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HISTÓRIA DO DIREITO – PARTE IV Renascimento Também existe uma curiosidade que de forma insistente tem escapado aos historiadores nesse contexto da Reforma Protestante e Contra Reforma Católica, pelo menos no caso da América Latina e especialmente para o Brasil, com consequências para nossa vida social, econômica, política e jurídica. Os primeiros reinos que fortemente inauguraram a etapa crucial da expansão marítima e da exploração colonial das riquezas além-mar – a partir de 1500 - foram aqueles que precisamente mantinham uma cultura milenar ligada à igreja de Roma, ao papa e ao catolicismo, isto é, Portugal e Espanha. Exatamente por isso esses países foram os que seguraram a avalanche protestante, deixando a França como a fronteira a impedir por guerras e perseguições as ideias luteranas e calvinistas. Assim, Portugal no Brasil e Espanha na América Central e mais ao Sul do continente, foram as nações que trouxeram para as Américas o catolicismo principalmente através dos missionários das companhias católicas, como a Companhia de Jesus – Jesuítas – que “colonizou” religiosamente os lugares onde essas nações aportaram, inclusive em África e na Ásia. Os jesuítas foram os fundadores, junto com os interesses e aval armado dos reinos português e espanhol, das Companhias das Índias. Sem querer falar aqui do malefício proporcionado pela “colonização religiosa” imposta aos indígenas das sociedades de continente Central e Sul-americano, é claro que, se por um lado o catolicismo como poder político e influência predominante no Direito se enfraquece na Europa e precisa enfrentar o avanço protestante, por aqui ele se fortalece através da catequização dos povos indígenas e dos escravos comercializados. Em 1682 é possível distinguir vários entrepostos mercantis e um rendoso comércio de seres humanos em torno de feitorias e companhias criadas para executar o movimento seiscentista conhecido como Mercantilismo, percussor da atual Globalização, que como se vê, enriqueceu e amealhou os bolsos dos burgueses privados e dos reinos pérfidos e oportunistas, sob tutela do papado, não apenas em relação à exploração de matérias-primas e metais preciosos, mas igualmente através da exploração de “carne humana”. Inglaterra e Dinamarca criam a Feitoria Prussiana. A Companhia da África é fundada pela Alemanha. Companhia da Guiné é dos portugueses. A Real Companhia Africana é exclusivamente inglesa. A bandeira francesa navegava nos navios negreiros da Companhia do Senegal. Prospera a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. E a Suécia chamou sua empresa negreira de Companhia do Mar do Sul. Na Espanha a Casa da Contratação foi criada para autorizar e cobrar pesados impostos na venda de escravos em todas as colônias espanholas, principalmente no Caribe, América Central, Sul da América do Norte e as colônias do Oeste da América do Sul; existe mesmo uma Junta de Negros que se reúne no Conselho das Índias. É interessante que muitos destes países gostam de afirmar que não comercializaram escravos africanos e povos indígenas (Eduardo Galeano – Memória do Fogo: 1. Os Nascimentos). Daí a cultura, a política, a economia e o Direito centro-sul americano estão ainda hoje impregnados de enunciados e discursos religiosos católicos, representando, de alguma forma, uma vitória do poder religioso sobre a soberania do cidadão e do Estado laico. Por isso mesmo, por toda a América Latina, a intromissão e o poder da Igreja Católica se faz sentir tão fortemente em questões que supostamente dizem respeito ao Estado e à soberania popular, principalmente quando suas Constituições e o Direito se dizem laicos. Questões que deveriam ser resolvidas pelas famílias, pelos cidadãos e pelos poderes instituídos da União, pelos preceitos constitucionais e pelo ordenamento jurídico, sofrem constantemente uma agressão religiosa sem sentido em pleno século XXI, com uma Constituição moderna e avançada como a brasileira, extremamente humana como poucas no mundo ocidental civilizado, por exemplo, o direito à vida e à morte, dignidade humana e respeito à alteridade e escolhas pessoalíssimas de personalidade, relações bilaterais de comércio e ajuda no desenvolvimento internacional, educação, tributos, desenvolvimento científico, entre outros. Isto não quer dizer que o catolicismo na América Latina não tenha ações meritórias, como não quer isto dizer que entre nós o protestantismo não tenha avançado fortemente nas chamadas Igrejas Evangélicas. Mas de uma forma ou de outra, não resta dúvida que entre nós existe uma forte intromissão da religião frente ao poder do Estado, o que configura em parte uma derrota da luta pelo Direito laicizado. * Uma das mais significativas contribuições do Renascimento para o Direito foi a (re)construção teórica do Direito Natural dos Homens. Esses direitos naturais, ou Jusnaturalismo, data dos tempos em que os primeiros filósofos gregos procuraram entender o homem, a condição humana, a relação com a natureza e a vida social. A importância para nós hoje destes pensadores, se deve menos à suas premissas filosóficas e aos elementos da natureza que usaram em seus pensamentos – terra (Xenófanes de Colófon), água (Tales de Mileto), fogo (Heráclito de Éfeso), ar (Anaxímenes de Mileto) e o etéreo (Anaximandro de Mileto) -, mas mais à compreensão que o homem é um ente da natureza, contudo, especial, e que essa distinção principalmente se deve ao fenômeno único humano de consciência e vontade. Por essa consciência e vontade o homem se depara ao mesmo tempo com a virtude única de querer e de ser. Essa condição pessoalíssima é portadora da capacidade humana de viver em sociedade e renovar incessantemente os meios e formas de sua existência concreta. Os homens constroem, pois, sistemas sociais, políticos e filosóficos, e estes, por sua vez, dão origem ao Direito, antes do Direito material positivado, ao Direito Natural. Os primeiros filósofos a pensarem nessa condição natural de direitos dos homens foram os pensadores Pré- socráticos, onde a essência Jusnaturalista é evidente fundamento da vida humana (pensadores como Pitágoras, Zenão, Empédocles, Parmênides). Daí para frente, devido à revolução antropocêntrica (séc. V a. C.), a Antiguidade Clássica, de Sócrates a Cícero, a noção de natureza se dilui na tentativa de explicar a existência humana a partir do próprio homem. Isto faz com que o Direito seja concebido como emanação do intelecto humano na procura da harmoniosa paz no convívio social das Cidades-estados gregas e Império Romano. Aristóteles, por exemplo, vai distinguir o “direito das gentes” do “direito posto” pelo soberano. A mesma distinção se encontra em Sto. Tomás de Aquino (séc. XIII), que na alta Idade Média retoma tal conceito distinguindo especificamente “direito natural”, como aquele que deriva do sentimento do “bem” que todos os homens possuem pela graça de Deus, e o “direito posto”, aquele promulgado pelo soberano. Mais surpreendente é que o pensamento tomasiano condiciona a legitimidade do “direito posto”, igualmente, pela necessidade desse direito soberano objetivar a “justiça”, o bem das populações, objetivo só sendo alcançado se o “direito natural” for respeitado, concluindo que isso é possível porque o soberano possui a mesma graça de Deus em entender e querer praticar o “bem”, um “bem” voltado para os homens. Além disso, Aristóteles via como o grande significado da vida, seu fim último, a felicidade, e em nome dela e em sua realização depositava ele a esperança de criar a solidariedade e a paz dentro das fronteiras de Atenas. A felicidade é um dos maiores princípios apregoados pelo Direito Natural, apesar de ser tão esquecido isso hoje (veja-se que o Art.5º e 6º daConstituição brasileira de 1988, não fala da felicidade como direito e tampouco de como tal direito deve ser garantido. Projeto de Emenda Constitucional Nº 19/2010, de Cristovam Buarque). Epicuro, por seu lado, vê o homem como parte do universo, como um átomo, uma pequena partícula cosmológica que, devido a uma organização específica de átomos, adquire inteligência e consciência. Como átomo que somos, devemos gozar dos prazeres da vida (o que nada tem a ver com prazeres mundano!) com parcimônia e prudência, de forma a realizar nossos direitos ao bem-estar físico e mental. Nada existe antes ou depois da morte, conforme as filosofias materialistas de Epicuro e Demócrito. Este gozo do prazer de viver com prudência e em nome da felicidade implica, precisamente em não causar qualquer dano ao outro, cuidar de sua vida respeitando os limites de seu corpo e o engrandecimento do espírito, o que posteriormente será usado como um grande princípio dos direitos humanos, esse direito à vida, à educação, à saúde, à livre expressão do pensamento e ao aprimoramento das potencialidades espirituais humanas. Esse direito subjetivo, esse “direito difuso”, já estava presente nestes autores, conquistas modernas derivadas da ênfase dada desde então aos direitos individuais. Cícero viveu entre o século II e século I a. C., durante a fase republicana de Roma. Sua escola, o estoicismo é um marco importante para a construção do cogito naturalista. Para esta escola todos os conhecimentos devem ser absorvidos pelo homem para que o mesmo possa ter esperança em entender a si, à natureza e ao universo. Verdadeiramente teleológica e cosmológica, a reintegração do homem com a natureza e o universo é fundamental para a sabedoria e a harmonia espiritual humana. Pagã, essa filosofia é uma forte recusa ao poder absolutista do soberano, portanto, democrática no sentido de colocar essa natureza que nos envolve, e da qual somos ao mesmo tempo parte, acima do poder Único, seja religioso seja laico. No entanto, deve-se ter cuidado para não confundir o “jusnaturalismo” derivado da natureza do homem como ser natural, com o jusnaturalismo defendido posteriormente pelo laicismo renascentista, cujo fundamento é o homem em si mesmo, algo com início e fim em si mesmo, e os “direitos naturais da condição humana”, inatos a todos os seres humanos. É de notar que do século V a. C. até o século II de nossa Era, o antropocentrismo predominava no pensamento jusfilosófico dos pensadores (Platonismo, Aristotelismo, Epicurismo, Materialismo, Estoicismo, Ceticismo) o que reforçou a ideia de existir um tipo de direito natural capaz e suficiente para garantir direitos invioláveis e universais da condição humana, garantir o desenvolvimento de suas potencialidades, de forma material e espiritual, proporcionar a felicidade individual e a coletiva, esta derivada da capacidade natural dos homens exercerem autotutela. Só a dominação cristã, patriarcal e monoteísta do medievo formou os alicerces embrionários do Direito Positivo, a começar pela legitimidade papal do direto promulgado pelos reis seus protegidos. De fato, historicamente podemos dizer que a predominância do “direito natural” era, de certa forma, uma recusa do direito religioso, e ao mesmo tempo, por um lado, a firmação do poder do soberano legítimo e, por outro lado, o controle do poder do mesmo. * No entanto, só a partir do século XVI o Direito Natural se avulta nas sociedades europeias e no pensamento jusfilosófico. Apesar da contribuição das escolas da Antiguidade Clássica para a teoria do Direito Natural, o grande acontecimento que desperta definitivamente o antigo mundo para a questão jusnaturalista é a descoberta das Américas e de seus habitantes. A bordo da frota de Cristóvão Colombo estava Américo Vespúcio que em carta ao rei enaltece as qualidades, a beleza e a exuberância do indígena, ressaltando sua naturalidade, cultura e organização social. A bordo da esquadra de Pedro Álvares Cabral estava Pero Vaz de Caminha, que enaltece a exuberância da natureza, mas vê o indígena sul-americano como incivilizado, vivendo em estado de barbárie, concluindo que esses índios não tinham alma, o que o “comove” a aconselhar o rei a proteger essas gentes em nome de Deus. Contradição: Caminha retrata o conservadorismo católico e retrógado em relação à visão do indígena das Américas. Vespúcio vê o índio americano (aliás, o nome do continente é uma homenagem a Américo Vespúcio) como diferente, mas como um ser humano em sintonia com a natureza que o rodeia e com atributos que poderiam ser enaltecidos pelos europeus. Isso dá raízes para o renascimento do direito natural renascentista, os direitos da condição humana e a crença de um homem universal. Ao mesmo tempo, esse homem natural coloca a oposição, na prática, entre humanismo dos direitos humanos, ao descobrir sociedades sem estado e sem industrialização, e a ganância monetária e mercantilista da Europa do século XVI e dos séculos seguintes. Hugo Grócio (1583-1645) é um dos pioneiros a defender o Direito Natural com base nos direitos inalienáveis da condição. Esse jusnaturalismo inato de Grócio enfrentava a religiosidade jurídica medieval, a ponto de afirmar “que mesmo que Deus não existisse, ainda assim os homens teriam direitos naturais advindos de sua condição diferenciada como humano”. Obviamente que tal afirmação não nega a existência de Deus, mas separa-O do sistema do Direito, usando pra isso a cunha do jusnaturalismo, desta vez, porém, inconteste quanto ao enunciado ainda hoje respeitado, qual seja que o homem é um ser portador em si mesmo, independente de metafísica religiosa e da vontade do soberano, de direitos inatos, direitos da sua condição, os direitos da dignidade humana. O direito natural de Samuel Pufendorf (1632-1694) e Jean Domat (1625-1696) retoma em tese a presença de Deus. Mas pode-se ver a posição jusnaturalista desses autores como “estratégia” a consolidar a noção de direitos naturais inatos. Pufendorf, continuando o pensamento de Grócio, reafirma que os homens têm a capacidade de defenderem e regularem o convívio social através da elaboração de tais direitos elaborados, entendidos e doutrinados através de sua própria inteligência. A diferença de Pufendorf, igualmente de Domat, em relação a Grócio, é que enquanto neste a inteligência é um dom natural do homem, naqueles outros autores, a inteligência é um dom Divino. Pela inteligência que vem de Deus, os homens elaboram seu direito natural, e neste sentido, nada há que desabone a igreja e o dogma da existência de Deus. Desta forma, o subjetivismo e a abstração racional de Grócio ganha alguns contornos mais “precisos” pondo em Deus afinal a possibilidade da elaboração dessa racionalidade. Logo, Pufendorf se sente mais à vontade para repetir Grócio quanto à sua inalienabilidade, acrescentando a universalidade dos diretos naturais inatos. Já Domat nos surpreende com uma posição mais avançada: ele diz que as leis naturais são imutáveis e mais, que as demais leis, as promulgadas pelo soberano, são arbitrárias. O arbítrio da lei de “Estado” não significa necessariamente que seja ilegítima ou autoritária, mas que não constitui a essência do Direito enquanto conhecimento e arte do homem. É importante que se note a diferença entre a concepção jusnaturalista destes autores renascentistas, pré-modernos, e o jusnaturalismo de Sto. Tomás de Aquino. Enquanto neste Deus se faz presente in loco no espírito humano através de uma “qualidade”, a do sentimento do “bem”, o que será retomado de certa forma por Kant (séc. XVIII) com seu conceito de “imperativo categórico”, nos demais autores Deus se faz presente através apenas de uma “característica”humana, a inteligência e consequente racionalidade. Sto, Tomás de Aquino quer provar a existência de Deus, Pufendorf e Domat querem provar a capacidade autônoma humana per se. A principal crítica do Direito Positivo, entretanto, ao Direito Natural da condição humana, ou inato, é que seu subjetivismo e abstração seriam insuficientes para sustentar a paz e garantir a igualdade de direitos entre os homens. A constatação desse fato, pretensamente, vai na contramão da autotutela e autorregulamentação das gentes, a reforçar a necessidade do Estado e a centralidade do poder transferido das populações. Além disso, sempre se poderá contestar o Direito Natural através do relativismo jurídico, indicado precocemente por Protágoras e pelos sofistas gregos de forma geral, indicando que não existe universalidade de direitos das gentes e que as culturas dos povos inviabilizam na prática as concepções universalistas e a inalienabilidade de fato desses direitos. Infelizmente, na esteira desta argumentação o mundo ocidental mergulhou na Modernidade pactuando, contratando e negociando direitos fundamentais da dignidade humana, portanto inatos, de conformidade oportunista com as necessidades da industrialização dos Estados Capitalistas, e, de forma atroz e cruel, nos Capitalismos de Estado. É inquestionável a mutabilidade, o culturalismo inerente a cada povo. Mas todos os povos são constituídos de homens sem distinção significativa capaz de lhes alienar os direitos de sua dignidade. Esses homens entram em determinadas relações materiais de produção, isto é, produzem coletivamente os meios, as formas e os produtos necessários a sua sobrevivência. Daí deriva as formas particulares dos direitos das gentes, dos povos e dos Estados, mas em nenhuma situação, entretanto, o direito à vida e o direito à existência deveriam estar subordinados a ordenamentos e sistemas jurídicos materiais e positivos, ao contrário, estes é que deveriam advir dos direitos universais dos homens e de sua condição existencial. No Direito Internacional, por exemplo, existe a Teoria Universalista e a Teoria Relativista. Não devemos esquecer que por mais que se deva ter cuidado em garantir e preservar as características de um povo, uma sociedade com Estado no mundo contemporâneo dificilmente pode defender crueldades e barbaridades da “Idade da Pedra”, alegando costumes “ancestrais”. A cultura, assim como a moral e o Direito são organismos em permanente mutação. Essa mutação não pode ser considerada e desconsiderada a bel prazer do poder e da governabilidade com interesses inconfessáveis. A luta entre poder eclesiástico e temporal, característica predominante no período renascentista, é a luta das famílias proeminentes oriundas do feudalismo decadente, antigos senhores feudais, para dominarem vastos territórios em volta dos centros mais urbanizados. Por exemplo, no caso da península romana as escaramuças entre as famílias tradicionais envolveram lutas e diplomacia intensa entre os reinos de Espanha e França, sendo o papado ora dominado por famílias aliadas de um e de outro reino. É o caso das lutas intestinas entre Nápoles, Florença, Milão e Veneza, ao tempo em que Nicolau Maquiavel (1469-1527) escrevia O Príncipe. Pode-se ter uma ideia de tais lutas pelo poder nas cidades renascentistas se observarmos que os Médici, senhores de Florença por mais de trezentos anos, tiveram dois papas, Leão X em 1512 e Clemente VII em 1523. Neste caso é notória a tensão entre o poder da igreja e o poder das famílias tradicionais. Contudo, deve-se ter precaução para não imaginar que a ascensão dentro da igreja de membros das famílias que dominam a política em cada cidadão, seja uma vitória do poder atemporal e religioso da igreja, mas, mais do que outra coisa, uma estratégia familiar para manter o seu poder sobre os territórios, as cidades e os cidadãos onde dominam. Por exemplo, no caso da dinastia Médici, seu poder se estendeu por três séculos devido a terem sido uma das primeiras a se voltarem para práticas comercias e financistas, tornando-se banqueiros poderosos. O lado controverso dessa história é que Florença, considerada por muitos historiadores como o berço do movimento renascentista, só cresceu em torno de seu comércio e da cultura devido exatamente ao poder financeiro dos Médici, grandes patronos das artes. Mas o surgimento do Estado Moderno, o surgimento dos Estados Nacionais exigiu, contudo, a concepção do Direito Positivo como instrumento de governabilidade. A concepção de Estado em termos modernos envolve dois elementos revolucionários na governabilidade, ou seja, na relação entre Poder e Povo: “Soberania Popular” e “Constituição”. Com exceção das monarquias absolutas, principalmente a Francesa, os Estados modernos revolucionaram as velhas formas de soberania do rei – em muitos casos em conluio com o papa -, construindo uma filosofia política que se baseia no Povo. Nos casos das monarquias ainda existentes, nos Estados modernas, elas foram “atreladas” às Constituições dos países. Ora, Estados nacionais modernos constitucionais e cuja soberania deriva do povo e em nome dele o poder é exercido, estão ligados orgânica e ideologicamente a um tipo de Direito “empírico-social”, material e positivado, em princípio originário dos “fatos sociais”. Essa passagem do Direito Natural, muitas vezes oral e costumeiro, para o Direito Positivo, se deu através de uma doutrina juspolítica com base em um “pacto social”. Essa ideia de um “Pacto Social” que retira os homens do “estado de natureza” e os coloca em “sociedade civil”, se verifica através do “Contrato Social”. A concepção de um “Contrato Social” a criar e justificar o Estado é comum a três pensadores: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Devido à ideia dos contratualistas de que o homem vivia socialmente em um “estado de natureza”, antes da formação política e jurídica da sociedade civil e do Estado, faz com que muitos autores se dirigem a estes pensadores como naturalistas. No entanto, o Direito natural dos contratualistas é uma concepção axiológica, um conceito a derivar o homem para a sociedade civil. Em si mesmo, esta concepção nada tem a ver com os direitos naturais da dignidade humana ou uma visão de integração naturalista do homem com a natureza. Em Hobbes os homens entram em conflito no estado de natureza. Em Locke, ao contrário, os homens vivem harmoniosamente no estado de natureza. Em Rousseau, por sua vez, o estado de natureza é idílico, os homens vivem em um sistema natural socializado e comunal. Suas visões dão origem ao Autoritarismo, ao Liberalismo e ao Socialismo, respectivamente. De qualquer forma a noção de “Contrato Social” é fundamental para a história do Direito, visto que ele representa uma peça jurídica explicativa e justificativa do poder do Estado e do Ordenamento Jurídico, portanto uma tentativa de emancipar o poder soberano e laico da religião. Segundo Oswald de Andrade, o direito civil é necessário devido à separação da lei da moral, ou se se preferir da lei canônica da lei dos homens. O pacto e seu contrato social, ainda hoje é, em última instância, um instrumento propedêutico na formação e ordenação jurídica do Estado Moderno. O Direito material, positivado, encontra aí sua justificativa. * No Brasil, as primeiras normas de direito público começam com as Ordenações Afonsinas (meados do séc. XV). Depois vieram as Ordenações Manuelinas (1514, posteriormente 1521) e as Ordenações Filipinas (1603). A grande característica dessas Ordenações é a tentativa de unificar o Direito Canônico e o Romano em Portugal. No entanto, só as Ordenações Filipinas efetivamente vigiram em territóriobrasileiro, até 1824, com a proclamação da Primeira Constituição no período imperial. Mas até 1916, data do Primeiro Código Civil brasileiro, as Ordenações Filipinas vigoraram plenamente em muitos aspectos. É importante dizer que nas Ordenações prescrevia-se Desterro, Pena de Galés, Tortura e mesmo Pena de Morte, punições que lentamente o ordenamento Jurídico pátrio abandonou. Nessa luta entre “Direito Canônico” (religioso) e “Direito do Rei” (laico), não resta dúvidas quanto ao acomodamento de ambos durante o período colonial e o Império. A Constituição de 1824 apresenta o subtítulo “Em Nome da Santíssima Trindade”, e a Constituição atual, de 1988, a mais “cidadã” e humanitária, em seu preâmbulo ainda nos brinda com “sob a proteção de Deus”. Quando as potências coloniais já caminhavam tenazmente para a instituição do Estado-nacional moderno, com base em filosofia e doutrina jurídica laica e primando pela soberania popular, ainda em nosso território, por séculos, o Direito se vê impregnado de fundamentalismos religiosos.
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