Buscar

Caso Depositário Infiel

Prévia do material em texto

Análise do caso jurisprudencial: vedação de prisão do depositário infiel (RE 466343/SP, RE 349703/RS, HC 87585/TO)
Esse caso jurisprudencial trata da vedação da prisão do depositário infiel. Mas o que é um depositário infiel? Segundo o art. 627 e o art. 652 do código civil depositário é aquele qual através de contrato de depósito recebe objeto móvel, para guardar até que o depositante o reclame. Em regra, o depositário pode ser constituído por contrato de depósito ou por decisão judicial e será infiel se descumprir os termos firmados. O depositário que não restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante a prisão não excedente há um ano, e ressarcir o prejuízo. Um exemplo clássico, em uma situação de divorcio o juiz entrega a guarda de um bem do casal a um depositário que assume a obrigação de devolvê-lo quando for determinado, se caso não devolver é considerado infiel. 
Há, ainda, uma terceira possibilidade de existência de um depositário infiel: em contratos de alienação fiduciária (quando, por exemplo, em financiamentos de automóveis, a propriedade do veículo fica com o financiador, até que o devedor termine de pagar pelo carro). Conforme o Decreto-Lei nº 911 de 1969, em caso de inadimplência, o credor pode converter uma ação de busca e apreensão em ação de depósito. Como depositário infiel, o devedor teria de pagar ou devolver o veículo, para não ser preso.
As legislações mais avançadas em matéria de direitos humanos proíbem expressamente qualquer tipo de prisão decorrente do descumprimento de obrigações contratuais, exceto para o caso de inadimplemento de obrigação alimentar. Porém, no Brasil através da CF/88 se faz uma ressalva não só as obrigações alimentícias, mas também no caso de depositário infiel. Segundo o art. 5º inciso LXVII (67) da CF/88 “Não haverá prisão por divida, salvo responsabilidade pelo inadimplemento voluntario e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”
O art. 7° (n° 7) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, dispõe que: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente, expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. Ou seja, proíbe-se a prisão por dívida, menos a prisão de pensão alimentícia.
Com a adesão do Brasil à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assim como ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos iniciou-se um amplo debate sobre a possibilidade de revogação pelos tratados internacionais sobre o inciso LXVII do Artigo 5° da CF/88, iniciando uma discussão sobre nível hierárquico do direito internacional de direitos humanos no direito interno brasileiro, de que forma, e com que força um tratado internacional tinha sobre uma lei interna brasileira. 
Dentro dessa discussão existem quatro vertentes sobre a natureza hierárquica dos tratados internacionais: A vertente que reconhece a natureza supraconstitucional dos tratados e convenções sobre Direitos Humanos; O posicionamento que reconhece caráter constitucional a esses tratados; A vertente que reconhece status de Lei Ordinária; e a vertente que reconhece caráter supralegal aos tratados e convenções internacionais. 
Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie defenderam a tese de que os tratados internacionais têm status constitucional. Já os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia e Menezes Direito defenderam a tese de que os tratados têm status supralegal. 
Mas, a hierarquia considerada majoritariamente durante anos, sendo o antigo posicionamento do STF, era a de hierarquia infraconstitucional, o que isso quer dizer: os tratados incluindo os de direitos humanos têm status de direito ordinário, ou seja, o tratado internacional vale tanto quanto a lei ordinária, não podendo derrogar a constituição, utilizava-se assim o argumento de soberania do Estado brasileiro. 
Essa posição era defendida na época pelo Ministro Celso de Mello que a utilizou como argumento na ADI 1.480/DF (em 4.9.1997). Dessa forma, a supremacia da constituição se aplica sempre, inclusive para os tratados internacionais sobre direitos humanos. Os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados a autoridade normativa da Constituição e Uma vez incorporadas no direito interno Brasileiro estão no mesmo plano das leis ordinárias. Dessa forma, os tratados podem ter efeitos suspensos por uma lei ordinária posterior que regula a matéria de forma contraria do contrato. 
A primeira vez que essa matéria foi analisada pelo STF, foi no pedido de extradição n° Ext. 662/PU, requerido pelo governo do Peru (julgado em 28/11/1996) cujo Relator também foi Celso de Mello, onde foi mantida a tese de que os tratados internacionais possuem paridade normativa com a lei ordinária. Celso de Mello declara também nesse pedido de Extradição que a eventual procedência dos atos internacionais sobre o direito interno brasileiro, somente ocorrerá não em virtude da primazia hierárquica, mas sempre, em face de aplicação de critério cronológico, ou do critério de especialidade.
Precisa-se ponderar se essa jurisprudência que dá a os tratados internacionais equivalência às leis ordinárias não teria se tornado completamente defasada, visto que no contexto atual se pode observar a abertura cada vez maior do Estado constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos. 
Na medida em que a tese de legalidade ordinária permite ao Estado brasileiro o descumprimento unilateral de um acordo internacional, contraria os princípios internacionais fixados pela Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados, de 1969, a qual em seu artigo 27 determina que nenhum Estado pactuante “pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. 
A Supralegalidade dos tratados foi a decisão do STF:
Assim, a prisão do depositário infiel não foi considerada inconstitucional, pois sua previsão segue na Constituição (que é, segundo os ministros, superior aos tratados), mas, na prática, passou a ser ilegal.
 Na prática, a decisão veio dizer que não existe mais prisão de depositário infiel no Brasil, pois as leis que operacionalizam esse tipo de medida coercitiva estão ‘abaixo’ dos tratados internacionais de direitos humanos.
Impactos da decisão
Com o julgamento, diversos casos de prisão de depositários devem ser revistos pelo Judiciário. 
Antinomia, critério cronológico e critério de especialidade:
Esses critérios, citados pelo ministro Celso de Mello no pedido de Extração n° 662 do Peru dizem a respeito de uma situação de antinomia. Essa situação decorre de uma contradição entre normas dentro de um sistema jurídico. O fenômeno da antinomia possui um caráter danoso ao sistema jurídico, fazendo com que esse perca parte de seu componente lógico e reduzindo sua credibilidade como um todo.
Vários autores definem critérios diferentes para a resolução de antinomias, mas em geral existem três critérios básicos:
Critério Cronológico: trata-se da prevalência da norma posterior, em caso de antinomia entre duas normas criadas ou vigoradas em dois momentos cronológicos diferentes. Nesse caso, Lei posterior derroga leis anteriores.
Critério Específico: baseia-se na supremacia relativa a uma antinomia da normas mais específica ao caso em questão. Desta forma, no caso da existência de duas normas incoerentes uma com a outra, verifica-se se ao dispor sobre o objeto conflituoso, uma delas possui caráter mais específico, em oposição a um caráter mais genérico. lei especial derroga leis genéricas.
Critério Hierárquico: consiste na preferência dada, em caso de antinomia, a uma norma portadora de status hierarquicamente superior ao seu “par antinômico”.  Uma lei superior derroga leis inferiores. Na decisão do STF que determina o caráter supralegal dos tratados internacionais, esses tratados ficam subordinados à constituição, mas superiores com o poder de derrogação das leisde caráter ordinário (que são o código penal, civil...).

Continue navegando