão
sabem.Desabermelhoroquejásabem,desaberoque
aindanãosabem.Aeducaçãotem sentidoporque,para
serem,mulheresehomensprecisam deestarsendo.Se
mulheresehomenssimplesmentefossem nãohaveria
porquefalaremeducação”.
PauloFreire(2000,p.40)
1)Conceituação
Apalavraeducaçãotemsuaorigem,segundoGARCIA(1977:01)nosverbos
latinoseducãre(alimentar,criar),significando“algoquesedáàalguém”,comosentido
de“algoexternoqueseacrescentaaoindivíduo,procurando-lhedar-lhecondiçõespara
oseudesenvolvimento”eeducere,comaidéiade“conduzirparafora,fazersair,tirar
de”que“sugerealiberaçãodeforçasqueestãolatentesequedependemdeestimulação
paraviremàtona.”
Oconceitodeeducação,emsuaorigem,apresentaumacontradição,pelofatode
contersobumamesmaraiz,sentidosdiversos,expressandoconcepçõesdeeducação
diferenciadas:
Educaçãoprodutodosocial-compreendidacomoatransmissãodeconhecimentose
valoressócio-culturaisdosmaisvelhosàsnovasgerações.Oprocessoformativoé
vistocomoalgo“exterior”queseacrescentaaoindivíduo.
EducaçãoprocessodedesenvolvimentodoIndivíduo-concebidacomoprocesso
dedesenvolvimentodaspotencialidadesecapacidadesdosindivíduos.Oprocesso
formativoéconsideradocomoalgo“interior”queseextraidoindivíduo.
Entretanto,destasduasconcepções,surgeumaterceira,decaráterdialético,que
procuraarticularosocialeoindividual,numaperspectivadetotalidade(globalidade)
Educaçãoprocessodeinteraçãoindivíduo-sociedade-compreendidacomoprocesso
deformaçãoglobaldoserhumano,ondeosaspectosbiológicos,psicológicos,
sociaiseculturaissãoimportantes,existindoumainterferênciadosfatoresexternos
(sociocultural)naformaçãodoindivíduoeasmodificaçõesdestesvistoscomo
2
Fonte:OLIVEIRA,IvanildeApolucenode.FilosofiadaEducação:reflexõese
debates.2e.Petrópolis-RJ:Vozes;Belém:UNAMA,2011
15
fatoresdeinterferêncianomeiosocial.
2)Características
Aeducaçãoéumfatoexistencial,teleológicoecontínuo
Aeducaçãoéumaaçãoconstitutivadoserhumano.Homensemulheresse
educamemsuasrelaçõescomomundo,emumprocessopermanenteAeducaçãovisa
sempreumfim,estádirigida“para”aformaçãodoserhumano.Porissoanecessidade
desecompreenderoqueéoserhumanoparasedefinirquehomensemulheres
pretendemosformarnaeducação.
SegundoFREIRE(1981b:27/28)
Nãoépossívelfazerumareflexãosobreoqueéeducaçãosem refletirsobreopróprio
homem.
Porisso,éprecisofazerumestudofilosófico-antropológico.Comecemosporpensar
sobrenósmesmosetratemosdeencontrar,nanaturezadohomem,algoquepossaconstituiro
núcleofundamentalondesesustenteoprocessodeeducação.
Qualseriaestenúcleocaptávelapartirdenossaprópriaexperiênciaexistencial?
Estenúcleoseriaoinacabamentoouainconclusãodohomem.
O cãoeaárvoretambém sãoinacabados,masohomem sesabeinacabadoepor
issoseeduca.Nãohaveriaeducaçãoseohomem fosseumseracabado.Ohomem pergunta-
se:quemsou?Deondevenho?Ondepossoestar? Ohomempoderefletirsobresimesmoe
colocar-senum determinadomomento,numacertarealidade:éumsernabuscaconstantede
sermaise,comopodefazerestaauto-reflexão,podedescobrir-secomoumserinacabado,que
estáemconstantebusca.Eisaquiaraizdaeducação
Aeducaçãoéumprocessohistórico,social,cultural,políticoecontraditório
Aeducaçãosedesenvolvenotempohumano,atravésdahistóriadecadaum
indivíduo e a história evolutiva da sociedade.A educação como atividade
especificamentehumanafazparteinerenteda vidasocioculturaldoindivíduo.Pela
educaçãooindivíduoéintegradoàculturaeàsociedadeexistente,massimultaneamente
aeducaçãopossibilitaaintervençãodoserhumanonoprocessodemudançasocial.
Assim,aeducaçãoécontraditória,conservação(dosaberedaculturaadquirida)e
criação(negaçãoesuperaçãodosaberedaculturaexistente).
Aeducaçãosobestaperspectivahistórica,social,cultural,políticaecontraditória
éanalisadaporBRANDÃO(1982:07/12):
Educação?Educações:aprendercomoíndio
Ninguémescapadaeducação.Emcasa,narua,naigrejaounaescola,deummodooude
muitostodosnósenvolvemospedaçosdavidacomela:paraaprender,paraensinar,paraaprender
-e-ensinar.Parasaber,parafazer,paraserouparaconviver,todososdiasmisturamosavidacom
aeducação.Comumaoucomvárias:educação?Educações.Ejáquepelomenosporissosempre
achamosquetemosalgumacoisaadizersobreaeducaçãoquenosinvadeavida,porquenão
começarapensarsobreelacomqueunsíndiosumavezescreveram?
HámuitosanosnosEstadosUnidos,VirgíniaeMarylandassinaramumtratadodepaz
comosÍndiosdasSeisNações.Ora,comoaspromessaseossímbolosdaeducaçãosempreforam
16
muitoadequadosamomentossolenescomoaquele,logodepoisosseusgovernantesmandaram
cartasaosíndiosparaqueenviassemalgunsdeseusjovensàsescolasdosbrancos.Oschefes
responderamagradecendoerecusando.Acartaacabouconhecidaporquealgunsanosmaistarde
BenjaminFranklinadotouocostumededivulgá-laaquieali.Eisotrechoquenosinteressa:
“...Nósestamosconvencidos,portanto,queossenhoresdesejamobemparanóseagradecemos
detodoocoração.
Masaquelesquesãosábiosreconhecemquediferentesnaçõestêmconcepçõesdiferentesdas
coisase,sendoassim,ossenhoresnãoficarãoofendidosaosaberqueavossaidéiadeeducação
nãoéamesmaqueanossa.
...MuitosdosnossosbravosguerreirosforamformadosnasescolasdoNorteeaprenderamtodaa
vossaciência.Mas,quandoelesvoltavamparanós,eleserammauscorredores,ignorantesda
vidadafloresta,incapazesdesuportaremofrioeafome.Nãosabiamcomocaçaroveado,matar
oinimigoeconstruirumacabana,efalavamanossalínguamuitomal.Eleseram,portanto,
totalmenteinúteis.Nãoserviamcomoguerreiros,comocaçadoresoucomoconselheiros.
Ficamosextremamenteagradecidospelavossaofertae,emboranãopossamosaceitá-la,para
mostraranossagratidãooferecemosaosnobressenhoresdaVirgíniaquenosenviemalgunsdos
seusjovens,quelhesensinaremostudooquesabemosefaremos,deles,homens”Detudooquesediscutehojesobreeducação,algumasdasquestõesentreasmais
importantesestãoescritasnestacartadeíndios.Nãoháumaformaúnicanemumúnicomodelo
deeducação;aescolanãoéoúnicolugarondeelaaconteceetalveznemsejaomelhor;oensino
escolarnãoéasuaúnicapráticaeoprofessorprofissionalnãoéoseuúnicopraticante.
Emmundosdiversosaeducaçãoexistediferente:empequenassociedadestribaisdepovos
caçadores,agricultoresou pastoresnômades;em sociedadescamponesas,em países
desenvolvidoseindustrializados;emmundossociaissemclasses,declasses,comesteouaquele
tipodeconflitoentreassuasclasses;emtiposdesociedadeseculturassemEstado,comum
Estadoemformaçãooucomeleconsolidadoentreesobreaspessoas.
Existeaeducaçãodecadacategoriadesujeitosdeumpovo;elaexisteemcadapovo,ou
entrepovosqueseencontram.Existeentrepovosquesubmetemedominamoutrospovos,usando
aeducaçãocomoumrecursoamaisdesuadominância.Dafamíliaàcomunidade,aeducação
existedifusaemtodososmundossociais,entreasincontáveispráticasdosmistériosdoaprender;
primeiro,semclassesdealunos,semlivrosesemprofessoresespecialistas;maisadiantecom
escolas,salas,professoresemétodospedagógicos.
Aeducaçãopodeexistirlivree,entretodos,podeserumadasmaneirasqueaspessoas
criamparatornarcomum,comosaber,comoidéia,comocrença,aquiloqueécomunitáriocomo
bem,comotrabalhooucomovida.Elapodeexistirimpostaporumsistemacentralizadode
poder,queusaosabereocontrolesobreosabercomoarmasquereforçamadesigualdadeentre
oshomens,nadivisãodosbens,dotrabalho,dosdireitosedossímbolos.
Aeducaçãoé,comooutras,umafraçãodomododevidadosgrupossociaisqueacriame
recriam,entretantasoutrasinvençõesdesuacultura,emsuasociedade.Formasdeeducaçãoque
produzemepraticam,paraqueelasreproduzam,entretodososqueensinam-e-aprendem,osaber
queatravessaaspalavrasdatribo,oscódigossociaisdeconduta,asregrasdotrabalho,os
segredosdaarteoudareligião,doartesanatooudatecnologiaquequalquerpovoprecisapara
reinventar,todososdias,avidadogrupoeadecadaumdeseussujeitos,atravésdetrocassem
fimcomanaturezaeentreoshomens,trocasqueexistemdentrodomundosocialondeaprópria
educaçãohabita,edesdeondeajudaaexplicar-àsvezesaocultar,àsvezesainculcar-de
geraçãoàgeração,anecessidadedaexistênciadesuaordem.
Porissomesmo-eoíndiossabiam-aeducaçãodocolonizador,quecontémosaberde
seumododevidaeajudaaconfirmaraaparentelegalidadedeseusatosdedomínio,naverdade
nãoserveparaseraeducaçãodocolonizado.Nãoserveeexistecontraumaeducaçãoqueele,
nãoobstantedominado,tambémpossuicomoumdosseusrecursos,emseumundo,dentrodesua
cultura.
Assim,quandosãonecessáriosguerreirosouburocratas,aeducaçãoéumdosmeiosde
queoshomenslançammãoparacriarguerreirosouburocratas.Elaajudaapensartiposde
homens.Maisdoqueisso,elaajudaacriá-los,atravésdepassardeunsparaosoutrososaberque
osconstituielegitima.Maisainda,aeducaçãoparticipadoprocessodeproduçãodecrençase
17
idéias,dequalificaçõeseespecialidadesqueenvolvemastrocasdesímbolos,bensepoderesque,
emconjunto,constróemtiposdesociedades.Eestaéasuaforça.
Noentanto,pensandoàsvezesqueageporsipróprio,livreeemnomedetodos,o
educadorimaginaqueserveaosabereaquemensinamas,naverdade,elepodeestarservindoa
quemoconstituiuprofessor,afimdeusá-lo,eaoseutrabalho,paraosusosescusosqueocultam
tambémnaeducação-nassuasagências,suaspráticasenasidéiasqueelaprofessa-interesses
políticosimpostossobreelae,atravésdeseuexercício,àsociedadequehabita.Eestaéasua
fraqueza.
Aquiealiseráprecisovoltaraestasidéias,eelaspodemsercomoqueumroteirodaqui
paraafrente.Aeducaçãoexistenoimagináriodaspessoasenaideologiadosgrupossociaiseali,
sempreseespera,dedentro,ousempresedizparafora,queasuamissãoétransformarsujeitose
mundosemalgumacoisamelhor,deacordocomasimagensquesetemdeunseoutros:“...e
delesfaremoshomens”.Mas,naprática,amesmaeducaçãoqueensinapodedeseducar,epode
correroriscodefazerocontráriodoquepensaquefaz,oudoqueinventaquepodefazer:“...
eles,eram,portanto,totalmenteinúteis”.
3)Natureza
Anaturezadaeducaçãoestávinculadaànaturezahumana,sendoespecificada
poralgunseducadoresdeformadiferenciada:
SAVIANI(1991:19/20)consideraaeducaçãocomoprocessodetrabalho
Sabe-sequeaeducaçãoéumfenômenoprópriodossereshumanos.Assimsendo,a
compreensãodanaturezadaeducaçãopassapelacompreensãodanaturezahumana.Oraoque
diferenciaoshomensdosdemaisseresvivos,oqueodiferenciadosoutrosanimais?Arespostaa
essasquestõestambémjáéconhecida.Comefeito,sabe-seque,diferentementedosoutros
animais,queseadaptamàrealidadenaturaltendoasuaexistênciagarantidanaturalmente,o
homemnecessitaproduzircontinuamentesuaprópriaexistência.Paratanto,emlugardese
adaptarànatureza,eletemqueadaptaranaturezaasi,istoé,transformá-la.Eistoéfeitopelo
trabalho.Portanto,oquediferenciaohomemdosoutrosanimaiséotrabalho.Eotrabalhose
instauraapartirdomomentoemqueseuagenteantecipamentalmenteafinalidadedaação.
Consequentemente,otrabalhonãoéqualquertipodeatividade,masumaaçãoadequadaa
finalidades.É,pois,umaaçãointencional.
Parasobreviverohomemnecessitaextrairdanatureza,ativaeintencionalmente,osmeios
desuasubsistência.Aofazerissoeleiniciaoprocessodetransformaçãodanatureza,criandoum
mundohumano(omundodacultura).
Dizer,pois,queaeducaçãoéumfenômenoprópriodossereshumanossignificaafirmar
queelaé,aomesmotempo,umaexigênciadoeparaoprocessodetrabalho,bem comoé,ela
própria,umprocessodetrabalho.
Assim,oprocessodeproduçãodaexistênciahumanaimplica,primeiramente,agarantia
desuasubsistênciamaterialcomaconseqüenteprodução,emescalascadavezmaisamplase
complexas,debensmateriais;talprocessonóspodemostraduzirnarubrica“trabalhomaterial”.
Entretanto,paraproduzirmaterialmente,ohomemnecessitaanteciparemidéiasosobjetivosda
ação,oquesignificaqueelerepresentamentalmenteosobjetivosreais.Essarepresentaçãoinclui
oaspectodeconhecimentodaspropriedadesdomundoreal(ciência),devalorização(ética)ede
simbolização(arte).Taisaspectos,namedidaemquesãoobjetosdepreocupaçãoexplícitae
direta,abremaperspectivadeumaoutracategoriadeproduçãoquepodesertraduzidapela
rubrica“trabalhonão-material”.Trata-seaquidaproduçãodeidéias,conceitos,valores,
símbolos,hábitos,atitudes,habilidades.Numapalavra,trata-sedaproduçãodosaber,sejado
sabersobreanatureza,sejadosabersobreacultura,istoé,oconjuntodaproduçãohumana.
Obviamente,aeducaçãosesituanessacategoriadotrabalhonão-material.Importa,porém,
18
distinguir,naproduçãonão-material,duasmodalidades.Aprimeirarefere-seàquelasatividades
emqueoprodutoseseparadoprodutorcomonocasodoslivroseobjetosartísticos.Há,pois,
nessecaso,umintervaloentreaproduçãoeoconsumo,possibilitadopelaautonomiaentreo
produtoeoatodeprodução.Asegundadizrespeitoàsatividadesemqueoprodutonãosesepara
doatodeprodução,Nessecaso,nãoocorreointervaloantesobservado;oatodeproduçãoeoato
deconsumoseimbricam.Énessasegundamodalidadedotrabalhonão-materialquesesituaa
educação.Podemos,pois,afirmarqueanaturezadaeducaçãoseesclareceapartirdaí.
Exemplificando:seaeducaçãonãosereduzaoensino,écerto,entretanto,queensinoéeducação
e,comotal,participadanaturezaprópriadofenômenoeducativo.Assim,aatividadedeensino,a
aula,porexemplo,éalgumacoisaquesupõe,aomesmotempo,apresençadoprofessorea
presençadoaluno.Ouseja,oatodedaraulaé,pois,produzidaeconsumidaaomesmotempo
(produzidapeloprofessoreconsumidapelosalunos).
FREIRE(1980a:69/87)analisaaeducaçãocomosituaçãognosiológica:
Ohomeméumcorpoconsciente.Suaconsciência,“intencionada”aomundo,ésempre
consciênciadeempermanentedespegoatéarealidade.Daíquesejaprópriodohomemestarem
constantesrelaçõescom omundo.Relaçõesem queasubjetividade,quetomacorpona
objetividade,constitui,comesta,umaunidadedialética,ondesegeraumconhecersolidáriocom
oagirevice-versa.(...)Éexatamenteemsuasrelaçõesdialéticascomarealidadequeiremos
discutiraeducação,comoprocessodeconstantelibertaçãodohomem.Educaçãoque,poristo
mesmo,nãoaceitaránemohomemisoladodomundo-criandoesteemsuaconsciência-,nem
tampoucoomundosemohomem-incapazdetransformá-lo.
Educaçãoque,nofundo,setornariaa-histórica:noprimeirocaso,por“faltar”omundo,concretamente;nosegundo.,porcarecerdohomem.
Ahistória,naverdade,nãoexistesem osdois.Nãoé,deum lado,um processo
mecanicista,emqueoshomenssejammerasincidênciasdosfatos;deoutro,oresultadodepuras
idéiasdealgunshomens,forjadasemsuaconsciência.
Pelocontrário,comoumtempodeacontecimentoshumanos,ahistóriaéfeitapelos
homens,aomesmotempoemquenelasevãofazendotambém.E,seoque-fazereducativo,como
qualqueroutroque-fazerdoshomens,nãopodedar-seanãoser“dentro”domundohumano,que
éhistórico-cultural,asrelaçõeshomem-mundodevemconstituiropontodepartidadenossas
reflexõessobreaqueleque-fazer.(...)
Ohomeméhomemeomundohistórico-culturalnamedidaemque,ambosinacabados,
seencontramnumarelaçãopermanente,naqualohomem,transformandoomundo,sofreos
efeitosdesuaprópriatransformação.(...)
Aeducação,comosituaçãognosiológica,significaaproblematizaçãodoconteúdosobre
oqualseco-intencionam educadoreeducando,comosujeitoscognoscentes.Nestaco-
intencionalidadeaoobjeto,ossujeitoscognoscentesvãopenetrandonele,embuscadesua
“razão”.(...)Oshomens,emseuprocesso,comosujeitosdoconhecimentoenãocomo
recebedoresdeum “conhecimento”dequeoutroououtroslhesfazem doaçãooulhes
prescrevem,vãoganhandoa“razão”darealidade.(...)
Naeducaçãoquesejaverdadeiramenteumasituaçãognosiológica,nãohá,parao
educador,ummomentoemquesozinho,emsuabibliotecaouemseulaboratório,conheceu,e
outroemque,afastadodele,simplesmentenarra,dissertaouexpõeoqueconheceu.
Nomomentomesmoemquepesquisa,emquesepõecomoumsujeitocognoscente
frenteaoobjetocognoscível,nãoestásenãoaparentementesó.Alémdodiálogoinvisívele
misteriosoqueestabelececomoshomensque,antesdele,exerceramomesmoatocognoscente,
travaumdiálogotambémconsigomesmo.Põe-sediantedesimesmo.Indaga,perguntaasi
mesmo.
E,quantomaissepergunta,tantomaissentequesuacuriosidadeemtornodoobjetodo
conhecimentonãoseesgota.Queestasóseesgotaejánadaencontraseeleficaisoladodo
mundoedoshomens.Daíanecessidadequetemdeampliarodiálogo-comoumafundamental
estruturadoconhecimento-aoutrossujeitoscognoscentes.
19
Destamaneira,suaaulanãoéumaaula,nosentidotradicional,masumencontroemque
sebuscaoconhecimento,enãoemqueesteétransmitido.
Aeducaçãoécomunicação,édiálogo,namedidaemquenãoétransferênciadesaber,
masumencontrodesujeitosinterlocutoresquebuscamasignificaçãodossignificados.
20
Essasduasformasdeanalisaranaturezadaeducaçãonoscolocadiantede
diferentesteoriasepráticaseducacionais,cujopressupostoéumaconcepçãodeser
humano.NavisãodeSavianioserhumanoécompreendidocomo«serdeprodução»e,
paraFreire,como«sergnosiológico»,cujarelaçãodeconhecimentosedánoprocesso
desuarelaçãocomomundo.Consequentemente,aprópriaconcepçãodeeducação,os
meioseosfinsdaeducaçãosãoconstruídosapartirdeumadadaconcepçãodeser
humano.Aeducaçãotemdesercompreendidacomoumaatividadeespecificamente
humanaquesedesenvolvehistoricamentenasrelações(cognoscitivas,sociais,culturais
epolíticas)queoserhumanoestabelececomomundo.
TEXTO3
FILOSOFIADAEDUCAÇÃO:ESPECIFICIDADES
3
“Afilosofiapensaonão-filosófico:arealidade.
Masporqueéreflexãosobreaprópriarealidade
3
Fonte:OLIVEIRA,IvanildeApolucenode.FilosofiadaEducação:reflexõesedebates.2e.Petrópolis-RJ:
Vozes;Belém:UNAMA,2011
21
dofilósofopartedoquejáé,deseupróprio
mundo,deseusistema,desuaespacialidade”
EnriqueDussel(2001a,p.15)
1)ImportânciadaFilosofiaparaaEducação
Paraestudarmosaimportânciadafilosofiaparaaeducaçãoéprecisoiniciar-mos
comalgumasreflexõessobreaquestão:afilosofiapossuiimportânciaparaavida
individualesocialdoserhumano?
SegundoLuckesi(1990a,p.35):
quandonosdedicamosarefletirsobreosdiversosâmbitosdoconhecimentohumano,
consideramosquetodoselessãoimportantes:afísica,aquímica,abiologia,a
economia,ahistória... São áreas do conhecimento que já se tornaram
consagradase,nogeral,nãoexistemmaisdúvidassobreoseuefetivovalorparaavida
individualesocial.
Eletambém questiona:afilosofiapossuiimportânciasocialsemelhante?E
respondeque:
Noquese refereà filosofia,a honorabilidade e seu possívelacatamento
não aparecem de imediatoe de formamaterialmenteevidente.Elanãoproduz
resultadostecnológicose,porisso,não setornavisíveldeformaobservável.Os
efeitosdafilosofiasedãonoespíritoe na culturade um povooudeum
indivíduo;daínãoserfacilmentereconhecível.
ConsideraLuckesi(1990a,p.35a38)possíveldetectarcincoatitudesquea
sociedadeaaspessoastêmsobreafilosofia:
1)Osqueconsideramafilosofiacomoalgumacoisainútilequeéprodutode
mentesdiletantese,destemodo,semnenhumcomprometimentocomaexistênciadiária
daspessoas.
Essejulgamentoémanifestodediversasmaneiras:existemaquelesquedizem
queafilosofiaconstróicastelosdeidéiaseconceitosqueservem somentepara
preencherotempodosqueaelasededicam.Chegamaconsiderarcomo"malucos",
"lunáticos","os-fora-da-realidade"aquelesquesededicamaofilosofar.Eessaformade
pensarafilosofiasãoexpressõesparticularesdaformauniversalcomoasociedade,
especialmente,atravésdoseusegmentodominante,vêafilosofia.Háumalijamentodo
saberfilosóficoporsuapossibilidadededespertaracriticidade,dedesvendar
criticamenteconceitosevaloresquesustentamaçõesindividuaisecoletivas.
2)Asformasdepolidezcomoafilosofiaéadmitidanoseiodasociedade,sem
contudoserlevadaasériocomodeveriasê-lo.
Elogia-seafilosofia,atravésdoelogioaofilósofo,porém retira-sea
possibilidadedequeafilosofiavenhaaseralgumacoisainteressanteeimportantepara
todos.Comenta-sedemodogeralque"paratrabalharcomfilosofiaéprecisoteruma
inteligênciaexcepcional,poisessaéumaáreadeconhecimentomuitodifícil".A
filosofiapassaaservistacomoexclusivadealgunsintelectuais.
Outraformapolidadetratarafilosofiaéquantoasuaimportânciahistóricapor
tersidoaprimeiradasformasracionaisdeconhecimento.Afilosofiaéconsideradaa
"mãe"detodasasciênciaseporissonãopodeserjogadafora.Elapermanece
polidamenteadmitida,masnumplanosecundárioedesuperação.Elanãoélevadaem
consideraçãodeformasignificativaemfunçãodopróprioatodefilosofar.
22
3)Éconsideradaafilosofiauma"blague".Édefinidacomoalgoinútil.
Aosedefinirafilosofiacomo"ciênciacomaqualousemaqualomundo
continuatalequal",éumaformadeexpressarainutilidadedafilosofiaequeelaéum
mododeconhecerquenãosesabedeondeveionemparaondevai.
4)Osqueconsideramafilosofiacomoumaformadesaberperigosanasmãos
doscidadãose,porissodeveserabolida,masqueéimportantenasmãosdospoderes
constituídos.
IssoocorreunoBrasilpós-64,quandoogovernomilitarbrasileirosuprimiuo
ensinodefilosofianasescolasdeensinomédioedificultou-onasuniversidades.
Entretanto,investiuemespecialistasnaáreadoestudofilosóficoepolíticoencarregando
-osdo estabelecimento do pensamento filosófico-político norteadordasações
governamentais.Exemplos:ISEB(InstitutoSuperiordeEstudosBrasileiros)eEscola
SuperiordeGuerra.Oparadoxoéqueafilosofiapassaasersignificativaparauns(no
casoosmilitaresdetentoresdopoder)eparaoutrosnão(oscidadãosdopovo)
5)Osqueconsideramosaberfilosóficonaquiloqueeletemdepropriamenteseu,
istoécomoumaformadeentendimentonecessárioàpráxishumana.
Afilosofiaconsideradaformadeentendimentodarealidadecolocanasmãosdo
serhumanoumaorientação,umdirecionamentoparaasuaação.Elaéfundamentalpara
avidadetodososindivíduos,enquantosereshumanosquedesejamencontrarum
sentidoeumsignificadoparaoseuagir.Afilosofiaaorefletirsobrearealidadeconcreta,
aocolocar-senoplanodopensado,doteórico,constitui-senumentendimentocoerentee
críticoquepossibilitaaorientaçãodaaçãopráticaecotidianadoserhumano.
Essaformadecompreenderafilosofiavemdeencontroatodasasatitudes
cotidianasouoficiaisquediminuemousuprimemovalordafilosofia,anteriormente
descritas.Elapassaaservistacomumsignificadoexistencial,necessárioàexistência
humana.Elaéumanecessidadeparaoserhumano,poisqueninguémagenempodeagir
semsaber"paraonde"e"porquevai".Sósepodevivereagir,comcertaadequação,a
partirdeum entendimentodosignificadodomundoedarealidade.Pertenceà
racionalidadehumana,buscarumsentido,umsignificadoparaasuavidaeasuaformadeagir.
Assim,afilosofianãoétão-somenteainterpretaçãodo"jávivido"ou"daquilo
queestávivendo",masétambém,eprincipalmente,interpretaçãodasaspiraçõese
anseiosdospovos,namedidaem queelasedestinaaestabelecerfundamentose
direcionamentosparaapráxis.Afilosofiamanifesta-secomoimpulsionadoradaação,
tendoemvistaaconcretizaçãodedeterminadasaspiraçõesdossereshumanos,deum
povooudeumagrupamentohumano.
Podemos,então,diantedestasprimeirasreflexõescolocaralgumasquestõespara
análise.Emqueafilosofiacontribuiparaaeducação?Oeducadorprecisadafilosofia?
Oeducadoreoeducandofilosofam?Oquelevaoeducadoreoeducandoàfilosofia?
Professoreseestudantesnoseucotidianoescolarcolocamquestõesquesão
implicitamentefilosóficas.Oprofessorindaga:porquêestouensinando?Oqueéo
ensino?Oestudantepergunta:porquêvouàescola?Porquêestudar?
Se"todossãofilósofos"comoafirmaGramsci,esehomensemulheresprocuram
refletirsobreosproblemasquearealidadeapresenta,oquelevaoseducadoreseos
educandos,enquantofilósofosdaeducação,afilosofarem sãoosproblemasque
encontramarealizaremaaçãoeducativa.Estasquestõesdeordempedagógicarevertem-
23
seeminterrogaçõesdecaráterfilosóficoporbuscaremarazãodeserdofenômeno
educativoedesuapráxiseducativaapresentandoimplicitamentequestõeseexplicações
sobreanaturezadoserhumanoedomundo.Subjacenteaumaconcepçãodeeducação
eaumapráticapedagógicaestápresenteumateoriasobreoserhumanoesuarelação
comomundo.
Éimportantedestaformaqueoeducador,enquantofilósofodaeducação,reflita
sobreaproblemáticaeducacionalnabuscadeumsignificadoexistencialepolíticopara
asuapráticaeducativa.
Consequentemente,estudarahistóriadafilosofiaedaeducaçãopassaaser
importanteparaoseducadores,namedidaemqueahistóriaforneceráelementosparaa
atitudedereflexãodoeducadorfaceaosproblemasvivenciadosnaeducação.Nessa
relaçãodialéticaentreacompreensãodoproduzidohistoricamenteeorefletidono
contextoeducacionalatualéqueoeducadorbuscasentidoedirecionaasuaprática
educativa.
Ponce(1986)problematiza:«afilosofiasãoasfilosofiasouéumfilosofar?Dar
umcursodefilosofiasignificarefletirouensinaraoalunoahistóriadafilosofia?Oque
émaisadequadofilosofarouentenderasfilosofiasjá"prontas"?».Explicitaquepara
filosofaroserhumanoprecisadafilosofiaeparafazê-laprecisadofilosofar,edeste
entrelaçamentodialéticoqueemergiráoconhecimentodarealidade.Assim,
saberoqueecomojáfoifeitoem termosdefilosofia, aomesmo tempo em
que a compreendamos comoum (atoeminentemente humano) nos
possibilitará recuperaraverdadeiradimensãoda filosofia queé ofilosofar.
Os PRODUTOS filosóficos compreendidos historicamentepossibilitarão o
PROCESSO do filosofarque gerará novos PRODUTOS filosóficos que
possibilitarãonovoPROCESSOdofilosofar,etc.
Afilosofiatambémcontribuiparaaeducaçãoporquesuatarefaélevarhomense
mulheresapensaremoseuprópriopensamento,levando-osaexaminaremsuasopiniões
ecrenças.Porcaracterizar-secomoatitudecríticafrenteaproblemáticaeducacional,
tentandodesmistificarasideologiassubjacentesaoprocessoeducativo.Ocarátercrítico
edesalienantedofilosofarcontribuiparaahumanizaçãoeparaaformação doser
humanocomopessoa.
SegundoLuckesi(1990a,p.43):
Cabeaoeducadorquestionarpermanentementesobreoobjetivodoseutrabalho,sobre
ossujeitosdesuaprática,sobreosentidodosprocedimentosqueutiliza,sobre
oqueéconhecimento,sobreefetividade,sobremétodos,sobreosconteúdosqueveicula,
e tantosoutrosobjetosqueestãocomprometidoscom suaprática.Osobjetos de
meditaçãofilosóficaparaoeducadornãoestãodistantesde suascondutas;não
sãoobjetosabstratos.Aocontrário,sãoosfenômenos,acontecimentosefatosque
estãoimediatamentejuntosde si,diretamentearticuladoscom amaterialidadede
suaação. A filosofiaeoexercíciodofilosofartêm conseqüênciasdiretase
imediatasparaanossapráticaeducativa,namedidaem queatuam buscandoe
produzindofundamentosquedêemdireçãoaonossoagir.Aliás,comotudoomais
navidahumana,tambémnapráticaeducativanãoseagesemfilosofia.
2)QualosignificadodeFilosofiadaEducação?
AFilosofiadaEducaçãoédefinidaporSaviani(1980,p.29)comouma
«reflexão(radical,rigorosaedeconjunto)sobreosproblemasquearealidade
24
educacionalapresenta»,considerandoqueoquelevaoeducadorafilosofarsãoos
problemasqueeleencontraaorealizaratarefaeducativa.
Nestadefinição,aFilosofiadaEducaçãonãotemcomofunçãofixar"apriori"
princípioseobjetivosparaaeducação,nemsereduzaumateoriageraldaeducação
enquantosistematizaçãodosseusresultados.AsuafunçãoéconformeSavianI(1980,
p.30/35):
acompanharreflexivaecriticamenteaatividadeeducacionaldemodoaexplicitaros
seusfundamentos,esclarecera tarefa e a contribuição dasdiversasdisciplinas
pedagógicaseavaliarosignificadodas soluçõesescolhidas(...)Écontribuirpara
queoseducadoresadotemumaposturareflexivaparacomaproblemáticaeducacional.
3)QualaespecificidadedaFilosofiadaEducação?
Aquestãodaespecificidadedafilosofiadaeducaçãocaminhajuntamentecoma
questão:oqueéafilosofia?Afilosofiaéumapráxisenãoumaatividadeespeculativa
eabstrataqueestabeleceverdadesabsolutas.Nestaperspectivadinâmicadafilosofia,
quetemsuafundamentaçãoemMarx,aocolocarqueatarefadofilósofoé"transformar
omundo"eemGramscipordefenderatesedeque"todososhomenssãofilósofos","o
verdadeirofilósofonãoéaqueleespecialistaqueelaboranovasconcepçõesdemundo
(mesmoaquelasquenosparecemgeniais),masaquelequepelasuapráxismodificao
meio,dando-lhesentido,edessemodo,dandosentidoàhistória,fazendohistória"
(GADOTTI,1981a,p.48)
AfilosofiadaeducaçãoparaGiles(1983,p.29)
procuraaprofundarecompreenderoprocessoeducativotalcomo évivido,para
poderenfrentaras questõesfundamentais desse mesmoprocesso.Mas,ela
pretendesobretudolevaraquelesquesãoresponsáveispelaorientaçãodoprocesso
educativoadescobrirosentidoradical desseprocesso,medianteacompreensão
radicaldaquiloqueé,poisessacompreensãoabreocaminhoparaaquiloquepode
viraser.
Rios,PavianieGadottitratam dadimensãodepráxisdafilosofiadaeducação
ressaltandooseuaspectoéticoepolítico.SegundoRios(1993,p.25/26).
Afilosofiadaeducaçãoserásempreumareflexãoquesefaránãoapenasnuma
perspectivagnosiológicaouontológica,maséticaepolítica.Issotemaver,
aomesmotempo,comascaracterísticasdafilosofiae com asdimensõesda
práxishumana,daqualapráxiseducativaéumaspecto (...)Aoinvestigarmos
ofenômenoeducativodopontodevistada totalidade,procuramos vê-lo em
todos os seus componentes: um componenteeconômico,enquanto
relacionadoàproduçãodavidamaterial, parte dotrabalhohumano da
sociedade;um componentepolítico,no quedizrespeitoaopoderque
permeiaasrelaçõesnaeducação;um componenteético,apartirdoquediz
respeitoaosvaloresquesubjazem àpráticadoseducadores.A filosofia,
enquantoéreflexão,tem um caráterteórico.Enquantofilosofiade,elaé
umareflexãoqueganha seu sentido namedidaemquesevoltaparaa
práticadossujeitos,emqualquerâmbitoqueessaaconteça.
NaperspectivadePaviani(1988,p.15),afilosofiadaeducação:
tem afunçãoderefletircriticamenteosproblemasfilosóficosdaeducaçãotais
comoosrelativosaohomem,àaçãohumana,aoconhecimentodomundoedos
meios,dosfins,danatureza,dacultura,dastécnicas,dosvalores.
Gadotti(1981b,p.30)explicita,também,adimensãoéticaepolíticadafilosofia
daeducação,aocolocarcomotarefasdafilosofiadaeducação:«desvelaracondição
25
humana»;«proporviasdelibertaçãoparaohomem»edesmistificarasaçõesque
conduzemàopressãoeàdesigualdadeentreoshomens.Equeessadimensãohumanaé
quediferenciaofilósofodoideólogodaeducação.
Oideólogodaeducaçãoéaantítesedofilósofodaeducação.Nointeriordopensamento
dominante,oideólogofaz um trabalho de legitimação,conscienteounão da
dominação.Forjadordeilusões,oideólogoéosofistadostemposmodernosque
vende barato sua ciência. Se nomercadoaidéiadominanteéapoesiae os
sentimentos,eleacharálogoqueocoração é a partemais importantedo
homem. Quandoainteligência,a racionalidade adquire prestígioeleachará
nobom momento,queacabeçaéapartecentral,em razãodaqualtodorestodeve
serconcebido.Masseéprecisolegitimaraidéiadeautogestão,denão-diretividade,
eleseapressa,antesqueosoutrosfaçam,emprovar"cientificamente"queohomem,
queseu corpo,não tem partes maisimportantesdoqueoutras,masqueéum
modelodeautogestão (...) Oideólogoéassimapeçafundamentaldaengrenagem
moderna.
AFilosofiadaEducação,assim,contribui«paraindicarpossíveiscaminhos,
paraesclarecer,parasuscitaroespíritoderesponsabilidade,delucidez,departicipação
nasoluçãodosproblemaseducacionaisquesãoosnossos,osproblemasdonosso
tempo»(GADOTTI,1981a:38).Istosignificaqueareflexãocríticadevetraduzirum
engajamento,umaatitude,umapresençaefetivanomundo.Deveserdimensionada
numapráxiséticaepolítica.
AFilosofiadaEducaçãonamedidaemqueprocuraporumtrabalhodereflexão
críticaexplicitarospressupostossubjacentesàeducação,temcomotarefa«suspeitarda
educação,suspeitarquealémdaaparênciadeumaeducaçãonecessáriapodeocultar-sea
dominação,areprodução.Nestesentidoafilosofiadaeducaçãotemque"suspeitar-sea
simesma,suspeitardesuamaneiradeproceder»(GADOTTI,1981b:31).
A“suspeita”ea“dúvida”sãooselementosfilosóficosessenciaisquepermitema
contestação,ainterrogaçãoeabuscadoconhecimento. Adúvidacomoatitude
existencialpermiteamudança,arupturadoestabelecido.
ParaGadotti(1981a:17e23)
adúvidaéumatodeliberdadeederesponsabilidadepeloqualohomem empunha,
retomaasituaçãonaqualvive,colocando-secomosujeitodela.(...)Elaesboçaepropõe,
portanto,umaatitude,umamaneiradeafrontaroconjuntodosproblemasedas
tarefaseducativas.Elaapontaumcaminho.
Aespecificidadedafilosofiadaeducaçãoconsiste,então,"numacertamaneira
decaminhar,deinterrogar"medianteumasituaçãoconcretanaqualohomemconstituio
seusuporteehorizonte.Sendoofilósofoohomemdasuspeitaedadúvida,cabeao
educador,problematizarocontextoeducacionaleestimularadúvidanasuaprática
educativa.
AFilosofiadaEducaçãoexploraasraízes,osfundamentos,arazãodeser,oque
estásubjacenteaoprocessoeducacional.Buscaexplicitaroqueestáportrásdaeducação,
a"suspeitar"daeducação,asuspeitarquealémdaaparênciadeumaeducaçãonecessária
podeocultar-seadominação,areprodução,etc.A FilosofiadaEducaçãoprocura
compreenderasignificaçãodoatoeducativo,oporquêdoprocessoeducativo.Neste
sentido,aFilosofiadaEducaçãotematarefadepensar,derefletirsobreaeducação,
construindoocaminhodeinvestigação,partindodequestões-problemas.
26
TEXTO4
PORUMAPEDAGOGIADAPERGUNTA
FREIRE,PauloeFAUNDEZ,Antonio(PorumaPedagogiadaPergunta,pág.45a51)
dialogamsobreaeducaçãocomopráticadeperguntar.
ANTONIO –Penso,Pauloqueesseproblemadeensinaroudeeducaré
fundamentaleque,semdúvida,relacionaseaoquedizíamosantes:posiçõespolíticas
bemdeterminadasemurnmundohierarquizadonoqualosquedetêmopoderdetêmo
saber,eaoprofessorasociedadeatuallheofereceumapartedosaberedopoder.Esteé
um doscaminhosdereproduçãodasociedade.Acho,então,queéprofundamente
democráticocomeçaraaprenderaperguntar.
27
Noensinoesqueceram sedasperguntas,tantooprofessorcomooaluno
esqueceramnas,enomeuentendertodoconhecimentocomeçapelapergunta.Começa
peloquevocê,Paulo,chamadecuriosidade.Masacuriosidadeéumapergunta!Tenhoa
impressão(enãoseisevocêconcordacomigo)dequehojeoensino,osaber,éresposta
enãopergunta.
PAULO–Exato,concordocontigointeiramente!É,istoqueeuchamode
"castraçãodacuriosidade".Oqueestáacontecendoéummovimentounilinear,vaidecá
praláeacabou,nãohávolta,enemsequerháumademanda;oeducador,demodogeral,
játrazarespostasemselheteremperguntadonada!
ANTONIO Exatamente,eomaisgrave,Paulo,éque0alunoseacostumaaesse
tipodetrabalhoe,então,oqueoprofessordeveriaensinarporqueeleprópriodeveria
sabêlo–seria,antesdetudo,ensinaraperguntar.Porqueoiníciodoconhecimento,
repito,éperguntar.Esomenteapartirdeperguntaséquesedevesairembuscade
respostas,enãoocontrário:estabelecerasrespostas,comoquetodoosaberfica
justamentenisso,jáestádado,éumabsoluto,nãocedelugaràcuriosidadenema
elementospordescobrir.0saberjáestáfeito,esteéoensino.Agoraeudiria:"aúnica
maneiradeensinaréaprendendo",eessaafirmaçãovaleriatantoparaoalunocomopara
oprofessor.
Nãoconceboqueum professorpossaensinarsem queeletambém esteja
aprendendo;paraqueelepossaensinar,éprecisoqueeletenhadeaprender.
PAULO Concordo,aafirmaçãoémaisradicalainda.Apanhaoprocessonoseu
começomesmo.Eamimmetocamuitoessaafirmaçãoanteriortua,comrelaçãoà
pergunta,queéalgosobrequeinsistotanto...Oautoritarismoquecortaasnossas
experiênciaseducativasinibe,quandonãoreprime,acapacidadedeperguntar.A
naturezadesafiadoradaperguntatendeaserconsiderada,naatmosferaautoritáriacomo
provocaçãoàautoridade.E,mesmoquandoistonãoocorraexplicitamente,aexperiência
terminaporsugerirqueperguntarnemsempreécômodo.
Umadasexigênciasquesemprefizemos,Elzaeeu,anósmesmosemfacedenossas
relaçõescomasfilhaseosfilhoseraadejamaisnegarIhesrespostasàssuasperguntas.
Nãoimportacomquemestivéssemos,parávamosaconversaparaatenderàcuriosi¬dade
deumdelesoudeumadelas.Sódepoisdetestemunharonossorespeitoaseudireitode
perguntaréquechamávamosaatençãonecessáriaparaapresençadapessoaoudas
pessoascomquemfalávamos.
Creioque,natenraidade,começamosanegaçãoautoritáriadacuriosidadecom
os"masquetantapergunta,menino";“calese,seupaiestáocupado";“vádormir,deixe
aperguntapraamanhã".Aimpressãoquetenhoéadeque,emúltimaanálise,o
educadorautoritáriotemmaismedodarespostadoquedapergunta.Temeapergunta
pelarespostaquedevedar.
Creio,poroutrolado,quearepressãoàperguntaéumadimensãoapenasda
repressãomaior arepressãoaoserinteiro,àsuaexpressividadeemsuasrelaçõesno
mundoecomomundo.
Oquesepretendeautoritariamentecomosilêncioimposto,emnomedaordem,é
exatamenteafogarneleaindagação.Tutensrazão;umdospontosdepartidaparaa
formaçãodeum educadoroudeumaeducadora,numaperspectivalibertadora,
democrática,seriaessacoisaaparentementemuitosimples:Oqueéperguntar?Aeste
respeito,tecontariaumaexperiênciaquevivicomprofundaemoção.FoiemBuenos
Aires,aondeforaquandoaindatrabalhandoaquinoConselho,emseguidaàvoltade
28
Perón.ConvidadopeloMinistériodaEducação,suasequipes,tendoàfrenteoministro
Tayana,exmédicodePerón,porcausadoquetevedepagarcaroapósogolpemilitar,
organizaramexcelenteprogramadetrabalhoparamimduranteoitodias,comtempo
integral.EraaminhaprimeiravisitaàArgentina,àqualnãopudeaindavoltar,até
recentementeporproibiçãoexpressadosmilitares.
O programaconstavadesemináriosdiárioscom professoresuniversitários,
reitores,técnicosdosdiferentessetoresdoMinistério,artistas,masconstavatambéme
fundamentalmentedevisitasàsáreasperiféricasdeBuenosAires.Numdomingopela
manhã,fuiaumadessasáreas.Oencontroserianumaespéciedeassociaçãode
moradores.Um grupoenormedegente.Fuiapresentadopeloeducadorqueme
acompanhava.
__Nãovimaqui,disseeu,parafazerumdiscurso,masparaconversar.Farei
perguntas,vocêstambém.Asnossasrespostasdarãosentidoaotempoquepassaremos
juntosaqui.
Parei.Houveumsilênciocortadoporumdelesquefalou:
__Muitobem,achoqueébomassim.Realmentenãogostaríamosquevocê
fizesseumdiscurso.Tenhojáumaprimeirapergunta.
__Poisnão,disseeu.
__Oquesignificamesmoperguntar?
AquelehomemdeumafaveladeBuenosAires,naquelamanhãdedomingo,feza
perguntafundamental.Emlugarderespondersozinho,tenteiarrancardogrupooque
lhepareciaserperguntar.Acadamomentoprocuravaesclarecerumououtroponto,
insistindosobreacuriosidadequeaperguntaexpressa.Tutensrazão,talvezdevesseser
esteumdospontosprimeirosaserdiscutido,numcursodeformaçãocomjovensquese
preparamparaserprofessores:oqueéperguntar.Insistamos,porém,emqueocentroda
questãonãoestáemfazercomapergunta"oqueéperguntar?"umjogointelectual,mas
viverapergunta,viveraindagação,viveracuriosidade,testemunhálaaoestudante.0
problemaque,naverdadesecolocaaoprofessoréode,naprática,ircriandocomos
alunosohábito,comovirtude,deperguntar,de"espantarse".
Paraum educadornestaposiçãonãoháperguntasbobasnem respostas
definitivas.Umeducadorquequandocastraacuriosidadedoeducando,queseinsereno
movimentointernodoatodeconhecer,jamaisdesrespeitaperguntaalguma.Porque,mesmoquandoapergunta,paraele,possapareceringênua,malformulada,nemsempre
oéparaquemafez.Emtalcaso,opapeldoeducador,longedeserodeironizaro
educandoéajudáloarefazerapergunta,comoqueoeducandoaprende,fazendo,a
melhorpergunta.
ANTONIO Veja,Paulo,comoestamosvoltandoaoiníciodoconhecimento,às
origensdoensinar,daPedagogia.Eestamosdeacordoemquetudocomeça,ejáodizia
Platão,comacuriosidadee,ligadaàcuriosidade,apergunta,Creioquevocêtemrazão
quandodizqueaprimeiracoisaqueaquelequeensinadeveriaaprenderésaber
perguntar.Saberperguntarse,saberquaissãoasperguntasquenosestimulam e
estimulamasociedade.Perguntasessenciais,quepartamdacotidianeidade,poisénela
ondeestãoasperguntas.Seaprendêssemosanosperguntarsobrenossaprópria
existênciacotidiana,todasasperguntasqueexigissemrespostaetodoesseprocesso
perguntaresposta,queconstituiocaminhodoconhecimento,começariamporessas
perguntasbásicasdenossavidacotidiana,dessesgestos,dessasperguntascorporaisque
29
ocorponosfaz,comovocêdiz.
Euinsistiriaem queaorigem doconhecimentoestánapergunta,ounas
perguntas,ouseja,noatomesmodeperguntar;eumeatreveriaadizerqueaprimeira
linguagemfoiumapergunta,aprimeirapalavrafoiaumsótempoperguntaeresposta,
numatosimultâneo.Eunãoentendoalinguagemquandofalodelinguagem,apenasa
linguagemfalada.
Sabemosquealinguagemédenaturezagestual,corporal,éumalinguagemde
movimentodeolhos,demovimentodocoração.Aprimeiralinguageméalinguagemdo
corpoe,namedidaemqueessalinguageméumalinguagemdeperguntasenamedida
emquelimitamosessasperguntasenãoouvimosouvalorizamossenãooqueéoralou
escrito,estamoseliminandograndepartedalinguagemhumana.Creioserfundamental
queoprofessorvalorizeemtodasuadimensãooqueconstituialinguagem,ouas
linguagens,quesãolinguagensdeperguntasantesdeseremlinguagensderespostas.
PAULO Deacordo.Estoucerto,porém,dequeéprecisodeixarclaro,maisuma
vez,queanossapreocupaçãopelapergunta,emtornodapergunta,nãopodeficar
apenasaniveldaperguntapelapergunta.Oimportante,sobretudo,éligar,sempreque
possível,aperguntaearespostaaaçõesqueforampraticadasouaaçõesquepodemvir
aserpraticadasourefeitas.Eunãoseiseficaclarooquedigo.Parecemefundamental
esclarecerqueatuadefesaeaminha,doatodeperguntar,demaneiranenhumatomama
perguntacomoumjogointelectualista.Pelocontrário,onecessárioéqueoeducando,ao
perguntarsobreumfato,tenhanarespostaumaexplicaçãodofatoenãoadescriçãopura
daspalavrasligadasaofato.Éprecisoqueoeducandovádescobrindoarelação
dinâmica,forte,viva,entrepalavraeação,entrepalavraaçãoreflexão.Aproveitandose,
então,exemplosconcretosdaprópriaexperiênciadosalunosduranteumamanhãde
trabalhodentrodaescola,nocasodeumaescoladecrianças,estimulálosafazer
perguntasemtornodasuaprópriapráticaeasrespostas,então,envolveriamaaçãoque
provocouapergunta.Agir,falar,conhecerestariamjuntos.
ANTONIO Énecessário,noentanto,precisararelaçãoperguntaação,pergunta
respostaação.Acreditoquevocênãopretendaquearelaçãoentretodaperguntaeuma
açãodevaserumarelaçãodireta.Háperguntasquesãomediadoras,perguntassobre
perguntas,àsquaissedeveresponder.Oimportanteéqueestaperguntasobreapergunta,
ouestasperguntassobreasperguntas,esobreasrespostas,estacadeiadeperguntase
respostas,enfim,estejaamplamentevinculadaàrealidade,ouseja,quenãoserompaa
cadeia.Porqueestamosacostumadosaofatodequeessacadeiadeperguntaserespostas,
quenofundonãoésenãooconhecimento,rompese,interrompese,nãoalcançaa
realidade.Oqueexigimoséque,havendoperguntasmediadoras,elassejamsempreuma
ponteentreaperguntaprimeiraearealidadeconcreta.
Pensoqueoatodeperguntar,ouaprópriapergunta,enquantoprincípiode
conhecimento,poderiasercompreendidoem gruposconcretos.Recordo-¬me,por
exemplo,que,àsvésperasdeminhapartidaparaoZaire,fuiprocuradoporumjovem
naturaldessepaísequeestavapreparandosuatesededoutoramento,umestudosobrea
experiênciaeducacionaldasigrejasmissionáriasnoZaire.
Aoiniciarnossodiálogo,eulhedisse:"Évocêquemfala,euoescuto.Vocême
diráoquepensa,oqueconseguiucomoinformação,quaissãosuaspreocupaçõesase
concretizaremnumtrabalhodetese".Durantecercadeumahora,essejovemdeume
informaçõesincríveis:idasabibliotecas,leituradelivros,diálogoscomaspessoasque
viveramaépocadasmissõesnoZaire.Mastodaessainformaçãoeraumainformação
desprovidadeforma.
30
Aofimeulheobservei:Quaissãoasperguntasquevocêsefazparaestruturaro
seutrabalhodetese?Porquetodotrabalhodetese,comotodotrabalhodepesquisa,deve
iniciarseporencontrarasperguntaschavesqueéprecisoresolver".
Nãodigoquenãosejaprecisoinformarse,masofundamentaléqueessacuriosidade
quenoslevaanospreocuparmoscomumtemadeterminadoseconcretizeemperguntas
essenciaisqueserãoosfioscondutoresdenossotrabalho.Seencontrarmoscincoouseis
perguntasessenciais,serãoessasperguntaseasrespostasaelasqueconstituirãouma
teseacadêmica.
PAULO E,duranteoprocessodebuscarinformaçõesqueajudemarespondera
essasperguntas,tudoindicaqueoutrasperguntasfundamentaisemergemnaconstituição
deumcorpocoerente,lógico,rigoroso,quedeveseratese.
ANTONIO Sim,creioqueovalordeumateseestánadescobertaena
formulaçãodeperguntasessenciaisquedespertemacuriosidadedeoutrospesquisadores.
0valornãoestátantonasrespostas,porqueasrespostassãosemdúvidaprovisórias,
comoasperguntas...
Mas,àmedidaqueencontramosasperguntasessenciaisquenospermitirãorespondere
descobrirnovasperguntas,formaseessacadeiaquepossibilitaráqueatesesevá
construindo.Umateseemquenãosóasrespostasserãoofundamental,mastambém
essacadeiadeperguntas,provisóriassempre.Pareceme,noentanto,que,paracomeçar
umatese,ofundamentaléaprenderaperguntar.Atarefadafilosofiaedoconhecimento
emgeralnãoétantoresolver,masperguntar,eperguntarbem.
PAULO Creio,nessesentido,queoeducandoinseridonum permanente
processodeeducação,temdeserumgrandeperguntadordesimesmo.Querdizer,nãoé
possivelpassardesegundaaterçafeirasemseperguntarconstantemente.Voltoainsistir
nanecessidadedeestimularpermanentementeacuriosidade,oatodeperguntar,em
lugardereprimilo.Asescolasorarecusamasperguntas,oraburocratizarnoatode
perguntar.Aquestãonãoestásimplesmenteemintroduzirnocurrículoomomentodas
perguntas,denoveàsdez,porexemplo.Nãoéisto!A questãonossanãoéa
burocratizaçãodasperguntas,masreconheceraexistênciacomoumatodeperguntar!
Aexistênciahumanaé,porquesefezperguntando,àraizdatransformaçãodo
mundo.Háumaradicalidadenaexistência,queéaradicalidadedoatodeperguntar.
Exatamente,quandoumapessoaperdeacapacidadedeassombrarse,seburocratiza.
Mepareceimportanteobservarcomoháumarelaçãoindubitávelentreassombro
epergunta,riscoeexistência.Radicalmenteaexistênciahumanaimplicaassombro,
perguntaerisco.E,por,tudoisso,implicaaçãoetransformação.Aburocratização
implicaaadaptação,portanto,comummínimoderisco,comnenhumassombroesem
perguntas.Entãoapedagogiadarespostaéumapedagogiadaadaptaçãoenãoda
criatividade.Nãoestimulaoriscodainvençãoedareinvenção.Paramim,negarorisco
éamelhormaneiraquesetemdenegaraprópriaexistênciahumana.
31
TEXTO5
IDEOLOGIA,CATEGORIAEXPLICATIVADOCONHECIMENTOHUMANO
Capítulol
4
Aelaboraçãodoconceitoesuadiscussãoclássica
1.1.Introdução
4
Fonte:SEVERINO,A.J.Educação,ideologiaecontra-ideologia.SãoPaulo:EPU,1986(p.3a10)
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Oconceitodeideologiaéumdosmaisricosinstrumentoselabo¬radospelo
pensamentohumanoparaaexplicaçãodeseusprópriosprocessosdeexpressão.Trata-se,
pois,deinestimávelconquistadaconsciênciahumanaque,atravésdele,consegueatingir
umpontomáximodeauto-reflexão,ouseja,medianteestasuacategoriadepensamentoa
consciênciaconseguerefletir-seplenamente,colocando-senaposiçãodequemvê,analisae
criticaopróprioprocessodeumapráticafundamental,aatividadedopensar.A
elaboraçãodestacate¬goriapossibilitou,assim,aoshomens,compreendermais
profunda¬mentesuaatividadeteórica,pelaexplicitaçãoeapreensãodeaspectos
significativosimplícitosquenãosemanifestavamdíretamenteàanálisefilosófica
corrente.
A configuraçãoexplícitadoconceitoideologiasedeunaépocamoderna,
cabendoàfilosofiamarxistaaconquistamaisfundamentalesignificativanesseprocesso.Ateoriamarxistadaideologiaassume,assim,umlugarreferencial,tantodepontode
vistahistóricoquantodopontodevistaepístemológico,nalongahistóriadaformaçãoe
desenvolvimentodoconceito.
Sem dúvida,épossívelencontrarnafilosofiapré-marxistasignifi¬cativas
contribuiçõesteóricasquepodemserconsideradascomopré-compreensõesdoconteúdodo
conceitodeideologia.
3
Foramconsequentemente,subsidiosimportantesparaaevoluçãodaconsciência
rumoàconstituiçãoespecíficadesseconceito.
Contudo,cmquepeseoseugrandeesforçoespeculativoecrítico,expressonarica
tradiçãodafilosofiaocidental,aconsciênciafilosó¬fica,daépocagregaatéoséculoXIX,
nãochegouaapreendereaexplicitarsuavinculaçãointrínsecaàrealidadesocial.A
retomadadahistóriadafilosofiapré-marxista,deumaperspectivaepistemológica,dará
contadagrandiosidadedasconquistasdoespíritohumano,masmostrarátambémsua
convicçãodequeaatividadeconscientesedesenvolvedemaneiraautônoma,limitada,
quandomuitopelasdeterminaçõesdaexperiênciavivenciadaatravésdossentidos.A
cons¬ciência,enquantopoderderepresentaçãoedeconhecimento,sósedeterminariapor
suasprópriasleisinternas.Porisso,nenhumadasáreasdafilosofiavinculouaatividade
daconsciênciaaosinteressesoriundosdasrelaçõesdepoderexistentesnasociedade.A
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atividadedaconsciênciasedesenvolverialivremente,etodaapreocupaçãodosfilósofos,
comrelaçãoaessaatividade,foidefundamentarejustificar,emsimesmo,esseprocesso
deconhecimento.
Apalavra"ideologia"chegouaserusada,noséculoXVII,poralgunspensadores
franceses,queficaramconhecidospor"ideólogos".Masparaeles,ideologiasignificavatão
-somente"estudodasideias",idéiasestasqueentendiamformadaspelasimpressões
sensíveis.Esta¬vaminfluenciadospeloempirismoinglês,quefundavaoconhecimento
unicamentenaexperiênciadossentidos.
Masessesignificadotécnicodotermonãovingou.A tradiçãofilosófica
continuoudesenvolvendosuasreflexõesepistemológicasàbuscadeumafundamentação
daatividadedaconsciêncianointeriordaprópriaconsciência.Epode-sedizerquea
evoluçãodaepistemologia,nalinhadoracionalismoiluminista,marcaaposição
radicaldeacordocomaqualarazãoéautônomaeauto-suficientenacons¬tituiçãodo
conhecimento.Tantoaciênciamodernaquantoafilosofia,emsuasformasdesenvolvidas
naépocamoderna,decorrentesdeumaautênticarevoluçãoepistemológicacontrao
dogmatismodatradiçãometafísica,apoiaram-secriticamentenopoderdarazãonatural,
esta¬belecidoapósrigorosoexamecríticodesuaspossibilidades.Assim,arazãoélevadaa
abdicardesuaspretensõesmetafísicasmas,emcompensação,torna-seabsolutanodomínio
doconhecimentodosfenó¬menosdarealidadenaturalesocial.
Nãoobstanteessaafirmaçãoincisivadaautonomiadarazão,oaprofundamentoda
questãodaconsciênciaacabaabrindocaminhoparaaapreensãodosignificadoideoló-
4
gicodoconhecimento.Emborapraticada,vivenciadanavidasocialeculturalda
humanidade,aideologianãofoi,nessatradiçãofilosófica,explicitadaenquantotal.Esta
explicitaçãosedaráatravésdateoriamarxistadoconhecimento.
1.2.Marxeaexplicitaçãodoconceitodeideologia
Éuniversalmentereconhecidaacontribuição,paraaexplicitaçãodosentidodo
conceitodeideologia,Foiomarxismoquesistematizou,pelaprimeiravez,oestudoda
questãoideológica,oquefazdaabordagemdeMarxumaabordagemclássicadotema,
pontodereferêncianucleardetodasuadiscussãoposterior.
Marx,desdeoinício,dáaseupensamentoumaorientaçãoeminentementepolítica,
34
umavezquesuapercepçãodarealidadeesuaspreocupaçõeseram denatureza
fundamentalmentepolítico-social.Istoporque,alémdesuaformaçãodeeconomista,
identificara-sedesdelogocomasnovasforçaspresentesnosmovimentosdelutapor
transformaçõesdarealidadepolíticadaépoca.Daíoinequívocoengaja-mentopolíticodo
intelectualque,alémdeestaratentoasuacircunstânciahistórica,pôs-seaouvirtambémos
pensadoresquejáteorizavamnoâmbitodosmovimentossocialistas.
MarxretomadeHegelaconcepçãodialéticadarealidade,ouseja,aafirmaçãode
quearealidadevaiseproduzindopermanentementemedianteumprocessodemudança
determinadopelalutadoscontrários,porforçadacontradiçãoquetrabalhaoreal,no
seuprópriointerior.Eraarecuperaçãodatemporalidadereal,dadimensãoperdidadesde
opredomíniodafilosofiagregavisãojudaica.Assim,afilosofiamarxista,em
continuidadeafilosofiahegelíana,concebearealidadecomoseconstituindonumprocesso
históricoque,aoseefetivar,vaiefetivandooprópriotemponumprocessocriador.Eeste
processocriadorqueocorreporforçadalutaprovocadapelascontradiçõesque
trabalhaminternamentearealidadeéumprocessodialético,deposição,negaçãoe
superação,deacordocomatríadehegelianadatese-antítese-síntese.
Mas,quantoàconcepçãodoprocessoreal,terminaaíoaproveita-mentoqueMarx
fazdopensamentodeHegel.Marxrepudiaradicalmenteametafísicaidealistapresente
nessepensamentoquefazdomundoreal,danaturezaedasociedade,momentosdo
desdobrardaidéiarumoaoEspírito,ParaMarx,existetão-somenteomundodanatureza,
ouniversomaterialqueincluiasociedadehumana.Eesteuniversoencontraemsimes
5
moseupróprioinícioetemquecontersuaauto-explicação.Elenãoépartedenenhuma
históriadaIdeiaAbsoluta.Eleéoabsoluto,desligadoqueédequalqueroutroserque
justificassesuaexistência.Assim,atotalidadeéconstituídapelomundonaturalehumano.
MasháoutracontribuiçãoqueMarxretomadafilosofiadeHegel:éa“idéiade
alienação”,elementofundamentalparaaconstruçãodeseuconceitodeideologia.Marx,
reforçadopelascríticasfeitasàreli¬giãoporFeuerbach,outroseucontemporâneoe
discípulodeHegel,retomaaafirmaçãodapossibilidadedealienaçãodaconsciência
hu¬mana.Mas,coerentementecomsuavisãodarealidade,diráqueestaalienaçãonãoé
desviodorelacionamentoentreduasfasesdacons¬ciência,massim,dorelacionamento
daconsciênciaàrealidadenatu¬ral.Éaprojeçãodaconsciêncianumaobjetividadenão-real,
apenasprojetada.
35
Feuerbachexplica,poresseprocesso,areligião,OhomemcriaaimagemdeDeus
aoprojetar,numserideado,foradesi,querealiza¬riaosvaloresqueele,homem,
deveriarealizar,asuaprópriareali¬dade.Atribuiaesseserpoderesquelhepertencem.
Nestesentido,sealiena,seperde.Marxvaidizerentãoqueareligiãoatuacomo
ver¬dadeiroópio,comofelicidadeilusóriadopovo.Istoporqueelaatuacomoimagem
deummundoinventadoeinvertido,noqualohomem,aoinvésdeestarrelacionadocom
seuverdadeiroobjeto-naturezaesociedade,éconcebidocomautoconsciênciapuramente
espiritual.
Masaalienaçãoreligiosanãoéoriginal:elasefundanumaoutraformade
alienaçãoanterior,maisprofundaainda:aalienaçãoeco¬nômica,queocorrenoprocesso
dotrabalho.Osujeitodaalienaçãonãoéoespírito/autoconsciência,masohomemreal
existente.A alie¬naçãonãoéumasituaçãodaconsciênciaespeculativa,masuma
con¬diçãohistórica,presentenarelaçãodohomemcomapropriedadedosmeiosde
produçãodesuaexistência.Apropriedadeprivadaalienaohomemdesiaotransformá-lo
emmercadoria.Ohomeméoriginaria¬mente,paraMarx,constituídoporrelaçõescoma
naturezaecomosoutroshomens.Oregimedapropriedadeprivadarompeestas
rela¬ções,oquelevaohomemaromper-seconsigomesmo,tornando-seobjetivoem
relaçãoasimesmo,umobjetoestranhoedesumano,detalmodoquesuamanifestação
devidasetransformenasuaexpropriaçãodevidaeasuarealizaçãonasuaprivação.
Marx,ajudadoporEngels,operaassimumareorientaçãoradicaldafilosofia.
Abandonadefinitivamenteaideiadeumhomemconcebidocomoumaessênciahuma-
nauniversaleabstrata,privadadequalquerrelaçãointrínsecacomomundoreal,pura
autoconsciência.
Éasuateoriaaprimeiraaexplicitareatematizarasignificaçãodecisivaquea
realidadeeconômicatemnãosócomrelaçãoàpráticapolítico-socialdoshomens,mas
tambémcomrelaçãoàsváriasformasdepensamentousadaspararepresentá-los.Parao
marxismo,nãosetrataderenunciaraopensamentoenquantoatividadedaconsciência,
masdenãoodesvinculardesuascondiçõeshistóricasreaisdepro¬dução.Opensamento
nãopodeserconsideradocomoautônomoeindependenteemrelaçãoàscondições
objetivasdesuaprodução.Aconsciênciaestáindissoluvelmenteligadaascondições
materiaisdeproduçãodaexistência,dasformasdeintercâmbioedecoopera¬ção,
nascendoasideiasdaatividadematerialdohomemenãodesuaatividademental.
36
MostraentãoMarxquetodasasformasdepensamentoederepre¬sentação,

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