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A ESTRUTURA, O SIGNO E O JÕGO NO DISCURSO DAS CIÊNCIAS HUMANAS Existe maior dificl)ldadeem interpretaras in- terpretaçõesdo queeminterpretaras coisas. (MONTAIGNE) Talvezsetenhaproduzidona históriado conceito deestruturaalgoquepoderíamosdenominarum "acon- tecimento"se estapalavranão trouxesseconsigouma cargade sentidoquea exigênciaestrutural- ou es- truturalista- temjustamentecomofunçãoreduzirou suspeitar. Digamoscontudoum "acontecimento"e usemosestapalavracomprecauçõesentreaspas.Qual seriaportantoêsseacontecimento?Teria a formaex- teriordeumarupturae deum redobramento. 229 Seriafácil mostrarque o conceitode estruturae mesmoa palayraestruturatêm a idadeda episteme, isto é, ao mesmotempoda ciênciae da filosofiaoci- dentais,e que mergulhamsuasraÍzesno solo da lin- guagemcomum,no fundodo quala epistemevai reco- lhê-Iospara os trazera si num deslocamentometafó- rico. Contudo,atéao acontecimentoque eu gostaria de apreender,a estrutura,ou melhora estruturalidade da estrutura,emboratenhasempreestadoem ação, sempreseviu neutralizada,reduzida:porum gestoque consistiaem dar-lheum centro,em relacioná-Iaa um ponto de presença,a uma origemfixa. f:ssecentro tinha como funçãonão apenasorientare equilibrar, organizara estrutura- não podemosefetivamente pensaruma estruturainorganizada~ mas sobretudo. levaro princípiode organizaçãoda estruturaa limitar o que poderíamosdenominarjôgo da estrutura. É certoqueo centrode umaestrutura,orientandoe or- ganizandoa coerênciado sistema,permiteo jôgo dos elementosno interiorda forma total. E aindahoje uma estruturaprivadade centrorepresentao próprio impensável. Contudo,o centroencerratambémo Jogo que abree tornapossível.Enquantocentro,é o pontoem que a substituiçãodos conteúdos,dos elementos,dos têrmos,já não é possível. No centro,é proibidaa permutaou a transformaçãodoselementos(quepodem aliás ser estruturascompreendidasnuma estrutura). Pelo menossemprepermaneceuinterditada(e empre- go propos.itadamenteestapalavra). ~~IIlpresepensou que o centro,por definiçãoúnico, constituía,numa estrutura,exatamenteaquiloque,comandandoa estru- tura,escapaà estruturalidade.Eis por que,paraum pensamentoclássicoda estrutura,o centropode ser dito,paradoxalmente,nu estruturae fora da estrutura. Está no centroda totalidadee contudo,dado que o centronão lhe pertence,a totalidadetemo seucentro noutrolugar. O centronão é o centro. O conceito de estruturacentrada- emborarepresentea própria coerência,a condiçãoda epistemecomofilosofiaou comociência- é contraditoriamentecoerente.E co- mosempre,a coerêncianacontradiçãoexprimea fôrça deumdesejo.O conceitode estruturacentradaé com 230 efeitoo conceitode um jôgo fundado, constituídoa partirde umaimobilidadefundadorae de umacerteza tranqüilizadora,elaprópriasubtraídaaojôgo. A partir destacerteza,a angústiapode ser dominada,a qual nascesemprede umacertamaneirade estarimplicado no jôgo,deserapanhadono jôgo,desercomoserlogo deiníciono jôgo. A partirdo quechamamosportanto o centroe que,podendoigualmenteestarforae dentro, recebeindiferentementeosnome~·de origemou defim, de arquêou d(; telas.asrepetições,as substituições,as transformações,aspermutassilosempreapanhadasnu- ma históriado sentido- i~.toé, simplesmenteuma história- cujaorigempodesempreserdespertadaou cujo fim podesempreserantecipadona formada pre- sença.Eis por quetalvezse poderiadizerqueo mo- vimentodetôdaa arqueologia,comoo detôdaa esca- tologia,é cúmplicedessareduçãoda estruturalidadeda estruturae tentasemprepensare~·taúltimaa partirde umapresençaplenae forade jôgo. Se fôr realmenteassim,tôda a históriado con- ceitode estrutura,antesda rupturade que falamos, tem de ser pensadacomouma sériede substituições de centropara centro,um encadeamentode determi- naçõesdo centro. O centrorecebe,sucessivae regu- larmente,formasou nomesdiferentes.A históriada metafísica,como a históriado Ocidente,·seriaa his- tória dessasmetáforase dessasmetonírnias.A sua formamatricialseria- esperoque me.perdoemser tão pouco demom:trativoe tão elítico, mas é para chegarmaisdepressaaomeutemaprincipal~. a deter- minaçãodo ser comopresençaem todoso'ssentidos destapalavra. Poder-se-iamostrarque todosos no- mesdo fundamento,do princípio,ou do centro,sempre designaramo invariantedeumapresença(eidos,arquê, telas,energeia,ousia (essência,existência,substância, sujeito) aletheia, transcendentalidade,consciência, Deus,homem,etc.). O acontecimentode ruptura,a disrupçãoa que aludiaao começar,ter-se-iatalvezproduzidono mo- mentoem que a estruturalidadeda estruturadeveter começadoa serpensada,istoé, repetida,e eispor que dizia que estadisrupçãoera repetição,em todos os sentidosdestapalavra. Desde entãodeve ter sido 231 pensadaa lei quecomandavade algummodoo desejo do centrona constituiçãoda estrutura,e o processoda significaçãoordenandoos seusdeslocamentose as suas substituiçõesa essalei da presençacentral;mas de umapresençacentralque nuncafoi ela própria,que semprejá foi deportadapara fora de si no seusubs- tituto. O substitutonão se substituia nadaque lhe tenhade certomodopreexistido.Desdeentãodeve-se semdúvidatercomeçadoa pensarquenãohaviacentro, queo centronão podiaser pensadona formade um sendo-presente,que o centronão tinha lugar natural, quenão era um lugarfixo masumafunção,uma es- péciede não-lugarno qual se faziamindefinidamente substituiçõesde signos. Foi entãoo momentoemque a linguageminvadiuo campoproblemáticouniversal; foi entãoo momentoemque,na ausênciade centroou de origem,tudo se tornadiscurso- com a condição de nos entendermossôbreestapalavra- isto é, sis- temano qual o significadocentral,originárioou trans- cendental,nuncaestáabsolutamentepresentefora de um sistemade diferenças.A ausênciade significado transcendentalampliaindefinidamenteo campoe o jô- go da significação. Ondee comose produzêssedescentramentoco- mo pensamentoda estruturalidadeda estrutura?Para designarestaprodução,seriade certomodoingênuo referirum acontecimento,umadoutrinaou o nomede um autor. Esta produçãopertencesemdúvidaà tota- lidadede uma época,que é a nossa,masela sempre já começoua anunciar-see a trabalhar. Se quisésse- moscontudo,a títulode exemplo,escolheralguns"no- mespróprios"e evocaros autoresdos discursosnos quaisestaproduçãose mantevemaispróximada sua formulaçãomais radical,seria semdúvidanecessário citara críticanietzschianada metafísica,dosconceitos de ser e de verdade,substituídospelosconceitosde jôgo, de interpretaçãoe de signo (de signosemver- dadepresente);a críticafreudianada presençaa si, isto é, da consciência,do sujeito,da identidadea si, da proximidadeou da propriedadea si; e, maisradi- calmente,a destruiçãoheideggeriana!da metafísica,da onto-teologia,da determinaçãodo ser comopresença. Ora, todosêstesdiscursosdestruidorese todosos seus 232 análogosestãoapanhadosnuma espéciede CÍrculo. ÊsteCÍrculoé únicoe de~,crevea formadarelaçãoentre a históriada metafÍsicae a destruiçãoda históriada metafÍsica:não temnenhumsentidoabandonaros con- ceitosda metafÍsicaparaabalara metafísica;não dis- pomosde nenhumalinguagem- de nenhumasintaxe e de nenhumléxico- quesejaestranhoa essahistó- ria; não podemosenunciarnenhumaproposiçãodes- truidoraquenão se tenhajá vistoobrigadaa escorre- gar paraa forma,paraa lógicae paraas postulações implícitasdaquilomesmoque gostariade contestar. Para dar um exemploentretantosoutros: é com a ajudado conceitode signo que se abalaa metafÍsica dapresença.Mas a partirdo momentoemquesepre- tendeassimmostrar,comohá poucoo sugeri,quenão haviasignificadotranscendentalou privilegiadoe que o campoou o jôgo da significaçãonão tinha,desde então,maislimite,dever-se-ia- masé o quenão se podefazer- recusar'mesmoo conceitoe a palavra signo. P()is a significação"signo" foi semprecom- preendidae determinada,no seusentido,comosigno- -de, significanteremetendoparaum significado,signi- ficantediferentedo seusignificado. Se apagarmosadiferençaradicalentresignificantee significado,é a própriapalavrasignificanteque serianecessárioaban- donarcomoconceitometafÍsico.QuandoLévi-Strauss diz,no prefáciodo Cru et te Cuit, que"procuroutrans- cendera oposiçãodo sensívele do inteligívelcolo- cando-selogo ao nível dos signos",a necessidade,a fôrçae a legitimidadedo seugestonãonospodemfazer esquecerqueo conceitodesignonãopodeemsi mesmo superarestaoposiçãodo sensívele do inteligível. É determinadopor estaoposição:completamentee atra- vésda totalidadeda suahistória. Só viveudelae do seusistema. Mas não podemosdesfazer-nosdo con- ceitode signo,não podemosrenunciara essacumpli- cidademetafÍsicasemrenunciarao mesmotempoao trabalhocrítico que dirigimoscontraela, semcorrer o riscode apagara diferençana identidadea si deum ~ignificadoreduzindoem si o seu significante,ou, o quevema dar no mesmo,expulsando-osimplesmente para fora de si. Pois há duasmaneirasheterogêneas de apagara diferençaentreo significantee o signifi- cado:uma,a clássica,consisteem reduzirou em de- 233 rival'o significante,isto é, finalmenteem submetero signoao pensamento;a outra, a que aqui dirigimos contraa precedente,consisteem questionaro sistema no qual funcionavaa precedenteredução:e em pri- meiro lugar a oposiçãodo sensívele do inteligível. Pois o paradoxo é que a reduçãometafísicado signo tinhanecessidadeda oposiçãoquereduzia.A oposição faz sistemacom a redução. E o queaquidizemosdo signopodeestender-sea todosos conceitose a tôdas as frasesda metafísica,em especialao discursosôbre a "estrutura". Mas há váriasmaneirasde ser apa- nhadonessecírculo. São tôdasmaisou menosingê- nuas,maisou menosempíricas,maisou menossiste- máticas,mais ou menospróximasda formulação,ou melhor,da formalizaçãodêssecírculo. São estasdi- ferençasque explicama multiplicidadedos discursos destruidorese o desacôrdoentreaguêlesque os pro- ferem. É comosconceitosherdadosdametafísicaque, por exemplo,Nietzsche,Freud e Heideggeroperaram. Ora comoêssesconceitosnão são elementos,átomos, como são tiradosdumasintaxee dum sistema,cada empréstimodeterminadofaz vir a si tôdaa metafísica. É o queentãopermitea êssesdestruidoresdestruírem- -se reciprocamente,por exemploa Heideggerconsi- derarNietzsche,por um lado com lucideze rigor e por outrocommá fé e desconhecimento,comoo últi- mo metafísico,o último"platônico". Poderíamosen- tregar-nosa êsteexercícioa propósitodo próprioHei- degger,de Freude de algunsoutros. E nenhumoutro exercícioestáhoje maisdivulgado. O que aconteceagoracom êsteesquemaformal quandonos voltamospara aquilo que se denomina "ciênciashumanas"? Uma delas talvezocupe aqui um lugarprivilegiado.É a Etnologia. Podemoscom efeitoconsiderarquea Etnologiasótevecondiçõespara nascercomo ciênciano momentoem que se operou um descentramento:no momentoem que a cultura européia- e por conseqüênciaa históriadaMetafísica e dos seusconceitos- foi deslocada,expulsado seu lugar,deixandoentãode ser consideradacomoa cul- tura de referência. 1?,stemomentonão é apenase principalmenteum momentodo discursofilosóficoou científico,é tambémum momentopolítico,econômico, 234 técnico,etc. Pode dizer-secom tôdaa segurançaque não há nadade fortuitono fato de a críticado etno- centrismo,condiçãoda Etnologia,sersistemáticae his- tàricamentecontemporâneada destruiçãodahistóriada Metafísica. Ambaspertencema uma únicae mesma época. Ora, a'Etnologia- comotôdaa ciência- surge no elementodo d,scurso.E é emprimeirolugaruma ciência européia, utilizando, embora defendendo-se contraêles,os conceitosda tradição.Conseqüentemen- te, quer o queiraquer não, e isso dependede uma decisãodo etnólogo,êsteacolheno seu discursoas premissasdQ etnocentrismonoprópriomomentoemque o denuncia.Esta necessidadeé irredutível,não é uma contingênciahistórica;seria necessáriomeditartôdas assuasimplicações.Mas seninguémlhepodeescapar, seportantoninguémé responsávelpor cedera ela,por poucoqueseja,isto não querdizerquetôdasas ma- neirasde o fazersejamde igualpertinência.A quali- dadee a fecundidadede um discursomedem-setalvez pelorigorcríticocomqueé pensadaessarelaçãocom a história da Metafísicae aos conceitosherdados. Trata-seaí deumarelaçãocríticaà linguagemdasciên- cias humanase de uma responsabilidadecrítica do discurso. Trata-sede colocarexpressae sistemàtica- menteo problemado estatutode um discursoquevai buscara uma herançaos recursosnecessáriospara a des-construçãodessamesmaherança. Problemade eC01wmiae de estratégia. Se agoraconsiderarmos,a título de exemplo,os textosde Lévi-Strauss,nãoé apenaspor causado pri- vilégioquehojese atribuià Etnologiano conjuntodas ciênciashumanas,nem mesmoporquetemosaí um pensamentoquepesamuitona conjunturateóricacon- temporânea.É sobretudoporquese observouno tra- balhode Lévi-Strausscertaescolhae porquenêle se elaboroucertadoutrinademaneira,precisamente,mais ou menos explícita, quantoa essacríticada linguagem e quantoa essalinguagemcríticanasciênciashumanas. Para seguirmosêssemovimentono textode Lévi- -Strauss,escolhamos,comoum fio condutorentreou- tros, a oposiçãonatureza/cultura.Apesar de todos os seusrejuvenescimentose maquilagens,esta·oposição 235 é congênitaà filosofia. É mesmomaisvelhado que Platão. Tem pelomenosa idadeda Sofística. Desde a oposiçãophysis/ nomos,physis/ techné,chegaaté nós graçasa tôda uma cadeiahistóricaque opõe a "natureza"à lei, à instituição,à arte,à técnica,mas tambémà liberdade,ao arbitrário,~história,à socie- dade,ao espírito,etc. Ora, logono inícioda suapes- quisae no seuprimeirolivro (Les Structuresélémentaii- resdeIa parenté),Lévi-Strausssentiuao mesmotempo a necessidadede utilizarestaoposiçãoe a impossibi- lidadede lhe darcrédito. Em Les Structures,êleparte do seguinteaxiomaou definição:pertenceà natureza tudoo queé universale espontâneo,não dependendo de nenhumaculturaparticularnemdenenhumanorma determinada.Pertenceem contrapartidaà culturao que dependede um sistemade normasregulandoa sociedadee podendoportantovariarde umaestrutura socialpara outra. Estasduasdefiniçõessão de tipo tradicional. Ora, logo desdeas primeiraspáginasdas Structures,Lévi-Strauss,que começoupor dar crédito a êstesconceitos,encontrao que denominaum es- cândalo,isto é, algo que já não tolera a oposição natureza/culturaass.imaceitee parecerequererao mesmotempoos predicadosda naturezae os da cul- tura. .esseescândaloé a proibiçãodo incesto.A proi- biçãodo incestoé universal;nestesentidopoder-se-ia dizerqueé natural;- masé tambémumaproibição, um sistemade normase de interditos- e nestesen- tido dever-se-iadenominá-Iacultural. "Digamospor- tantoquetudoo queé universal,no homem,pertence à ordemda naturezae caracteriza-sepelaespontanei- dade,que tudo o que estásubmetidoa uma norma pertenceà culturae apresentaos atributosdo relativo e do particular.Vemo-nosentãoconfrontadoscomum fato ou melhorcom um conjuntode fatos que não estálonge,à luz dasdefiniçõesprecedentes,de apare- cer comoum escândalo:pois a proibiçãodo incesto apresentasemo menorequívoco,e indissoluvelmente reunidos,os dois caracteresem que reconhecemosos atributoscontraditóriosde duas ordens exclusivas: constituiuma regra,masuma regraque, únicaentre tôdasas regrassociais,possuiao mesmotempoum caráterde universalidade"(p. 9). 236 Só existeevidentementeescândalono interior de um sistemade conceitosque dá créditoà diferença entrenaturezae cultura. Começandoa suaobracom o factum da proibiçãodo incesto,Lévi-Straussinstala- -seportantono pontoemqueessadiferença,quesem- pre passoupor evidente,se encontraapagadaou con- testada.Pois a partirdo momentoemquea proibição do incestojá nãosedeixapensarna oposiçãonatureza /cultura, já não se p.iJdedizer dela que sejaum fato escandaloso,um núcleode opacidadeno interiorde uma rêde de significaçôestransparentes;não é um escândaloqueencontramos,no qual caímosno campo dosconceitostradicionais;é o queescapaa êstescon- ceitose certamenteosprecedee provàvelmentecomo suacondiçãode possibilidade.Poder-se-iatalvezdizer que tôda a conceptualidadefilosóficafazendosistema com a oposiçãonatureza/ cultura estádestinadaa deixarno impensadoo quea tornapossível,a saber, a origemda proibiçãodO'incesto. Êste exemploé evocadodepressademais,não passadeumexemploentretantosoutro["masjá deixa verquea linguagemcarregaemsi a necessidadeda sua própriacrítica. Ora estacríticapode efetuar-sepor duasvias, e de duas "maneiras". No momentoem queo limiteda oposiçãonatureza/ culturasefaz sen- tir pode-sequererque[,tionarsistemáticae rigorosamente a históriadêstesconceitos. É um primeirogesto. Semelhantequestionamentosistemáticoe históriconão serianemum gestofilológiconemum gestofilosófico no sentidoclássicode[,taspalavras.Inquietar-seacêrca dos conceitosfundadoresde tôda a históriada Filo- sofia,de-constituí-Ios,nãoé procedercomofilólogoou comohistoriadorclássicoda Filosofia. É semdúvida, apesardaaparência,a maneiramaisaudacim,adeesbo- çar um passopa~'afora da Filosofia. A saída"para fora da Filosofia"é muitomaisdifícil de serpensada do que em geral imaginamaquêlesque julgamtê-Ia realizadohá muitotempocomum à vontadealtaneiro, e queem geralestãomergulhadosna Metafísicapor todoo corpodo discurwquepretendemter libertado dela. A outraescolha- e creioquecorrespondemais à maneirade Lévi-Strauss- consistiria,paraevitaro 237 que o primeirogestopoderiater de esterilizante,na ordemda descobertaempírica,emconservar,denun- ciandoaqui e ali os seuslimites,todosêssesvelhos conceitos:comoutensíliosqueaindapodemservir. Já não se lhes atribui nenhumvalor de verdade,nem nenhumasignificaçãorigorosa,estaríamosprontos a abandoná-Iosa qualquermomentoseoutrosinstrumen- tos parecessemmaiscômodos. Enquantoesperamos, exploramosa sua eficáciarelativae utilizamo-Iospara destruira antigamáquinaa que pertenceme de que êlesmesmossãopeças. É assimquese criticaa lin-:- guagemdasciênciashumanas.Lévi-Strausspensadêste modopodersepararo métododa verdade,os instru- mentosdo métodoe as significaçõesobjetivaspor êle visadas.Quasesepoderiadizerqueé a primeiraafir- maçãodeLévi-Strauss;sãoemtodoo casoasprimeiras palavrasdasStructures: "Começamosa compreender que a distinçãoentreestadode naturezae estadode sociedade(diríamoshojede preferência:estadode na- turezae estadodecultura),à faltadeumasignificação históricaaceitável,apresentaumvalorquejustificaple- namente;a suautilização,pelaSociologiamoderna,co- mo um instrumentode niétodo." Lévi-Strausspermanecerásemprefiel a estadupla intenção:conservarcomoinstrumentoaquilocujovalor de verdadeêle critica. Por um lado continuará,com efeito,a contestar o valorda oposiçãonatureza/ cultura. Mais de treze :lnosdepoisdas Structures,La Penséesauvagefaz-se ecofiel do textoqueacabode citar: "A oposiçãoen- tre naturezae cultura,na qual insistimosoutrora,pa- rece-noshoje oferecerum valor principalmentemeto- dológico." E êssevalor metodológiconão é afetado pelo não-valor"ontológico",poderíamosnós dizer se não desconfiássemosaqui destanoção: "Não seria suficienteter reabsorvidohumanidadesparticularesnu- ma humanidadegeral;estaprimeiratarefapreparaou- tras... que pertencemàs ciênciasexatase naturais: reintegrara culturana natureza,e finalmente,a vida no conjuntodas suas condiçõesfísico-químicas"(p. 327). Por outro lado, sempreem La Penséesauvage, apresentacom o nomede bricolagemtudo o que se 238 jlodcria denominar o discurso dêsse método. O bri- dl/eur. diz Lévi-Strauss, é aquêleque utiliza "os meios iI mão", isto é, os instrumentosque encontra à sua disposição em tôrno de si, que já estão ali, que não foram especialmenteconceb;dos par.a a operação na qual vão servir e à qual procuramos, por tentativas várias, adaptá-Ios,não hesitandoem trocá-Ios cada vez que isso parece necessário,em experimentarvários ao lnesmo tempo, mesmo se a sua origem e a sua forma são heterogêneas,etc. Há portanto uma crítica da linguagem sob a forma da bricolagem, e chegou-se mesmo a dizer que a bricolagemera a própria lingua- gem crítica, em especial a da crítica literária: est0u pensandoaqui no texto de G. Genette, Structuralisme et.critique littéraire, publicado em homenagema Lévi- -Straus~em L' A rc, e onde se diz que a análiseda bri- colagem podia "ser aplicada quase palavra por pala- vra" à crítica e mais especialmenteà "crítica literária". (Inserido em Figures, ed. 'du Seuil, p. 145.) Se denominarmosbricolagem a necessidadede ir buscar os seusconceitosao texto de uma herançamais ou menoscoerenteou arruinada,devedizer-seque todo o discurso é bricoleur. O engenheiro, que Lévi- -Strauss opõe ao bricoleur, deveria, pelo contrário, construir a totalidade da sua linguagem, sintaxe e lé- xico. Neste sentido o engenheiroé um mito: um sujeito que fôsse a origem absolutado seu próprio dis- curso e o construísse "com tôdas as peças" seria o criador do verbo, o próprio verbo. A idéia do enge- nheiro de relações cortadas com tôda a bricolagem é portantouma idéia teológica;e como Lévi-Strauss nos diz noutro lugar que a bricolagem é mitopoética,po- deríamos apostar que o engenheiroé um mito produ- zido pelo bricoleur. A partir do momento em que se deixa de acreditarem semelhanteengenheiroe num discurso rompendo com a recepçãohistórica, a partir do momento em que se admite que todo o discurso finito está submet;do a uma certa bricolagem, que o engenheiroou o sábio são também espéciesde bri- coleur, então a própria idéia de bricolagem está ame.açada,esboroa-sea diferençana qual ganhavasen- tido. 239 , Isto faz aparecero segundofio capazdenosguiar ~...nestatrama. I Lévi-Straussdescrevea atividadeda bricolagem não apenascomoatividadeintelectualmascomo ati- vidademitopoética.LemosemLa PenséesauvaRe(p. 26): "Comoa bricolagemno planotécnico,a reflexão mÍticapodeatingir,no planointelectual,resultadosbri- lhantese imprevistos.Reciprocamente,observou--s·e muitasvêzeso carátermitopoéticoda bricolagem." Ora,o notávelesfôrçodeLévi-Straussnãoconsiste apenasem propor,sobretudona maisatualdas suas pesquisas,umaciênciaestruturaldosmitose da ativi- dademitológica. O seu esfôrçoaparecetambém,e quasediria primeiro,no estatutoqueentãoconcedeao seuprópriodiscursosôbreos mitos,no quedenomina as suas"mitológicas", Ê o momentoem que o seu discursosôbreo mitoserefletee secriticaa si próprio. E êstemomento,êsteperíodocríticointeressaeviden- tementetôdasas linguagemque partilhamentresi o campodas ciênciashumanas. Que diz Lévi-Strauss dassuas"mitológicas"?Ê aquiquevoltamosa encon- trar a virtudemitopoéticada bricolagem.Efetivamen- te, o queparecemaissedutornestapesquisacríticade um nôvo estatutoé o abandonodeclaradode tôda referênciaa um centro,a um sujeito,a umareferência privilegiada,a umaorigemou a umaarquiaabsoluta. Poder-se-iaseguiro temadêstedescentramentoatravés de tôda a Aberturado seuúltimolivro sôbreLe Cru et te Cuit. Vou aí buscarapenasalgunspontosprin- CIpaIS. 1. Em primeiro lugar, Lévi-Straussreconhece queo mitobororo,aí utilizadocomo"mitodereferên- cia", não mereceêstenomee êstetratamento,trata-se de uma apelaçãoespeciosae de umapráticaabusiva. Êste mito, como qualqueroutro, não mereceo seu privilégioreferencial: "De fato o mito bororo,,que serádcravantedesignadocomomitode referência,não passa,comotentaremosprovar,de umatransformação maisou menosavançadade outrosmitosprovenientes quer da mesmasociedade,.quer de sociedadespróxi- masou afastadas.Teriasidoportantolegítimoescolher comopontode partidaqualquerrepresentantedo gru-·- po. O interêssedo mito de referêncianão deriva, 240 dL'stcponto.de vista,do seucarátertípicomasantes da sua posiçãoirregularno interior de um grupo" (p. 10). 2. Não há unidadeou origemabsolutado mito. O focoou a fontesãosempresombraso.Uvirtualidades inapreensíveis,inatualizáveise em primeirolugar ine- xistentes. Tudo começacom a estrutura,a configu- raçãoou a relação. O discursosôbreestaestruturaa-cêntricaque é o mito não po.deêle próprio ter sujeitoe centroabsoluto.s.Deve, para apreendera, formae o movimentodo mito, evitara violênciaque' consistiriaemcentrarumalinguagemdescritivadeuma estruturaa-cêntrica.Ê precisoportantorenunciaraqui ao discursocientíficoou filosófico,à episternequetem como exigênciaabsoluta,que é a exigênciaabsoluta de procurara origem,o centro,o fundamento,o prin- cípio, etc. Por oposiçãoao discursoepistêmico,o discursoestruturalsôbreos mitos,o discursomito-ló- gicodeveserêleprópriomito-morto.Deveter a for- ma daquilode quefala. Ê o quediz Lévi-Straussem Le Cru et le Cuit, de quego.stariade transcreveragora umalongae belapágina: "Efetivamenteo estudodosmitoscolocaum pro- blemametodológico,pelofatode não.sepoderconfor- marao princípiocartesianode dividira dificuldadeem quantaspartesfôr necessáriopara a resolver. Não existeum verdadeirotêrmoparaa análisemítica,nem unidadesecretaquesepossaapreenderno fim do tra·· balhode decomposição.Os temasmultiplicam-seao infinito. Quandojulgamostê-Iosdestrinçadouns dos outrosepodermantê-Iosseparados,apenasconstatamo~, queêlesvoltama unir-se,em respostaàs solicitações de afinidadesimprevistas.Conseqüentemente,a uni- dadedo mito é apenastendenciale projetiva,jamais refleteumestadoou ummomentodo mito. Fenômeno imaginárioimplicadopelo esfôrço.de interpretação,o seupapelé darumaformasintéticaao mito,e impedir queêlesediluana confusãodoscontrários.Poder-se- -ia portantodizerquea ciênciados mitosé umaana.. elástica,tomandoêstevelho têrmono sentidoamplo autorizadopela 'etimologia,e que admitena suadefi- niçãoo estudodos raiosrefletidose mesmodos raios . refratados. Mas, ao contrárioda reflexãofilosófica, 241 .......• quepretendeinvestigara sua origem,as reflexõesde que aqui se tratadizemrespeitoa raios privadosde qualqueroutrofocoquenãosejavirtual... Querendo imitaro movimentoespontâneodo pensamentomítico, a nossatarefa,tambémdemasiadobrevee demasiado longa,tevede se vergaràs suasexigênciase respeitar o seuritmo. Dêstemodo,êstelivro sôbreos mitosé também,à sua maneira,um mito." Afirmaçãoreto·· madaum pouco mais adiante(p. 20): "Como os própriosmitosassentamem códigosde segundaordem (sendoos códigosde primeiraordemaquêlesem que consistea linguagem),êste livro ofereceriaentãoo esbôçode um códigode terceiraordem,destinadoa assegurara traduzibilidaderecíprocade váriosmitos. Por isso seráacertadoconsiderá-Iocomoum mito: de qualquermodo,o mitoda mitologia."É devidoa esta ausênciade qualquercentroreal e fixo do discurso míticoou mitológicoquese justificao modêlomusical escolhidopor Lévi-Strausspara a composiçãodo seu livro. A ausênciadecentroé aquia ausênciadesujeitQ e a ausênciade autor: "0' mitoe a obramusicalapa- recemas,simcomomaestroscujosauditoressão os si- lenciososexecutantes.Se nos perguntarmosonde se encontrao foco real da obra, seráprecisoresponder queé impossívela sua determinação.A músicae a mitologiaconfrontamo homemcom objetosvirtuais cuja sombraunicamente'é atual... os mitosnão têm, autores.... " (p. 25). É portantoaquiquea bricolagemetnográficaas- sumedeliberadamentea suafunçãomitopoética.Mas, ao mesmotempo,faz aparecercomomitológica,isto é, como uma ilusão histórica,a exigênciafilosófica ou epistemológicado centro. Contudo,senosrendermosà necessidadedo gesto de Lévi-Strauss,não podemosignoraros seusriscos. Se a mito-lógicaé mito-mórfica,seráquetodosos dis- cursossôbreos mitosse equivalem?Dever-se-áaban- donartôdaexigênciaepistemológicapermitindodistin- guirentreváriasqualidadesde discursosôbreo mito? Questãoclássicamasinevitável.Não podemosrespon- dera ela- e creioqueLévi-Straussnãolhe responde -'- enquantonão tiver sido express·amenteexpostoo problemadasrelaçõesentreo filosofema ou o teorema 242 de um lado, e o mitemaou mitopoemado outro. O quenãoé simples. Senãolevantarmosexpressamente êsteproblema,condenamo-nosa transformara pretensa transgressãoda filosofiaemêrrode~,percebidono inte- rior do campofilosófico. O empirismoseriao gênero cujasespéciesseriamsempreêsteserros. Os conceitos trans-filo~óficostransformar-se-iamem ingenuidades filosóficas.Poder-se-iammostrarêsteriscoemmuitos exemplos,nos conceitosde signo,de história,de ver- dade,etc. O quepretendoacentuaré apenasque a passagemparaalémda Filosofianãoconsi~,teemvirar a páginada Filosofia, (o que finalmenteacabasendo filosofarmal) mas em continuara ler de umacerta maneiraos filósofos. O risco de que falo é sempre assumidopor Lévi-Strausse é o própriopreçodo seu e~,fôrço.Dissequeo empirismoera a formamatricial de todosos erros ameaçadoresde um discursoque continua,principalmenteem Lévi-Strauss,a pretender sercientífico. Ora, se'quiséssemoslevantarseriamente o problemado empirismoe dabricolagem,chegaríamos semdúvidamuitodepre~,saa proposiçõesabsolutamente contraditóriasquantoao estatutodo discursode Etno- logia estrutural. Por um lado o estruturalismoapre- senta-se,com razão,comoa própriacríticado empi- rismo.Mas ao mesmotempojá nãohá livroou estudo de Lévi-Straussquenãose proponhacomoum ensaio empíricoqueoutra~,informaçõespoderãosemprevir a completarou a contrariar.Os esquemasestruturaissão semprepropostoscomohipótesesprocedentesde uma quantidadefinita de informaçãoe submetidasà prova daexperiência.Numerosostextospoderiamdemonstrar e~,taduplapostulação.Voltemo-nosumavezmaispara aAberturadeLe Cru etteCuitondesevêbemque,se estapostulaçãoé dupla,é porquesetrat~.aquideuma linguagemsôbrea linguagem:"Os críticosquenoscen- surassempor não têrmosprocedidoa um inventário exaustivodos mitossul-americanosantesde os anali- sarmoscometeriamum grave contra-sensosôbre a naturezae o papeldêstesdocumentos.O conjuntodos mitosdeumapopulaçãopertenceà ordemdo discurso. A menosquea populaçãose extingafísicaou moral- mente,êsteconjuntojamaisé fechado.Issoequivaleria portantoa cen~oUrarum lingüistaqueescrevessea gra- 243 máticadeumalínguasemterregistradoa totalidadedas palavrasqueforampronunciadasdesdequeessalíngua existe,e semconheceras trocasverbaisqueocorrerão enquantoexistir. A experiênciaprovaqueum número irrisóriodefrases.... permiteao lingüistaelaboraruma gramáticada línguaqueestuda.E mesmoumagramá- tica parcial,ou um esbôçode gramática,representam aquisições,preciosasse se tratarde línguasdesconhe- cidas. A sintaxenão.espera,para se manifestar,o recenseamentode uma série teoricamenteilimitada de acontecimentos,dado que consisteno corpo de regrasquepresideà suageração.Ora, foi na verdade um esbôçoda sintaxeda mitologiasul-americanaque quisemosfazer. Se novostextosvieremenriquecero discursomítico,seráa ocasiãode controlarou de mo- dificar a maneiracomocertasleis gramaticaisforam formuladas,de renunciara algumasdelas,e de des- cobriroutrasnovas. Mas em nenhumcasonospode- riam exigirum discursomíticototal. Pois acabamos deverqueestaexigêncianãotemsentido"(p. 15-16). A totalizaçãoé portantodefinidaora como inútil, ora como impossível. Isso resulta,sem dúvida,do fato de haverduasmaneirasde pensaro limiteda totaliza- ção. E diria umavezmaisqueessasduasdetermina- ções coexistemde maneiranão-expressano discurso de Lévi-Strauss. A totalizaçãopode ser considerada imposs)velno estiloclássico:evoca-seentãoo esfôrço empíricode um sujeitoou de um discursofinito cor- rendoemvão atrásdeumariquezainfinitaquejamais poderádominar.Há demasiadoe maisdo ques·epode dizer. Mas pode-sedeterminarde outromodoa não- -totalização:nãomaissobo conceitode finitudecomo assignaçãoà empiricidademassobo conceitode jôgo. Seentãoa totalizaçãonãotemmaissentido,nãoé por- que a infinidadede um camponão podeser coberta por um olhar ou um discursofinitos,mas porquea naturezado campo- a sabera linguageme umalin- guagemfinita - exclui a totalização:êstecampoé comefeitoo de um jôgo, isto é, de substituiçõesinfi- nitasno fechamentodeum conjuntofinito. t!:stecam- po só permiteestassubstituiçõesinfinitasporque é finito,isto é, porqueemvez deserum campoinesgo- tável,comona hipóteseclássica,emvezde serdema- 244 siadogrande,lhe falta algo, a saberum centroque detenhae fundamenteo jôgo dassubstituições.Pode- ríamosdizer,servindo-nosrigorosamentedessapalavra cujasignificaçãoescandalosasempreseatenuaemfran- cês,queêste.movimentodo jôgo, permitidopelafalta, pelaausênciade centroou de origem,é o movimento da suplementariedade.Não sepodedeterminaro cen- tro e esgotara totalizaçãoporqueo signoquesubstitui o centro,que o supre,queocupao seulugarna sua ausência,êssesignoacrescenta-se,vem a mais,como suplemento.O movimentoda significaçãoacrescenta algumacoisa,o que faz que semprehaja mais,mas estaadiçãoé flutuanteporquevem substituir,suprir umafaltado ladodo significado.EmboraLévi-Strauss nãose sirvada palavrasuplementaracentuando,como aquifaço,as duasdireçõesde sentidoquenelase en- contramestranhamentereunidas,não é por acasoque se servepor duasvêzesdessapalavrana Introduction à l'oeuvrede Mauss,no·momentoemquefalada "su- perabundânciade significanteem relaçãoaos signifi- cadosnos quaisse podecolocar": "No seu esfôrço paracompreendero mundo,o homemdispõeportanto se!l!predeumexcessodesignificação(quereparteentre as coisasde acôrdocomleis do pensamentosimbólico quecabeaosetnólogose aoslingüistasestudar). Esta distribuiçãodeumaraçãosuplementar- seassimnos podemosexprimir- é absolutamentenecessáriapara que no total, o significantedisponívele o significado capturadopermaneçamentresi na relaçãode comple- mentariedadequeé a própria·condiçãodo pensamento simbólico." (Poder-se-iasemdúvidamostrarqueesta raçãosuplementardesignificaçãoé a origemdaprópria ratio.) A palavrareapareceum poucomaisadiante depoisde Lévi-Strausster falado dêsse "significante flutuante,queé a servidãode todoo pensamentofini~ to": "Por outraspalavras,e inspirando-nosno preceito deMaussdequetodosos fenômenossociaispodemser assimiladosà linguagem,vemosno mana,no Wakau, na orandae outrasnoçõesdo mesmotipo,a expressão conscientede umafunçãosemântica,cujopapelé per- mitir ao pensamentosimbólicoexercer-seapesarda contradiçãoquelhe é própria. Assim se explicamas antinomiasaparentementeinsolúveis,ligadasa esta noção... Fôrça e ação,qualidadee estado,substan- 245 tivo e adjetivoe verboao mesmotempo;abstratae concreta,onipresentee localizada. E com efeito o manaé tudoisto ao mesmotempo;masprecisamente, não é porqueêle nadaé de tudo isto: simplesforma ou maisexatamentesímbolono estadopuro,portanto suscetívelde tomarqualquerconteúdosimbólico?Nes- te sistemade símbolosqueconstituitôdaa cosmologia, seriasimplesmenteum valorsimbólicozero,isto é, um signomarcandoa necessidadede um conteúdosim- bÓlicosuplementar[Sou eu que sublinho]aquêleque carregajá o significado,mas podendoser um valor qualquercoma cond;çãodefazerparteaindada reser- va disponívele de não ser,comodizemos fonólogos, umtêrmode gruP()." (Nota: "Os lingüistasjá foram levadosa formularhipótesesdêstetipo. Assim: "Um fanemazeroopõe-sea todosos outrosfonemasdo fran- cê~,na medidaem quenão cOinportanenhumcaráter diferenciale nenhumvalorfonéticoconstante.Em con- trapartidao fonemazero tem por função própria opor-seà ausênciade fonema" (Jakobsone Lotz). Quase se poderia dizer também,esquematizandoa concepçãoque foi aqui proposta,que a funçãodas noçõesde tipomanaé de seopor à ausênciade signi- ficaçãosemcomportarpor si mesmanenhumasigni- ficaçãoparticular." A superabundânciado significante,() seucaráter suplementar,resultaportantode uma finitude,isto é, deumafaltaquedevesersuprida. Compreende-seentãopor querazãoo conceitode jôgo é importanteem Lévi-Strauss. As referênciasa tôdasas espéciesde jogos,em especialà roleta,são muitofreqüentes,principalmentenas Entretiens,Race etHistoire,La Penséesauvage.Ora estareferênciaao jôgoésempretomadanumatensão. Tensãocom a história,em primeirolugar. Pro- blemaclássicoe em tôrno do qual se gastaramas objeções. Indicarei apenaso que me pareceser a formalidadedo problema:.ao reduzira história,Lévi~ -Strausstratoucomomereceum conceitoque sempre foi cúmplicede umametafÍsicateleológicae escatoló- gica,isto é, paradoxalmenteessafilosofiada presença à qualsejulgoupoderopora história. A temáticada historicidade,emborapareçaintroduzir-sebemtardena 246 Filosofia,semprefoi nelarequeridapeladeterminação do sercomopresença.Com ou semetimologiae ape- sar do antagonismoclássicoque opõeestassignifica- çõesemtodoo pensamentoclássico,poderíamosmos- trar queo conceitode epistemesemprechamouo de istoriase a históriaé sempTea unidadede um devir, comotradiçãoda verdadeou desenvolvimentoda ciên- cia orientadopara a apropriaçãoda verdadena pre- sençae a presençaa si, parao saberna consciênciade si. A históriasemprefoi pensadacomoo movimento de uma ressunçãoda história,derivaçãoentre duas presenças.Mas seé legítimopôr emdúvidaêstecon- ceitode história,corremoso risco, ao reduzi-Iosem colocarexpressamenteo problemaque aqui aponto, de cair novamentenum anistoricismode formaclássi- ca, isto é, num momentodeterminadoda históriada metafísica.Estameparecesera formalidadealgébrica do problema.Mais concretamente,no trabalhode Lé- vi-Strauss,é precisoreconhecerqueo respeitoda estru- turalidade,da originalidadeinternada estrutura,obri- ga a neutralizaro tempoe a história. Por exemplo, a apariçãode umanovaestrutura,de um sistemaori- ginal,faz-sesempre- e é a própriacondiçãoda sua especificidadeestrutural- atravésdeumarupturacom o-seupassado,a suaorigeme a suacausa.Só sepode portantodescrevera propriedadeda organizaçãoes- truturalnão levandoem conta,no próprio momento dessadescrição,as suascondiçõespassada.s:omitindo colocaro problemadapassagemdeuma'estruturapara outra,colocandoentreparêntesesa história.Nestemo- mento"estruturalista",são indispensáveisos conceitos deacasoe de descontinuidade.E defatoLévi-Strauss recorremuitasvêzesa êles,comopor exemplopara essaestruturadasestruturasqueé a linguagem,acêrca da qual diz em Introductionà l'oeuvrede Maussque "Só pode ter nascidode repente": "Quaisquerque tenhamsidoo momentoe ascircunstânciasda suaapa- rição na escalada vida animal,a linguagemsó pode ter nascidode repente.As coisasnão podemter co- meçadoa significarprogressivamente.Apósumatrans- formaçãocujo estudonão competeàs ciênciassociais, masà Biologiae à Psicologia,'efetuou-sea passagem de um estádioem quenadatinha sentidopara outro em quetudopossuíaum." O que não impedeLéVi- 247 ,-Straussde reconhecera lentidão,a maturação,o labor contínuodas transformaçõesfatuais,a história (por exemploem Race et Histoire). Mas temde, por um gestoque foi tambémo de Rousseauou de Husserl, "afastartodosos fatos"no momentoemquepretende apreendera especificidadeessencialde uma estrutura. Como Rousseau,tem de pensarsemprea origemde uma estruturanova segundoo modêloda catástrofe - transformaçãoda naturezana natureza,interrupção naturaldo encadeamentonatural,desvioda natureza. Tensãodo jôgo com a história,tensãotambém do jôgo com a presença.A presençade um elemento é sempreumareferênciasignificantee substitutivains- critanumsistemadediferençase o movimentodeuma cadeia. O' jôgo é semprejôgo de ausênciae de pre- sença,masse o quisermospensarradicalmente,é pre- ciso pensá-Iaantesda alternativada presençae da ausência;é precisopensaro ser como presençaou ausênciaa partirda possibilidadedojôgo e nãoinver- mmente.Ora, seLévi-Strauss,melhordo quequalquer outro,fêz aparecero jôgo da repetiçãoe a repetição do jôgo, nempor issose deixade percebernêleuma espéciede éticada presença,de nostalgiada origem, da inocênciaarcaicae natural,de umapurezada pre- sençae da presençaa si na palavra;ética,nostalgiae . mesmoremorsoque muitasvêzesapresentacomo a motivaçãodo projetoetnológicoquandosedirigea so- ciedadesarcaicas,isto é, a seus olhos, exemplares. ~ssestextossãobemconhecidos. Voltada para a presença,perdidaou impossível, da origemausente,estatemáticaestruturalistada ime-diatidadeinterrompidaé portantoa face triste,nega- tiva, nostálgica,culpada,rousseauísta,do pensamento do jôgo cujo reversoseriaa afirmaçãonietzchiana,a afirmaçãoalegredo jôgo do mundoe da inocênciado devir,a afirmaçãode um mundode signossemêrro, semverdade,semorigem,oferecidoaumainterpretação ativa. Esta afirmaçãodeterminaentãoo não-centro semsercomoperdado centro. E jogas'emsegurança. Pois há um jôgoseguro:o queselimitaà substituição de peçasdadase existentes,presentes.No casoabso- luto, a afirmaçãoentrega-setambémà indeterminação genética,à aventuraseminaldo traço. 248 Há portantoduasinterpretaçõesda interpretação, da estrutura,do signoe do jôgo. Uma procuradeci" frar, sonhadecifrarumaverdadeou umaorigemque escapamao jôgoe à ordemdo signo,e sentecomoum exílioa necessidadeda interpretação.A outra,quejá não estávoltadaparaa origem,afirmao jôgo e pro- curasuperaro homeme o humanismo,sendoo nome do homemo nomedêsseser que, atravésda história da Metafísicaou da onto-teologia,isto é, da totalidade da suahistória,sonhoua presençaplena,o fundamento tranqüilizador,a origeme o fim do jôgo. Esta segun- da interpretaçãoda interpretação,cujocaminhonosfoi indicadopor Nietzsche,nãoprocurana Etnografia,co- mo o pretendiaLévi-8trauss,cuja Introductionà l'oeu- vre de Mauss cito novamente,a "inspiradorade um nôvohumanismo". Poderíamoshoje entreverpor mais de um sinal que estasduasinterpretaçõesda interpretação- que são absolutamenteinconciliáveismesmose as vivemos simultâneamentee as conciliamosnumaobscuraeco- nomia- partilhamentresi o campodaquiloque se denomina,demaneiratãoproblemática,asciênciashu- manas. Peloquemediz respeito,nãocreio,muitoembora estasduasinterpretaçõesdevamacusara suadiferença e aguçara suairredutibilidade,quehoje haja alguma coisaa escolher.Em primeirolugarporqueaí estamos numareg:ão- digamosainda,provisoriamente,dahis- toricidade- emquea categoriadeescolhaparecebem frágil. Em seguidaporqueé precisotentarprimeiro pensaro solo comum,e a diferênciadestadiferença irredutível. E porquetemosaí um tipo de questão, digamosainda histódca,cU(jaconcepção,formação, gestação,trabalho,hojeapenasentrevemos.E digoes- tas palavrascom os olhos dirigidos,é certo,para as operaçõesdaprocriação;mastambémparaaquêlesque, numasociedadeda qualnãomeexcluo,os desviampe- ranteo aindainominávelqueseanunciae quesó pode fazê-lo,comoé necessáriocadavez queseefetuaum nascimento,soba espécieda não-espécie,soba forma informe,muda, infantee terrificanteda monstruosi- dade. 249
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