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1Contador de histórias 1Contador de histórias Contador de histórias 2Contador de histórias © Senac-SP 2012 Administração Regional do Senac no Estado de São Paulo Gerência de Desenvolvimento 3 Luciana Bon Duarte Fantini Coordenação Técnica Marcelo Dias Calado Apoio Técnico Cristina Aparecida Morselli Elaboração do Recurso Didático Patricia Ribeiro de Almeida Diagramação e Produção Globaltec Editora Ltda. Versão 2013 3Contador de histórias 1. Introdução: Ao jovem narrador / 4 2. Por que contamos e ouvimos histórias? A narração nos dias de hoje / 6 3. A tradição oral/ 8 4. O narrador e seus saberes / 11 5. Para contar uma história... / 13 6. O tempo do conto / 15 7. Algumas referências do mundo todo / 16 8. O Brasil: terra cheia de lendas e histórias para contar / 18 9. Breve comentário sobre mitos e lendas / 21 10. Referências Bibliográfi cas / 22 Sumário 4Contador de histórias Como a sabedoria se espalhou pelo mundo. Há muito, muito tempo, quando o mundo ainda era novo, Kwaku Ananse, o Aranha, era considerado e , verdade seja dita, também se considerava o homem mais sábio de toda a Terra. Entretanto, Kwaku Ananse era muito ganancioso e desejava guardar toda a sabedoria para si. Dia e noite, noite e dia, Kwaku Ananse, consumido por seu egoísmo, não compartilhava seus conhecimentos com ninguém, até que falou para a esposa: – É muito difícil proteger minha sabedoria o tempo todo. Faça pra mim um grande pote de barro onde eu possa colocá-la e guardá-la com segurança. Depois de o pote de barro ter secado no sol forte, Kwaku Ananse pegou toda a sabedoria, colocou-a ali e tapou com uma rolha de cortiça. O astuto Kwaku Ananse resolveu esconder o pote numa caverna na margem do rio oposta à de sua cabana, onde nenhum intrometido pudesse pôr os olhos. Ele ergueu o pote e foi entrando na água com di� culdade. Infelizmente, as pedras do fundo do rio eram escorregadias, e o Aranha não se sentia muito � rme ao caminhar. Caiu dentro da água e o pote voou pelos ares. Ao bater contra as pedras o pote partiu-se em centenas de pedaços, e toda a sabedoria do mundo foi levada rio abaixo. O rio, repleto de novos saberes, correu para todos os grandes mares. E foi assim que a sabedoria se espalhou pelo mundo. 1. Introdução 5Contador de histórias Caro(a) jovem contador(a), Poderíamos dizer que arte de contar histórias, de certo modo, ao contrário do desejo do personagem Kwaku Ananse, nasce, exatamente, da necessidade humana de partilhar seus saberes, de aprender com as diversas características culturais e com as múltiplas formas de entender o próprio comportamento humano diante do mundo. Assim como as águas dos grandes mares do conto acima se espalham e alimentam com a sabedoria cada cantinho de nosso planeta, veremos que há muitos e muitos anos, os contos são conduzidos e partilhados por homens e mulheres das mais diversas culturas. Como verdadeiros rios de palavras, as narrativas caminham sempre na direção daqueles que estão prontos para ouví-las, alimentando-os com imagens fantásticas e sábios ensinamentos. Esta é uma apostila preparada especialmente para você, futuro narrador(a) de histórias! Esperamos que ela possa contribuir com sua formação de maneira lúdica e dinâmica, oferecendo-lhe as ferramentas necessárias para o pleno desenvolvimento deste seu novo percurso. 6Contador de histórias Na atualidade, a arte de contar histórias se faz presente nos mais diversos espaços de convívio humano e possui alguns propósitos especí� cos. Contamos histórias para divertir, para acolher, para ensinar, para aprender, para curar, para relembrar... Hoje em dia, é bastante comum nos depararmos com pequenos espetáculos de narrações em festas infantis e nestas situações o principal objetivo da narração talvez seja entreter os convidados. Não existem histórias direcionadas apenas para o público infantil. Nas mais diversas culturas, encontramos narrativas capazes de alimentar o imaginário dos adultos por meio de símbolos e imagens que necessitam de determinadas bagagens para serem plenamente compreendidas, recursos que só o tempo pode ofertar. Nos ambientes escolares, a arte de contar histórias pode ser utilizada como uma potente ferramenta de ensino. As narrativas apresentam um caminho lúdico pelo qual o professor pode propor re� exões sobre os conteúdos que pretende mediar. Nas últimas décadas, a quantidade de projetos que propõem narrações dentro de hospitais tem crescido signi� cativamente e este trabalho ganha cada vez mais credibilidade. Explorando a capacidade de nos transportar para lugares onde tudo é possível, para um tempo que ultrapassa as barreiras da realidade difícil em que os pacientes se encontram por meio do exercício da imaginação, os contadores de histórias transitam pelos corredores pouco aconchegantes das casas de saúde. Eles semeiam sonhos e futuros com a esperança e alegria que os contos são capazes de proporcionar. 2. Por que contamos e ouvimos histórias? A narração nos dias de hoje. 7Contador de histórias Ao longo da linha que atravessa a humanidade marcando suas transformações, muitas são as � nalidades que podemos encontrar para a arte de contar histórias, entretanto, jamais devemos ignorar sua maior contribuição: ela revela a potência poética que atua em nossas vidas. Transpondo a fronteira do real, as histórias narram os con� itos e conquistas comuns aos homens e mulheres de todos os tempos e espaços. Isto, sempre apontando para a possibilidade de renovarmos a maneira como compreendemos nosso entorno. Como nos ensina Regina Machado, grande pesquisadora da potência dos contos de tradição oral na vida das pessoas, devemos sempre ter em vista que as histórias possuem uma função dentro de seu próprio território maravilhoso, e não podemos deixar que elas sejam empobrecidas e totalmente subjugadas aos propósitos de outras áreas . (MACHADO, 2004 ,pg 192). Neste sentido, a arte de contar histórias redobra seu valor pois é exatamente o intercâmbio com este espaço do maravilhoso que enriquece os múltiplos propósitos de� nidos pelas outras áreas da vida humana quando procuram as histórias. 8Contador de histórias No período em que se formaram as primeiras civilizações, os diferentes grupos desenvolveram maneiras próprias para registrar aquilo que valorizavam. Na história da antiguidade encontramos alguns exemplos de como e com qual � nalidade eram feitos os primeiros registros: os primeiros alfabetos egípcios, por exemplo, serviram para que os homens pudessem estabelecer o regimento e a organização da comunidade. Eles narravam assuntos do cotidiano, os grandes feitos daqueles que eram considerados heróis e, sobretudo, serviam para que os sacerdotes pudessem registrar as mensagens e os ensinamentos dos deuses. Entretanto, não apenas entre os egípcios, mas entre muitos outros povos espalhados por toda a extensão do planeta, durante muito tempo o processo de alfabetização foi restrito. Por questões � nanceiras, muitas vezes, apenas os homens considerados nobres tinham acesso aos estudos que os capacitavam para decodi� car a linguagem escrita. Em outras sociedades, por serem consideradas inferiores, as mulheres eram proibidas de aprender a ler e escrever. Em outros contextos, apenas os religiosos eram alfabetizados para que pudessem preservar e propagar o conteúdo daquelas que eram consideradas escrituras sagradas. Com o passar dos anos, a escrita tornou-se mais acessível e o principal veículo do saber e das informações. De acordo com o escritor malinês Amadou Hampatê Ba, no período moderno no qual a escrita têm precedência sobre a oralidade, (...) durante muito tempo julgou-se que povos sem escrita eram povos sem cultura.(HAMPATÉ BÂ, 1980, pg 181). 3. Atradição oral 9Contador de histórias Entretanto, mesmo diante de tantas restrições morais, sociais ou religiosas, as pessoas de todas os cantos do mundo jamais deixaram de se comunicar por meio da fala e foi através dela que grande parte das especi� cidades culturais foi transmitida para as gerações seguintes e conservadas até os dias de hoje. De acordo com Hampaté Bâ, nas sociedades africanas a palavra falada sempre possuiu imensa importância. Nelas, o valor e a con� ança concedida ao relato não depende do meio pelo qual é veiculada, e sim de quem a veicula. Neste sentido, relatos escritos ou transmitidos oralmente possuem o mesmo exato valor e merecem a mesma con� ança que o homem que os escreve ou pronuncia. Entretanto, o mesmo autor nos lembra de que é a potência da oralidade que, na realidade, nos oferece a oportunidade de escrever. Isto, tanto ao longo da história quanto no próprio desenvolvimento individual. Antes da fala a escrita se torna impossível. Esta hegemonia da palavra falada em relação à escrita impõe aos indivíduos pertencentes às sociedades de tradição oral o desenvolvimento de características peculiares. É fato que, na atualidade, a memória humana foi praticamente transferida para as máquinas. Até mesmo as boas e velhas agendas, os blocos de anotações e os cadernos já estão sendo substituídos por aparelhos eletrônicos que, por sua vez, são capazes de armazenar uma quantidade imensa de imagens visuais, dados e informações. Neste sentido, a função da memória humana parece ter sido transferida para aparelhos externos ao corpo. Porém, nas sociedades que preservam a oralidade como principal meio de transmissão de informações e saberes, podemos observar que o lugar da memória é ainda garantido. Entre todos os povos do mundo, constatou-- -se que os que não escreviam possuíam uma memória mais desenvolvida. (HAMPATÉ BÂ, 1980, pg 214). 10Contador de histórias Para citar um exemplo, ainda de acordo com Hampaté Bâ, a memória africana é capaz de relatar os acontecimentos com tal riqueza de detalhes que deveríamos ser incapazes até mesmo de comparar sua precisão á dos registros escritos. Existem relatos de guerras e outros acontecimentos históricos que preservam até mesmo as características das vestimentas daqueles que participaram deles. Esta imensa potência da memória africana, que garante a autenticidade dos fatos narrados e a preservação da identidade cultural, pode ser atribuída ao imenso respeito que estes povos carregam pela palavra que, por sua vez, é considerada como um verdadeiro presente divino. Para algumas tradições africanas como as da savana sul do Saara (HAMPATÉ BÂ, 1980, pg 183), é por meio dela que o homem dá vida às forças contidas nas coisas do mundo. Por ser a palavra considerada uma verdadeira força divina, quando alguém pensa uma coisa e diz outra, separa-se de si mesmo, Rompe a unidade sagrada, re� exo da unidade cósmica, criando desarmonia dentro e ao redor de si. (HAMPATÉ BÂ, 1980, pg 187). Neste contexto africano e em muitos outros onde a tradição oral prevalece, a arte de contar histórias é fortalecida, sobretudo, por ser um meio pelo qual as experiências mais distantes continuam sendo partilhadas. Isto, se pudermos entender que, ao escutar uma história, sempre encontramos em nós mesmos alguma vivência, sensação e sentimento comum aos dos personagens narrados, por mais fantásticas que as situações possam ser, por maior que seja a distância entre as nossas existências. 11Contador de histórias Se pudermos reconhecer o valor da transmissão oral, das histórias, contos, fábulas, “causos” de todas as origens, que nos alcançaram e que constituem aquela que reconhecemos como a “grande história da humanidade”, não devemos deixar de atribuir o mesmo valor àqueles que trabalharam para que estes nossos “capítulos” permanecessem vivos: os narradores de todas as partes que, mesmo permanecendo no anonimato, contribuíram para que nossa imensa colcha reluzente de histórias fantásticas e reais pudesse ser tecida ao longo dos séculos! Alimentados por experiências das mais diversas naturezas, vividas ou recebidas por meio de depoimentos de outros, os narradores mantêm a constância do movimento da roda que � a a continuidade da “grande história” partilhada pela humanidade. Com o intuito de caracterizar os primeiros narradores, Benjamim aponta os marinheiros comerciantes e os camponeses sedentários como aqueles que compõem os dois principais grupos de representantes arcaicos da narração. (BENJAMIM, 1994, pg 198). De acordo com o autor, estes dois estilos de vida propiciaram a transmissão oral das experiências. Os viajantes trocavam com aqueles que encontravam em suas paradas, deixando nestes lugares um pouco se duas vivências na mesma medida em que continuavam seus trajetos carregados de novas histórias. Já o segundo grupo, o dos sedentários, conservou o método oral na medida em que os saberes e os acontecimentos cotidianos eram transmitidos para as gerações posteriores. 4. O narrador e seus saberes 12Contador de histórias Benjamim ainda destaca o sistema corporativo medieval como aquele que aperfeiçoou a arte de narrar. Nestes sistemas, mestres e aprendizes preservavam os mistérios de seus ofícios por meio da oralidade. Neste sentido, o autor reforça a fronteira que diferencia a transmissão de informações e as narrativas. O narrador não é aquele que apenas informa, e a � nalidade da narrativa não é apenas informar. Se a informação caracteriza-se pela partilha de fatos efêmeros, as narrativas partilham imagens e signi� cados que não perecem. Ao contrário disto, as narrativas, como formas artesanais de comunicação, fortalecem os sentidos das experiências justamente por terem sido geradas por elas. 13Contador de histórias Regina Machado, arte-educadora e pesquisadora da arte de contar histórias desde o início da década de 1980, nos ensina sobre os recursos que o narrador possui e sobre os caminhos que podem contribuir com a sua formação. A narração de histórias é fruto de um verdadeiro encontro entre o narrador e o conto. Um estudo minucioso do conto, como se ele esse fosse uma verdadeira locomotiva composta por várias partes ou vagões, pode ajudar o narrador a conhecer os diferentes movimentos, climas e situações que compõem o desenvolvimento da narrativa. (MACHADO, 2004, pg 44). Sobre os climas e os ritmos que regem o conto, a autora nos ensina a percebê- -los não apenas por meio dos adjetivos que apresentam o contexto onde a história acontece, mas, sobretudo, através de uma investigação daquilo que ressoa dentro de nós mesmos quando conhecemos uma narrativa pela primeira vez. Neste sentido, o narrador pode lançar mão de suas próprias lembranças pessoais, de suas experiências, sensações e sentimentos para melhor compreender a história que deseja contar. Uma sincera “conversa com o conto” é também fundamental para que o narrador possa conhecer as características dos personagens e apropriar-se bem delas no momento da narração. 5. Para contar uma história... 14Contador de histórias É este processo de apropriação da história que confere características próprias a cada narrador. Assim como cada indivíduo realiza elaborações pessoais a partir de suas trocas com o mundo, uma mesma história pode ser contada por diversas pessoas de maneiras muito diferentes. Para que essa diversidade seja garantida juntamente com a própria identidade de cada pessoa que deseja narrar, Machado propõe que estes estudos do conto sejam criadores (MACHADO, 2004. pg 44) e isto signi� ca também que a qualidade de presença do narrador deve ser preservada muito antes do encontro com seus ouvintes. A atenção com as experiências cotidianas, os pequenos acontecimentos, a observação das pessoas e dos efeitos que seus diferentes temperamentos nos causam, a percepçãoe o registro das nossas próprias reações diante de todas as experiências que nos atravessam aumentam nossos recursos e ampliam nosso repertório sensível. É no coração e na mente do indivíduo que a interação entre o interno e o externo acontece e, portanto, é preciso estar atento aos seus movimentos se queremos garantir a qualidade de nossa presença, atributo tão fundamental para o narrador de histórias. Para além de todos os exercícios e jogos de preparação que vocês poderão aprender ao longo deste curso, é importante que aprendam que o melhor exercício que um narrador pode aprender e realizar é o de sua própria curiosidade, é a manutenção constante de seu desejo de conhecer o mundo e a si mesmo cada vez melhor. Isto, sem esquecer que a imaginação criadora oferece caminhos muito enriquecedores para essas práticas. 15Contador de histórias Machado de� ne o tempo para o qual somos conduzidos ao ouvirmos uma história por meio de uma análise da mais conhecida introdução dos contos de fadas: Era uma vez... Esta é a adaptação da versão inglesa do “Once upon a time” cuja a tradução mais precisa seria “uma vez acima, ou além do tempo” (MACHADO, 2004, pg 22). Este lugar ou este tempo acima ou além do tempo é o espaço inaugurado pela imaginação quando contamos ou ouvimos uma história. É como se, neste momento, quando acompanhamos a chegada de um conto, a linha que amarra os instantes cotidianos fosse superada, rompida e reatada por uma organização pessoal que parece unir em nós mesmos experiências e imagens ao mesmo tempo inéditas e conhecidas. De acordo com Machado, “Era uma vez” quer dizer que a singularidade do momento da narração uni� ca o passado mítico – fora do tempo – com o presente único – no tempo – daquela pessoa que a escuta e a presenti� ca. É a história dessa pessoa que se conta pra ela por meio do relato universal (MACHADO, 2004, pg 23). 6. O tempo do conto 16Contador de histórias A narradora mais famosa do mundo talvez seja a sábia Sherazade, personagem do Livro das Mil e uma Noites. Este livro é, na realidade, uma coletânea de contos originados em diversas áreas do Oriente Médio, organizados dentro de uma outra história que narra como a nossa sábia narradora conseguiu escapar da morte. Ela havia se casado com um rei que, para vingar-se de uma antiga traição feminina, havia prometido casar-se a cada noite com uma mulher diferente e ser o assassino de todas elas na manhã que sucedesse a cerimônia. A jovem Sherazade teve que se casar com ele. Para evitar a própria morte, entretém o rei, a cada noite, com suas histórias intermináveis. Para saber a continuação da história, ele a mantém viva por mais uma noite... O Pantchatantra é um livro que reúne contos tradicionais indianos. Foi originalmente escrito em Sânscrito e posteriormente foi traduzido por árabes, persas, gregos, chineses e muitos outros povos que se encantaram com seu conteúdo. As fábulas são histórias com conteúdo moral nas quais os personagens são, geralmente, animais, forças da natureza ou objetos que assumem características e temperamentos humanos. Esopo foi um homem que viveu na antiga Grécia e � cou conhecido como um grande fabulista. Séculos mais tarde, La Fontaine retomou as fábulas herdadas de nossos antigos amigos gregos e tornou-se o principal representante do gênero no mundo. A famosa fábula “ A Tartaruga e a Lebre” é um texto atribuído a Esopo, porém, La Fontaine também apresenta este mesmo conto, fazendo uma espécie de releitura. 7. Algumas referências do mundo todo 17Contador de histórias Ainda na Europa, não podemos deixar de mencionar Charles Perrault, que foi um dos primeiros coletores de contos de fadas que se tem notícia. Seguindo o exemplo deste, os irmãos Grimm, mais tarde, começaram a recolher contos de fadas com amigos, familiares e, posteriormente, com as mais diversas pessoas em todos os cantos da Europa. Idries Shah foi um importante mestre da tradição Su� , e um grande autor de livros através dos quais reuniu muitos contos de ensinamentos. Muitos contos vividos pelo personagem da tradição Su� , o famoso Nasrudim, foram também reunidos por Shah. 18Contador de histórias A criação da noite No princípio, não havia noite. Só existia o dia. A noite estava guardada no fundo das águas. Aconteceu, porém, que a � lha da Cobra Grande se casou e disse ao marido: – Meu marido, estou com muita vontade de ver a noite. – Minha mulher, há somente o dia – respondeu ele. – A noite existe, sim! Meu pai guarda-a no fundo do rio. Mande seus criados buscá-la. Os criados embarcaram em uma canoa e partiram em busca da noite. Chegando a casa da Cobra Grande, transmitiram-lhe o pedido da � lha. Receberam, então, um coco de tucumã com o seguinte aviso: - Muito cuidado com este coco. Se ele abrir, tudo � cará escuro e todas as coisas se perderão. No meio do caminho os criados ouviram, dentro do coco, um barulho assim: xé-xé-xé.... tém-tém-tém... Era o ruído dos sapos e grilos que cantam durante a noite. Mas os criados não sabiam disso e, cheios de curiosidade, abriram o coco de tucumã. Nesse momento, tudo escureceu. 8. O Brasil: terra cheia de lendas e histórias para contar 19Contador de histórias A moça, em sua casa, disse ao marido: – Seus criados soltaram a noite. Agora, não teremos mais dia e todas as coisas se perderão. Então, todas as coisas que estavam na � oresta se transformaram em animais e pássaros, e as coisas que estavam espalhadas pelo rio transformaram-se em peixes e patos. O marido da � lha da Cobra Grande � cou espantado e perguntou à esposa: – Que faremos? Precisamos salvar o dia! A moça arrancou então um � o de seus cabelos, dizendo: – Não tenha receio. Com este � o, vou separar o dia e a noite. Feche os olhos... Pronto! ... Agora pode abrir os olhos. Repare: a madrugada já vem chegando. Os pássaros cantam, alegres, anunciando o sol. Quando os criados voltaram, a � lha da Cobra Grande � cou furiosa. E os transformou em macacos como castigo pela sua in� delidade. Assim nasceu a noite. (lenda extraída do livro “Lendas e Mitos do Brasil” organizado por � eobaldo Miranda Santos) 20Contador de histórias Comparada a muitas culturas do mundo, poderíamos dizer que a cultura brasileira leva uma imensa vantagem, principalmente por reunir in� uências de origens tão distintas: a cultura européia, a indígena e a africana. Outra especi� cidade que faz do Brasil um país culturalmente rico e variado é a extensão de nosso território. Nosso país é composto pelas mais variadas condições climáticas que, por sua vez, propiciaram o surgimento de estilos de vida que variam de acordo com cada região. Para nós, narradores, tudo isso signi� ca que a imensa variedade da cultura brasileira nos alimenta com milhares de histórias para serem contadas! Nossa terra foi o berço não apenas de autores importantes que enriqueceram nossa literatura com ótimas histórias como o Guimarães Rosa e Machado de Assis, como também aninhou, em cada um de seus cantos, pessoas anônimas e muito preciosas, que contribuíram para que o nosso repertório de causos e lendas fosse mantido e se tornasse grandioso. O folclore brasileiro ou a reunião de histórias, lendas e mitos que atravessam as gerações tecendo o que conhecemos por cultura popular, costuma ser bastante difundido não apenas pelas manifestações festivas e religiosas, mas também nos ambientes escolares. Entre as � guras folclóricas mais populares estão o Saci-Pererê, a Mula sem cabeça, a Iara ou A mãe d’água que, por sua vez reaparece em diversas partes do mundo por meio da imagem da sereia, o Boitatá, o Curupira e o Lobisomem. 21Contador de histórias Os mitos e lendas são balaios de naturezas distintas que reúnem centenas de narrativas. As narrativas mitológicas nasceram dastentativas, feitas por homens antigos, esclarecer os mistérios que envolvem temas como o surgimento do mundo, os fenômenos da natureza e até os padrões encontrados nos temperamentos humanos, muito antes da ciência ter surgido como um método pelo qual podemos conhecer as coisas. Muitos mitos estão relacionados com determinadas religiões e por este motivo é muito comum encontrarmos, nestas narrativas, o tema do envolvimento entre deuses e seres humanos. A lenda é uma narrativa transmitida por meio da oralidade cujo teor é uma verdadeira mistura entre acontecimentos reais (ou pelo menos plausíveis) e outros, absolutamente � ctícios. Nasce dos saberes e do imaginário característico de cada povo. Por estarem sempre vinculadas às particularidades dos contextos aos quais pertencem, podemos entender que as lendas e os mitos representam um rico caminho para aquele que deseja aproximar-se de determinada cultura sem que esta tenha sido fragmentada por qualquer tentativa de hierarquização dos campos distintos do conhecimento. 9. Breve comentário sobre mitos e lendas 22Contador de histórias BENJAMIM. Walter. “O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolay Leskov”. In: Magia e técnica, arte e política – Obras Escolhidas vol.1. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. HAMPATÉ BÂ, Amadou. “A Tradição Viva”. In: J KIZERBO, História Geral da África. Vol. 1 – Metodologia e pré-história da África. São Paulo/Paris: Ática/UNESCO: 1980. MACHADO, Regina S. B. Acordais: Fundamentos Teórico-poéticos da Arte de Contar Histórias, São Paulo: DCL, 2004. PHILIP, Neil. Volta ao Mundo em 52 Histórias. São Paulo: Cia das Letras, 2012. SACRANIE, Magdalene. O amuleto perdido e outras lendas africanas. São Paulo: Panda Books, 2010. SANTOS, � eobaldo Miranda. Lendas e Mitos do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2004. 10. Referências Bibliográfi cas 23Contador de histórias 24Contador de histórias 24Contador de histórias Contador de histórias
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