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� Volume 3 NNUPEEAUPEEANNUPEEAUPEEA SBEE SOCIEDADE BRASILEIRA DE ETNOBIOLOGIA E ETNOECOLOGIA Núcleo de Publicações em Ecologia e Etnobotânica Aplicada NUPEEA Comissão Editorial Ulysses Paulino de Albuquerque (Coordenador), Ângelo Giuseppe Chaves Alves, Elba Lúcia Cavalcanti de Amorim, Elba Maria Nogueira Ferraz, Elcida Lima de Araújo, Laise de Holanda Cavalcanti Andrade, Maria das Graças Pires Sablayrolles, Natália Hanazaki, Nivaldo Peroni e Valdeline Atanázio da Silva. Revisão Dos autores Capa e Miolo Pablo Reis / Erivan Barbosa Fotos da Capa Rumi Regina Kubo �. Artesanato em palha de bananeira, confeccionado por integrante do grupo samambaia-preta- Artesanato, Maquiné, RS. 2. Coleta de samambaia-preta (Rumohra adiantiformis (G. Foret.) Ching), Litoral Norte do RS. Os textos que compõem esta coletânea são da inteira responsabilidade de seus autores. Universidade Federal Rural de Pernambuco Laboratório de Etnobotânica Aplicada, Departamento de Biologia Rua Dom Manoel de Medeiros s/n Dois Irmãos – Recife –Pernambuco - CEP.�� �2���-���CEP.�� �2���-��� www.ufrpe.br/lea Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia. Volume 3. Organizadores: Rumi Regina Kubo et al. – 1a. ed. - Recife: Nupeea/Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia, 2006. 284p. 1.Ecologia humana. 2. Pesquisa qualitativa. 3. Etnobiologia. 4. Comunidades locais. I. Kubo, Rumi Regina. II. Título CDD 21. ed. (635.8) � Volume 3 Rumi Regina Kubo Joana Braun Bassi Gabriela Coelho de Souza Nélson Leal Alencar Patrícia Muniz de Medeiros Ulysses Paulino de Albuquerque NNUPEEAUPEEANNUPEEAUPEEA SBEE SOCIEDADE BRASILEIRA DE ETNOBIOLOGIA E ETNOECOLOGIA Gestão 2005-2006 Diretoria: Presidente: Dr. Ulysses Paulino de Albuquerque (UFRPE) Vice-Presidente: Dra. Natália Hanazaki (UFSC) 1º Secretário: MSc. Reinaldo Farias Paiva de Lucena (UFRPE) 2º Secretário: Dra. Gabriela Peixoto Coelho de Souza (ANAMA) 1º Tesoureiro: Dr. Nivaldo Peroni (UNICAMP) 2º Tesoureiro: Dra. Rumi Regina Kubo (UFRGS) Conselho: Dra. Edna Machado Guimarães (UFRJ) Dra. Elaine Elisabetsky (UFRGS) Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto (UEFS) Dr. José Geraldo W. Marques (UEFS) Dr. Marcio D’Olne Campos (UNICAMP) Dra. Maria Christina de Mello Amorozo (UNESP - BOTUCATU) Plácido Costa Júnior (GERA) Dr.Virgílio Maurício Viana (ESALQ/USP) Representantes Regionais: Região Centro-Oeste: Dra. Maria de Fátima Coelho (UFMT) Região Nordeste: Dr. Ângelo Giuseppe Chaves Alves (UFRPE) Região Norte: Dra. Maria das Graças Pires Sablayrolles (UFPA) Biólogo Leonardo Pacheco (IBAMA-AM) Região Sudeste: Dr. Lin Chau Ming (UNESP-BOTUCATU) Região Sul: Bióloga Cristina Baldauf (UFSC) SBEE SOCIEDADE BRASILEIRA DE ETNOBIOLOGIA E ETNOECOLOGIA SUMÁRIO Apresentação..................................................................................................7 O ensino da etnobotânica Prof. Dr. Lin Chau Ming ................................................................................. 11 Etnobiologia e etnoecologia no Brasil: dos inícios continuados no singular feminino plural José Geraldo W. Marques ............................................................................15 Etnobiologia no sul do Brasil: onde estamos e para onde vamos? Cristina Baldauf .............................................................................................33 Etnoecologia e manejo de recursos naturais: reflexões sobre a prática Jorge L. Vivan ................................................................................................45 Etnobotânica, conservação e desenvolvimento local: uma conexão necessária em políticas do público Walter Steenbock ..........................................................................................65 A perspectiva da etnobotânica sobre o extrativismo de produtos florestais não madeiráveis e a conservação Gabriela Coelho de Souza & Rumi Kubo ....................................................85 Manejo sustentável de capim dourado e buriti no Jalapão, TO: importância do envolvimento de múltiplos atores Isabel B. Figueiredo,, Isabel B. Schmidt, Maurício B. Sampaio ................101 Extrativismo no sul e sudeste do Brasil: caminhos para sustentabilidade sócioambiental Maurício Sedrez dos Reis ........................................................................... 115 Neo-extrativismo sustentável Paulo Kageyama .........................................................................................129 A lógica do mercado e o futuro da produção extrativista Charles R. Clement .....................................................................................135 Capítulo 1 Capítulo 3 Capítulo 2 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Manejo de recursos genéticos vegetais por populações tradicionais do alto rio Solimões Hiroshi Noda & Sandra do Nascimento Noda ............................................151 A agrobiodiversidade e os direitos dos agricultores indígenas e tradicionais Juliana Santilli e Laure �mperaireLaure �mperaire ..............................................................165 A dimensão temporal da conservação da agrobiodiversidade por agricultores de subsistência – algumas considerações preliminares sobre um estudo de caso. Maria Christina de Mello Amorozo ..............................................................177 Histórias de plantas, histórias de vida: uma abordagem integrada da diversidade agrícola tradicional na Amazônia Laure �mperaire ..........................................................................................187 O conhecimento local e a diversidade de diversidades Natalia Hanazaki, Rogério Mazzeo, Vinícius C. Souza .............................199 Contribuições da antropologia para a pesquisa em etnobiologia Renate B.Viertler ......................................................................................... 211 MrurJykre: a cultura do Cipó – territorialidades Kaingang na bacia do Lago Guaíba, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil Ana �lisa de Castro Freitas ........................................................................223 Tempo do artesanato: etnogra��a do processo de busca de umatnogra��a do processo de busca de uma alternativa econômica para agricultores extrativistas em área de Mata Atlântica no RS Rumi Kubo e Gabriela Coelho de Souza ..................................................245 Sociobiodiversidade na pesca artesanal do litoral da Bahia Francisco José Bezerra Souto ...................................................................259 O debate contemporâneo sobre o território e o desenvolvimento sustentável: um olhar a partir da nova arquitetura do estado �duardo �rnesto Filippi ...............................................................................275 Capítulo 12 Capítulo 11 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 � APRESENTAÇÃO Apresentar uma obra é sempre uma tarefa difícil, sobretudo quando congrega textos tão diversos em seus teores, abordagens e formatos. Desta forma, de modo a propiciar uma apresentação inicial, cabe remetermos-nos ao contexto destes, ou seja, tratam-se dos textos relativos às palestras apresentadas no VI Simpósio de Etnobiologia e Etnoecologia, realizado em Porto Alegre, RS. Este evento bienal sob responsabilidade da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) constitui-se num fórum de debate de temas relacionados com a problemática socioambiental, apresentação da produção dos associados e pesquisadores que atuam nesta área, e de troca de experiências. Embora tenha caráter cientifico, considerando que o alvo dos estudos etnobiólogicossão as populações humanas e seu conhecimento sobre o ambiente e recursos naturais, recaímos obrigatoriamente na necessidade de abordar questões éticas relacionadas ao destino desses estudos. Neste sentido, este Simpósio tradicionalmente mobiliza não somente os pesquisadores, mas representantes e lideranças de populações tradicionais, profissionais e representantes de setores públicos e da iniciativa privada envolvidos com a temática sócio-ambiental. Nesta edição (os simpósios anteriores realizaram-se em Feira de Santana/ BA-�996, São Carlos/SP-�998; Piracicaba/SP-2���; Recife/PE- 2��2 e Chapada dos Guimarães/MT-2��4), o Simpósio Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia, sob o tema “Etnobiologia e Compromisso Socioambiental”, partindo da discussão e do acúmulo de informações proporcionados pelos simpósios anteriores, busca avançar nos debates, abordando as especificidades das pesquisas etnobiológicas e etnoecológicas, tanto do ponto de vista conceitual e epistemológico, como metodológico, e também aprofundar o debate relativo às conexões entre conhecimento cientifico e tradicional e suas conseqüências para o debate sócio- ambiental e, sobretudo, às relações entre o conhecimento gerado pela etnobiologia e sua contribuição para a melhoria das condições de vida das populações locais e a sociedade em geral. Uma das preocupações da SBEE e dos responsáveis pela série “Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia” - o qual integra esta publicação - reside na avaliação de que, apesar desta área temática apresentar-se ocupando um crescente espaço nas instituições de pesquisa e nas diversas instâncias deliberativas das políticas públicas, com desdobramento em especialidades, envolvimento crescente de pesquisadores e estudantes e um aumento do número de trabalhos, a Etnobiologia e Etnoecologia ainda não se encontram solidamente sistematizadas dentro do espaço acadêmico. Portanto, esta publicação, constitui-se num esforço 8 de contribuir para suprir esta lacuna. Sublinhando ainda a importância da questão, este é o tema central dos trabalhos de Cristina Baldauf e Lin Chau Ming que buscam reflexões tendo como pano de fundo dados sobre a presença da Etnobiologia e disciplinas correlatas nas instituições de ensino superior no Brasil. Visando abordar a própria trajetória da Etnobiologia e Etnoecologia, o texto de José Geraldo Marques busca identificar algumas personalidades fundamentais no processo de formação e consolidação desta área temática no Brasil. Constitui- se, assim, numa revisão da trajetória da(s) disciplina(s) e uma homenagem a estas personalidades. Adentrando aos temas abarcados pelas pesquisas etnobiológicas, como uma questão fundamental, e que vem sendo debatida ao longo do tempo, temos a preocupação com a discussão de metodologias de trabalho e de abordagens. Neste contexto procura-se tecer uma profunda reflexão sobre sua especificidade. Sobre este tema debruçam-se Renate Viertler e Walter Steenbock. Dentre tantos temas que tem merecido destaque nas pesquisas, aqui são abordados alguns mais específicos como é o caso do extrativismo, por meio de um acalorado debate sobre a sua viabilidade e limites como estratégia para conservação e empoderamento das populações que vivem em áreas de grande diversidade biológica. Este tema foi desenvolvido pelos pesquisadores Charles Clement, Gabriela Coelho de Souza e colaboradora, Mauricio Sedrez Reis e Paulo Kageyama. Ainda dentro dos temas enfocados pela Etnobiologia, estudos que tem a biodiversidade, mais especificamente a agrobiodiversidade, como congregadora de saberes e fazeres e conservação da biodiversidade como pano de fundo, são apresentados com uma riqueza de abordagens e resultados. Estes são os temas desenvolvidos por Jorge Vivan, Hiroshi Noda e Sandra Noda, Laure Emperaire e Maria Cristina Amorozo, Ao mesmo tempo, no que concerne a esta conexão da sócio-biodiversidade e a preocupação com a conservação, temos abordagens em diferentes escalas, que esboçam um pouco da complexidade e da dificuldade de abordar este tema, objetos dos artigos de Eduardo Filippi, Francisco José Bezerra de Souto e Natalia Hanazaki e colaboradores. Já preocupado com as conexões das pesquisas etnobiológicas com as populações envolvidas com as pesquisas, temos a discussão centrada em alguns estudos de caso como são o do artesanato com capim-dourado (Syngonanthus nitens) e buriti (Mauritia flexuosa), e outros recursos naturais como cipós e macrófitas aquáticas. Nestes processos, além do levantamento do conhecimento e manejo tradicional destes recursos, busca-se também dar luz às implicações políticas e sociais destes estudos alavancando o empoderamento e autonomia para os grupos envolvidos, como são os trabalhos abarcados por Ana Elisa Freitas, Isabel Figueiredo e colaboradores e Rumi Kubo e colaboradora. Neste contexto, 9 também, um tema fundamental refere-se aos mecanismos jurídicos que regem as políticas públicas de modo avaliar a viabilidade de todas estas propostas, o que é o tema central do artigo de Juliana Santilli e colaboradora. Desta forma, um pouco da diversidade temática abarcada pela Etnobiologia e Etnoecologia são aqui contempladas, mostrando que, como em toda pesquisa, a realidade é bem mais complexa, e que, parafraseando Cristina Baldauf, “a Etnobiologia ainda tem um longo caminho a trilhar” e para tal dependemos desta contribuição e convergência de um escopo tão grande de pesquisadores e pensadores (em sua ampla conotação). Finalmente, cabe ressaltar que esta edição da série “Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia” somente foi possível pela conjugação dos esforços dos integrantes da comissão organizadora do VI SBEE composto por servidores e estudantes da UFRGS, UFSC, UFRPE e UNESP/Botucatu. O processo de planejamento e editoração foi coordenado pelo DESMA (Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica) e Laboratório de Etnobotânica Aplicada da UFRPE. Os organizadores �� O ensino da etnobotânica Lin Chau Ming Departamento de Produção Vegetal – Setor Horticultura Faculdade de Ciências Agronômicas – UNESP – Botucatu – SP Email�� linming@fca.unesp.br Capítulo 1 �� As áreas de Etnobiologia e Etnoecologia ainda carecem de corpo docente disponível para atender às crescentes necessidades de trabalho em instituições e universidades no país, que agora começam a abranger essas áreas de pesquisa. Há uma necessidade premente de formação de recursos humanos para satisfazer tal demanda. No Brasil, a grande maioria dos docentes e mesmo pesquisadores dessas áreas é egressa de programas de Ciências Biológicas, provendo as necessidades teóricas de cunho social e cultural por estudos específicos e mesmo autodidatismo. Nos Estados Unidos, as Etnociências são tradicionalmente ocupadas por profissionais ligados às áreas antropológicas/sociais. (Amorozo et al. 2��2). Diante de tamanha diversidade, cultural e biológica, a formação de recursos humanos qualificados e em condição de responder a essas múltiplas situações é essencial para o desenvolvimento do país. No Brasil, na área das Etnociências, uma se sobressai. A Etnobotânica, sub- área provavelmente mais antiga e a que mantém em seu âmbito, um conjunto de professores e pesquisadores com um repertório de publicações e experiências mais consolidados e que, na ativa, continua a atrair novos pesquisadores e estudantes interessados nessa área. Fruto desse processo mais antigo e consistente de realização de trabalhos, a Etnobotânica vem obtendo, a cada ano, um espaço maior entre as sociedades científicas. A Sociedade Botânica do Brasil mantém em sua estrutura organizacional, o Grupo de Trabalho em Etnobotânica, encarregada de organizar e fomentar a área dentre os associados. Esse grupo se reúne no mínimo anualmente, e durante os CongressosNacionais, discutem temas relacionados com as necessidades da área, em reuniões satélites, além de promover, em conjunto com as comissões organizadoras, eventos técnicos, como palestras, mesas redondas e mini-cursos. Agregado ao GT, há uma rica parceria com o GELA, Grupo Etnobotânico Latino Americano, ampliando as ações em outros países irmãos. Diversas atividades conjuntas têm sido realizadas entre as entidades, com benefícios comuns. A Sociedade Botânica do Brasil também estabeleceu um comitê assessor dentro de sua revista científica, Acta Botânica Brasílica, na área de Etnobotânica, permitindo então que os trabalhos realizados nessa área possam ser publicados e divulgados com maior intensidade e abrangência. A partir de �996, com a fundação da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE), a Etnobotânica passa a ter outro canal de comunicação com a sociedade. Boa parte dos sócio-fundadores da SBEE é dessa área, o mesmo ocorrendo com os trabalhos apresentados em seus seminários nacionais bienais. No Brasil, a Etnobotânica tem conseguido um espaço crescente nos meios acadêmicos. Na área de ensino em nível de graduação e pós graduação, alguns dados foram obtidos por Fonseca-Kruel et al. (2���), num levantamento acerca do ensino acadêmico de Etnobotânica no Brasil. Há hoje oito Universidades que oferecem essa matéria nos currículos de graduação e nove na pós-graduação, nas áreas de Agronomia, Biologia, Farmácia e Engenharia Florestal. Estas Universidades abrangem todas as regiões geográficas brasileiras. Em áreas afins (Etnobiologia, Ecologia e manejo de Ecossistemas, Botânica Econômica, Farmacognosia, Etnoecologia, Plantas Medicinais, Ecologia Humana, �4 Plantas Hortícolas e Medicinais, Botânica Aplicada e Etnofarmacologia e outras), a Etnobotânica está incluída em tópicos destas disciplinas, em 24 cursos de graduação e oitos programas de pós graduação, em Universidades de todas as regiões brasileiras, nas mesmas áreas de pesquisas citadas anteriormente. Há uma concentração dos cursos e disciplinas na região Sudeste e Nordeste (�� e ��%, respectivamente), provavelmente devido à maior concentração de Universidades e docentes nessas regiões. As regiões Norte e Centro Oeste, com biomas considerados de alta diversidade vegetal e cultural, apresentam menor número de instituições de ensino que abordam o tema. Tal fato revela a necessidade da implementação de cursos e programas para o desenvolvimento desta disciplina nestes locais. Na Unesp, há disciplinas de Etnobotânica nos programas de graduação e pós-graduação nos campi de Rio Claro e Botucatu, tendo sido elaboradas e oferecidas a partir de �996. A análise dos conteúdos programáticos das disciplinas nas instituições de ensino revelou aspectos comuns com relação à abordagem conceitual da Etnobotânica, inserindo temas atuais, como a prospecção da biodiversidade, o desenvolvimento de novos produtos, a conservação da natureza e o uso sustentável dos recursos vegetais. Temas específicos são também focados, devido à diversidade cultural própria às diversas regiões brasileiras. Há, contudo, uma carência de materiais bibliográficos, com a utilização de poucas fontes e em geral manuais estrangeiros. Essa realidade começa a ser mudada aos poucos, com a publicação de algumas publicações relacionadas às técnicas e métodos de pesquisa em Etnobotânica no Brasil, com caráter didático. Esse retrato mostra um grande crescimento da área nos currículos acadêmicos brasileiros e há ainda outras disciplinas em processo de regulamentação, o que coloca a área como uma das que apresentam grandes índices de expansão. Em 2���, fruto também do reconhecimento da Etnobotânica como uma sub- área científica mais consolidada, o CNPq, ouvida a comunidade científica brasileira, apresenta uma proposta de discussão das novas áreas e sub-áreas de pesquisa no Brasil. Nesta proposta, a Etnobotânica está colocada como sub-área da Botânica, entrando no mesmo nível hierárquico que outras, como a Morfologia, Sistemática, Fisiologia, dentre outras. Isso representa um grande avanço para a área, incentivando ainda mais a ação dos pesquisadores envolvidos e atraindo novos interessados. Referências Bibliográficas Amorozo, M.C.M.; Ming, L.C. & Silva, S.M.P. (Eds.). 2��2. Métodos de coleta e análise de dados em Etnobiologia, Etnoecologia e disiciplinas correlatas. Pp. �8�-2�4. In�� Anais do I Seminário de Etnobiologia e Etnoecologia do Sudeste. Rio Claro. Coordenadoria de Área de Ciências Biológicas – Gabinete do Reitor – UNESP/CNPq. Fonseca-Kruel, V.S.; Silva, I.M. & Pinheiro, C.U.P. 2���. O ensino acadêmico da Etnobotânica no Brasil. Rodriguésia 56(8�)�� 9�-���6. Etnobiologia e etnoecologia no Brasil: dos inícios continuados no singular feminino plural José Geraldo W. Marques Laboratório de Etnobiologia / Depto. de Ciências Biológicas / Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) Capítulo 2 �� “E então nos sentamos todos e eu lhes disse que éramos todos colegos [grifo acrescentado]. E então o Belascoarán me disse que não se diz ‘colegos’, mas ‘colegas’. E então eu lhe disse que não, que ‘colegas’ é quando são mulheres e ‘colegos’ quando são homens. (...). E então eu lhes expliquei que nosso trabalho não se olha se estiver bem- feito, ou seja, se fazemos bem o nosso trabalho, ninguém olha [grifo acrescentado] (...). Mas, se fazemos mal o nosso trabalho, é uma desgraça.” Subcomandante Insurgente Marcos, 2006. Incitação temática A questão de gênero é de suma importância na pesquisa etnobiológica. Quanto a sujeit@s� de pesquisa, duas autoras suficientemente o demonstraram em recente artigo publicado no Journal of Ethnobiology (Pfeiffer & Butz 2���). Quanto a sujeit@s que pesquisam, pretendo demonstrar um pouco agora. Do ponto de vista prático, a questão é mais relevante ainda se levarmos em conta que o diálogo interfeminino poderá ser muito mais produtivo se e quando o objeto da pesquisa for “coisa de mulher”. A etnobiologia segundo Clément começou masculina (Clément �998). Nas três fases em que o autor divide a história da “disciplina” em períodos, pelo menos no que diz respeito à etnozoologia (Clément �99�), as mulheres inexistem - ou então são mudas! Embora a história da etnobiologia no Brasil ainda não tenha sido escrita nem devidamente sistematizada (e este trabalho pretende ser uma primeira e preliminar contribuição para isto), uma fase de precursores é claramente discernível - pelo menos na etnozoologia. Nela, a masculinidade parece predominar�� Rodolpho Garcia (Garcia �929), Hermann Baldus (Baldus �94�), Pedro de Lima, Eduardo Galvão (Lima & Galvão �949), Paulo Vanzolini (Vanzolini �9�8). Oswaldo Gonçalves de Lima (Gonçalves de Lima �946), por sua vez, seria exemplo de precursor em etnobotânica. Mesmo nessa fase prévia, porém, acredito que pelo menos o nome de uma mulher possa ser incluído�� Gioconda Mussolini. É exemplar esta sua afirmação�� “Tive oportunidade de conversar com inúmeros mestres de lanchas: todos eles com um verdadeiro calendário de �Depois da “Conferência da ONU sobre a Mulher”, em Beijing, China, o símbolo @ ficou convencionado para designar o masculino e o feminino ao mesmo tempo, para evitar as questões de gênero (exclusão). �8 pesca na cabeça, orgulhosos por conhecer como e quando procurar o ‘justo’ peixe, no ‘justo’ lugar”. Mussolini (1980). Será que nas fases subseqüentes de pioneirismo e do seu seqüenciamento, no caso brasileiro, o mutismo também foi norma? Poderíamos começar com um teste�� Quem conhece Ellen B. Basso? E Maria Heloisa Fénelon Costa? E Maria Aracy de Pádua Lopes da Silva? Talvez não muitos dentre nós, os que, entretanto semeamos e colhemos na mesma seara que elas... Pois é�� a primeira exerceu pioneirismo em etnotaxomia indígenano Brasil; a segunda foi pioneira em etnozoologia; a terceira o foi em etnoornitologia... Pois é! Ellen B. Basso�� a primeira, entre os antropólogos que trabalharam no Alto Xingu, a tratar de questões de taxonomia indígena. A esse respeito, reconhecendo o caráter hierárquico da classificação dos seres vivos pelos índios Kalapálo, defendeu tese de Ph.D. na Universidade de Chicago (Basso �969) e publicou livro em Nova Iorque (Basso �9��) - ao que me consta não traduzido para o português. Maria Heloisa Fénelon Costa�� artista plástica de formação, encantou- se pelas bonecas Karajá e foi positivamente impactada por um curso de especialização em etnologia que Darcy Ribeiro coordenou no Museu do Índio. Em conseqüência, nos inícios da década de �96� já atuava como antropóloga do Museu Nacional e dava início a suas viagens de pesquisa pelo Xingu, as quais ocorreram em �96�, �96�, �9��, �9��, �9�� e �9�8. Do seu trabalho de campo ao longo de �� anos, o qual incluiu coleta de desenhos espontâneos sobre a natureza junto a informantes de ambos os sexos e de todas as classes etárias, resultou um belo livro sobre os índios Mehináku, por eles ilustrado e contendo dados e análises sobre vegetais e animais (Costa �988). A parte que se refere a animais é particularmente notável e para escrevê-la a autora recorreu à competência de conhecidos zoólogos, a exemplo de Hypolithe Arlé, Ulisses Caramaschi e Dante Teixeira e utilizou Helmut Sick e José Cândido de Melo Carvalho como importantes referenciais. Embora a pesquisadora não utilize o prefixo etno para caracterizar os seus achados, o seu enfoque é claramente etnozoológico e etnotaxonômico e o interesse pela etnociência evidencia-se na referência a Harold Conklin. Ao tratar detalhadamente da classificação dos peixes, das aves e dos animais terrestres em geral, ela encontra uma categoria êmica de seres intermediários - entre eles o guará - e conclui que a taxonomia por ela encontrada também é “hierárquica”, porém valorizando devidamente as aspas com que marca o termo. A não utilização do prefixo etno deveu-se por certo a uma auto-avaliação que deve ter �9 resultado em mais conforto para a competente antropóloga que se julgou por certo zoologicamente não preparada. Isto pode deduzir-se das afirmações que ela faz em seu belo livro�� “Consegui levantar um vocabulário zoológico de relativa extensão(...).”“Pretendo tão-somente proceder neste trabalho à consideração de algumas das noções zoológicas incluídas numa concepção de Mundo indígena, relacionando-as aos desenhos espontâneos que as expressam ou as tornam mais perceptíveis, explicando aquilo que às vezes o verbal não consegue esclarece de modo suficiente”.(...) “Não é meu propósito, assim, estabelecer aqui uma etnozoologia [grifo acrescentado] alto-xinguana, ou mesmo apenas a elaborada pelos Mehináku, o que exigiria o concurso sistemático do zoólogo (...)”. Maria Aracy de Pádua Lopes da Silva�� Professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, chegou a implantar, neste Departamento, uma promissora linha de pesquisa em etnozoologia, infelizmente interrompida com a sua prematura morte. Sua orientação voltou-se especialmente para a etnoornitologia indígena (etno- ornitologia por vezes hifenizada, por certo refletindo o viés e a prudência de antropóloga lidando com temática das ciências biológicas), no que obteve “sucesso reprodutivo” pelo menos através de dois dos seus orientados�� no masculino, Eduardo Carrara (Carrara �99�) e no feminino, Isabele V. Giannini (Giannini �99�), o primeiro com trabalho de campo entre os Xavante e a segunda, entre os Kayapó-Xikrín. Ellen B. Basso, Maria Helena Fénelon Costa, Maria Aracy de Pádua Lopes da Silva... Quem tem notícia hoje das duas primeiras? Em que mundo, em que planeta elas se escondem? Aonde/onde? Da terceira, já se sabe�� depois de quase ter ensinado gente a virar pássaro, foi muito cedo virar estrela no lado de lá�� quem sabe mais uma híade, quem sabe mais uma d’alva, quem sabe mais uma plêiade?... A partir dessas três referências exemplares, cabe, pois, uma pergunta, sem dúvida relevante do ponto de vista de gênero�� por que se ignora tanto o papel das pioneiras em etnobiologia e etnoecologia no Brasil? Ou, talvez, mudando um pouco�� será que se ignora mesmo esse papel ou trata-se apenas de uma ilusão do que escreve? Parece-me que não, pois algum teste preliminar eu fiz (com “colegos” e colegas) e o resultado, embora prévio para se dizer que “a hipótese foi validada”, pareceu-me suficiente para “a confirmação as minhas suspeitas”. Assumo, pois, a título de desafio, esta pergunta básica�� por que se fala 2� bem mais nos homens do que nas mulheres da etnoecologia e da etnobiologia no Brasil? E faço-me outra�� será que é mesmo assim? Se fizermos um outro teste e pedirmos a alguém “do ramo” que cite os�� nomes de relevância na etnobiologia e na etnoecologia no Brasil que lhe venham primeiro à mente, quantas listas seriam encabeçadas por mulheres? E em quantas as mulheres seriam a maioria? Ou mesmo em quantas delas mais de uma mulher apareceriam? Ou até em quantas delas nenhuma mulher apareceria? E se pedíssemos uma lista só de mulheres, será que facilmente emergiriam mais de ��? As meninas exemplares Pois bem, neste trabalho, mais como um exercício amostral aplicado a mim mesmo, listo e/ou faço comentários sobre mulheres que sem dúvida alguma foram e/ou são de suma importância para a etnobiologia e a etnoecologia brasileiras. Sem elas, a nossa área de pesquisa teria uma qualidade muito inferior. Sua contribuição geratriz e nutriz alentou, alenta, aleita e aleitará caminhos e caminhantes inter, multi e trans que perpassam o território da complexa relação entre organismos & culturas. Chamo-as aqui, carinhosa e respeitosamente, de “As Meninas Exemplares”2. Sem dúvida, a tirania do tempo e a insuficiência do autor tornam inevitáveis as injustiças. Que me perdoem as injustiçadas. Fico-lhes a dever um próximo trabalho. O que aqui está deve ser visto muito mais como ponto de partida na forma de homenagem do que um ponto de chegada na forma de lista exaurida, uma contribuição para um histórico da etnobiologia e da etnoecologia no Brasil que faça receptoras do que lhes é devido pelo menos parte daquelas que o merecem. Para diminuir as injustiças, tentei definir critérios. Como o meu objetivo inicial era detectar pioneirismo, listei os seguintes, na certeza de que em pelo menos um deles as homenageadas brilhantemente inserem-se: a) Critério da intuição�� significando que mesmo na ausência de uma explicitação que recorresse ao prefixo etno, houve uma produção relevante que se encaixa no espírito da pesquisa etnocientífica; b) Critério de adesão�� significando que houve uma produção relevante intencional e explicitada de aderir ao espírito da pesquisa etnocientífica, seja à etnociência na sua forma clássica, seja à etnociência na sua forma ressemantizada; 2 No mínimo com a memória agradecida à Condessa de Ségur, cujo livro “As Meninas Exemplares” foi-me marcante leitura de infância. 2� c) Critério da primazia�� significando que em algum campo enquadrável na etnobiologia e/ou na etnoecologia, houve produção relevante de primeira mão; d) Critério da adversidade�� significando que por causa da adesão à pesquisa de caráter etnocientífico houve enfrentamento de hostilidades ou resistências devido à recalcitrância paradigmática (no sentido kuhniano) de pares e/ou nos ambientes de trabalho; e) Critério da reprodutibilidade�� significando que a produção teve e/ou tem impacto significativo (representado por referenciamento) no meio acadêmico e/ou que a contribuição pessoal (representada por orientações) para a formação transgeracional é relevante. Todo ou quase todomundo, suponho, conhece Berta G. Ribeiro, o que além de ser muito justo é muito bom – e vice-versa! Se levássemos, porém, adiante o nosso teste e perguntássemos quem ela teria sido, creio que muitos responderiam tratar-se da “mulher de Darcy Ribeiro”... Se isto acontecesse – e desconfio firmemente que possa acontecer! – seria uma grande injustiça! Indubitavelmente, no que diz respeito à etnobiologia e à etnoecologia, Darcy, mesmo sendo o grande Darcy, é que deveria ser conhecido como “o marido da Berta”, mesmo em sendo verdade aquilo que na sua modéstia de mulher genial e na sua reverência pelo homem que tanto amou, ela tenha chegado até a escrever�� “Aprendi antropologia - além da formação universitária – com Darcy Ribeiro na viagem de oito meses, feita em 1948, aos índios Kadiwéu e por ter datilografado os seus manuscritos de 1948 a 1974”. Ribeiro (1995) A ela e para com ela, por mais que justiça se lhe faça (a exemplo do Prêmio Érico Vanucci Mendes que lhe foi concedido), sempre remanesceremos em estado de dívida. Dúvida nenhuma, porém, pode pairar sobre a sua excelência de pioneira em vários campos dos estudos etnocientíficos no Brasil, a exemplo da etnoictiologia, da etnobotânica, da etnoastronomia, da etnoecologia. Pelo critério da adesão acima listado, dois dos capítulos do seu livro sobre o índio na cultura brasileira (Ribeiro �98�) merecem ser especialmente citados pela explicitação esteticamente construída dos seus títulos�� a) A natureza humanizada�� o saber etnobotânico [grifo acrescentado]; b) A natureza domada�� o saber etnozoológico [grifo acrescentado]. Na etnoictiologia, seu trabalho de campo realizou-se tanto na década de �98� quanto na década de �99� e sua sistematização tomou forma através de um capítulo inserido no livro “Os índios das Águas Pretas” que inclui um subcapítulo explicitamente intitulado “Etnoictiologia Desâna” (Ribeiro 22 �99�). Neste livro, há ainda um capítulo que explicitamente relaciona-se com etnobotânica�� “Etnobotânica Desâna�� Plantas Artesanais” e com relação ao livro todo ela chega a afirmar que o deve ao seu informante principal Tolomã Kenhíri�� “Talvez devesse ser assinado também por ele. Na verdade, todas as informações de campo - ou quase todas – são de sua autoria. Desde 1978, quando o encontrei na Missão Salesiana Pari-Cachoeira e lhe falei do meu projeto, nada mais fiz do que escrever em forma passível de leitura, os dados que me ia passando.” Ribeiro (1995) É ainda no campo da etnoictiologia que ela pouco depois enfatiza ainda mais o papel de Kenhíri, pois com ele divide co-autoria em um capítulo de livro; (Ribeiro & Kenhíri �996) organizado por Crodowaldo Paván. Trata-se na realidade um dos seus últimos trabalhos, produzido à iminência do câncer que em breve deixar-nos-ia meio órfãos. E foi um ato bastante corajoso, uma vez que o texto foi produzido para apresentação de conhecida e reconhecida antropóloga do Museu Nacional da UFRJ em Conferência Internacional que procurava uma estratégia latino-americana para a Amazônia (Paván �996). Na etnoastronomia - e fortemente relacionando-se com etnoecologia pela via da etnometeorologia - é notável o seu artigo relacionando “chuvas e constelações” de acordo com o ponto de vista dos índios Desâna (Ribeiro & Kenhíri �98�). Notável por vários motivos, dois deles merecendo especial comentário�� primeiro, a parceria que pela primeira vez ela oferece a Tolamãn Kenhíri, concretizando-o simetricamente como co-autor, coisa que ela o faz de forma natural, competente, honesta e sincera; segundo, pelo fato de que, embora sendo um artigo publicado em revista de divulgação científica (Ciência Hoje), ganhou tantas citações no meio acadêmico que passou a ser um texto exemplar, agora quase que um clássico referencial obrigatório entre praticantes de etnoecologia. Uma das suas contribuições maiores, porém, foi o trabalho que coordenou culminando na publicação do vol. � da Suma Etnológica Brasileira (Ribeiro �986), agora a Bíblia dos que se iniciam em etnobiologia no Brasil. É interessante registrar que a organização desse volume muitas vezes é atribuída a Darcy Ribeiro, tornando-se mesmo impossível pela ficha referenciada pelas normas da ABNT constante do livro fazer justiça a Berta. Uma questão no mínimo interessante parece-me ser a de descobrir quem, dentre as “meninas exemplares”, ocuparia o decanato (no sentido de tempo de atuação e não de idade, pois sabemo-las todas maiores - além de já terem conquistado uma idade que é perene!). Por enquanto, considero duas possíveis 2� candidatas�� Maria Elisabeth van den Berg e Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo. Maria Elisabeth van den Berg (Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém - PA)�� publicou pelo CNPq em �982, sobretudo com propósitos didáticos, o seu manual sobre plantas medicinais da Amazônia (Berg �982), um livro que é ao mesmo tempo trabalho de importância taxonômico/sistemática e referencial de peso sobre os usos populares que caracterizam amazônidas da região de Belém na lida com doenças. Neste trabalho, a autora faz referência às mais de �.��� plantas utilizadas com fins terapêuticos que ela teria levantado “pela Amazônia afora” e afirma que a maior parte do material descrito no livro é proveniente da sua coleção viva ou de coletas realizadas em feiras (principalmente a do Ver-o- Peso) e no interior da região. Refere-se ainda às entrevistas que teria conduzido com feirantes, mateiros, interioranos e outros elementos das mais diversas camadas sociais durante mais de doze anos de pesquisas, o que pressupõe seu trabalho como etnobotânica tenha sido iniciado ainda na década de �96�. Assim, a sua candidatura ao decanato feminino na pesquisa etnobiológica brasileira emerge com fortes possibilidades. Um outro trabalho de sua lavra que também teve caráter pioneiro, principalmente por já demonstrar nos idos da sua publicação (primeira metade da década de �98�) que uma etnobiologia urbana era perfeitamente factível, relacionou-se com a etnobotânica do famoso Mercado Ver-o-Peso de Belém do Pará (Berg �984). Ele foi apresentado no Simpósio sobre Etnobotânica no Neotrópico e incluído no livro que G. T. Prance publicou sobre o mesmo (Prance �984). Nele, a autora afirma ter iniciado o seu trabalho de campo relacionado com o Ver-o-Peso em �96� e intensificado-o em �9��, o que mais uma vez reforça a sua possibilidade de decanato. Também relacionada com etnobiologia urbana foi a sua pesquisa realizada em São Luís, em uma das mais antigas e tradicionais casas de culto (voduns) de origem africana (daomeiana) no Maranhão e no Brasil, a famosa Casa das Minas, onde na década de �98� a autora coletou in situ informações e espécimes relacionados a �26 espécies botânicas utilizadas como alimentos, banhos, liturgia e medicina (Berg �99�a). Algumas das suas outras pesquisas estiveram relacionadas com plantas de origem africana de valor sócio-econômico na Região Amazônica e no Meio- Norte do Brasil (Berg �99�b), com a flora medicinal do Maranhão (Berg �984) e com abluções tradicionais do Pará (Berg �986). Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo�� pesquisadora fundadora do Herbário Etnobotânico Duglas Teixeira Monteiro do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Detalhes sobre o banco de dados deste Herbário encontram-se na primeira parte de um livro por ela publicado (Camargo �999), cuja segunda parte trata das plantas 24 usadas no Catimbó norte-rio-grandense, trabalho que, em �989, lhe garantiu o Prêmio Nacional Câmara Cascudo. Na apresentação do livro, O Prof. Carlos Chifa, Titular de Etnofarmacobotãnica da Universidad Nacional del Nordeste, Argentina, refere-se “aos mais de �� anos de pesquisas” da autora, sendo que esta multiplicidade de décadas também por ela é assumida em um dos seusoutros livros (Camargo 2���). Nas suas próprias palavras�� “Nos trinta anos de pesquisa [grifo acrescentado], trilhando os mais variados caminhos em busca do saber popular relativo ao valor das plantas que curam levaram- me a conhecer de perto as práticas médicas que o povo adota, herança de uma medicina ancestral ajustada, com o passar do tempo, às diferentes realidades sócio-culturais, tanto de sociedades urbanas como rurais e de maior ou menor densidade demográfica.” As suas publicações sempre voltadas para a etnobotânica, demonstram um claro interesse por plantas medicinais e por aspectos ritualísticos de religiões de matrizes africanas (e.g., Camargo �9�6; Camargo �988; Camargo �99�). Com pesquisa em contexto urbano, inclusive na capital paulista e arredores (Tremembé e Embu), sua contribuição quanto a aspectos metodológicos da pesquisa também é importante (Camargo �988; Camargo 2���). Se é pelo critério de primazia, um nome que bem merece referência é o de Tekla Hartmann. Em �96�, ela publicou pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP o livro “A Nomenclatura Botânica dos Borôro. Materiais Para Um Ensaio Etno-Botânico”, cujo escopo é “parte de uma preocupação de longa data com o complexo das relações do indígena brasileiro, particularmente do Borôro, com a flora e seu habitat” (Hartmann �96�). A sua pesquisa, da qual o livro resultou, está para o pioneirismo em etnotaxonomia indígena de vegetais no Brasil (etnobotânica, apesar do hífen no título), como a de Maria Heloísa Fénelon Costa, acima citada, está para o pioneirismo em etnotaxonomia indígena de animais. A deduzir das suas afirmações, pelo menos uma viagem de campo foi realizada em �96�. A ultrapassagem de fronteiras e a conquista de nome e renome internacionais estão entre as características mais marcantes de duas das professoras e pesquisadoras brasileiras�� Elaine Elisabetsky, ex-UFPA e atual UFRGS, e Alpina Begossi, ex-NEPAM e atualmente Museu de História Natural da UNICAMP. A primeira, Doutora em Farmacologia pela Universidade de São Paulo, é Biomédica e Professora Adjunta do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Tem se distinguido sobremaneira na área de 2� etnofarmacologia (e.g., Elisabetsky �986a; Elisabetsky �986b; Elisabetsky & Nunes �99�; Simões et al. 2���), sendo atualmente uma referência obrigatória entre os seus pares. Além disso, exerceu a Presidência da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia, contribuindo seguramente para consolidá-la. A segunda, Doutora em Ecologia pela Universidade da Califórnia, é Bióloga e leciona Ecologia Humana no Instituto de Ciências Biológicas da UNICAMP, em Campinas. Tem publicações múltiplas nas quais o prefixo etno agrega-se a diversas áreas�� etnozoologia (e.g., Seixas & Begossi 2���), etnobotânica (e.g., Begossi �996), etnoictiologia (e.g., Paz & Begossi �996). Em etnoictiologia, no Brasil, cabe-lhe a primazia do primeiro artigo científico publicado (Begossi & Garavello �99�; Marques �99�). As duas preenchem bem o critério de reprodutibilidade, pois além de terem citações persistentes e permanecentes por pares, também têm conseguido “sucesso reprodutivo” através de múltiplos orientados, alguns já se destacando nacionalmente. Dentre estes – e apenas a título ilustrativo para não fazer injustiça aos demais – merece relevante menção o nome da atual Professora da Universidade Federal de Santa Catarina - onde ativamente atua na pesquisa etnobiológica - Natalia Hanazaki, orientada que foi de Alpina Begossi. Um trabalho de destaque internacional foi também o livro de Clarice Novaes da Mota (UFRJ, UFSE), publicado na Inglaterra, sobre os índios Xokó e Kariri-Xokó, seus rituais secretos, suas práticas curativas, seu uso de enteógenos (Mota �99�). O livro, lançado uma década depois da defesa da sua tese de doutorado sobre o mesmo tema (Mota �98�), resultou de pesquisas de campo iniciadas nos começos da década de �98�. Doutora em Antropologia Social, com pós-doutorado em Etnobotânica, a professora e pesquisadora tem concentrado sua produção mais relevante em tópicos relacionados com enteógenos, principalmente com a jurema e a ayahuasca em diversos contextos, inclusive no urbano (e.g., Mota �99�; Mota �996; Mota 2��2). Com José Flávio Pessoa de Barros, praticou, inclusive, observação participante em centros de Umbanda e Candomblé do Rio de Janeiro. Com referência à UFRJ também são os trabalhos de Edna M. Machado- Guimarães (e.g., Machado-Guimarães �998), que se relacionam inclusive com etnobotânica (Restinga de Maricá RJ) e etnoecologia (Carapebus RJ). Com respeito à etnobotânica seu interesse esteve relacionado com o conhecimento tradicional sobre a flora possuído por um grupo transgeracional de pescadores artesanais, sendo que, a partir daí, teve origem o Banco de Dados Etnoflorísticos das Restingas Fluminenses. Quanto à etnoecologia, a pesca artesanal na Lagoa de Carapebus tem sido especialmente contemplada através de um continuado projeto de pesquisa. Continuado também tem sido o assento da professora e pesquisadora no Conselho da SBEE. A ultrapassagem de fronteiras e a conquista de nome e renome nacionais, 26 por sua vez, marcou a produção de Laure Emperaire e de Janet Chernella. A primeira, atualmente sediada no Institut de Recherche pour le Dévelopement em Paris, tem ao longo do tempo mantido um pé na Europa e outro no Brasil e no e sobre o Brasil, sua mão tem se estendido desde o Piauí (Emperaire �9�8; Emperaire �98�; Emperaire �986; Emperaire �99�) à Amazônia (e.g., Emperaire et al. �998). No contexto amazônico, os seus trabalhos têm se relacionado principalmente com extrativismo e agrobiodiversidade (mandioca). No contexto nordestino, os seus trabalhos sobre a caatinga têm absoluta primazia quanto à abordagem etnobotânica desse bioma e a sua orientação de tese de doutorado em etnoecologia (Borges 2��4) permite que ela seja incluída, dentre as mulheres, entre os pioneiros que exploram e conferem as reais possibilidades de se trabalhar com etnoecologia em contextos urbanos. Janet Chernella esteve ligada ao INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e um dos seus trabalhos principais encontra-se incluído no Volume I da Suma Etnológica Brasileira (Ribeiro �986). Trata dos cultivares de mandioca dos índios Tukâno na área do Uaupés (Chernella �986). Quanto a cultivares de mandioca, uma outra professora e pesquisadora que se notabilizou foi Maria Christina Amorozo do Departamento de Ecologia do IB da UNESP em Rio Claro (v. Amorozo �996; Amorozo 2���). Ligações culturais a ela relacionadas, colaterais e na verticalidade, são de importância para a etnobiologia e a etnoecologia no Brasil. Na vertical, ela é “filha cultural” de Renate Brigitte Viertler (portanto neta de Gioconda Mussolini), a qual, embora na sua produção individualizada tenha tocado em estudos etno de forma mais tangencial (Viertler 2���), influenciou a todos ou pelo menos a muitos dos que atuam diretamente nessa área, principalmente através dos seus escritos em antropologia ecológica / ecologia cultural (e.g., Viertler �982; Viertler �988). Como “filha cultural” da Profa. Renate, ela é irmã de Joana A. Fernandes Silva, que, por sua vez, publicou importante livro sobre etnoecologia do Pantanal dividindo autoria com Carolina Joana da Silva (Silva & Silva �99�). Esta professora e pesquisadora (UFMT, UNIMAT) deu uma importante contribuição para que se compreenda emicamente a cultura pantaneira ao publicar trabalho sobre “batume” e “diquada” (Silva �984). A irmandade via Profa. Renate estende-se também a Cristina Adams que, embora sem utilizar a expressão etnoecologia, publicou, ainda na década de �98�, interessante trabalho sobre “as florestas virgens manejadas” da Amazônia, que,lato sensu, bem poderia enquadrar-se nessa área (Adams �984). A ligação colateral relevantemente produtiva da Profa. Amorozo, no entanto, deu-se com Anne Gély, autora de ligação com o Departamento de Botânica do Museu Goeldi com quem dividiu autoria de publicações sobre plantas medicinais (e.g., Amorozo & Gély �988). Sobre este tópico, Gély também publicou artigo com Elisabetsky (Elisabetsky & Gély �98�). 2� Por último, mas seguramente não menos importantes, são três citações, uma do Sudeste e duas nordestinas�� Eliana Rodrigues (UNIFESP), Laíse de Holanda Cavalcanti de Andrade (UFPE) e Mara Zélia de Almeida (UFBA), cujo interesse tem se dirigido com ênfase, prioridade ou exclusividade, para plantas medicinais. A primeira, ao trabalhar com comunidades indígenas (Krahô), tornou-se emblemática por ter sido @ primeir@ membr@ da nossa comunidade de pesquisa que “caiu na malha fina do CGEN”. Seu objeto de pesquisa (plantas com potencial efeito no sistema nervoso central) é extremamente delicado e da mais alta relevância social e científica e a sua produção tem correspondido ao esperado em tal situação (e.g., Rodrigues & Carlini, 2��4). A segunda, poderia encabeçar listas de etnobotânic@s competentes sob quaisquer aspectos. Conseguiu pioneiramente implantar em níveis de graduação e pós-graduação na sua Universidade disciplinas relacionadas com a relação entre pessoas e plantas e exemplarmente reproduziu-se através do seu “filho cultural” Ulysses Paulino de Albuquerque, com quem tem dividido autoria de publicações, inclusive sobre uso de recursos na caatinga (e.g., Albuquerque & Andrade 2��2a; Albuquerque & Andrade 2��2b). A terceira, salienta-se por estudos relacionados com religião de matriz africana, os quais são autoritativamente relevantes pela sua vivência pessoal e familiar em ambientes da própria prática religiosa, o que lhe confere um caráter de “etnógrafa da própria cultura”. A esse respeito, o livro que publicou sobre plantas medicinais no candomblé de nação Angola (Almeida 2���) dá-lhe testemunho singular. A prova dos nove Como espero ter demonstrado, não houve e não há mutismo feminino na história da etnobiologia no Brasil. Pelo contrário, as mulheres têm falado e têm-no feito em alto e bonito som, em forte e acertado tom, caracterizando um itinerário singular feminino plural. O semi-mutismo estranho parece ser de fato o que a comunidade como um todo parece devotar-lhes, para cujo declínio espero estar contribuindo com este trabalho. Em nada as colegas ficam em dívida com seus “colegos”, nem em permanência (como precursoras, pioneiras e seguidoras), nem em abrangência (temática e geográfica), nem em produção (qualidade e quantidade). Até mesmo, muito provavelmente devido a um contexto histórico de ventos mais favoráveis, a velada “permissão” social para a entrada feminina, tão característica em outras ciências, foi desnecessária. Elas valorosamente abriram as portas e competentemente pediram passagem. Desde �96� as suas publicações estão aí. Do Norte ao Sul – passando pelo Sudeste, do Nordeste ao Centro-Oeste, trabalhando entre camponeses, quilombolas, caiçaras, ribeirinhos, caboclos, indígenas, etc., quer seja na Floresta 28 Atlântica, quer na Amazônia, no Pantanal ou na Caatinga, as suas pesquisas, tanto em contextos urbanos quanto em contextos rurais, têm coberto os mais diversos tópicos�� religiões de matrizes africanas, etnobotânica, etnozoologia (com ênfase em etnoornitologia e etnoictiologia), etnoecologia, etnoastronomia, agricultura (c/ agrobiodiversidade), enteógenos, etc. Dentre as plantadoras dos inícios, muito poucas foram as que já “viraram constelação”. Todas as outras continuam aí�� vivas, belas, lépidas e fagueiras. Longa vida para elas! Sejam elas as nossas estrelas! Referências bibliográficas Adams, C. �994. As florestas virgens manejadas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi - Série Antropologia 10(�)�� �-�9. Albuquerque, U.P. & Andrade, L.H.C. 2��2a. 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Cristina Baldauf Representante da regional sul da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE); �esquisadora do Núcleo de �esquisas em Florestas Tropicais (NPFT-UFSC). cris@ccb.ufsc.br Capítulo 3 �� Contextualização inicial “No terreno da educação ainda se encontram ambientes fechados, com aquele ar parado das certezas prontas”. Hugo Assmann A etnobiologia pode ser compreendida como o estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito do mundo natural e das espécies (Posey �98�). Busca entender os processos de interação das populações humanas com os recursos naturais, com especial atenção à percepção, conhecimento e usos (Hanazaki 2��2). De acordo com Clément (1998), a etnobiologia �istoricamente pode ser dividida em três períodos: pré-clássico, clássico e pós-clássico. Segundo o mesmo autor, durante o período pré-clássico, iniciado aproximadamente no ano de 1860, o enfoque dado aos estudos estava centrado na coleta de informações sobre o uso de recursos. No período clássico, o qual tem início no ano de 1954, foi realizado um grande número de trabal�os de cun�o lingüístico e de classificaç�o etnobiológica, muitos dos quais tem por foco a perspectiva êmica, ocorrendo uma crescente utilizaç�o de metodologias oriundas da antropologia. Atualmente vivenciamos o período pós-clássico da etnobiologia, o qual teve como marco inicial o ano de 1981 (Clément 1998). Neste período surgiram as sociedades acadêmicas e periódicos especializados e o enfoque de um grande número de pesquisas convergiu para o estudo do manejo de recursos naturais em diferentes grupos étnicos, promovendo uma interaç�o entre a etnobiologia e a conservaç�o. Além disso, s�o temas recentes em etnobiologia a necessidade de proteç�o e regulamentaç�o ao acesso ao con�ecimento tradicional/local, assim como a repartiç�o de benefícios com os detentores do con�ecimento associado a um dado recurso. O envolvimento das populações nas pesquisas, n�o apenas como fornecedoras de informações ou material biológico, mas como co-partícipes do projeto também é uma tendência do período pós-clássico da etnobiologia e reforça um de seus objetivos que é “promover um arcabouço teórico para integrar os diferentes sub-setores das ciências naturais e sociais com outros sistemas científicos” (Posey 1986). A integraç�o proposta pela etnobiologia se dá a partir de processos dialógicos entre diferentes saberes. Esta perspectiva dialética, a qual cria um diferencial nos estudos etnobiológicos, n�o se preocupa (ou n�o deveria se preocupar) unicamente com descrever ou caracterizar o con�ecimento destes atores sociais, mas também em promover uma articulaç�o deste con�ecimento com o “con�ecimento científico sistematizado”, a qual �6 resulte em transformações críticas e resoluç�o de problemas locais. Etimologicamente, o nome “academia” vem de heka (=longe, distante) e dêmos (= povo) (Brand�o 1991, apud D´Ambrósio 2001) e de fato, a academia ao longo de sua �istória ignorou uma multiplicidade de con�ecimentos e manifestações destes, ao eleger o saber científico como única possibilidade epistemológica. Assim, a etnobiologia, de certa forma, inverte a lógica dos objetivos “nobres” do saber pelo saber, do saber como um fim em si mesmo e busca a aproximaç�o da academia com as “questões reais” dos seus antigos objetos de estudo, agora parceiros de pesquisa. Ao longo de sua �istória, a etnobiologia foi se estruturando sob a lógica disciplinar (etnobotânica, etnozoologia, etnoecologia, etnomicologia, entre várias outras), sendo que, de acordo com Martin (1995), o prefixo ethno unifica todas estas especialidades, representando o modo de outras sociedades olharem o mundo. No entanto, a despeito de seu desdobramento em inúmeras especialidades, assim como do envolvimento crescente de pesquisadores e estudantes e do aumento do número de estudos na área, a etnobiologia ainda n�o se encontra sistematizada e formalizada dentro do espaço acadêmico. Apesar da existência de lin�as de pesquisa com temática etnobiológica em algumas universidades no país, n�o existe nen�um curso de pós-graduaç�o específico até o momento. Além disso, conforme destaca Fonseca-Kruel et al. (2005), poucas instituições já inseriram em suas grades curriculares, seja na graduaç�o ou pós-graduaç�o, disciplinas ou cursos específicos relacionados às Etnociências no Brasil. Neste contexto, a proposta deste trabal�o é avaliar a situaç�o da etnobiologia no universo acadêmico na regi�o sul do Brasil, a fim de estabelecer estratégias para sua inserç�o e fortalecimento nas instituições de ensino superior do país. Para tanto, foram realizados contatos através de correio eletrônico com os participantes do 1º Simpósio de Etnobiologia e Etnoecologia da Regi�o Sul (SEESUL - 2003) que desenvolveram trabal�os ou estavam vinculados a universidades desta regi�o. Também auxiliaram na coleta de dados os sócios da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) que atuam no sul do país. Foram ainda utilizadas as ferramentas de busca dos portais eletrônicos das universidades da regi�o sul e da Plataforma Lattes do CNPq com a finalidade de identificar os grupos e iniciativas que atuam na temática etnobiológica no âmbito acadêmico (grupos de pesquisa, disciplinas oferecidas, populações e temas contemplados). Cabe salientar que é apresentado aqui um pequeno diagnóstico e algumas re��exões sobre a etnobiologia no sul do Brasil, os quais tiveram por objetivo identificar tendências e n�o gerar listas de pesquisadores e instituições. Para este último fim, recomenda-se a consulta do manual organizado pela Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) intitulado “Quem é quem na Etnobiologia e Etnoecologia no Brasil”. �� A Etnobiologia e as questões curriculares “O próprio conhecimento e o currículo devem ser vistos como produtos de relações sociais. Eles não são coisas, como a noção de conteúdo leva a crer.” Tomaz Tadeu da Silva As iniciativas de ensino da etnobiologia na regi�o sul se valem de estratégias distintas. Uma estratégia bastante comum é a realizaç�o de cursos de extens�o, ciclos de debate ou palestras/cursos sobre etnobiologia em semanas acadêmicas, principalmente nas áreas de ciências agrárias, ciências biológicas e ciências da saúde. A temática também é abordada em cursos de especializaç�o em fitoterapia e plantas medicinais. Na maioria das atividades mencionadas o enfoque disciplinar tem sido o da etnobotânica. Atualmente a abordagem mais utilizada no ensino da etnobiologia tem sido a inserç�o através de tópicos ou módulos dentro de disciplinas pré-existentes nas grades curriculares de diferentes cursos de graduaç�o. Assim, elementos de etnobiologia (sobretudo a etnobotânica e a etnofarmacologia) aparecem dentro de disciplinas como “botânica geral”, “botânica econômica”, “plantas medicinais”, “agrossilvicultura regional”, “pesquisa de plantas aromáticas e medicinais”, “�orticultura aplicada”, “ecologia �umana”, “farmacologia para biologia”, sendo que grande parte destas tem como foco aspectos relacionados ao uso de plantas medicinais. Em poucos cursos de graduaç�o e pós-graduaç�o da regi�o sul já s�o oferecidas disciplinas (de caráter optativo) com enfoque etnobiológico tais como: “ecologia �umana e etnobiologia”, “introduç�o à etnobotânica” e “etnofarmacologia”. Sem dúvida, tais iniciativas devem ser ampliadas, de forma a atingir mais cursos e instituições. Para tanto, é inevitável que o “currículo vigente” seja questionado. As discussões sobre currículo só gan�am o devido espaço quando surge alguma proposta de introduç�o de uma nova disciplina, de exclus�o de disciplinasou retorno de disciplinas abandonadas. E, no entanto, grande parte das questões referentes ao ensino perpassa o currículo, uma vez que este pode ser considerado o núcleo do processo institucionalizado de educaç�o. Ou ainda como propõe D´Ambrósio (2001), o currículo deve ser entendido como uma estratégia de aç�o educativa. No entanto, como sempre lembrava Paulo Freire, como educadores estamos envolvidos em uma luta sobre significados, em um pano de fundo onde somente alguns significados s�o considerados legítimos, só algumas formas de compreender o mundo terminam tornando-se “con�ecimento oficial”. Esse �8 processo n�o evolui de forma natural. Este “pano de fundo” está estruturado de tal forma que os significados dominantes têm mais possibilidade de circular, afinal o con�ecimento nunca é neutro. Con�ecimento é poder e a circulaç�o de con�ecimento é parte da distribuiç�o social do poder. Desta forma, a dificuldade para a etnobiologia se expandir e consolidar no universo acadêmico n�o reside exclusivamente no fato de que estamos falando de uma ciência nova. N�o �á dúvida que tal fato é verdadeiro e por ser uma ciência relativamente nova, a etnobiologia, assim como todos seus desdobramentos disciplinares, ainda n�o tiveram tempo suficiente para se organizar e formalizar dentro da academia como as demais ciências. Contudo, ressalta-se aqui, que parte deste “atraso” se deve a uma resistência da “ciência oficial” ao recon�ecimento de um novo campo de con�ecimento representado pela etnobiologia, uma vez que esta tem por finalidade, conforme Costa Neto (2002), o estudo das formas alternativas e marginais de con�ecimentos e práticas correspondentes, quebrando o monopólio epistemológico imposto pela ciência moderna. Além disso, é sempre bom lembrar que através das “áreas” que se organizam cursos, departamentos e, principalmente, financiamento de pesquisas. No entanto, existe uma demanda criada, a qual n�o pode mais ser negada. É evidente o aumento do número de trabal�os, bem como de estudantes e pesquisadores atuando nas diversas subdivisões da etnobiologia. Concomitantemente, acompan�a-se o fortalecimento de grupos de pesquisa, o refinamento metodológico (em parte catalisado por críticas da “ciência oficial”), bem como a estruturaç�o de novas lin�as e grupos de pesquisa. Já na área da educaç�o, verifica-se o aumento gradual do número de disciplinas da área nas grades curriculares, tanto na graduaç�o como na pós- graduaç�o. Todavia, aqui surge uma certa contradiç�o, fundamentada no caráter essencialmente interdisciplinar da etnobiologia. Seria a introduç�o de “etnodisciplinas” no currículo dos cursos de graduaç�o e pós-graduaç�o a estratégia mais adequada para fortalecimento do ensino de etnobiologia? “Etnodisciplinas”: Uma das soluções possíveis “Sabemos que, originalmente, a palavra “disciplina” designava um chicote utilizado no autoflagelamento e permitia, portanto, a autocrítica; em seu sentido degradado, a disciplina torna-se um meio de flagelar aquele que se aventura no domínio das idéias que o especialista considera sua propriedade”. Edgar Morin �9 Segundo Oliveira (2004), as c�amadas disciplinas ou “áreas” s�o desenvolvimentos �istóricos de processos consecutivos e seqüenciais de especializaç�o do saber a partir da tradiç�o filosófica grega, a partir do final da Idade Média, sendo importantes sociologicamente porque servem de critério de organizaç�o para a atual forma de produç�o do con�ecimento nas sociedades ocidentais. O pensar disciplinar progrediu até atingir uma incrível capacidade de penetrar profundamente em seus estreitos campos de re��ex�o, mas por outro lado, perdeu a capacidade de uma vis�o ampla e global. No caso da pesquisa em etnociências, sua compartimentalizaç�o pode levar a uma focalizaç�o prévia do saber do outro, recortando-se, de início, muito do que se quer, deliberadamente encontrar (D´Olne Campos 2002). Na educaç�o, a ênfase no domínio das disciplinas também tem sido perniciosa, uma vez que se procura justificar os conteúdos de um programa com base na lógica de cada disciplina (D´Ambrósio 2001). Ainda assim, as universidades s�o organizadas a partir das disciplinas e os currículos s�o nada mais do que uma multidisciplinaridade. N�o se pode esquecer que criar novas áreas de pesquisa, de natureza interdisciplinar, esbarra em um tipo de corporativismo departamental (D´Ambrósio 1997). Entretanto, embora sejam uma realidade, as “áreas” s�o um a posteriori �istórico e n�o um a priori sem o qual n�o podemos pensar (Oliveira 2004). Desta forma, a academia deve urgentemente recon�ecer os novos paradigmas do con�ecimento, partindo para uma nova dinâmica curricular, incorporando modelos interdisciplinares e transdisciplinares. Esta afirmaç�o é ainda mais relevante no caso da etnobiologia, ciência que deve enfatizar as categorias e conceitos cognitivos utilizados pelos povos em estudo (Posey 1987), os quais certamente n�o se organizam de forma disciplinar. Além disso, os trabal�os etnobiológicos costumam reunir e integrar métodos, técnicas e conceitos de variadas disciplinas. Com isto, n�o está sendo afirmado aqui que a abordagem disciplinar n�o ten�a sido importante na evoluç�o dos estudos etnobiológicos. Mais do que isto, ela ainda ser� importante por algum tempo, pois possibilita a organizaç�o e o aprofundamento de diversas questões e permite o avanço dos aspectos metodológicos. O que se quer pontuar é que estratégias pedagógicas alternativas ao enfoque compartimentalizado nas etnociências podem (e devem) ser estimuladas. Ainda que a implementaç�o de estratégias curriculares inter/ transdisciplinares na etnobiologia seja uma meta em todo o país, algumas iniciativas da regi�o sul podem ser destacadas, entre elas a recente criaç�o de uma “disciplina n�o-disciplinar” c�amada etnoconservaç�o (oferecida em um curso de pós-graduaç�o de Botânica), bem como a realizaç�o de disciplinas compartil�adas entre diferentes cursos de pós-graduaç�o da mesma instituiç�o. 4� Estas corajosas e criativas iniciativas, as quais transcendem as limitações impostas pelos métodos e objetos de estudos das disciplinas, s�o raras, devendo ser ampliadas e valorizadas. Temáticas abordadas e linhas de pesquisa “Instrumento que também contém sobras e pedaços por meio dos quais se realizam arranjos estruturais. Os fragmentos são obtidos num processo de quebra e destruição, em si mesmo contingente, mas sob a condição de que seus produtos ofereçam entre si certas homologias: de tamanho, de vivacidade, de cor, de transparência. Eles não têm mais um ser próprio em relação aos objetos manufaturados que falavam uma “linguagem” da qual se tornaram os restos indefiníveis; mais sobre um outro aspecto, devem tê-lo suficientemente para participar de maneira útil da formação de um ser de tipo novo”. Lévi-Strauss, sobre o caleidoscópio. Dentro da etnobiologia na regi�o sul, existe uma diversidade de temáticas abordadas. Entretanto, é possível afirmar que grande parte dos temas envolve questões relacionadas à conservaç�o da biodiversidade e ao manejo dos recursos naturais. Desta forma, muitas das pesquisas enfocam o manejo de produtos ��orestais (madeireiros e n�o-madeireiros) por populações tradicionais/locais. S�o realizados trabal�os em diferentes formações ��orestais e também em agroecossistemas, sendo que alguns destes trabal�os buscam a geraç�o de alternativas de renda para as comunidades estudadas. Ferramentas da etnobiologia, especialmente da etnoecologia e da etnobotânica, s�o ainda utilizadas na gest�o ambiental participativa de recursos e na elaboraç�o de estratégias de manejo de populações naturais. Em relaç�o aos ambientes aquáticos, existem pesquisas que visam analisar a percepç�o, a classificaç�o, a nomenclatura, o con�ecimento ecológico local
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