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A estrutura, o signo e o jogo mas ciências humanas, jacques Derrida

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A ESTRUTURA, O SIGNO E O JÕGO NO
DISCURSO DAS CIÊNCIAS HUMANAS
Existe maior dificl)ldadeem interpretaras in-
terpretaçõesdo queeminterpretaras coisas.
(MONTAIGNE)
Talvezsetenhaproduzidona históriado conceito
deestruturaalgoquepoderíamosdenominarum "acon-
tecimento"se estapalavranão trouxesseconsigouma
cargade sentidoquea exigênciaestrutural- ou es-
truturalista- temjustamentecomofunçãoreduzirou
suspeitar. Digamoscontudoum "acontecimento"e
usemosestapalavracomprecauçõesentreaspas.Qual
seriaportantoêsseacontecimento?Teria a formaex-
teriordeumarupturae deum redobramento.
229
Seriafácil mostrarque o conceitode estruturae
mesmoa palayraestruturatêm a idadeda episteme,
isto é, ao mesmotempoda ciênciae da filosofiaoci-
dentais,e que mergulhamsuasraÍzesno solo da lin-
guagemcomum,no fundodo quala epistemevai reco-
lhê-Iospara os trazera si num deslocamentometafó-
rico. Contudo,atéao acontecimentoque eu gostaria
de apreender,a estrutura,ou melhora estruturalidade
da estrutura,emboratenhasempreestadoem ação,
sempreseviu neutralizada,reduzida:porum gestoque
consistiaem dar-lheum centro,em relacioná-Iaa um
ponto de presença,a uma origemfixa. f:ssecentro
tinha como funçãonão apenasorientare equilibrar,
organizara estrutura- não podemosefetivamente
pensaruma estruturainorganizada~ mas sobretudo.
levaro princípiode organizaçãoda estruturaa limitar
o que poderíamosdenominarjôgo da estrutura. É
certoqueo centrode umaestrutura,orientandoe or-
ganizandoa coerênciado sistema,permiteo jôgo dos
elementosno interiorda forma total. E aindahoje
uma estruturaprivadade centrorepresentao próprio
impensável.
Contudo,o centroencerratambémo Jogo que
abree tornapossível.Enquantocentro,é o pontoem
que a substituiçãodos conteúdos,dos elementos,dos
têrmos,já não é possível. No centro,é proibidaa
permutaou a transformaçãodoselementos(quepodem
aliás ser estruturascompreendidasnuma estrutura).
Pelo menossemprepermaneceuinterditada(e empre-
go propos.itadamenteestapalavra). ~~IIlpresepensou
que o centro,por definiçãoúnico, constituía,numa
estrutura,exatamenteaquiloque,comandandoa estru-
tura,escapaà estruturalidade.Eis por que,paraum
pensamentoclássicoda estrutura,o centropode ser
dito,paradoxalmente,nu estruturae fora da estrutura.
Está no centroda totalidadee contudo,dado que o
centronão lhe pertence,a totalidadetemo seucentro
noutrolugar. O centronão é o centro. O conceito
de estruturacentrada- emborarepresentea própria
coerência,a condiçãoda epistemecomofilosofiaou
comociência- é contraditoriamentecoerente.E co-
mosempre,a coerêncianacontradiçãoexprimea fôrça
deumdesejo.O conceitode estruturacentradaé com
230
efeitoo conceitode um jôgo fundado, constituídoa
partirde umaimobilidadefundadorae de umacerteza
tranqüilizadora,elaprópriasubtraídaaojôgo. A partir
destacerteza,a angústiapode ser dominada,a qual
nascesemprede umacertamaneirade estarimplicado
no jôgo,deserapanhadono jôgo,desercomoserlogo
deiníciono jôgo. A partirdo quechamamosportanto
o centroe que,podendoigualmenteestarforae dentro,
recebeindiferentementeosnome~·de origemou defim,
de arquêou d(; telas.asrepetições,as substituições,as
transformações,aspermutassilosempreapanhadasnu-
ma históriado sentido- i~.toé, simplesmenteuma
história- cujaorigempodesempreserdespertadaou
cujo fim podesempreserantecipadona formada pre-
sença.Eis por quetalvezse poderiadizerqueo mo-
vimentodetôdaa arqueologia,comoo detôdaa esca-
tologia,é cúmplicedessareduçãoda estruturalidadeda
estruturae tentasemprepensare~·taúltimaa partirde
umapresençaplenae forade jôgo.
Se fôr realmenteassim,tôda a históriado con-
ceitode estrutura,antesda rupturade que falamos,
tem de ser pensadacomouma sériede substituições
de centropara centro,um encadeamentode determi-
naçõesdo centro. O centrorecebe,sucessivae regu-
larmente,formasou nomesdiferentes.A históriada
metafísica,como a históriado Ocidente,·seriaa his-
tória dessasmetáforase dessasmetonírnias.A sua
formamatricialseria- esperoque me.perdoemser
tão pouco demom:trativoe tão elítico, mas é para
chegarmaisdepressaaomeutemaprincipal~. a deter-
minaçãodo ser comopresençaem todoso'ssentidos
destapalavra. Poder-se-iamostrarque todosos no-
mesdo fundamento,do princípio,ou do centro,sempre
designaramo invariantedeumapresença(eidos,arquê,
telas,energeia,ousia (essência,existência,substância,
sujeito) aletheia, transcendentalidade,consciência,
Deus,homem,etc.).
O acontecimentode ruptura,a disrupçãoa que
aludiaao começar,ter-se-iatalvezproduzidono mo-
mentoem que a estruturalidadeda estruturadeveter
começadoa serpensada,istoé, repetida,e eispor que
dizia que estadisrupçãoera repetição,em todos os
sentidosdestapalavra. Desde entãodeve ter sido
231
pensadaa lei quecomandavade algummodoo desejo
do centrona constituiçãoda estrutura,e o processoda
significaçãoordenandoos seusdeslocamentose as suas
substituiçõesa essalei da presençacentral;mas de
umapresençacentralque nuncafoi ela própria,que
semprejá foi deportadapara fora de si no seusubs-
tituto. O substitutonão se substituia nadaque lhe
tenhade certomodopreexistido.Desdeentãodeve-se
semdúvidatercomeçadoa pensarquenãohaviacentro,
queo centronão podiaser pensadona formade um
sendo-presente,que o centronão tinha lugar natural,
quenão era um lugarfixo masumafunção,uma es-
péciede não-lugarno qual se faziamindefinidamente
substituiçõesde signos. Foi entãoo momentoemque
a linguageminvadiuo campoproblemáticouniversal;
foi entãoo momentoemque,na ausênciade centroou
de origem,tudo se tornadiscurso- com a condição
de nos entendermossôbreestapalavra- isto é, sis-
temano qual o significadocentral,originárioou trans-
cendental,nuncaestáabsolutamentepresentefora de
um sistemade diferenças.A ausênciade significado
transcendentalampliaindefinidamenteo campoe o jô-
go da significação.
Ondee comose produzêssedescentramentoco-
mo pensamentoda estruturalidadeda estrutura?Para
designarestaprodução,seriade certomodoingênuo
referirum acontecimento,umadoutrinaou o nomede
um autor. Esta produçãopertencesemdúvidaà tota-
lidadede uma época,que é a nossa,masela sempre
já começoua anunciar-see a trabalhar. Se quisésse-
moscontudo,a títulode exemplo,escolheralguns"no-
mespróprios"e evocaros autoresdos discursosnos
quaisestaproduçãose mantevemaispróximada sua
formulaçãomais radical,seria semdúvidanecessário
citara críticanietzschianada metafísica,dosconceitos
de ser e de verdade,substituídospelosconceitosde
jôgo, de interpretaçãoe de signo (de signosemver-
dadepresente);a críticafreudianada presençaa si,
isto é, da consciência,do sujeito,da identidadea si,
da proximidadeou da propriedadea si; e, maisradi-
calmente,a destruiçãoheideggeriana!da metafísica,da
onto-teologia,da determinaçãodo ser comopresença.
Ora, todosêstesdiscursosdestruidorese todosos seus
232
análogosestãoapanhadosnuma espéciede CÍrculo.
ÊsteCÍrculoé únicoe de~,crevea formadarelaçãoentre
a históriada metafÍsicae a destruiçãoda históriada
metafÍsica:não temnenhumsentidoabandonaros con-
ceitosda metafÍsicaparaabalara metafísica;não dis-
pomosde nenhumalinguagem- de nenhumasintaxe
e de nenhumléxico- quesejaestranhoa essahistó-
ria; não podemosenunciarnenhumaproposiçãodes-
truidoraquenão se tenhajá vistoobrigadaa escorre-
gar paraa forma,paraa lógicae paraas postulações
implícitasdaquilomesmoque gostariade contestar.
Para dar um exemploentretantosoutros: é com a
ajudado conceitode signo que se abalaa metafÍsica
dapresença.Mas a partirdo momentoemquesepre-
tendeassimmostrar,comohá poucoo sugeri,quenão
haviasignificadotranscendentalou privilegiadoe que
o campoou o jôgo da significaçãonão tinha,desde
então,maislimite,dever-se-ia- masé o quenão se
podefazer- recusar'mesmoo conceitoe a palavra
signo. P()is a significação"signo" foi semprecom-
preendidae determinada,no seusentido,comosigno-
-de, significanteremetendoparaum significado,signi-
ficantediferentedo seusignificado. Se apagarmosadiferençaradicalentresignificantee significado,é a
própriapalavrasignificanteque serianecessárioaban-
donarcomoconceitometafÍsico.QuandoLévi-Strauss
diz,no prefáciodo Cru et te Cuit, que"procuroutrans-
cendera oposiçãodo sensívele do inteligívelcolo-
cando-selogo ao nível dos signos",a necessidade,a
fôrçae a legitimidadedo seugestonãonospodemfazer
esquecerqueo conceitodesignonãopodeemsi mesmo
superarestaoposiçãodo sensívele do inteligível. É
determinadopor estaoposição:completamentee atra-
vésda totalidadeda suahistória. Só viveudelae do
seusistema. Mas não podemosdesfazer-nosdo con-
ceitode signo,não podemosrenunciara essacumpli-
cidademetafÍsicasemrenunciarao mesmotempoao
trabalhocrítico que dirigimoscontraela, semcorrer
o riscode apagara diferençana identidadea si deum
~ignificadoreduzindoem si o seu significante,ou, o
quevema dar no mesmo,expulsando-osimplesmente
para fora de si. Pois há duasmaneirasheterogêneas
de apagara diferençaentreo significantee o signifi-
cado:uma,a clássica,consisteem reduzirou em de-
233
rival'o significante,isto é, finalmenteem submetero
signoao pensamento;a outra, a que aqui dirigimos
contraa precedente,consisteem questionaro sistema
no qual funcionavaa precedenteredução:e em pri-
meiro lugar a oposiçãodo sensívele do inteligível.
Pois o paradoxo é que a reduçãometafísicado signo
tinhanecessidadeda oposiçãoquereduzia.A oposição
faz sistemacom a redução. E o queaquidizemosdo
signopodeestender-sea todosos conceitose a tôdas
as frasesda metafísica,em especialao discursosôbre
a "estrutura". Mas há váriasmaneirasde ser apa-
nhadonessecírculo. São tôdasmaisou menosingê-
nuas,maisou menosempíricas,maisou menossiste-
máticas,mais ou menospróximasda formulação,ou
melhor,da formalizaçãodêssecírculo. São estasdi-
ferençasque explicama multiplicidadedos discursos
destruidorese o desacôrdoentreaguêlesque os pro-
ferem. É comosconceitosherdadosdametafísicaque,
por exemplo,Nietzsche,Freud e Heideggeroperaram.
Ora comoêssesconceitosnão são elementos,átomos,
como são tiradosdumasintaxee dum sistema,cada
empréstimodeterminadofaz vir a si tôdaa metafísica.
É o queentãopermitea êssesdestruidoresdestruírem-
-se reciprocamente,por exemploa Heideggerconsi-
derarNietzsche,por um lado com lucideze rigor e
por outrocommá fé e desconhecimento,comoo últi-
mo metafísico,o último"platônico". Poderíamosen-
tregar-nosa êsteexercícioa propósitodo próprioHei-
degger,de Freude de algunsoutros. E nenhumoutro
exercícioestáhoje maisdivulgado.
O que aconteceagoracom êsteesquemaformal
quandonos voltamospara aquilo que se denomina
"ciênciashumanas"? Uma delas talvezocupe aqui
um lugarprivilegiado.É a Etnologia. Podemoscom
efeitoconsiderarquea Etnologiasótevecondiçõespara
nascercomo ciênciano momentoem que se operou
um descentramento:no momentoem que a cultura
européia- e por conseqüênciaa históriadaMetafísica
e dos seusconceitos- foi deslocada,expulsado seu
lugar,deixandoentãode ser consideradacomoa cul-
tura de referência. 1?,stemomentonão é apenase
principalmenteum momentodo discursofilosóficoou
científico,é tambémum momentopolítico,econômico,
234
técnico,etc. Pode dizer-secom tôdaa segurançaque
não há nadade fortuitono fato de a críticado etno-
centrismo,condiçãoda Etnologia,sersistemáticae his-
tàricamentecontemporâneada destruiçãodahistóriada
Metafísica. Ambaspertencema uma únicae mesma
época.
Ora, a'Etnologia- comotôdaa ciência- surge
no elementodo d,scurso.E é emprimeirolugaruma
ciência européia, utilizando, embora defendendo-se
contraêles,os conceitosda tradição.Conseqüentemen-
te, quer o queiraquer não, e isso dependede uma
decisãodo etnólogo,êsteacolheno seu discursoas
premissasdQ etnocentrismonoprópriomomentoemque
o denuncia.Esta necessidadeé irredutível,não é uma
contingênciahistórica;seria necessáriomeditartôdas
assuasimplicações.Mas seninguémlhepodeescapar,
seportantoninguémé responsávelpor cedera ela,por
poucoqueseja,isto não querdizerquetôdasas ma-
neirasde o fazersejamde igualpertinência.A quali-
dadee a fecundidadede um discursomedem-setalvez
pelorigorcríticocomqueé pensadaessarelaçãocom
a história da Metafísicae aos conceitosherdados.
Trata-seaí deumarelaçãocríticaà linguagemdasciên-
cias humanase de uma responsabilidadecrítica do
discurso. Trata-sede colocarexpressae sistemàtica-
menteo problemado estatutode um discursoquevai
buscara uma herançaos recursosnecessáriospara a
des-construçãodessamesmaherança. Problemade
eC01wmiae de estratégia.
Se agoraconsiderarmos,a título de exemplo,os
textosde Lévi-Strauss,nãoé apenaspor causado pri-
vilégioquehojese atribuià Etnologiano conjuntodas
ciênciashumanas,nem mesmoporquetemosaí um
pensamentoquepesamuitona conjunturateóricacon-
temporânea.É sobretudoporquese observouno tra-
balhode Lévi-Strausscertaescolhae porquenêle se
elaboroucertadoutrinademaneira,precisamente,mais
ou menos explícita, quantoa essacríticada linguagem
e quantoa essalinguagemcríticanasciênciashumanas.
Para seguirmosêssemovimentono textode Lévi-
-Strauss,escolhamos,comoum fio condutorentreou-
tros, a oposiçãonatureza/cultura.Apesar de todos
os seusrejuvenescimentose maquilagens,esta·oposição
235
é congênitaà filosofia. É mesmomaisvelhado que
Platão. Tem pelomenosa idadeda Sofística. Desde
a oposiçãophysis/ nomos,physis/ techné,chegaaté
nós graçasa tôda uma cadeiahistóricaque opõe a
"natureza"à lei, à instituição,à arte,à técnica,mas
tambémà liberdade,ao arbitrário,~história,à socie-
dade,ao espírito,etc. Ora, logono inícioda suapes-
quisae no seuprimeirolivro (Les Structuresélémentaii-
resdeIa parenté),Lévi-Strausssentiuao mesmotempo
a necessidadede utilizarestaoposiçãoe a impossibi-
lidadede lhe darcrédito. Em Les Structures,êleparte
do seguinteaxiomaou definição:pertenceà natureza
tudoo queé universale espontâneo,não dependendo
de nenhumaculturaparticularnemdenenhumanorma
determinada.Pertenceem contrapartidaà culturao
que dependede um sistemade normasregulandoa
sociedadee podendoportantovariarde umaestrutura
socialpara outra. Estasduasdefiniçõessão de tipo
tradicional. Ora, logo desdeas primeiraspáginasdas
Structures,Lévi-Strauss,que começoupor dar crédito
a êstesconceitos,encontrao que denominaum es-
cândalo,isto é, algo que já não tolera a oposição
natureza/culturaass.imaceitee parecerequererao
mesmotempoos predicadosda naturezae os da cul-
tura. .esseescândaloé a proibiçãodo incesto.A proi-
biçãodo incestoé universal;nestesentidopoder-se-ia
dizerqueé natural;- masé tambémumaproibição,
um sistemade normase de interditos- e nestesen-
tido dever-se-iadenominá-Iacultural. "Digamospor-
tantoquetudoo queé universal,no homem,pertence
à ordemda naturezae caracteriza-sepelaespontanei-
dade,que tudo o que estásubmetidoa uma norma
pertenceà culturae apresentaos atributosdo relativo
e do particular.Vemo-nosentãoconfrontadoscomum
fato ou melhorcom um conjuntode fatos que não
estálonge,à luz dasdefiniçõesprecedentes,de apare-
cer comoum escândalo:pois a proibiçãodo incesto
apresentasemo menorequívoco,e indissoluvelmente
reunidos,os dois caracteresem que reconhecemosos
atributoscontraditóriosde duas ordens exclusivas:
constituiuma regra,masuma regraque, únicaentre
tôdasas regrassociais,possuiao mesmotempoum
caráterde universalidade"(p. 9).
236
Só existeevidentementeescândalono interior de
um sistemade conceitosque dá créditoà diferença
entrenaturezae cultura. Começandoa suaobracom
o factum da proibiçãodo incesto,Lévi-Straussinstala-
-seportantono pontoemqueessadiferença,quesem-
pre passoupor evidente,se encontraapagadaou con-
testada.Pois a partirdo momentoemquea proibição
do incestojá nãosedeixapensarna oposiçãonatureza
/cultura, já não se p.iJdedizer dela que sejaum fato
escandaloso,um núcleode opacidadeno interiorde
uma rêde de significaçôestransparentes;não é um
escândaloqueencontramos,no qual caímosno campo
dosconceitostradicionais;é o queescapaa êstescon-
ceitose certamenteosprecedee provàvelmentecomo
suacondiçãode possibilidade.Poder-se-iatalvezdizer
que tôda a conceptualidadefilosóficafazendosistema
com a oposiçãonatureza/ cultura estádestinadaa
deixarno impensadoo quea tornapossível,a saber,
a origemda proibiçãodO'incesto.
Êste exemploé evocadodepressademais,não
passadeumexemploentretantosoutro["masjá deixa
verquea linguagemcarregaemsi a necessidadeda sua
própriacrítica. Ora estacríticapode efetuar-sepor
duasvias, e de duas "maneiras". No momentoem
queo limiteda oposiçãonatureza/ culturasefaz sen-
tir pode-sequererque[,tionarsistemáticae rigorosamente
a históriadêstesconceitos. É um primeirogesto.
Semelhantequestionamentosistemáticoe históriconão
serianemum gestofilológiconemum gestofilosófico
no sentidoclássicode[,taspalavras.Inquietar-seacêrca
dos conceitosfundadoresde tôda a históriada Filo-
sofia,de-constituí-Ios,nãoé procedercomofilólogoou
comohistoriadorclássicoda Filosofia. É semdúvida,
apesardaaparência,a maneiramaisaudacim,adeesbo-
çar um passopa~'afora da Filosofia. A saída"para
fora da Filosofia"é muitomaisdifícil de serpensada
do que em geral imaginamaquêlesque julgamtê-Ia
realizadohá muitotempocomum à vontadealtaneiro,
e queem geralestãomergulhadosna Metafísicapor
todoo corpodo discurwquepretendemter libertado
dela.
A outraescolha- e creioquecorrespondemais
à maneirade Lévi-Strauss- consistiria,paraevitaro
237
que o primeirogestopoderiater de esterilizante,na
ordemda descobertaempírica,emconservar,denun-
ciandoaqui e ali os seuslimites,todosêssesvelhos
conceitos:comoutensíliosqueaindapodemservir. Já
não se lhes atribui nenhumvalor de verdade,nem
nenhumasignificaçãorigorosa,estaríamosprontos a
abandoná-Iosa qualquermomentoseoutrosinstrumen-
tos parecessemmaiscômodos. Enquantoesperamos,
exploramosa sua eficáciarelativae utilizamo-Iospara
destruira antigamáquinaa que pertenceme de que
êlesmesmossãopeças. É assimquese criticaa lin-:-
guagemdasciênciashumanas.Lévi-Strausspensadêste
modopodersepararo métododa verdade,os instru-
mentosdo métodoe as significaçõesobjetivaspor êle
visadas.Quasesepoderiadizerqueé a primeiraafir-
maçãodeLévi-Strauss;sãoemtodoo casoasprimeiras
palavrasdasStructures: "Começamosa compreender
que a distinçãoentreestadode naturezae estadode
sociedade(diríamoshojede preferência:estadode na-
turezae estadodecultura),à faltadeumasignificação
históricaaceitável,apresentaumvalorquejustificaple-
namente;a suautilização,pelaSociologiamoderna,co-
mo um instrumentode niétodo."
Lévi-Strausspermanecerásemprefiel a estadupla
intenção:conservarcomoinstrumentoaquilocujovalor
de verdadeêle critica.
Por um lado continuará,com efeito,a contestar
o valorda oposiçãonatureza/ cultura. Mais de treze
:lnosdepoisdas Structures,La Penséesauvagefaz-se
ecofiel do textoqueacabode citar: "A oposiçãoen-
tre naturezae cultura,na qual insistimosoutrora,pa-
rece-noshoje oferecerum valor principalmentemeto-
dológico." E êssevalor metodológiconão é afetado
pelo não-valor"ontológico",poderíamosnós dizer se
não desconfiássemosaqui destanoção: "Não seria
suficienteter reabsorvidohumanidadesparticularesnu-
ma humanidadegeral;estaprimeiratarefapreparaou-
tras... que pertencemàs ciênciasexatase naturais:
reintegrara culturana natureza,e finalmente,a vida
no conjuntodas suas condiçõesfísico-químicas"(p.
327).
Por outro lado, sempreem La Penséesauvage,
apresentacom o nomede bricolagemtudo o que se
238
jlodcria denominar o discurso dêsse método. O bri-
dl/eur. diz Lévi-Strauss, é aquêleque utiliza "os meios
iI mão", isto é, os instrumentosque encontra à sua
disposição em tôrno de si, que já estão ali, que não
foram especialmenteconceb;dos par.a a operação na
qual vão servir e à qual procuramos, por tentativas
várias, adaptá-Ios,não hesitandoem trocá-Ios cada vez
que isso parece necessário,em experimentarvários ao
lnesmo tempo, mesmo se a sua origem e a sua forma
são heterogêneas,etc. Há portanto uma crítica da
linguagem sob a forma da bricolagem, e chegou-se
mesmo a dizer que a bricolagemera a própria lingua-
gem crítica, em especial a da crítica literária: est0u
pensandoaqui no texto de G. Genette, Structuralisme
et.critique littéraire, publicado em homenagema Lévi-
-Straus~em L' A rc, e onde se diz que a análiseda bri-
colagem podia "ser aplicada quase palavra por pala-
vra" à crítica e mais especialmenteà "crítica literária".
(Inserido em Figures, ed. 'du Seuil, p. 145.)
Se denominarmosbricolagem a necessidadede ir
buscar os seusconceitosao texto de uma herançamais
ou menoscoerenteou arruinada,devedizer-seque todo
o discurso é bricoleur. O engenheiro, que Lévi-
-Strauss opõe ao bricoleur, deveria, pelo contrário,
construir a totalidade da sua linguagem, sintaxe e lé-
xico. Neste sentido o engenheiroé um mito: um
sujeito que fôsse a origem absolutado seu próprio dis-
curso e o construísse "com tôdas as peças" seria o
criador do verbo, o próprio verbo. A idéia do enge-
nheiro de relações cortadas com tôda a bricolagem é
portantouma idéia teológica;e como Lévi-Strauss nos
diz noutro lugar que a bricolagem é mitopoética,po-
deríamos apostar que o engenheiroé um mito produ-
zido pelo bricoleur. A partir do momento em que
se deixa de acreditarem semelhanteengenheiroe num
discurso rompendo com a recepçãohistórica, a partir
do momento em que se admite que todo o discurso
finito está submet;do a uma certa bricolagem, que o
engenheiroou o sábio são também espéciesde bri-
coleur, então a própria idéia de bricolagem está
ame.açada,esboroa-sea diferençana qual ganhavasen-
tido.
239
,
Isto faz aparecero segundofio capazdenosguiar ~...nestatrama. I
Lévi-Straussdescrevea atividadeda bricolagem
não apenascomoatividadeintelectualmascomo ati-
vidademitopoética.LemosemLa PenséesauvaRe(p.
26): "Comoa bricolagemno planotécnico,a reflexão
mÍticapodeatingir,no planointelectual,resultadosbri-
lhantese imprevistos.Reciprocamente,observou--s·e
muitasvêzeso carátermitopoéticoda bricolagem."
Ora,o notávelesfôrçodeLévi-Straussnãoconsiste
apenasem propor,sobretudona maisatualdas suas
pesquisas,umaciênciaestruturaldosmitose da ativi-
dademitológica. O seu esfôrçoaparecetambém,e
quasediria primeiro,no estatutoqueentãoconcedeao
seuprópriodiscursosôbreos mitos,no quedenomina
as suas"mitológicas", Ê o momentoem que o seu
discursosôbreo mitoserefletee secriticaa si próprio.
E êstemomento,êsteperíodocríticointeressaeviden-
tementetôdasas linguagemque partilhamentresi o
campodas ciênciashumanas. Que diz Lévi-Strauss
dassuas"mitológicas"?Ê aquiquevoltamosa encon-
trar a virtudemitopoéticada bricolagem.Efetivamen-
te, o queparecemaissedutornestapesquisacríticade
um nôvo estatutoé o abandonodeclaradode tôda
referênciaa um centro,a um sujeito,a umareferência
privilegiada,a umaorigemou a umaarquiaabsoluta.
Poder-se-iaseguiro temadêstedescentramentoatravés
de tôda a Aberturado seuúltimolivro sôbreLe Cru
et te Cuit. Vou aí buscarapenasalgunspontosprin-
CIpaIS.
1. Em primeiro lugar, Lévi-Straussreconhece
queo mitobororo,aí utilizadocomo"mitodereferên-
cia", não mereceêstenomee êstetratamento,trata-se
de uma apelaçãoespeciosae de umapráticaabusiva.
Êste mito, como qualqueroutro, não mereceo seu
privilégioreferencial: "De fato o mito bororo,,que
serádcravantedesignadocomomitode referência,não
passa,comotentaremosprovar,de umatransformação
maisou menosavançadade outrosmitosprovenientes
quer da mesmasociedade,.quer de sociedadespróxi-
masou afastadas.Teriasidoportantolegítimoescolher
comopontode partidaqualquerrepresentantedo gru-·-
po. O interêssedo mito de referêncianão deriva,
240
dL'stcponto.de vista,do seucarátertípicomasantes
da sua posiçãoirregularno interior de um grupo"
(p. 10).
2. Não há unidadeou origemabsolutado mito.
O focoou a fontesãosempresombraso.Uvirtualidades
inapreensíveis,inatualizáveise em primeirolugar ine-
xistentes. Tudo começacom a estrutura,a configu-
raçãoou a relação. O discursosôbreestaestruturaa-cêntricaque é o mito não po.deêle próprio ter
sujeitoe centroabsoluto.s.Deve, para apreendera,
formae o movimentodo mito, evitara violênciaque'
consistiriaemcentrarumalinguagemdescritivadeuma
estruturaa-cêntrica.Ê precisoportantorenunciaraqui
ao discursocientíficoou filosófico,à episternequetem
como exigênciaabsoluta,que é a exigênciaabsoluta
de procurara origem,o centro,o fundamento,o prin-
cípio, etc. Por oposiçãoao discursoepistêmico,o
discursoestruturalsôbreos mitos,o discursomito-ló-
gicodeveserêleprópriomito-morto.Deveter a for-
ma daquilode quefala. Ê o quediz Lévi-Straussem
Le Cru et le Cuit, de quego.stariade transcreveragora
umalongae belapágina:
"Efetivamenteo estudodosmitoscolocaum pro-
blemametodológico,pelofatode não.sepoderconfor-
marao princípiocartesianode dividira dificuldadeem
quantaspartesfôr necessáriopara a resolver. Não
existeum verdadeirotêrmoparaa análisemítica,nem
unidadesecretaquesepossaapreenderno fim do tra··
balhode decomposição.Os temasmultiplicam-seao
infinito. Quandojulgamostê-Iosdestrinçadouns dos
outrosepodermantê-Iosseparados,apenasconstatamo~,
queêlesvoltama unir-se,em respostaàs solicitações
de afinidadesimprevistas.Conseqüentemente,a uni-
dadedo mito é apenastendenciale projetiva,jamais
refleteumestadoou ummomentodo mito. Fenômeno
imaginárioimplicadopelo esfôrço.de interpretação,o
seupapelé darumaformasintéticaao mito,e impedir
queêlesediluana confusãodoscontrários.Poder-se-
-ia portantodizerquea ciênciados mitosé umaana..
elástica,tomandoêstevelho têrmono sentidoamplo
autorizadopela 'etimologia,e que admitena suadefi-
niçãoo estudodos raiosrefletidose mesmodos raios
. refratados. Mas, ao contrárioda reflexãofilosófica,
241
.......•
quepretendeinvestigara sua origem,as reflexõesde
que aqui se tratadizemrespeitoa raios privadosde
qualqueroutrofocoquenãosejavirtual... Querendo
imitaro movimentoespontâneodo pensamentomítico,
a nossatarefa,tambémdemasiadobrevee demasiado
longa,tevede se vergaràs suasexigênciase respeitar
o seuritmo. Dêstemodo,êstelivro sôbreos mitosé
também,à sua maneira,um mito." Afirmaçãoreto··
madaum pouco mais adiante(p. 20): "Como os
própriosmitosassentamem códigosde segundaordem
(sendoos códigosde primeiraordemaquêlesem que
consistea linguagem),êste livro ofereceriaentãoo
esbôçode um códigode terceiraordem,destinadoa
assegurara traduzibilidaderecíprocade váriosmitos.
Por isso seráacertadoconsiderá-Iocomoum mito: de
qualquermodo,o mitoda mitologia."É devidoa esta
ausênciade qualquercentroreal e fixo do discurso
míticoou mitológicoquese justificao modêlomusical
escolhidopor Lévi-Strausspara a composiçãodo seu
livro. A ausênciadecentroé aquia ausênciadesujeitQ
e a ausênciade autor: "0' mitoe a obramusicalapa-
recemas,simcomomaestroscujosauditoressão os si-
lenciososexecutantes.Se nos perguntarmosonde se
encontrao foco real da obra, seráprecisoresponder
queé impossívela sua determinação.A músicae a
mitologiaconfrontamo homemcom objetosvirtuais
cuja sombraunicamente'é atual... os mitosnão têm,
autores.... " (p. 25).
É portantoaquiquea bricolagemetnográficaas-
sumedeliberadamentea suafunçãomitopoética.Mas,
ao mesmotempo,faz aparecercomomitológica,isto
é, como uma ilusão histórica,a exigênciafilosófica
ou epistemológicado centro.
Contudo,senosrendermosà necessidadedo gesto
de Lévi-Strauss,não podemosignoraros seusriscos.
Se a mito-lógicaé mito-mórfica,seráquetodosos dis-
cursossôbreos mitosse equivalem?Dever-se-áaban-
donartôdaexigênciaepistemológicapermitindodistin-
guirentreváriasqualidadesde discursosôbreo mito?
Questãoclássicamasinevitável.Não podemosrespon-
dera ela- e creioqueLévi-Straussnãolhe responde
-'- enquantonão tiver sido express·amenteexpostoo
problemadasrelaçõesentreo filosofema ou o teorema
242
de um lado, e o mitemaou mitopoemado outro. O
quenãoé simples. Senãolevantarmosexpressamente
êsteproblema,condenamo-nosa transformara pretensa
transgressãoda filosofiaemêrrode~,percebidono inte-
rior do campofilosófico. O empirismoseriao gênero
cujasespéciesseriamsempreêsteserros. Os conceitos
trans-filo~óficostransformar-se-iamem ingenuidades
filosóficas.Poder-se-iammostrarêsteriscoemmuitos
exemplos,nos conceitosde signo,de história,de ver-
dade,etc. O quepretendoacentuaré apenasque a
passagemparaalémda Filosofianãoconsi~,teemvirar
a páginada Filosofia, (o que finalmenteacabasendo
filosofarmal) mas em continuara ler de umacerta
maneiraos filósofos. O risco de que falo é sempre
assumidopor Lévi-Strausse é o própriopreçodo seu
e~,fôrço.Dissequeo empirismoera a formamatricial
de todosos erros ameaçadoresde um discursoque
continua,principalmenteem Lévi-Strauss,a pretender
sercientífico. Ora, se'quiséssemoslevantarseriamente
o problemado empirismoe dabricolagem,chegaríamos
semdúvidamuitodepre~,saa proposiçõesabsolutamente
contraditóriasquantoao estatutodo discursode Etno-
logia estrutural. Por um lado o estruturalismoapre-
senta-se,com razão,comoa própriacríticado empi-
rismo.Mas ao mesmotempojá nãohá livroou estudo
de Lévi-Straussquenãose proponhacomoum ensaio
empíricoqueoutra~,informaçõespoderãosemprevir a
completarou a contrariar.Os esquemasestruturaissão
semprepropostoscomohipótesesprocedentesde uma
quantidadefinita de informaçãoe submetidasà prova
daexperiência.Numerosostextospoderiamdemonstrar
e~,taduplapostulação.Voltemo-nosumavezmaispara
aAberturadeLe Cru etteCuitondesevêbemque,se
estapostulaçãoé dupla,é porquesetrat~.aquideuma
linguagemsôbrea linguagem:"Os críticosquenoscen-
surassempor não têrmosprocedidoa um inventário
exaustivodos mitossul-americanosantesde os anali-
sarmoscometeriamum grave contra-sensosôbre a
naturezae o papeldêstesdocumentos.O conjuntodos
mitosdeumapopulaçãopertenceà ordemdo discurso.
A menosquea populaçãose extingafísicaou moral-
mente,êsteconjuntojamaisé fechado.Issoequivaleria
portantoa cen~oUrarum lingüistaqueescrevessea gra-
243
máticadeumalínguasemterregistradoa totalidadedas
palavrasqueforampronunciadasdesdequeessalíngua
existe,e semconheceras trocasverbaisqueocorrerão
enquantoexistir. A experiênciaprovaqueum número
irrisóriodefrases.... permiteao lingüistaelaboraruma
gramáticada línguaqueestuda.E mesmoumagramá-
tica parcial,ou um esbôçode gramática,representam
aquisições,preciosasse se tratarde línguasdesconhe-
cidas. A sintaxenão.espera,para se manifestar,o
recenseamentode uma série teoricamenteilimitada
de acontecimentos,dado que consisteno corpo de
regrasquepresideà suageração.Ora, foi na verdade
um esbôçoda sintaxeda mitologiasul-americanaque
quisemosfazer. Se novostextosvieremenriquecero
discursomítico,seráa ocasiãode controlarou de mo-
dificar a maneiracomocertasleis gramaticaisforam
formuladas,de renunciara algumasdelas,e de des-
cobriroutrasnovas. Mas em nenhumcasonospode-
riam exigirum discursomíticototal. Pois acabamos
deverqueestaexigêncianãotemsentido"(p. 15-16).
A totalizaçãoé portantodefinidaora como inútil, ora
como impossível. Isso resulta,sem dúvida,do fato
de haverduasmaneirasde pensaro limiteda totaliza-
ção. E diria umavezmaisqueessasduasdetermina-
ções coexistemde maneiranão-expressano discurso
de Lévi-Strauss. A totalizaçãopode ser considerada
imposs)velno estiloclássico:evoca-seentãoo esfôrço
empíricode um sujeitoou de um discursofinito cor-
rendoemvão atrásdeumariquezainfinitaquejamais
poderádominar.Há demasiadoe maisdo ques·epode
dizer. Mas pode-sedeterminarde outromodoa não-
-totalização:nãomaissobo conceitode finitudecomo
assignaçãoà empiricidademassobo conceitode jôgo.
Seentãoa totalizaçãonãotemmaissentido,nãoé por-
que a infinidadede um camponão podeser coberta
por um olhar ou um discursofinitos,mas porquea
naturezado campo- a sabera linguageme umalin-
guagemfinita - exclui a totalização:êstecampoé
comefeitoo de um jôgo, isto é, de substituiçõesinfi-
nitasno fechamentodeum conjuntofinito. t!:stecam-
po só permiteestassubstituiçõesinfinitasporque é
finito,isto é, porqueemvez deserum campoinesgo-
tável,comona hipóteseclássica,emvezde serdema-
244
siadogrande,lhe falta algo, a saberum centroque
detenhae fundamenteo jôgo dassubstituições.Pode-
ríamosdizer,servindo-nosrigorosamentedessapalavra
cujasignificaçãoescandalosasempreseatenuaemfran-
cês,queêste.movimentodo jôgo, permitidopelafalta,
pelaausênciade centroou de origem,é o movimento
da suplementariedade.Não sepodedeterminaro cen-
tro e esgotara totalizaçãoporqueo signoquesubstitui
o centro,que o supre,queocupao seulugarna sua
ausência,êssesignoacrescenta-se,vem a mais,como
suplemento.O movimentoda significaçãoacrescenta
algumacoisa,o que faz que semprehaja mais,mas
estaadiçãoé flutuanteporquevem substituir,suprir
umafaltado ladodo significado.EmboraLévi-Strauss
nãose sirvada palavrasuplementaracentuando,como
aquifaço,as duasdireçõesde sentidoquenelase en-
contramestranhamentereunidas,não é por acasoque
se servepor duasvêzesdessapalavrana Introduction
à l'oeuvrede Mauss,no·momentoemquefalada "su-
perabundânciade significanteem relaçãoaos signifi-
cadosnos quaisse podecolocar": "No seu esfôrço
paracompreendero mundo,o homemdispõeportanto
se!l!predeumexcessodesignificação(quereparteentre
as coisasde acôrdocomleis do pensamentosimbólico
quecabeaosetnólogose aoslingüistasestudar). Esta
distribuiçãodeumaraçãosuplementar- seassimnos
podemosexprimir- é absolutamentenecessáriapara
que no total, o significantedisponívele o significado
capturadopermaneçamentresi na relaçãode comple-
mentariedadequeé a própria·condiçãodo pensamento
simbólico." (Poder-se-iasemdúvidamostrarqueesta
raçãosuplementardesignificaçãoé a origemdaprópria
ratio.) A palavrareapareceum poucomaisadiante
depoisde Lévi-Strausster falado dêsse "significante
flutuante,queé a servidãode todoo pensamentofini~
to": "Por outraspalavras,e inspirando-nosno preceito
deMaussdequetodosos fenômenossociaispodemser
assimiladosà linguagem,vemosno mana,no Wakau,
na orandae outrasnoçõesdo mesmotipo,a expressão
conscientede umafunçãosemântica,cujopapelé per-
mitir ao pensamentosimbólicoexercer-seapesarda
contradiçãoquelhe é própria. Assim se explicamas
antinomiasaparentementeinsolúveis,ligadasa esta
noção... Fôrça e ação,qualidadee estado,substan-
245
tivo e adjetivoe verboao mesmotempo;abstratae
concreta,onipresentee localizada. E com efeito o
manaé tudoisto ao mesmotempo;masprecisamente,
não é porqueêle nadaé de tudo isto: simplesforma
ou maisexatamentesímbolono estadopuro,portanto
suscetívelde tomarqualquerconteúdosimbólico?Nes-
te sistemade símbolosqueconstituitôdaa cosmologia,
seriasimplesmenteum valorsimbólicozero,isto é, um
signomarcandoa necessidadede um conteúdosim-
bÓlicosuplementar[Sou eu que sublinho]aquêleque
carregajá o significado,mas podendoser um valor
qualquercoma cond;çãodefazerparteaindada reser-
va disponívele de não ser,comodizemos fonólogos,
umtêrmode gruP()." (Nota: "Os lingüistasjá foram
levadosa formularhipótesesdêstetipo. Assim: "Um
fanemazeroopõe-sea todosos outrosfonemasdo fran-
cê~,na medidaem quenão cOinportanenhumcaráter
diferenciale nenhumvalorfonéticoconstante.Em con-
trapartidao fonemazero tem por função própria
opor-seà ausênciade fonema" (Jakobsone Lotz).
Quase se poderia dizer também,esquematizandoa
concepçãoque foi aqui proposta,que a funçãodas
noçõesde tipomanaé de seopor à ausênciade signi-
ficaçãosemcomportarpor si mesmanenhumasigni-
ficaçãoparticular."
A superabundânciado significante,() seucaráter
suplementar,resultaportantode uma finitude,isto é,
deumafaltaquedevesersuprida.
Compreende-seentãopor querazãoo conceitode
jôgo é importanteem Lévi-Strauss. As referênciasa
tôdasas espéciesde jogos,em especialà roleta,são
muitofreqüentes,principalmentenas Entretiens,Race
etHistoire,La Penséesauvage.Ora estareferênciaao
jôgoésempretomadanumatensão.
Tensãocom a história,em primeirolugar. Pro-
blemaclássicoe em tôrno do qual se gastaramas
objeções. Indicarei apenaso que me pareceser a
formalidadedo problema:.ao reduzira história,Lévi~
-Strausstratoucomomereceum conceitoque sempre
foi cúmplicede umametafÍsicateleológicae escatoló-
gica,isto é, paradoxalmenteessafilosofiada presença
à qualsejulgoupoderopora história. A temáticada
historicidade,emborapareçaintroduzir-sebemtardena
246
Filosofia,semprefoi nelarequeridapeladeterminação
do sercomopresença.Com ou semetimologiae ape-
sar do antagonismoclássicoque opõeestassignifica-
çõesemtodoo pensamentoclássico,poderíamosmos-
trar queo conceitode epistemesemprechamouo de
istoriase a históriaé sempTea unidadede um devir,
comotradiçãoda verdadeou desenvolvimentoda ciên-
cia orientadopara a apropriaçãoda verdadena pre-
sençae a presençaa si, parao saberna consciênciade
si. A históriasemprefoi pensadacomoo movimento
de uma ressunçãoda história,derivaçãoentre duas
presenças.Mas seé legítimopôr emdúvidaêstecon-
ceitode história,corremoso risco, ao reduzi-Iosem
colocarexpressamenteo problemaque aqui aponto,
de cair novamentenum anistoricismode formaclássi-
ca, isto é, num momentodeterminadoda históriada
metafísica.Estameparecesera formalidadealgébrica
do problema.Mais concretamente,no trabalhode Lé-
vi-Strauss,é precisoreconhecerqueo respeitoda estru-
turalidade,da originalidadeinternada estrutura,obri-
ga a neutralizaro tempoe a história. Por exemplo,
a apariçãode umanovaestrutura,de um sistemaori-
ginal,faz-sesempre- e é a própriacondiçãoda sua
especificidadeestrutural- atravésdeumarupturacom
o-seupassado,a suaorigeme a suacausa.Só sepode
portantodescrevera propriedadeda organizaçãoes-
truturalnão levandoem conta,no próprio momento
dessadescrição,as suascondiçõespassada.s:omitindo
colocaro problemadapassagemdeuma'estruturapara
outra,colocandoentreparêntesesa história.Nestemo-
mento"estruturalista",são indispensáveisos conceitos
deacasoe de descontinuidade.E defatoLévi-Strauss
recorremuitasvêzesa êles,comopor exemplopara
essaestruturadasestruturasqueé a linguagem,acêrca
da qual diz em Introductionà l'oeuvrede Maussque
"Só pode ter nascidode repente": "Quaisquerque
tenhamsidoo momentoe ascircunstânciasda suaapa-
rição na escalada vida animal,a linguagemsó pode
ter nascidode repente.As coisasnão podemter co-
meçadoa significarprogressivamente.Apósumatrans-
formaçãocujo estudonão competeàs ciênciassociais,
masà Biologiae à Psicologia,'efetuou-sea passagem
de um estádioem quenadatinha sentidopara outro
em quetudopossuíaum." O que não impedeLéVi-
247
,-Straussde reconhecera lentidão,a maturação,o labor
contínuodas transformaçõesfatuais,a história (por
exemploem Race et Histoire). Mas temde, por um
gestoque foi tambémo de Rousseauou de Husserl,
"afastartodosos fatos"no momentoemquepretende
apreendera especificidadeessencialde uma estrutura.
Como Rousseau,tem de pensarsemprea origemde
uma estruturanova segundoo modêloda catástrofe
- transformaçãoda naturezana natureza,interrupção
naturaldo encadeamentonatural,desvioda natureza.
Tensãodo jôgo com a história,tensãotambém
do jôgo com a presença.A presençade um elemento
é sempreumareferênciasignificantee substitutivains-
critanumsistemadediferençase o movimentodeuma
cadeia. O' jôgo é semprejôgo de ausênciae de pre-
sença,masse o quisermospensarradicalmente,é pre-
ciso pensá-Iaantesda alternativada presençae da
ausência;é precisopensaro ser como presençaou
ausênciaa partirda possibilidadedojôgo e nãoinver-
mmente.Ora, seLévi-Strauss,melhordo quequalquer
outro,fêz aparecero jôgo da repetiçãoe a repetição
do jôgo, nempor issose deixade percebernêleuma
espéciede éticada presença,de nostalgiada origem,
da inocênciaarcaicae natural,de umapurezada pre-
sençae da presençaa si na palavra;ética,nostalgiae .
mesmoremorsoque muitasvêzesapresentacomo a
motivaçãodo projetoetnológicoquandosedirigea so-
ciedadesarcaicas,isto é, a seus olhos, exemplares.
~ssestextossãobemconhecidos.
Voltada para a presença,perdidaou impossível,
da origemausente,estatemáticaestruturalistada ime-diatidadeinterrompidaé portantoa face triste,nega-
tiva, nostálgica,culpada,rousseauísta,do pensamento
do jôgo cujo reversoseriaa afirmaçãonietzchiana,a
afirmaçãoalegredo jôgo do mundoe da inocênciado
devir,a afirmaçãode um mundode signossemêrro,
semverdade,semorigem,oferecidoaumainterpretação
ativa. Esta afirmaçãodeterminaentãoo não-centro
semsercomoperdado centro. E jogas'emsegurança.
Pois há um jôgoseguro:o queselimitaà substituição
de peçasdadase existentes,presentes.No casoabso-
luto, a afirmaçãoentrega-setambémà indeterminação
genética,à aventuraseminaldo traço.
248
Há portantoduasinterpretaçõesda interpretação,
da estrutura,do signoe do jôgo. Uma procuradeci"
frar, sonhadecifrarumaverdadeou umaorigemque
escapamao jôgoe à ordemdo signo,e sentecomoum
exílioa necessidadeda interpretação.A outra,quejá
não estávoltadaparaa origem,afirmao jôgo e pro-
curasuperaro homeme o humanismo,sendoo nome
do homemo nomedêsseser que, atravésda história
da Metafísicaou da onto-teologia,isto é, da totalidade
da suahistória,sonhoua presençaplena,o fundamento
tranqüilizador,a origeme o fim do jôgo. Esta segun-
da interpretaçãoda interpretação,cujocaminhonosfoi
indicadopor Nietzsche,nãoprocurana Etnografia,co-
mo o pretendiaLévi-8trauss,cuja Introductionà l'oeu-
vre de Mauss cito novamente,a "inspiradorade um
nôvohumanismo".
Poderíamoshoje entreverpor mais de um sinal
que estasduasinterpretaçõesda interpretação- que
são absolutamenteinconciliáveismesmose as vivemos
simultâneamentee as conciliamosnumaobscuraeco-
nomia- partilhamentresi o campodaquiloque se
denomina,demaneiratãoproblemática,asciênciashu-
manas.
Peloquemediz respeito,nãocreio,muitoembora
estasduasinterpretaçõesdevamacusara suadiferença
e aguçara suairredutibilidade,quehoje haja alguma
coisaa escolher.Em primeirolugarporqueaí estamos
numareg:ão- digamosainda,provisoriamente,dahis-
toricidade- emquea categoriadeescolhaparecebem
frágil. Em seguidaporqueé precisotentarprimeiro
pensaro solo comum,e a diferênciadestadiferença
irredutível. E porquetemosaí um tipo de questão,
digamosainda histódca,cU(jaconcepção,formação,
gestação,trabalho,hojeapenasentrevemos.E digoes-
tas palavrascom os olhos dirigidos,é certo,para as
operaçõesdaprocriação;mastambémparaaquêlesque,
numasociedadeda qualnãomeexcluo,os desviampe-
ranteo aindainominávelqueseanunciae quesó pode
fazê-lo,comoé necessáriocadavez queseefetuaum
nascimento,soba espécieda não-espécie,soba forma
informe,muda, infantee terrificanteda monstruosi-
dade.
249

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