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Etnobiologia Vol 3

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�
Volume 3
NNUPEEAUPEEANNUPEEAUPEEA
SBEE
SOCIEDADE
BRASILEIRA
DE ETNOBIOLOGIA
E ETNOECOLOGIA
Núcleo de Publicações em Ecologia e Etnobotânica Aplicada 
NUPEEA
Comissão Editorial
Ulysses Paulino de Albuquerque (Coordenador), Ângelo Giuseppe Chaves Alves, 
Elba Lúcia Cavalcanti de Amorim, Elba Maria Nogueira Ferraz, Elcida Lima de 
Araújo, Laise de Holanda Cavalcanti Andrade, Maria das Graças Pires Sablayrolles, 
Natália Hanazaki, Nivaldo Peroni e Valdeline Atanázio da Silva.
Revisão
Dos autores
Capa e Miolo
Pablo Reis / Erivan Barbosa
Fotos da Capa
Rumi Regina Kubo
�. Artesanato em palha de bananeira, confeccionado por integrante do grupo samambaia-preta- 
Artesanato, Maquiné, RS.
2. Coleta de samambaia-preta (Rumohra adiantiformis (G. Foret.) Ching), Litoral Norte do RS.
Os textos que compõem esta coletânea são da inteira 
responsabilidade de seus autores.
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Laboratório de Etnobotânica Aplicada, Departamento de Biologia
Rua Dom Manoel de Medeiros s/n
Dois Irmãos – Recife –Pernambuco - CEP.�� �2���-���CEP.�� �2���-���
www.ufrpe.br/lea
 Atualidades em Etnobiologia e 
Etnoecologia. Volume 3. Organizadores: 
Rumi Regina Kubo et al. – 1a. ed. - 
Recife: Nupeea/Sociedade Brasileira de 
Etnobiologia e Etnoecologia, 2006. 
 284p. 
 
 1.Ecologia humana. 2. Pesquisa 
qualitativa. 3. Etnobiologia. 4. 
Comunidades locais. I. Kubo, Rumi Regina. 
II. Título 
 
CDD 21. ed. (635.8) 
�
Volume 3
Rumi Regina Kubo
Joana Braun Bassi
Gabriela Coelho de Souza
Nélson Leal Alencar
Patrícia Muniz de Medeiros
Ulysses Paulino de Albuquerque
NNUPEEAUPEEANNUPEEAUPEEA
SBEE
SOCIEDADE
BRASILEIRA
DE ETNOBIOLOGIA
E ETNOECOLOGIA
Gestão 2005-2006
Diretoria:
Presidente: Dr. Ulysses Paulino de Albuquerque (UFRPE) 
Vice-Presidente: Dra. Natália Hanazaki (UFSC)
1º Secretário: MSc. Reinaldo Farias Paiva de Lucena (UFRPE)
2º Secretário: Dra. Gabriela Peixoto Coelho de Souza (ANAMA)
1º Tesoureiro: Dr. Nivaldo Peroni (UNICAMP)
2º Tesoureiro: Dra. Rumi Regina Kubo (UFRGS)
Conselho:
Dra. Edna Machado Guimarães (UFRJ)
Dra. Elaine Elisabetsky (UFRGS)
Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto (UEFS)
Dr. José Geraldo W. Marques (UEFS)
Dr. Marcio D’Olne Campos (UNICAMP)
Dra. Maria Christina de Mello Amorozo (UNESP - BOTUCATU)
Plácido Costa Júnior (GERA)
Dr.Virgílio Maurício Viana (ESALQ/USP)
Representantes Regionais:
Região Centro-Oeste: Dra. Maria de Fátima Coelho (UFMT)
Região Nordeste: Dr. Ângelo Giuseppe Chaves Alves (UFRPE)
Região Norte: Dra. Maria das Graças Pires Sablayrolles (UFPA)
 Biólogo Leonardo Pacheco (IBAMA-AM) 
Região Sudeste: Dr. Lin Chau Ming (UNESP-BOTUCATU)
Região Sul: Bióloga Cristina Baldauf (UFSC)
SBEE
SOCIEDADE
BRASILEIRA
DE ETNOBIOLOGIA
E ETNOECOLOGIA
SUMÁRIO
Apresentação..................................................................................................7
O ensino da etnobotânica
Prof. Dr. Lin Chau Ming ................................................................................. 11
Etnobiologia e etnoecologia no Brasil: dos inícios continuados no 
singular feminino plural
José Geraldo W. Marques ............................................................................15
Etnobiologia no sul do Brasil: onde estamos e para onde vamos?
Cristina Baldauf .............................................................................................33
Etnoecologia e manejo de recursos naturais: reflexões sobre a prática
Jorge L. Vivan ................................................................................................45
Etnobotânica, conservação e desenvolvimento local: uma conexão 
necessária em políticas do público
Walter Steenbock ..........................................................................................65
A perspectiva da etnobotânica sobre o extrativismo de produtos 
florestais não madeiráveis e a conservação
Gabriela Coelho de Souza & Rumi Kubo ....................................................85
Manejo sustentável de capim dourado e buriti no Jalapão, TO: 
importância do envolvimento de múltiplos atores
Isabel B. Figueiredo,, Isabel B. Schmidt, Maurício B. Sampaio ................101
Extrativismo no sul e sudeste do Brasil: caminhos para sustentabilidade 
sócioambiental
Maurício Sedrez dos Reis ........................................................................... 115
Neo-extrativismo sustentável
Paulo Kageyama .........................................................................................129
A lógica do mercado e o futuro da produção extrativista
Charles R. Clement .....................................................................................135
Capítulo 1
Capítulo 3
Capítulo 2
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Manejo de recursos genéticos vegetais por populações tradicionais do 
alto rio Solimões
Hiroshi Noda & Sandra do Nascimento Noda ............................................151
A agrobiodiversidade e os direitos dos agricultores indígenas e 
tradicionais
Juliana Santilli e Laure �mperaireLaure �mperaire ..............................................................165
A dimensão temporal da conservação da agrobiodiversidade por 
agricultores de subsistência – algumas considerações preliminares 
sobre um estudo de caso.
Maria Christina de Mello Amorozo ..............................................................177
Histórias de plantas, histórias de vida: uma abordagem integrada da 
diversidade agrícola tradicional na Amazônia
Laure �mperaire ..........................................................................................187
O conhecimento local e a diversidade de diversidades
Natalia Hanazaki, Rogério Mazzeo, Vinícius C. Souza .............................199
Contribuições da antropologia para a pesquisa em etnobiologia
Renate B.Viertler ......................................................................................... 211
MrurJykre: a cultura do Cipó – territorialidades Kaingang na bacia do 
Lago Guaíba, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Ana �lisa de Castro Freitas ........................................................................223
Tempo do artesanato: etnogra��a do processo de busca de umatnogra��a do processo de busca de uma 
alternativa econômica para agricultores extrativistas em área de Mata 
Atlântica no RS
Rumi Kubo e Gabriela Coelho de Souza ..................................................245
Sociobiodiversidade na pesca artesanal do litoral da Bahia
Francisco José Bezerra Souto ...................................................................259
O debate contemporâneo sobre o território e o desenvolvimento 
sustentável: um olhar a partir da nova arquitetura do estado
�duardo �rnesto Filippi ...............................................................................275
Capítulo 12
Capítulo 11
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
�
APRESENTAÇÃO
Apresentar uma obra é sempre uma tarefa difícil, sobretudo quando 
congrega textos tão diversos em seus teores, abordagens e formatos. Desta forma, 
de modo a propiciar uma apresentação inicial, cabe remetermos-nos ao contexto 
destes, ou seja, tratam-se dos textos relativos às palestras apresentadas no VI 
Simpósio de Etnobiologia e Etnoecologia, realizado em Porto Alegre, RS. Este 
evento bienal sob responsabilidade da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e 
Etnoecologia (SBEE) constitui-se num fórum de debate de temas relacionados 
com a problemática socioambiental, apresentação da produção dos associados 
e pesquisadores que atuam nesta área, e de troca de experiências. Embora tenha 
caráter cientifico, considerando que o alvo dos estudos etnobiólogicossão as 
populações humanas e seu conhecimento sobre o ambiente e recursos naturais, 
recaímos obrigatoriamente na necessidade de abordar questões éticas relacionadas 
ao destino desses estudos. Neste sentido, este Simpósio tradicionalmente mobiliza 
não somente os pesquisadores, mas representantes e lideranças de populações 
tradicionais, profissionais e representantes de setores públicos e da iniciativa 
privada envolvidos com a temática sócio-ambiental.
Nesta edição (os simpósios anteriores realizaram-se em Feira de Santana/ 
BA-�996, São Carlos/SP-�998; Piracicaba/SP-2���; Recife/PE- 2��2 e Chapada 
dos Guimarães/MT-2��4), o Simpósio Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia, 
sob o tema “Etnobiologia e Compromisso Socioambiental”, partindo da discussão 
e do acúmulo de informações proporcionados pelos simpósios anteriores, busca 
avançar nos debates, abordando as especificidades das pesquisas etnobiológicas 
e etnoecológicas, tanto do ponto de vista conceitual e epistemológico, como 
metodológico, e também aprofundar o debate relativo às conexões entre 
conhecimento cientifico e tradicional e suas conseqüências para o debate sócio-
ambiental e, sobretudo, às relações entre o conhecimento gerado pela etnobiologia 
e sua contribuição para a melhoria das condições de vida das populações locais e 
a sociedade em geral.
Uma das preocupações da SBEE e dos responsáveis pela série “Atualidades 
em Etnobiologia e Etnoecologia” - o qual integra esta publicação - reside na 
avaliação de que, apesar desta área temática apresentar-se ocupando um crescente 
espaço nas instituições de pesquisa e nas diversas instâncias deliberativas 
das políticas públicas, com desdobramento em especialidades, envolvimento 
crescente de pesquisadores e estudantes e um aumento do número de trabalhos, a 
Etnobiologia e Etnoecologia ainda não se encontram solidamente sistematizadas 
dentro do espaço acadêmico. Portanto, esta publicação, constitui-se num esforço 
8
de contribuir para suprir esta lacuna. Sublinhando ainda a importância da questão, 
este é o tema central dos trabalhos de Cristina Baldauf e Lin Chau Ming que buscam 
reflexões tendo como pano de fundo dados sobre a presença da Etnobiologia e 
disciplinas correlatas nas instituições de ensino superior no Brasil.
Visando abordar a própria trajetória da Etnobiologia e Etnoecologia, o texto 
de José Geraldo Marques busca identificar algumas personalidades fundamentais 
no processo de formação e consolidação desta área temática no Brasil. Constitui-
se, assim, numa revisão da trajetória da(s) disciplina(s) e uma homenagem a estas 
personalidades.
Adentrando aos temas abarcados pelas pesquisas etnobiológicas, como 
uma questão fundamental, e que vem sendo debatida ao longo do tempo, temos a 
preocupação com a discussão de metodologias de trabalho e de abordagens. Neste 
contexto procura-se tecer uma profunda reflexão sobre sua especificidade. Sobre 
este tema debruçam-se Renate Viertler e Walter Steenbock.
 Dentre tantos temas que tem merecido destaque nas pesquisas, aqui são 
abordados alguns mais específicos como é o caso do extrativismo, por meio 
de um acalorado debate sobre a sua viabilidade e limites como estratégia para 
conservação e empoderamento das populações que vivem em áreas de grande 
diversidade biológica. Este tema foi desenvolvido pelos pesquisadores Charles 
Clement, Gabriela Coelho de Souza e colaboradora, Mauricio Sedrez Reis e 
Paulo Kageyama.
Ainda dentro dos temas enfocados pela Etnobiologia, estudos que tem a 
biodiversidade, mais especificamente a agrobiodiversidade, como congregadora 
de saberes e fazeres e conservação da biodiversidade como pano de fundo, são 
apresentados com uma riqueza de abordagens e resultados. Estes são os temas 
desenvolvidos por Jorge Vivan, Hiroshi Noda e Sandra Noda, Laure Emperaire e 
Maria Cristina Amorozo,
Ao mesmo tempo, no que concerne a esta conexão da sócio-biodiversidade 
e a preocupação com a conservação, temos abordagens em diferentes escalas, 
que esboçam um pouco da complexidade e da dificuldade de abordar este tema, 
objetos dos artigos de Eduardo Filippi, Francisco José Bezerra de Souto e Natalia 
Hanazaki e colaboradores.
Já preocupado com as conexões das pesquisas etnobiológicas com as 
populações envolvidas com as pesquisas, temos a discussão centrada em alguns 
estudos de caso como são o do artesanato com capim-dourado (Syngonanthus 
nitens) e buriti (Mauritia flexuosa), e outros recursos naturais como cipós e 
macrófitas aquáticas. Nestes processos, além do levantamento do conhecimento 
e manejo tradicional destes recursos, busca-se também dar luz às implicações 
políticas e sociais destes estudos alavancando o empoderamento e autonomia para 
os grupos envolvidos, como são os trabalhos abarcados por Ana Elisa Freitas, 
Isabel Figueiredo e colaboradores e Rumi Kubo e colaboradora. Neste contexto, 
9
também, um tema fundamental refere-se aos mecanismos jurídicos que regem as 
políticas públicas de modo avaliar a viabilidade de todas estas propostas, o que é 
o tema central do artigo de Juliana Santilli e colaboradora.
Desta forma, um pouco da diversidade temática abarcada pela Etnobiologia 
e Etnoecologia são aqui contempladas, mostrando que, como em toda pesquisa, 
a realidade é bem mais complexa, e que, parafraseando Cristina Baldauf, “a 
Etnobiologia ainda tem um longo caminho a trilhar” e para tal dependemos 
desta contribuição e convergência de um escopo tão grande de pesquisadores e 
pensadores (em sua ampla conotação).
Finalmente, cabe ressaltar que esta edição da série “Atualidades em 
Etnobiologia e Etnoecologia” somente foi possível pela conjugação dos esforços 
dos integrantes da comissão organizadora do VI SBEE composto por servidores 
e estudantes da UFRGS, UFSC, UFRPE e UNESP/Botucatu. O processo de 
planejamento e editoração foi coordenado pelo DESMA (Núcleo de Estudos 
em Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica) e Laboratório de 
Etnobotânica Aplicada da UFRPE.
Os organizadores
��
O ensino da etnobotânica
Lin Chau Ming
 Departamento de Produção Vegetal – Setor Horticultura
Faculdade de Ciências Agronômicas – UNESP – Botucatu – SP
Email�� linming@fca.unesp.br
Capítulo 1
��
As áreas de Etnobiologia e Etnoecologia ainda carecem de corpo docente 
disponível para atender às crescentes necessidades de trabalho em instituições e 
universidades no país, que agora começam a abranger essas áreas de pesquisa. Há 
uma necessidade premente de formação de recursos humanos para satisfazer tal 
demanda. No Brasil, a grande maioria dos docentes e mesmo pesquisadores dessas 
áreas é egressa de programas de Ciências Biológicas, provendo as necessidades 
teóricas de cunho social e cultural por estudos específicos e mesmo autodidatismo. 
Nos Estados Unidos, as Etnociências são tradicionalmente ocupadas por profissionais 
ligados às áreas antropológicas/sociais. (Amorozo et al. 2��2).
Diante de tamanha diversidade, cultural e biológica, a formação de recursos 
humanos qualificados e em condição de responder a essas múltiplas situações é 
essencial para o desenvolvimento do país.
No Brasil, na área das Etnociências, uma se sobressai. A Etnobotânica, sub-
área provavelmente mais antiga e a que mantém em seu âmbito, um conjunto de 
professores e pesquisadores com um repertório de publicações e experiências mais 
consolidados e que, na ativa, continua a atrair novos pesquisadores e estudantes 
interessados nessa área.
Fruto desse processo mais antigo e consistente de realização de trabalhos, 
a Etnobotânica vem obtendo, a cada ano, um espaço maior entre as sociedades 
científicas. A Sociedade Botânica do Brasil mantém em sua estrutura organizacional, 
o Grupo de Trabalho em Etnobotânica, encarregada de organizar e fomentar a área 
dentre os associados. Esse grupo se reúne no mínimo anualmente, e durante os 
CongressosNacionais, discutem temas relacionados com as necessidades da área, em 
reuniões satélites, além de promover, em conjunto com as comissões organizadoras, 
eventos técnicos, como palestras, mesas redondas e mini-cursos. Agregado ao GT, há 
uma rica parceria com o GELA, Grupo Etnobotânico Latino Americano, ampliando 
as ações em outros países irmãos. Diversas atividades conjuntas têm sido realizadas 
entre as entidades, com benefícios comuns.
A Sociedade Botânica do Brasil também estabeleceu um comitê assessor 
dentro de sua revista científica, Acta Botânica Brasílica, na área de Etnobotânica, 
permitindo então que os trabalhos realizados nessa área possam ser publicados e 
divulgados com maior intensidade e abrangência. 
A partir de �996, com a fundação da Sociedade Brasileira de Etnobiologia 
e Etnoecologia (SBEE), a Etnobotânica passa a ter outro canal de comunicação 
com a sociedade. Boa parte dos sócio-fundadores da SBEE é dessa área, o mesmo 
ocorrendo com os trabalhos apresentados em seus seminários nacionais bienais.
No Brasil, a Etnobotânica tem conseguido um espaço crescente nos meios 
acadêmicos. Na área de ensino em nível de graduação e pós graduação, alguns dados 
foram obtidos por Fonseca-Kruel et al. (2���), num levantamento acerca do ensino 
acadêmico de Etnobotânica no Brasil. Há hoje oito Universidades que oferecem 
essa matéria nos currículos de graduação e nove na pós-graduação, nas áreas de 
Agronomia, Biologia, Farmácia e Engenharia Florestal. 
Estas Universidades abrangem todas as regiões geográficas brasileiras. 
Em áreas afins (Etnobiologia, Ecologia e manejo de Ecossistemas, Botânica 
Econômica, Farmacognosia, Etnoecologia, Plantas Medicinais, Ecologia Humana, 
�4
Plantas Hortícolas e Medicinais, Botânica Aplicada e Etnofarmacologia e outras), a 
Etnobotânica está incluída em tópicos destas disciplinas, em 24 cursos de graduação 
e oitos programas de pós graduação, em Universidades de todas as regiões brasileiras, 
nas mesmas áreas de pesquisas citadas anteriormente. 
Há uma concentração dos cursos e disciplinas na região Sudeste e Nordeste 
(�� e ��%, respectivamente), provavelmente devido à maior concentração de 
Universidades e docentes nessas regiões. As regiões Norte e Centro Oeste, com 
biomas considerados de alta diversidade vegetal e cultural, apresentam menor 
número de instituições de ensino que abordam o tema. Tal fato revela a necessidade 
da implementação de cursos e programas para o desenvolvimento desta disciplina 
nestes locais. Na Unesp, há disciplinas de Etnobotânica nos programas de graduação 
e pós-graduação nos campi de Rio Claro e Botucatu, tendo sido elaboradas e 
oferecidas a partir de �996.
A análise dos conteúdos programáticos das disciplinas nas instituições 
de ensino revelou aspectos comuns com relação à abordagem conceitual da 
Etnobotânica, inserindo temas atuais, como a prospecção da biodiversidade, o 
desenvolvimento de novos produtos, a conservação da natureza e o uso sustentável 
dos recursos vegetais. Temas específicos são também focados, devido à diversidade 
cultural própria às diversas regiões brasileiras.
Há, contudo, uma carência de materiais bibliográficos, com a utilização de 
poucas fontes e em geral manuais estrangeiros. Essa realidade começa a ser mudada 
aos poucos, com a publicação de algumas publicações relacionadas às técnicas e 
métodos de pesquisa em Etnobotânica no Brasil, com caráter didático.
Esse retrato mostra um grande crescimento da área nos currículos acadêmicos 
brasileiros e há ainda outras disciplinas em processo de regulamentação, o que 
coloca a área como uma das que apresentam grandes índices de expansão.
Em 2���, fruto também do reconhecimento da Etnobotânica como uma sub-
área científica mais consolidada, o CNPq, ouvida a comunidade científica brasileira, 
apresenta uma proposta de discussão das novas áreas e sub-áreas de pesquisa no 
Brasil. Nesta proposta, a Etnobotânica está colocada como sub-área da Botânica, 
entrando no mesmo nível hierárquico que outras, como a Morfologia, Sistemática, 
Fisiologia, dentre outras. Isso representa um grande avanço para a área, incentivando 
ainda mais a ação dos pesquisadores envolvidos e atraindo novos interessados.
Referências Bibliográficas
Amorozo, M.C.M.; Ming, L.C. & Silva, S.M.P. (Eds.). 2��2. Métodos de coleta 
e análise de dados em Etnobiologia, Etnoecologia e disiciplinas correlatas. 
Pp. �8�-2�4. In�� Anais do I Seminário de Etnobiologia e Etnoecologia do 
Sudeste. Rio Claro. Coordenadoria de Área de Ciências Biológicas – Gabinete 
do Reitor – UNESP/CNPq.
Fonseca-Kruel, V.S.; Silva, I.M. & Pinheiro, C.U.P. 2���. O ensino acadêmico da 
Etnobotânica no Brasil. Rodriguésia 56(8�)�� 9�-���6.
Etnobiologia e etnoecologia no 
Brasil: dos inícios continuados no 
singular feminino plural
José Geraldo W. Marques
Laboratório de Etnobiologia / Depto. de Ciências Biológicas / 
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
Capítulo 2
��
“E então nos sentamos todos e eu lhes disse que éramos 
todos colegos [grifo acrescentado]. E então o Belascoarán 
me disse que não se diz ‘colegos’, mas ‘colegas’. E então 
eu lhe disse que não, que ‘colegas’ é quando são mulheres 
e ‘colegos’ quando são homens. (...). E então eu lhes 
expliquei que nosso trabalho não se olha se estiver bem-
feito, ou seja, se fazemos bem o nosso trabalho, ninguém 
olha [grifo acrescentado] (...). Mas, se fazemos mal o nosso 
trabalho, é uma desgraça.”
Subcomandante Insurgente Marcos, 2006.
Incitação temática
A questão de gênero é de suma importância na pesquisa etnobiológica. 
Quanto a sujeit@s� de pesquisa, duas autoras suficientemente o demonstraram 
em recente artigo publicado no Journal of Ethnobiology (Pfeiffer & Butz 2���). 
Quanto a sujeit@s que pesquisam, pretendo demonstrar um pouco agora. Do 
ponto de vista prático, a questão é mais relevante ainda se levarmos em conta 
que o diálogo interfeminino poderá ser muito mais produtivo se e quando o 
objeto da pesquisa for “coisa de mulher”.
A etnobiologia segundo Clément começou masculina (Clément �998). 
Nas três fases em que o autor divide a história da “disciplina” em períodos, 
pelo menos no que diz respeito à etnozoologia (Clément �99�), as mulheres 
inexistem - ou então são mudas!
Embora a história da etnobiologia no Brasil ainda não tenha sido 
escrita nem devidamente sistematizada (e este trabalho pretende ser uma 
primeira e preliminar contribuição para isto), uma fase de precursores é 
claramente discernível - pelo menos na etnozoologia. Nela, a masculinidade 
parece predominar�� Rodolpho Garcia (Garcia �929), Hermann Baldus (Baldus 
�94�), Pedro de Lima, Eduardo Galvão (Lima & Galvão �949), Paulo Vanzolini 
(Vanzolini �9�8). Oswaldo Gonçalves de Lima (Gonçalves de Lima �946), por 
sua vez, seria exemplo de precursor em etnobotânica. Mesmo nessa fase prévia, 
porém, acredito que pelo menos o nome de uma mulher possa ser incluído�� 
Gioconda Mussolini. É exemplar esta sua afirmação��
 
 “Tive oportunidade de conversar com inúmeros mestres 
de lanchas: todos eles com um verdadeiro calendário de 
 
�Depois da “Conferência da ONU sobre a Mulher”, em Beijing, China, o símbolo @ ficou convencionado 
para designar o masculino e o feminino ao mesmo tempo, para evitar as questões de gênero (exclusão). 
 
�8
pesca na cabeça, orgulhosos por conhecer como e quando 
procurar o ‘justo’ peixe, no ‘justo’ lugar”.
Mussolini (1980).
Será que nas fases subseqüentes de pioneirismo e do seu seqüenciamento, 
no caso brasileiro, o mutismo também foi norma?
Poderíamos começar com um teste��
Quem conhece Ellen B. Basso? E Maria Heloisa Fénelon Costa? E 
Maria Aracy de Pádua Lopes da Silva? Talvez não muitos dentre nós, os que, 
entretanto semeamos e colhemos na mesma seara que elas... 
Pois é�� a primeira exerceu pioneirismo em etnotaxomia indígenano Brasil; 
a segunda foi pioneira em etnozoologia; a terceira o foi em etnoornitologia...
Pois é!
Ellen B. Basso�� a primeira, entre os antropólogos que trabalharam 
no Alto Xingu, a tratar de questões de taxonomia indígena. A esse respeito, 
reconhecendo o caráter hierárquico da classificação dos seres vivos pelos índios 
Kalapálo, defendeu tese de Ph.D. na Universidade de Chicago (Basso �969) e 
publicou livro em Nova Iorque (Basso �9��) - ao que me consta não traduzido 
para o português. 
Maria Heloisa Fénelon Costa�� artista plástica de formação, encantou-
se pelas bonecas Karajá e foi positivamente impactada por um curso de 
especialização em etnologia que Darcy Ribeiro coordenou no Museu do Índio. 
Em conseqüência, nos inícios da década de �96� já atuava como antropóloga 
do Museu Nacional e dava início a suas viagens de pesquisa pelo Xingu, as 
quais ocorreram em �96�, �96�, �9��, �9��, �9�� e �9�8. Do seu trabalho 
de campo ao longo de �� anos, o qual incluiu coleta de desenhos espontâneos 
sobre a natureza junto a informantes de ambos os sexos e de todas as classes 
etárias, resultou um belo livro sobre os índios Mehináku, por eles ilustrado e 
contendo dados e análises sobre vegetais e animais (Costa �988). A parte que 
se refere a animais é particularmente notável e para escrevê-la a autora recorreu 
à competência de conhecidos zoólogos, a exemplo de Hypolithe Arlé, Ulisses 
Caramaschi e Dante Teixeira e utilizou Helmut Sick e José Cândido de Melo 
Carvalho como importantes referenciais.
Embora a pesquisadora não utilize o prefixo etno para caracterizar os 
seus achados, o seu enfoque é claramente etnozoológico e etnotaxonômico e o 
interesse pela etnociência evidencia-se na referência a Harold Conklin. Ao tratar 
detalhadamente da classificação dos peixes, das aves e dos animais terrestres em 
geral, ela encontra uma categoria êmica de seres intermediários - entre eles o 
guará - e conclui que a taxonomia por ela encontrada também é “hierárquica”, 
porém valorizando devidamente as aspas com que marca o termo. A não 
utilização do prefixo etno deveu-se por certo a uma auto-avaliação que deve ter 
�9
resultado em mais conforto para a competente antropóloga que se julgou por 
certo zoologicamente não preparada. Isto pode deduzir-se das afirmações que 
ela faz em seu belo livro��
“Consegui levantar um vocabulário zoológico de 
relativa extensão(...).”“Pretendo tão-somente proceder 
neste trabalho à consideração de algumas das noções 
zoológicas incluídas numa concepção de Mundo indígena, 
relacionando-as aos desenhos espontâneos que as 
expressam ou as tornam mais perceptíveis, explicando 
aquilo que às vezes o verbal não consegue esclarece de modo 
suficiente”.(...) “Não é meu propósito, assim, estabelecer 
aqui uma etnozoologia [grifo acrescentado] alto-xinguana, 
ou mesmo apenas a elaborada pelos Mehináku, o que 
exigiria o concurso sistemático do zoólogo (...)”.
Maria Aracy de Pádua Lopes da Silva�� Professora do Departamento 
de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, 
chegou a implantar, neste Departamento, uma promissora linha de pesquisa 
em etnozoologia, infelizmente interrompida com a sua prematura morte. Sua 
orientação voltou-se especialmente para a etnoornitologia indígena (etno-
ornitologia por vezes hifenizada, por certo refletindo o viés e a prudência de 
antropóloga lidando com temática das ciências biológicas), no que obteve 
“sucesso reprodutivo” pelo menos através de dois dos seus orientados�� no 
masculino, Eduardo Carrara (Carrara �99�) e no feminino, Isabele V. Giannini 
(Giannini �99�), o primeiro com trabalho de campo entre os Xavante e a 
segunda, entre os Kayapó-Xikrín. 
Ellen B. Basso, Maria Helena Fénelon Costa, Maria Aracy de Pádua 
Lopes da Silva... Quem tem notícia hoje das duas primeiras? Em que mundo, 
em que planeta elas se escondem? Aonde/onde? Da terceira, já se sabe�� depois 
de quase ter ensinado gente a virar pássaro, foi muito cedo virar estrela no lado 
de lá�� quem sabe mais uma híade, quem sabe mais uma d’alva, quem sabe mais 
uma plêiade?...
A partir dessas três referências exemplares, cabe, pois, uma pergunta, sem 
dúvida relevante do ponto de vista de gênero�� por que se ignora tanto o papel das 
pioneiras em etnobiologia e etnoecologia no Brasil? Ou, talvez, mudando um 
pouco�� será que se ignora mesmo esse papel ou trata-se apenas de uma ilusão 
do que escreve? Parece-me que não, pois algum teste preliminar eu fiz (com 
“colegos” e colegas) e o resultado, embora prévio para se dizer que “a hipótese 
foi validada”, pareceu-me suficiente para “a confirmação as minhas suspeitas”.
Assumo, pois, a título de desafio, esta pergunta básica�� por que se fala 
2�
bem mais nos homens do que nas mulheres da etnoecologia e da etnobiologia 
no Brasil? E faço-me outra�� será que é mesmo assim? 
Se fizermos um outro teste e pedirmos a alguém “do ramo” que cite 
os�� nomes de relevância na etnobiologia e na etnoecologia no Brasil que lhe 
venham primeiro à mente, quantas listas seriam encabeçadas por mulheres? E 
em quantas as mulheres seriam a maioria? Ou mesmo em quantas delas mais de 
uma mulher apareceriam? Ou até em quantas delas nenhuma mulher apareceria? 
E se pedíssemos uma lista só de mulheres, será que facilmente emergiriam mais 
de ��?
As meninas exemplares
Pois bem, neste trabalho, mais como um exercício amostral aplicado 
a mim mesmo, listo e/ou faço comentários sobre mulheres que sem dúvida 
alguma foram e/ou são de suma importância para a etnobiologia e a etnoecologia 
brasileiras. Sem elas, a nossa área de pesquisa teria uma qualidade muito inferior. 
Sua contribuição geratriz e nutriz alentou, alenta, aleita e aleitará caminhos e 
caminhantes inter, multi e trans que perpassam o território da complexa relação 
entre organismos & culturas. Chamo-as aqui, carinhosa e respeitosamente, de 
“As Meninas Exemplares”2.
Sem dúvida, a tirania do tempo e a insuficiência do autor tornam 
inevitáveis as injustiças. Que me perdoem as injustiçadas. Fico-lhes a dever 
um próximo trabalho. O que aqui está deve ser visto muito mais como ponto de 
partida na forma de homenagem do que um ponto de chegada na forma de lista 
exaurida, uma contribuição para um histórico da etnobiologia e da etnoecologia 
no Brasil que faça receptoras do que lhes é devido pelo menos parte daquelas 
que o merecem.
Para diminuir as injustiças, tentei definir critérios. Como o meu objetivo 
inicial era detectar pioneirismo, listei os seguintes, na certeza de que em pelo 
menos um deles as homenageadas brilhantemente inserem-se:
a) Critério da intuição�� significando que mesmo na ausência de uma 
explicitação que recorresse ao prefixo etno, houve uma produção relevante que 
se encaixa no espírito da pesquisa etnocientífica;
b) Critério de adesão�� significando que houve uma produção relevante 
intencional e explicitada de aderir ao espírito da pesquisa etnocientífica, 
seja à etnociência na sua forma clássica, seja à etnociência na sua forma 
ressemantizada;
2 No mínimo com a memória agradecida à Condessa de Ségur, cujo livro “As Meninas Exemplares” 
foi-me marcante leitura de infância.
2�
c) Critério da primazia�� significando que em algum campo enquadrável 
na etnobiologia e/ou na etnoecologia, houve produção relevante de primeira 
mão;
d) Critério da adversidade�� significando que por causa da adesão à pesquisa 
de caráter etnocientífico houve enfrentamento de hostilidades ou resistências 
devido à recalcitrância paradigmática (no sentido kuhniano) de pares e/ou nos 
ambientes de trabalho;
e) Critério da reprodutibilidade�� significando que a produção teve e/ou tem 
impacto significativo (representado por referenciamento) no meio acadêmico 
e/ou que a contribuição pessoal (representada por orientações) para a formação 
transgeracional é relevante. 
Todo ou quase todomundo, suponho, conhece Berta G. Ribeiro, o que 
além de ser muito justo é muito bom – e vice-versa! Se levássemos, porém, 
adiante o nosso teste e perguntássemos quem ela teria sido, creio que muitos 
responderiam tratar-se da “mulher de Darcy Ribeiro”... Se isto acontecesse 
– e desconfio firmemente que possa acontecer! – seria uma grande injustiça! 
Indubitavelmente, no que diz respeito à etnobiologia e à etnoecologia, Darcy, 
mesmo sendo o grande Darcy, é que deveria ser conhecido como “o marido 
da Berta”, mesmo em sendo verdade aquilo que na sua modéstia de mulher 
genial e na sua reverência pelo homem que tanto amou, ela tenha chegado até 
a escrever��
“Aprendi antropologia - além da formação universitária 
– com Darcy Ribeiro na viagem de oito meses, feita em 
1948, aos índios Kadiwéu e por ter datilografado os seus 
manuscritos de 1948 a 1974”. 
Ribeiro (1995)
A ela e para com ela, por mais que justiça se lhe faça (a exemplo do 
Prêmio Érico Vanucci Mendes que lhe foi concedido), sempre remanesceremos 
em estado de dívida. Dúvida nenhuma, porém, pode pairar sobre a sua excelência 
de pioneira em vários campos dos estudos etnocientíficos no Brasil, a exemplo 
da etnoictiologia, da etnobotânica, da etnoastronomia, da etnoecologia.
Pelo critério da adesão acima listado, dois dos capítulos do seu livro 
sobre o índio na cultura brasileira (Ribeiro �98�) merecem ser especialmente 
citados pela explicitação esteticamente construída dos seus títulos��
a) A natureza humanizada�� o saber etnobotânico [grifo acrescentado];
b) A natureza domada�� o saber etnozoológico [grifo acrescentado].
Na etnoictiologia, seu trabalho de campo realizou-se tanto na década 
de �98� quanto na década de �99� e sua sistematização tomou forma através 
de um capítulo inserido no livro “Os índios das Águas Pretas” que inclui 
um subcapítulo explicitamente intitulado “Etnoictiologia Desâna” (Ribeiro 
22
�99�). Neste livro, há ainda um capítulo que explicitamente relaciona-se com 
etnobotânica�� “Etnobotânica Desâna�� Plantas Artesanais” e com relação ao 
livro todo ela chega a afirmar que o deve ao seu informante principal Tolomã 
Kenhíri��
“Talvez devesse ser assinado também por ele. Na verdade, 
todas as informações de campo - ou quase todas – são de 
sua autoria. Desde 1978, quando o encontrei na Missão 
Salesiana Pari-Cachoeira e lhe falei do meu projeto, nada 
mais fiz do que escrever em forma passível de leitura, os 
dados que me ia passando.”
Ribeiro (1995)
É ainda no campo da etnoictiologia que ela pouco depois enfatiza ainda 
mais o papel de Kenhíri, pois com ele divide co-autoria em um capítulo de 
livro; (Ribeiro & Kenhíri �996) organizado por Crodowaldo Paván. Trata-se 
na realidade um dos seus últimos trabalhos, produzido à iminência do câncer 
que em breve deixar-nos-ia meio órfãos. E foi um ato bastante corajoso, uma 
vez que o texto foi produzido para apresentação de conhecida e reconhecida 
antropóloga do Museu Nacional da UFRJ em Conferência Internacional que 
procurava uma estratégia latino-americana para a Amazônia (Paván �996).
Na etnoastronomia - e fortemente relacionando-se com etnoecologia 
pela via da etnometeorologia - é notável o seu artigo relacionando “chuvas 
e constelações” de acordo com o ponto de vista dos índios Desâna (Ribeiro 
& Kenhíri �98�). Notável por vários motivos, dois deles merecendo especial 
comentário�� primeiro, a parceria que pela primeira vez ela oferece a Tolamãn 
Kenhíri, concretizando-o simetricamente como co-autor, coisa que ela o faz 
de forma natural, competente, honesta e sincera; segundo, pelo fato de que, 
embora sendo um artigo publicado em revista de divulgação científica (Ciência 
Hoje), ganhou tantas citações no meio acadêmico que passou a ser um texto 
exemplar, agora quase que um clássico referencial obrigatório entre praticantes 
de etnoecologia.
Uma das suas contribuições maiores, porém, foi o trabalho que 
coordenou culminando na publicação do vol. � da Suma Etnológica Brasileira 
(Ribeiro �986), agora a Bíblia dos que se iniciam em etnobiologia no Brasil. É 
interessante registrar que a organização desse volume muitas vezes é atribuída 
a Darcy Ribeiro, tornando-se mesmo impossível pela ficha referenciada pelas 
normas da ABNT constante do livro fazer justiça a Berta.
Uma questão no mínimo interessante parece-me ser a de descobrir quem, 
dentre as “meninas exemplares”, ocuparia o decanato (no sentido de tempo 
de atuação e não de idade, pois sabemo-las todas maiores - além de já terem 
conquistado uma idade que é perene!). Por enquanto, considero duas possíveis 
2�
candidatas�� Maria Elisabeth van den Berg e Maria Thereza Lemos de 
Arruda Camargo. 
Maria Elisabeth van den Berg (Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém 
- PA)�� publicou pelo CNPq em �982, sobretudo com propósitos didáticos, o seu 
manual sobre plantas medicinais da Amazônia (Berg �982), um livro que é ao 
mesmo tempo trabalho de importância taxonômico/sistemática e referencial de 
peso sobre os usos populares que caracterizam amazônidas da região de Belém 
na lida com doenças. Neste trabalho, a autora faz referência às mais de �.��� 
plantas utilizadas com fins terapêuticos que ela teria levantado “pela Amazônia 
afora” e afirma que a maior parte do material descrito no livro é proveniente da 
sua coleção viva ou de coletas realizadas em feiras (principalmente a do Ver-o-
Peso) e no interior da região. Refere-se ainda às entrevistas que teria conduzido 
com feirantes, mateiros, interioranos e outros elementos das mais diversas 
camadas sociais durante mais de doze anos de pesquisas, o que pressupõe seu 
trabalho como etnobotânica tenha sido iniciado ainda na década de �96�. Assim, 
a sua candidatura ao decanato feminino na pesquisa etnobiológica brasileira 
emerge com fortes possibilidades.
Um outro trabalho de sua lavra que também teve caráter pioneiro, 
principalmente por já demonstrar nos idos da sua publicação (primeira metade 
da década de �98�) que uma etnobiologia urbana era perfeitamente factível, 
relacionou-se com a etnobotânica do famoso Mercado Ver-o-Peso de Belém 
do Pará (Berg �984). Ele foi apresentado no Simpósio sobre Etnobotânica no 
Neotrópico e incluído no livro que G. T. Prance publicou sobre o mesmo (Prance 
�984). Nele, a autora afirma ter iniciado o seu trabalho de campo relacionado 
com o Ver-o-Peso em �96� e intensificado-o em �9��, o que mais uma vez 
reforça a sua possibilidade de decanato.
Também relacionada com etnobiologia urbana foi a sua pesquisa 
realizada em São Luís, em uma das mais antigas e tradicionais casas de culto 
(voduns) de origem africana (daomeiana) no Maranhão e no Brasil, a famosa 
Casa das Minas, onde na década de �98� a autora coletou in situ informações 
e espécimes relacionados a �26 espécies botânicas utilizadas como alimentos, 
banhos, liturgia e medicina (Berg �99�a).
Algumas das suas outras pesquisas estiveram relacionadas com plantas 
de origem africana de valor sócio-econômico na Região Amazônica e no Meio-
Norte do Brasil (Berg �99�b), com a flora medicinal do Maranhão (Berg �984) 
e com abluções tradicionais do Pará (Berg �986).
Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo�� pesquisadora fundadora 
do Herbário Etnobotânico Duglas Teixeira Monteiro do Departamento de 
Sociologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Detalhes 
sobre o banco de dados deste Herbário encontram-se na primeira parte de um 
livro por ela publicado (Camargo �999), cuja segunda parte trata das plantas 
24
usadas no Catimbó norte-rio-grandense, trabalho que, em �989, lhe garantiu o 
Prêmio Nacional Câmara Cascudo. Na apresentação do livro, O Prof. Carlos 
Chifa, Titular de Etnofarmacobotãnica da Universidad Nacional del Nordeste, 
Argentina, refere-se “aos mais de �� anos de pesquisas” da autora, sendo que 
esta multiplicidade de décadas também por ela é assumida em um dos seusoutros livros (Camargo 2���). Nas suas próprias palavras�� 
“Nos trinta anos de pesquisa [grifo acrescentado], 
trilhando os mais variados caminhos em busca do saber 
popular relativo ao valor das plantas que curam levaram-
me a conhecer de perto as práticas médicas que o povo 
adota, herança de uma medicina ancestral ajustada, com o 
passar do tempo, às diferentes realidades sócio-culturais, 
tanto de sociedades urbanas como rurais e de maior ou 
menor densidade demográfica.” 
As suas publicações sempre voltadas para a etnobotânica, demonstram 
um claro interesse por plantas medicinais e por aspectos ritualísticos de religiões 
de matrizes africanas (e.g., Camargo �9�6; Camargo �988; Camargo �99�). 
Com pesquisa em contexto urbano, inclusive na capital paulista e arredores 
(Tremembé e Embu), sua contribuição quanto a aspectos metodológicos da 
pesquisa também é importante (Camargo �988; Camargo 2���).
Se é pelo critério de primazia, um nome que bem merece referência 
é o de Tekla Hartmann. Em �96�, ela publicou pelo Instituto de Estudos 
Brasileiros da USP o livro “A Nomenclatura Botânica dos Borôro. Materiais 
Para Um Ensaio Etno-Botânico”, cujo escopo é “parte de uma preocupação de 
longa data com o complexo das relações do indígena brasileiro, particularmente 
do Borôro, com a flora e seu habitat” (Hartmann �96�). A sua pesquisa, da 
qual o livro resultou, está para o pioneirismo em etnotaxonomia indígena de 
vegetais no Brasil (etnobotânica, apesar do hífen no título), como a de Maria 
Heloísa Fénelon Costa, acima citada, está para o pioneirismo em etnotaxonomia 
indígena de animais. A deduzir das suas afirmações, pelo menos uma viagem de 
campo foi realizada em �96�.
A ultrapassagem de fronteiras e a conquista de nome e renome 
internacionais estão entre as características mais marcantes de duas das 
professoras e pesquisadoras brasileiras�� Elaine Elisabetsky, ex-UFPA e atual 
UFRGS, e Alpina Begossi, ex-NEPAM e atualmente Museu de História Natural 
da UNICAMP. A primeira, Doutora em Farmacologia pela Universidade de São 
Paulo, é Biomédica e Professora Adjunta do Departamento de Farmacologia 
do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio 
Grande do Sul, em Porto Alegre. Tem se distinguido sobremaneira na área de 
2�
etnofarmacologia (e.g., Elisabetsky �986a; Elisabetsky �986b; Elisabetsky & 
Nunes �99�; Simões et al. 2���), sendo atualmente uma referência obrigatória 
entre os seus pares. Além disso, exerceu a Presidência da Sociedade Brasileira 
de Etnobiologia e Etnoecologia, contribuindo seguramente para consolidá-la. 
A segunda, Doutora em Ecologia pela Universidade da Califórnia, é Bióloga e 
leciona Ecologia Humana no Instituto de Ciências Biológicas da UNICAMP, 
em Campinas. Tem publicações múltiplas nas quais o prefixo etno agrega-se a 
diversas áreas�� etnozoologia (e.g., Seixas & Begossi 2���), etnobotânica (e.g., 
Begossi �996), etnoictiologia (e.g., Paz & Begossi �996). Em etnoictiologia, 
no Brasil, cabe-lhe a primazia do primeiro artigo científico publicado (Begossi 
& Garavello �99�; Marques �99�). As duas preenchem bem o critério de 
reprodutibilidade, pois além de terem citações persistentes e permanecentes 
por pares, também têm conseguido “sucesso reprodutivo” através de múltiplos 
orientados, alguns já se destacando nacionalmente. Dentre estes – e apenas a 
título ilustrativo para não fazer injustiça aos demais – merece relevante menção 
o nome da atual Professora da Universidade Federal de Santa Catarina - onde 
ativamente atua na pesquisa etnobiológica - Natalia Hanazaki, orientada que 
foi de Alpina Begossi.
Um trabalho de destaque internacional foi também o livro de Clarice 
Novaes da Mota (UFRJ, UFSE), publicado na Inglaterra, sobre os índios 
Xokó e Kariri-Xokó, seus rituais secretos, suas práticas curativas, seu uso de 
enteógenos (Mota �99�). O livro, lançado uma década depois da defesa da sua 
tese de doutorado sobre o mesmo tema (Mota �98�), resultou de pesquisas de 
campo iniciadas nos começos da década de �98�. Doutora em Antropologia 
Social, com pós-doutorado em Etnobotânica, a professora e pesquisadora 
tem concentrado sua produção mais relevante em tópicos relacionados com 
enteógenos, principalmente com a jurema e a ayahuasca em diversos contextos, 
inclusive no urbano (e.g., Mota �99�; Mota �996; Mota 2��2). Com José Flávio 
Pessoa de Barros, praticou, inclusive, observação participante em centros de 
Umbanda e Candomblé do Rio de Janeiro.
Com referência à UFRJ também são os trabalhos de Edna M. Machado-
Guimarães (e.g., Machado-Guimarães �998), que se relacionam inclusive com 
etnobotânica (Restinga de Maricá RJ) e etnoecologia (Carapebus RJ). Com 
respeito à etnobotânica seu interesse esteve relacionado com o conhecimento 
tradicional sobre a flora possuído por um grupo transgeracional de pescadores 
artesanais, sendo que, a partir daí, teve origem o Banco de Dados Etnoflorísticos 
das Restingas Fluminenses. Quanto à etnoecologia, a pesca artesanal na Lagoa 
de Carapebus tem sido especialmente contemplada através de um continuado 
projeto de pesquisa. Continuado também tem sido o assento da professora e 
pesquisadora no Conselho da SBEE. 
A ultrapassagem de fronteiras e a conquista de nome e renome nacionais, 
26
por sua vez, marcou a produção de Laure Emperaire e de Janet Chernella. 
A primeira, atualmente sediada no Institut de Recherche pour le Dévelopement 
em Paris, tem ao longo do tempo mantido um pé na Europa e outro no Brasil 
e no e sobre o Brasil, sua mão tem se estendido desde o Piauí (Emperaire 
�9�8; Emperaire �98�; Emperaire �986; Emperaire �99�) à Amazônia (e.g., 
Emperaire et al. �998). No contexto amazônico, os seus trabalhos têm se 
relacionado principalmente com extrativismo e agrobiodiversidade (mandioca). 
No contexto nordestino, os seus trabalhos sobre a caatinga têm absoluta primazia 
quanto à abordagem etnobotânica desse bioma e a sua orientação de tese de 
doutorado em etnoecologia (Borges 2��4) permite que ela seja incluída, dentre 
as mulheres, entre os pioneiros que exploram e conferem as reais possibilidades 
de se trabalhar com etnoecologia em contextos urbanos.
Janet Chernella esteve ligada ao INPA (Instituto Nacional de Pesquisas 
da Amazônia) e um dos seus trabalhos principais encontra-se incluído no 
Volume I da Suma Etnológica Brasileira (Ribeiro �986). Trata dos cultivares de 
mandioca dos índios Tukâno na área do Uaupés (Chernella �986).
Quanto a cultivares de mandioca, uma outra professora e pesquisadora 
que se notabilizou foi Maria Christina Amorozo do Departamento de Ecologia 
do IB da UNESP em Rio Claro (v. Amorozo �996; Amorozo 2���). Ligações 
culturais a ela relacionadas, colaterais e na verticalidade, são de importância 
para a etnobiologia e a etnoecologia no Brasil. Na vertical, ela é “filha cultural” 
de Renate Brigitte Viertler (portanto neta de Gioconda Mussolini), a qual, 
embora na sua produção individualizada tenha tocado em estudos etno de forma 
mais tangencial (Viertler 2���), influenciou a todos ou pelo menos a muitos dos 
que atuam diretamente nessa área, principalmente através dos seus escritos em 
antropologia ecológica / ecologia cultural (e.g., Viertler �982; Viertler �988). 
Como “filha cultural” da Profa. Renate, ela é irmã de Joana A. Fernandes 
Silva, que, por sua vez, publicou importante livro sobre etnoecologia do Pantanal 
dividindo autoria com Carolina Joana da Silva (Silva & Silva �99�). Esta 
professora e pesquisadora (UFMT, UNIMAT) deu uma importante contribuição 
para que se compreenda emicamente a cultura pantaneira ao publicar trabalho 
sobre “batume” e “diquada” (Silva �984). A irmandade via Profa. Renate 
estende-se também a Cristina Adams que, embora sem utilizar a expressão 
etnoecologia, publicou, ainda na década de �98�, interessante trabalho sobre 
“as florestas virgens manejadas” da Amazônia, que,lato sensu, bem poderia 
enquadrar-se nessa área (Adams �984). A ligação colateral relevantemente 
produtiva da Profa. Amorozo, no entanto, deu-se com Anne Gély, autora de 
ligação com o Departamento de Botânica do Museu Goeldi com quem dividiu 
autoria de publicações sobre plantas medicinais (e.g., Amorozo & Gély �988). 
Sobre este tópico, Gély também publicou artigo com Elisabetsky (Elisabetsky 
& Gély �98�).
2�
Por último, mas seguramente não menos importantes, são três citações, 
uma do Sudeste e duas nordestinas�� Eliana Rodrigues (UNIFESP), Laíse de 
Holanda Cavalcanti de Andrade (UFPE) e Mara Zélia de Almeida (UFBA), 
cujo interesse tem se dirigido com ênfase, prioridade ou exclusividade, para 
plantas medicinais. A primeira, ao trabalhar com comunidades indígenas (Krahô), 
tornou-se emblemática por ter sido @ primeir@ membr@ da nossa comunidade 
de pesquisa que “caiu na malha fina do CGEN”. Seu objeto de pesquisa (plantas 
com potencial efeito no sistema nervoso central) é extremamente delicado e 
da mais alta relevância social e científica e a sua produção tem correspondido 
ao esperado em tal situação (e.g., Rodrigues & Carlini, 2��4). A segunda, 
poderia encabeçar listas de etnobotânic@s competentes sob quaisquer aspectos. 
Conseguiu pioneiramente implantar em níveis de graduação e pós-graduação na 
sua Universidade disciplinas relacionadas com a relação entre pessoas e plantas 
e exemplarmente reproduziu-se através do seu “filho cultural” Ulysses Paulino 
de Albuquerque, com quem tem dividido autoria de publicações, inclusive sobre 
uso de recursos na caatinga (e.g., Albuquerque & Andrade 2��2a; Albuquerque 
& Andrade 2��2b). A terceira, salienta-se por estudos relacionados com religião 
de matriz africana, os quais são autoritativamente relevantes pela sua vivência 
pessoal e familiar em ambientes da própria prática religiosa, o que lhe confere 
um caráter de “etnógrafa da própria cultura”. A esse respeito, o livro que 
publicou sobre plantas medicinais no candomblé de nação Angola (Almeida 
2���) dá-lhe testemunho singular. 
A prova dos nove
Como espero ter demonstrado, não houve e não há mutismo feminino 
na história da etnobiologia no Brasil. Pelo contrário, as mulheres têm falado e 
têm-no feito em alto e bonito som, em forte e acertado tom, caracterizando um 
itinerário singular feminino plural. O semi-mutismo estranho parece ser de 
fato o que a comunidade como um todo parece devotar-lhes, para cujo declínio 
espero estar contribuindo com este trabalho.
Em nada as colegas ficam em dívida com seus “colegos”, nem em 
permanência (como precursoras, pioneiras e seguidoras), nem em abrangência 
(temática e geográfica), nem em produção (qualidade e quantidade). Até mesmo, 
muito provavelmente devido a um contexto histórico de ventos mais favoráveis, 
a velada “permissão” social para a entrada feminina, tão característica em 
outras ciências, foi desnecessária. Elas valorosamente abriram as portas e 
competentemente pediram passagem.
Desde �96� as suas publicações estão aí. Do Norte ao Sul – passando 
pelo Sudeste, do Nordeste ao Centro-Oeste, trabalhando entre camponeses, 
quilombolas, caiçaras, ribeirinhos, caboclos, indígenas, etc., quer seja na Floresta 
28
Atlântica, quer na Amazônia, no Pantanal ou na Caatinga, as suas pesquisas, 
tanto em contextos urbanos quanto em contextos rurais, têm coberto os mais 
diversos tópicos�� religiões de matrizes africanas, etnobotânica, etnozoologia 
(com ênfase em etnoornitologia e etnoictiologia), etnoecologia, etnoastronomia, 
agricultura (c/ agrobiodiversidade), enteógenos, etc.
Dentre as plantadoras dos inícios, muito poucas foram as que já “viraram 
constelação”. Todas as outras continuam aí�� vivas, belas, lépidas e fagueiras. 
Longa vida para elas! Sejam elas as nossas estrelas!
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Etnobiologia no sul do Brasil: 
onde estamos e para onde 
vamos?
Cristina Baldauf
 Representante da regional sul da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e 
Etnoecologia (SBEE); �esquisadora do Núcleo de �esquisas em Florestas 
Tropicais (NPFT-UFSC). cris@ccb.ufsc.br
Capítulo 3
��
Contextualização inicial 
“No terreno da educação ainda se encontram ambientes 
fechados, com aquele ar parado das certezas prontas”.
Hugo Assmann
A etnobiologia pode ser compreendida como o estudo do conhecimento 
e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito do mundo 
natural e das espécies (Posey �98�). Busca entender os processos de interação 
das populações humanas com os recursos naturais, com especial atenção à 
percepção, conhecimento e usos (Hanazaki 2��2).
De acordo com Clément (1998), a etnobiologia �istoricamente pode 
ser dividida em três períodos: pré-clássico, clássico e pós-clássico. Segundo o 
mesmo autor, durante o período pré-clássico, iniciado aproximadamente no ano 
de 1860, o enfoque dado aos estudos estava centrado na coleta de informações 
sobre o uso de recursos. No período clássico, o qual tem início no ano de 
1954, foi realizado um grande número de trabal�os de cun�o lingüístico e de 
classificaç�o etnobiológica, muitos dos quais tem por foco a perspectiva êmica, 
ocorrendo uma crescente utilizaç�o de metodologias oriundas da antropologia. 
Atualmente vivenciamos o período pós-clássico da etnobiologia, o qual 
teve como marco inicial o ano de 1981 (Clément 1998). Neste período surgiram 
as sociedades acadêmicas e periódicos especializados e o enfoque de um grande 
número de pesquisas convergiu para o estudo do manejo de recursos naturais em 
diferentes grupos étnicos, promovendo uma interaç�o entre a etnobiologia e a 
conservaç�o. Além disso, s�o temas recentes em etnobiologia a necessidade de 
proteç�o e regulamentaç�o ao acesso ao con�ecimento tradicional/local, assim 
como a repartiç�o de benefícios com os detentores do con�ecimento associado 
a um dado recurso.
O envolvimento das populações nas pesquisas, n�o apenas como 
fornecedoras de informações ou material biológico, mas como co-partícipes 
do projeto também é uma tendência do período pós-clássico da etnobiologia 
e reforça um de seus objetivos que é “promover um arcabouço teórico para 
integrar os diferentes sub-setores das ciências naturais e sociais com outros 
sistemas científicos” (Posey 1986). A integraç�o proposta pela etnobiologia se 
dá a partir de processos dialógicos entre diferentes saberes. Esta perspectiva 
dialética, a qual cria um diferencial nos estudos etnobiológicos, n�o se preocupa 
(ou n�o deveria se preocupar) unicamente com descrever ou caracterizar o 
con�ecimento destes atores sociais, mas também em promover uma articulaç�o 
deste con�ecimento com o “con�ecimento científico sistematizado”, a qual 
�6
resulte em transformações críticas e resoluç�o de problemas locais.
Etimologicamente, o nome “academia” vem de heka (=longe, distante) e 
dêmos (= povo) (Brand�o 1991, apud D´Ambrósio 2001) e de fato, a academia 
ao longo de sua �istória ignorou uma multiplicidade de con�ecimentos e 
manifestações destes, ao eleger o saber científico como única possibilidade 
epistemológica. Assim, a etnobiologia, de certa forma, inverte a lógica dos 
objetivos “nobres” do saber pelo saber, do saber como um fim em si mesmo 
e busca a aproximaç�o da academia com as “questões reais” dos seus antigos 
objetos de estudo, agora parceiros de pesquisa. 
Ao longo de sua �istória, a etnobiologia foi se estruturando sob a lógica 
disciplinar (etnobotânica, etnozoologia, etnoecologia, etnomicologia, entre várias 
outras), sendo que, de acordo com Martin (1995), o prefixo ethno unifica todas estas 
especialidades, representando o modo de outras sociedades olharem o mundo. 
No entanto, a despeito de seu desdobramento em inúmeras especialidades, 
assim como do envolvimento crescente de pesquisadores e estudantes e do 
aumento do número de estudos na área, a etnobiologia ainda n�o se encontra 
sistematizada e formalizada dentro do espaço acadêmico. Apesar da existência 
de lin�as de pesquisa com temática etnobiológica em algumas universidades 
no país, n�o existe nen�um curso de pós-graduaç�o específico até o momento. 
Além disso, conforme destaca Fonseca-Kruel et al. (2005), poucas instituições 
já inseriram em suas grades curriculares, seja na graduaç�o ou pós-graduaç�o, 
disciplinas ou cursos específicos relacionados às Etnociências no Brasil. 
Neste contexto, a proposta deste trabal�o é avaliar a situaç�o da 
etnobiologia no universo acadêmico na regi�o sul do Brasil, a fim de estabelecer 
estratégias para sua inserç�o e fortalecimento nas instituições de ensino superior 
do país. Para tanto, foram realizados contatos através de correio eletrônico com 
os participantes do 1º Simpósio de Etnobiologia e Etnoecologia da Regi�o 
Sul (SEESUL - 2003) que desenvolveram trabal�os ou estavam vinculados a 
universidades desta regi�o. Também auxiliaram na coleta de dados os sócios da 
Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) que atuam no sul 
do país. Foram ainda utilizadas as ferramentas de busca dos portais eletrônicos 
das universidades da regi�o sul e da Plataforma Lattes do CNPq com a finalidade 
de identificar os grupos e iniciativas que atuam na temática etnobiológica no 
âmbito acadêmico (grupos de pesquisa, disciplinas oferecidas, populações e 
temas contemplados).
Cabe salientar que é apresentado aqui um pequeno diagnóstico e algumas 
re��exões sobre a etnobiologia no sul do Brasil, os quais tiveram por objetivo 
identificar tendências e n�o gerar listas de pesquisadores e instituições. Para 
este último fim, recomenda-se a consulta do manual organizado pela Sociedade 
Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) intitulado “Quem é quem na 
Etnobiologia e Etnoecologia no Brasil”.
��
A Etnobiologia e as questões curriculares
“O próprio conhecimento e o currículo devem ser vistos 
como produtos de relações sociais. Eles não são coisas, 
como a noção de conteúdo leva a crer.” 
Tomaz Tadeu da Silva
As iniciativas de ensino da etnobiologia na regi�o sul se valem de 
estratégias distintas. Uma estratégia bastante comum é a realizaç�o de cursos de 
extens�o, ciclos de debate ou palestras/cursos sobre etnobiologia em semanas 
acadêmicas, principalmente nas áreas de ciências agrárias, ciências biológicas e 
ciências da saúde. A temática também é abordada em cursos de especializaç�o 
em fitoterapia e plantas medicinais. Na maioria das atividades mencionadas o 
enfoque disciplinar tem sido o da etnobotânica.
Atualmente a abordagem mais utilizada no ensino da etnobiologia tem 
sido a inserç�o através de tópicos ou módulos dentro de disciplinas pré-existentes 
nas grades curriculares de diferentes cursos de graduaç�o. Assim, elementos 
de etnobiologia (sobretudo a etnobotânica e a etnofarmacologia) aparecem 
dentro de disciplinas como “botânica geral”, “botânica econômica”, “plantas 
medicinais”, “agrossilvicultura regional”, “pesquisa de plantas aromáticas e 
medicinais”, “�orticultura aplicada”, “ecologia �umana”, “farmacologia para 
biologia”, sendo que grande parte destas tem como foco aspectos relacionados 
ao uso de plantas medicinais.
Em poucos cursos de graduaç�o e pós-graduaç�o da regi�o sul já s�o 
oferecidas disciplinas (de caráter optativo) com enfoque etnobiológico tais 
como: “ecologia �umana e etnobiologia”, “introduç�o à etnobotânica” e 
“etnofarmacologia”. Sem dúvida, tais iniciativas devem ser ampliadas, de forma 
a atingir mais cursos e instituições. Para tanto, é inevitável que o “currículo 
vigente” seja questionado.
As discussões sobre currículo só gan�am o devido espaço quando 
surge alguma proposta de introduç�o de uma nova disciplina, de exclus�o de 
disciplinasou retorno de disciplinas abandonadas. E, no entanto, grande parte 
das questões referentes ao ensino perpassa o currículo, uma vez que este pode 
ser considerado o núcleo do processo institucionalizado de educaç�o. Ou ainda 
como propõe D´Ambrósio (2001), o currículo deve ser entendido como uma 
estratégia de aç�o educativa.
No entanto, como sempre lembrava Paulo Freire, como educadores 
estamos envolvidos em uma luta sobre significados, em um pano de fundo onde 
somente alguns significados s�o considerados legítimos, só algumas formas 
de compreender o mundo terminam tornando-se “con�ecimento oficial”. Esse 
�8
processo n�o evolui de forma natural. Este “pano de fundo” está estruturado de 
tal forma que os significados dominantes têm mais possibilidade de circular, 
afinal o con�ecimento nunca é neutro. Con�ecimento é poder e a circulaç�o de 
con�ecimento é parte da distribuiç�o social do poder. 
Desta forma, a dificuldade para a etnobiologia se expandir e consolidar 
no universo acadêmico n�o reside exclusivamente no fato de que estamos 
falando de uma ciência nova. N�o �á dúvida que tal fato é verdadeiro e por 
ser uma ciência relativamente nova, a etnobiologia, assim como todos seus 
desdobramentos disciplinares, ainda n�o tiveram tempo suficiente para se 
organizar e formalizar dentro da academia como as demais ciências. Contudo, 
ressalta-se aqui, que parte deste “atraso” se deve a uma resistência da “ciência 
oficial” ao recon�ecimento de um novo campo de con�ecimento representado 
pela etnobiologia, uma vez que esta tem por finalidade, conforme Costa Neto 
(2002), o estudo das formas alternativas e marginais de con�ecimentos e 
práticas correspondentes, quebrando o monopólio epistemológico imposto pela 
ciência moderna. Além disso, é sempre bom lembrar que através das “áreas” 
que se organizam cursos, departamentos e, principalmente, financiamento de 
pesquisas. 
No entanto, existe uma demanda criada, a qual n�o pode mais ser 
negada. É evidente o aumento do número de trabal�os, bem como de 
estudantes e pesquisadores atuando nas diversas subdivisões da etnobiologia. 
Concomitantemente, acompan�a-se o fortalecimento de grupos de pesquisa, o 
refinamento metodológico (em parte catalisado por críticas da “ciência oficial”), 
bem como a estruturaç�o de novas lin�as e grupos de pesquisa. 
Já na área da educaç�o, verifica-se o aumento gradual do número de 
disciplinas da área nas grades curriculares, tanto na graduaç�o como na pós-
graduaç�o. Todavia, aqui surge uma certa contradiç�o, fundamentada no 
caráter essencialmente interdisciplinar da etnobiologia. Seria a introduç�o 
de “etnodisciplinas” no currículo dos cursos de graduaç�o e pós-graduaç�o a 
estratégia mais adequada para fortalecimento do ensino de etnobiologia?
“Etnodisciplinas”: Uma das soluções possíveis
“Sabemos que, originalmente, a palavra “disciplina” 
designava um chicote utilizado no autoflagelamento e 
permitia, portanto, a autocrítica; em seu sentido degradado, 
a disciplina torna-se um meio de flagelar aquele que se 
aventura no domínio das idéias que o especialista considera 
sua propriedade”.
Edgar Morin
�9
Segundo Oliveira (2004), as c�amadas disciplinas ou “áreas” s�o 
desenvolvimentos �istóricos de processos consecutivos e seqüenciais de 
especializaç�o do saber a partir da tradiç�o filosófica grega, a partir do final da 
Idade Média, sendo importantes sociologicamente porque servem de critério de 
organizaç�o para a atual forma de produç�o do con�ecimento nas sociedades 
ocidentais. O pensar disciplinar progrediu até atingir uma incrível capacidade 
de penetrar profundamente em seus estreitos campos de re��ex�o, mas por outro 
lado, perdeu a capacidade de uma vis�o ampla e global. 
No caso da pesquisa em etnociências, sua compartimentalizaç�o pode 
levar a uma focalizaç�o prévia do saber do outro, recortando-se, de início, 
muito do que se quer, deliberadamente encontrar (D´Olne Campos 2002). Na 
educaç�o, a ênfase no domínio das disciplinas também tem sido perniciosa, 
uma vez que se procura justificar os conteúdos de um programa com base na 
lógica de cada disciplina (D´Ambrósio 2001). Ainda assim, as universidades 
s�o organizadas a partir das disciplinas e os currículos s�o nada mais do que 
uma multidisciplinaridade. N�o se pode esquecer que criar novas áreas de 
pesquisa, de natureza interdisciplinar, esbarra em um tipo de corporativismo 
departamental (D´Ambrósio 1997). 
Entretanto, embora sejam uma realidade, as “áreas” s�o um a posteriori 
�istórico e n�o um a priori sem o qual n�o podemos pensar (Oliveira 2004). 
Desta forma, a academia deve urgentemente recon�ecer os novos paradigmas 
do con�ecimento, partindo para uma nova dinâmica curricular, incorporando 
modelos interdisciplinares e transdisciplinares. Esta afirmaç�o é ainda mais 
relevante no caso da etnobiologia, ciência que deve enfatizar as categorias e 
conceitos cognitivos utilizados pelos povos em estudo (Posey 1987), os quais 
certamente n�o se organizam de forma disciplinar. Além disso, os trabal�os 
etnobiológicos costumam reunir e integrar métodos, técnicas e conceitos de 
variadas disciplinas. 
Com isto, n�o está sendo afirmado aqui que a abordagem disciplinar 
n�o ten�a sido importante na evoluç�o dos estudos etnobiológicos. Mais 
do que isto, ela ainda ser� importante por algum tempo, pois possibilita a 
organizaç�o e o aprofundamento de diversas questões e permite o avanço dos 
aspectos metodológicos. O que se quer pontuar é que estratégias pedagógicas 
alternativas ao enfoque compartimentalizado nas etnociências podem (e devem) 
ser estimuladas.
Ainda que a implementaç�o de estratégias curriculares inter/
transdisciplinares na etnobiologia seja uma meta em todo o país, algumas 
iniciativas da regi�o sul podem ser destacadas, entre elas a recente criaç�o de 
uma “disciplina n�o-disciplinar” c�amada etnoconservaç�o (oferecida em um 
curso de pós-graduaç�o de Botânica), bem como a realizaç�o de disciplinas 
compartil�adas entre diferentes cursos de pós-graduaç�o da mesma instituiç�o. 
4�
Estas corajosas e criativas iniciativas, as quais transcendem as limitações 
impostas pelos métodos e objetos de estudos das disciplinas, s�o raras, devendo 
ser ampliadas e valorizadas. 
Temáticas abordadas e linhas de pesquisa
“Instrumento que também contém sobras e pedaços 
por meio dos quais se realizam arranjos estruturais. 
Os fragmentos são obtidos num processo de quebra e 
destruição, em si mesmo contingente, mas sob a condição 
de que seus produtos ofereçam entre si certas homologias: 
de tamanho, de vivacidade, de cor, de transparência. 
Eles não têm mais um ser próprio em relação aos objetos 
manufaturados que falavam uma “linguagem” da qual 
se tornaram os restos indefiníveis; mais sobre um outro 
aspecto, devem tê-lo suficientemente para participar de 
maneira útil da formação de um ser de tipo novo”.
Lévi-Strauss, sobre o caleidoscópio.
Dentro da etnobiologia na regi�o sul, existe uma diversidade de 
temáticas abordadas. Entretanto, é possível afirmar que grande parte dos 
temas envolve questões relacionadas à conservaç�o da biodiversidade e ao 
manejo dos recursos naturais. Desta forma, muitas das pesquisas enfocam o 
manejo de produtos ��orestais (madeireiros e n�o-madeireiros) por populações 
tradicionais/locais. S�o realizados trabal�os em diferentes formações ��orestais 
e também em agroecossistemas, sendo que alguns destes trabal�os buscam a 
geraç�o de alternativas de renda para as comunidades estudadas. Ferramentas 
da etnobiologia, especialmente da etnoecologia e da etnobotânica, s�o ainda 
utilizadas na gest�o ambiental participativa de recursos e na elaboraç�o de 
estratégias de manejo de populações naturais.
Em relaç�o aos ambientes aquáticos, existem pesquisas que visam analisar 
a percepç�o, a classificaç�o, a nomenclatura, o con�ecimento ecológico local

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