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1Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Ângelo Giuseppe Chaves Alves Reinaldo Farias Paiva de Lucena Ulysses Paulino de Albuquerque (organizadores) Recife 2005 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Volume 2 2 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Núcleo de Publicações em Ecologia e Etnobotânica Aplicada – NUPEEA Comissão Editorial Ulysses Paulino de Albuquerque (Coordenador), Ângelo Giuseppe Chaves Alves, Elba Lúcia Cavalcanti de Amorim, Elba Maria Nogueira Ferraz, Elcida Lima de Araújo, Laise de Holanda Cavalcanti Andrade, Maria das Graças Pires Sablayrolles, Natália Hanazaki, Nivaldo Peroni e Valdeline Atanázio da Silva. Diagramação e Capa Futura Design e Comunicação (81) 88549072 | 8855.4496 Fotos da Capa Ângelo Giuseppe Chaves Alves 1. Boneco de mamulengo em fase de elaboração em Pombos (Pernambuco), com madeira de “mulungu” (Erithryna sp.) 2. Flor de “mulungu” (Erithryna velutina Willd.), encontrada no municipio de Areia, Paraíba. 3. Ceramista camponesa indicando seção vertical de solo em que se extrai o material denominado “barro de loiça” em Areia (Paraíba). 4. Detalhe da pesca com rede de espera no Açude Bodocongó (Campina Grande, Paraíba). 5. Detalhe do uso de “pereiro” (Apocynaceae) no tratamento de superfície de vasos cerâmicos (“loiça de barro”) em Areia (Paraíba). Revisão Dos autores Os textos que compõem esta coletânea são da inteira responsabilidade de seus autores. Universidade Federal Rural de Pernambuco Laboratório de Etnobotânica Aplicada, Departamento de Biologia Rua Dom Manoel de Medeiros s/n Dois Irmãos – Recife –Pernambuco - CEP.: 52171-030 www.ufrpe.br/lea 3Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Ângelo Giuseppe Chaves Alves Reinaldo Farias Paiva de Lucena Ulysses Paulino de Albuquerque (organizadores) Recife 2005 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Volume 2 4 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Gestão 2005-2006 Diretoria: Presidente: Dr. Ulysses Paulino de Albuquerque (UFRPE) Vice-Presidente: Dra. Natália Hanazaki (UFSC) 1º Secretário: MSc. Reinaldo Farias Paiva de Lucena (UFRPE) 2º Secretário: Dra. Gabriela Peixoto Coelho de Souza (ANAMA) 1º Tesoureiro: Dr. Nivaldo Peroni (UNICAMP) 2º Tesoureiro: MSc. Rumi Regina Kubi (UFRGS) Conselho: Dra. Edna Machado Guimarães (UFRJ) Dra. Elaine Elisabetsky (UFRGS) Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto (UEFS) Dr. José Wanderley Geraldo Marques (UEFS) Dr. Marcio D’Olne Campos (UNICAMP) Dra. Maria Christina de Mello Amorozo (UNESP - BOTUCATU) Plácido Costa Júnior (GERA) Dr.Virgílio Maurício Viana (ESALQ/USP) Representantes Regionais: Região Centro-Oeste: Dra. Maria de Fátima Coelho (UFMT) Região Nordeste: Dr. Ângelo Giuseppe Chaves Alves (UFRPE) Região Norte: Dra. Maria das Graças Pires Sablayrolles (UFPA) Biólogo Leonardo Pacheco (IBAMA-AM) Região Sudeste: Dr. Lin Chau Ming (UNESP-BOTUCATU) Região Sul: Bióloga Cristina Baldauf (UFSC) SBEE SOCIEDADE BRASILEIRA DE ETNOBIOLOGIA E ETNOECOLOGIA 5Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Apresentação O Nordeste Brasileiro vem se destacando na produção de conhecimento etnobiológico e etnoecológico, conseqüência da diversidade cultural e biológica da região e do esforço organizado de pesquisadores e professores. Aos poucos, as etnociências passam a ocupar papel de destaque no meio acadêmico nordestino e brasileiro. Essa experiência manifesta-se por meio de uma crescente produção bibliográfica e da realização de eventos etnobiológicos e etnoecológicos. Destacam-se, neste sentido, o I Encontro Baiano de Etnobiologia e Etnoecologia (Universidade Estadual de Feira de Santana, 1999), sucedido pelo II Encontro Regional de Etnobiologia e Etnoecologia (Universidade Estadual de Santa Cruz, 2001). Além dos simpósios de âmbito nacional (Feira de Santana em 1996, São Carlos em 1998, Piracicaba em 2000, Recife 2002 e Chapada dos Guimarães 2004), a Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) vem se consolidando por meio da realização de eventos regionais, seguindo uma tendência de fortalecimento do enfoque etnobiológico e etnoecológico nas diversas regiões do país. Assim, vamos deixando de representar um campo de conhecimento exótico e marginal, para assumir um papel de vanguarda na geração e sistematização de conhecimento sobre as interações dos grupos humanos com as demais espécies biológicas e com os recursos naturais em geral. Nesse contexto, aprofundam-se os contatos da SBEE com as demais sociedades científicas, abre-se caminho para as etnociências junto aos órgãos de fomento à pesquisa, fortalecem-se as nossas linhas de pesquisa junto aos programas de pós-graduação e aumenta o número de disciplinas etnocientíficas lecionadas em nível de graduação e pós-graduação. Felizmente, ainda temos muito para elaborar, discutir e realizar em relação a diversos aspectos como a repartição de benefícios com as populações participantes nas pesquisas, o refinamento terminológico, as questões metodológicas e as conexões com a educação. Afinal, não somos apenas pesquisadores, mas agentes de Pesquisa e Desenvolvimento. O ensino de etnociências, por exemplo, pode ser uma oportunidade para inserir a diversidade cultural nos currículos dos cursos de ciências da natureza. Pernambuco (“mar que arrebenta”) aparece como ancoradouro natural (e cultural) para a discussão da experiência nordestina e brasileira nesse campo, através da realização do III ENCONTRO NORDESTINO DE ETNOBIOLOGIA E ETNOECOLOGIA. As discussões realizadas nas mesas- 6 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia redondas e palestras desse evento são aqui apresentadas, no intuito de contribuir para o posicionamento dos etnocientistas da região e do país, sobre o papel desempenhado pelas chamadas populações tradicionais no desenvolvimento de estratégias culturalmente adequadas para o manejo e conservação dos recursos naturais. Os organizadores 7Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Autores Alberto K. Nishida - Professor adjunto. Departamento de Sistemática e Ecologia – DSE/CCEN/Universidade Federal da Paraiba. Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas/UFPB. Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – Sub-Programa UFPB/UEPB Ana Lícia Patriota Feliciano - Professora adjunto. Departamento de Ciência Florestal, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Ângelo Giuseppe Chaves Alves - Professor adjunto. Laboratório de Etnoecologia, Departamento de Biologia, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Argus Vasconcelos de Almeida - Professor adjunto. Departamento de Biologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Cecília de Fátima Castelo Branco Rangel de Almeida - Laboratório de Etnobotânica Aplicada, Área de Botânica, Departamento de Biologia, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Doutoranda em Ciências Farmacêuticas. Cláudia Sampaio de Andrade Lima - Professora adjunto. Departamento de Biofísica e Radiobiologia, Universidade Federal de Pernambuco. Cláudio Urbano B. Pinheiro - Professor Doutor do Departamento de Oceanografia e Limnologia, Universidade Federal do Maranhão. Conselho Pastoral dos Pescadores. Equipe Regional Nordeste II - End. Av. Gov. Carlos de Lima Cavalcanti., 4688. Casa Caiada – Olinda/PE – Cep. 53.040-000. Fone: 81 3432-0879 E-mail. cppne@hotmail.com Elba Lucia Cavalcanti de Amorim - Professora adjunto. Laboratório de Química Farmacêutica, Departamento de Ciências Farmacêuticas,Universidade Federal de Pernambuco. Elcida Lima Araújo - Professora adjunto. Departamento de Biologia, Área de Botânica, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Eliana Rodrigues - Doutora em Ciências. Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo. Ernani Machado Freitas Lins-Neto - Laboratório de Etnobotânica Aplicada, Área de Botânica, Departamento de Biologia, UniversidadeFederal Rural de Pernambuco. Graduando em Ciências Biológicas. Helder Farias Pereira de Araújo - Programa de pós-graduação em Zoologia, Universidade Federal da Paraíba. Mestre em Zoologia. 8 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia José da Silva Mourão - Professor Adjunto. Departamento de Biologia, Universidade Estadual da Paraíba. José Geraldo W. Marques - Professor Titular de Etnobiologia da Universidade Estadual de Feira de Santana. Professor Credenciado de Etnoecologia na UNICAMP. José Serafim Feitosa Ferraz - Engenheiro Florestal, Departamento de Ciência Florestal, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Mestre em Ciências Florestais. Julio Marcelino Monteiro - Laboratório de Etnobotânica Aplicada, Área de Botânica, Departamento de Biologia, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Doutorando em Botânica. Isabelle Maria Jacqueline Meunier - Professora adjunto.Departamento de Ciência Florestal, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Izabel Cristina da Silva Almeida - Bacharel em Ciências Aquáticas; Mestranda - Recursos Pesqueiros e Aqüicultura, da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Melina Giorgetti - Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo. Perla Carvalho Romanus - Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo. Mestranda em Psicobiologia. Rafaela Denise Otsuka - Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo. Reinaldo Farias Paiva de Lucena - Laboratório de Etnobotânica Aplicada, Área de Botânica, Departamento de Biologia, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Doutorando em Botânica. Sandra Maria Andrade de Sá - Farmacêutica da Vigilância Sanitária de Camaragibe. Especialista em Planejamento e Gestão de Serviços Farmacêuticos. Mestre em Ciências Farmacêuticas. Ulysses Paulino de Albuquerque - Professor adjunto. Laboratório de Etnobotânica Aplicada, Área de Botânica, Departamento de Biologia, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Valdeline Atanázio da Silva - Pesquisadora. Departamento de Botânica, Universidade Federal de Alagoas. Doutora em Biologia Vegetal. 9Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Exorcizando termos em etnobiologia e etnoecologia. Ângelo Giuseppe Chaves Alves & Ulysses Paulino de Albuquerque “É pecado matar a esperança, mas todo mundo quer matar o sariguê”. Etnoconservação e catolicismo popular no Brasil. José Geraldo W. Marques Prescrições zooterápicas indígenas brasileiras nas obras de Guilherme Piso (1611-1678). Argus Vasconcelos de Almeida Uso do conhecimento tradicional na identificação de indicadores de mudanças ecológicas nos ecossistemas aquáticos da região lacustre de Penalva, Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense – I. Peixes. Izabel Cristina da Silva Almeida & Cláudio Urbano B. Pinheiro A Fragilidade das técnicas quantitativas usadas nos estudos Etnobotânicos. Valdeline Atanázio da Silva Testando a fidedignidade das informações populares sobre o uso de plantas medicinais no semi-árido: implicações metodológicas. Julio Marcelino Monteiro, Ulysses Paulino de Albuquerque, Ernani Machado Freitas Lins-Neto, Elcida Lima Araújo & Elba Lucia Cavalcanti de Amorim A investigação de plantas medicinais a partir da etnofarmacologia. Eliana Rodrigues, Perla Carvalho Romanus, Melina Giorgetti & Rafaela Denise Otsuka Usos populares de plantas medicinais – Um estudo com pacientes do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. Sandra Maria Andrade de Sá, Cecília de Fátima Castelo Branco Rangel de Almeida, Elba Lúcia Cavalcanti de Amorim, Cláudia Sampaio de Andrade Lima & Ulysses Paulino de Albuquerque. Impactos de uso de recursos de ecossistemas brasileiros. Caso de estudo: Estação Ecológica de São Carlos, SP. Ana Lícia Patriota Feliciano SUMÁRIO 11 25 45 61 81 91 107 121 147 1 0 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Os usos medicinais da vegetação lenhosa das margens do Riacho do Navio, Floresta, Pernambuco. José Serafim Feitosa Ferraz, Isabelle Maria Jacqueline Meunier & Ulysses Paulino de Albuquerque A flor chegou, chuva avisou: metereologia popular no semi-árido paraibano. Reinaldo Farias Paiva de Lucena, Helder Farias Pereira de Araújo, José da Silva Mourão & Ulysses Paulino de Albuquerque Etnoecologia de Manguezais. Alberto K. Nishida Carcinicultura x Populações Extrativistas. Conselho Pastoral dos Pescadores 159 171 183 195 1 1Exorcizando termos em etnobiologia e etnoecologia. Exorcizando termos em etnobiologia e etnoecologia Capítulo 1 Ângelo Giuseppe Chaves Alves Ulysses Paulino de Albuquerque 1 2 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia 1 3Exorcizando termos em etnobiologia e etnoecologia. 1. “Etno” o quê? A popularização e a valorização crescentes das pesquisas etnobiológicas e etnoecológicas têm provocado, a seu turno, um movimento paralelo de verdadeira “inflação” da literatura onde a partícula “etno” surge agregada aos campos de conhecimento previamente estabelecidos. Se, por um lado, isso revela uma aparente aceitação das abordagens centradas nos conhecimentos ditos “tradicionais”, por outro lado leva a um amálgama de termos precariamente definidos. Além disso, alguns termos de uso consagrado entre nós, etnobiólogos e etnoecólogos, são do mesmo modo confusos e, não raro, ambíguos. Sem sombra de dúvidas, expressões como “conhecimento tradicional”, “comunidades locais”, estão tão bem incorporadas ao nosso discurso, por força do hábito, que falta uma avaliação crítica e uma explicação precisa sobre o entendimento que temos das palavras que empregamos em nossas publicações, bem como de suas implicações éticas e ideológicas. Essa problemática, epistemológica e conceitual, já havia sido apontada por McClatchey (2005), no seu texto “exorcizing misleading terms from ethnobotany”, no qual nos inspiramos para nomear este capítulo. Neste texto, a nossa abordagem partirá exatamente dessas questões, num esforço de contribuir para orientar a discussão terminológica entre os etnobiólogos e etnoecólogos brasileiros. 2. A etnociência A chamada “nova etnografia”, “etnociência” ou ainda “etnografia semântica” surgiu a partir de meados do século XX, propondo uma nova abordagem antropológica, por meio da qual as culturas deixassem de ser vistas como conjuntos de artefatos e comportamentos e passassem a ser consideradas como sistemas de conhecimentos ou de aptidões mentais, tais como revelados pelas estruturas lingüísticas. Os etnocientistas consideravam o saber como um conjunto de aptidões possíveis de ser transmitidas entre pessoas e pretendiam descobrir os princípios que organizavam as culturas e determinar até que ponto eles seriam universais (Brown 1999). Conforme resumiu Sturtevant (1964), o prefixo “etno” adquiriu, com a etnociência, um sentido diferente, passando a referir-se ao “sistema de conhecimento e cognição característico de uma determinada cultura”. Para ele, “uma cultura congrega todas as classificações populares características de uma sociedade, ou seja, toda a etnociência daquela sociedade, seus modos particulares de classificar seu universo material e social”. Exemplificando a visão dos etnocientistas de seu tempo, considerou que 1 4 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia “etno-história é a concepção compartilhada por membros de uma dada cultura sobre eventos passados, ao invés (como seria mais comum) de ser a historia (em nossos termos) de ‘grupos étnicos’; etnobotânica é uma concepção cultural específica sobre o mundo vegetal, ao invés (como também seria mais comum) de ser uma descrição e usos das plantas organizada com base na nossa própria taxonomia binominal”. Essa idéia implica em entender a etnozoologia, por exemplo, como os “conhecimentos zoológicos” de uma cultura diferente daquela à qual pertence o pesquisador. Todavia, uma interpretação mais aceita,recentemente, é que o procedimento etnocientífico, deve ser visto como o procedimento científico que busca descrever e analisar esses discursos e conhecimentos, estabelecendo, eventualmente, comparações e articulações com o saber praticado e aceito nos meios acadêmicos. A definição de Marques (2001) para etnoecologia é exemplar neste sentido: “...o campo de pesquisa (científica) transdisciplinar que estuda os pensamentos (conhecimentos e crenças), sentimentos e comportamentos que intermediam as interações entre as populações humanas que os possuem e os demais elementos dos ecossistemas que as incluem, bem como os impactos ambientais daí decorrentes” [grifo nosso]. A etnociência perdeu importância relativa a partir do final dos anos 1960, criticada por antropólogos materialistas (Harris 1968) e interpretativistas (Geertz 1973), mas a partir de meados dos anos 1980, tomou outro impulso, com vários autores propondo adaptações, aplicações e implicações, tais como Ribeiro (1986), Posey & Overall (1990), Toledo (1991, 1992), Warren et al. (1995), Marques (1995; 2001), Nazarea (1999) e Berkes (1999), entre outros. Embora a etnociência tenha perdido apoio enquanto teoria da cultura e/ou do conhecimento, seus métodos clássicos (ou adaptações deles) continuam fornecendo modelos e representações formalmente testáveis de alguns domínios do conhecimento e do comportamento humano. Assim, o arcabouço metodológico etnocientífico continua inspirando pesquisas e intervenções relacionadas às interfaces da antropologia com as ciências da natureza, bem como às ligações entre diversidade ecológica e cultural (Furbee 1989, 2002). Nos últimos anos, é possível observar nas abordagens de diferentes pesquisadores (em especial nos etnoecólogos) uma verdadeira mudança da perspectiva clássica da etnociência (estudo dos conhecimentos e habilidades do “outro” em diferentes domínios), para estender o campo de investigação para a nossa própria sociedade (não apenas as sociedades designadas como “exóticas”, “indígenas”, “tradicionais”), bem como encarando o conhecimento “tradicional” não apenas como objeto de investigação, mas como 1 5Exorcizando termos em etnobiologia e etnoecologia. conhecimento legítimo e cooperativo. Essa foi uma gigantesca mudança que passou a valorizar, por exemplo, a experiência das comunidades indígenas e quilombolas, incorporando-a como corolário nas agendas e políticas governamentais. Todavia, essa valorização não acompanhou o incentivo à produção de conhecimento científico sobre esses “saberes” e “experiências”. 3. Gestação de “novas disciplinas” Expressões do tipo etno+ciência são às vezes substituídas ou acompanhadas, na literatura, por termos que qualificam os conhecimentos (entre outros aspectos) característicos das populações pesquisadas, tais como: local, indígena, tribal, popular, do povo, “folk” (que também se usa sem tradução no Brasil), autóctone, tradicional, vernáculo, prático, coletivo, situado, camponês, informal, nativo, rural, cotidiano, culturalmente específico, étnico, oral, comunitário, endógeno, sustentável, comum, saber-fazer, entre outros. Por exemplo, pode-se entender etnopedologia como “conhecimento indígena sobre solos” (Pawluk 1992) “conhecimento das populações locais sobre solos” (Barrera-Bassols & Zinck 2003a), ou ainda “conhecimento das populações locais sobre solos e seu manejo” (Posey 2000). No nosso entender, são incompletas essas definições que dão ênfase apenas ao conhecimento possuído pelas populações locais (indígenas, caboclos, etc.), sem explicitar as tentativas de comparar e articular esse conhecimento com aquele que é produzido e aceito pelas instituições científicas formais. Campos como a etnopedologia e etnobotânica exprimem o nosso olhar sobre as práticas e conhecimentos de determinados povos, dentro de domínios específicos de saber. Pode-se advogar, por outro lado, a idéia de que o termo “conhecimento etnobotânico” aplica-se ao conhecimento produzido apenas pelo pesquisador com instrução formal. Porém, se estamos usando nosso conhecimento para estudar o do outro, então trata-se de uma conjunção de experiências, uma via de sentido duplo (ou múltiplo!). Nesse sentido, implica dizer, para efeito de análise, que quando usamos as expressões etnobotânica, etnopedologia, estamos afirmando que o povo estudado possui um sistema de conhecimento que pode ser, em maior ou menor grau, análogo ao nosso. Entretanto, podem ocorrer discrepâncias em diversos campos da pesquisa etnocientífica, como é o caso da etnoentomologia, que não se restringe apenas aos insetos, na forma como são definidos pela classificação zoológica formal, uma vez que, para muitas sociedades, o termo “inseto” inclui certos organismos que não são classificados formalmente como tal (Posey 1987). Do mesmo modo algumas populações rurais não compartilham a concepção academicamente aceita de 1 6 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia “solo”, embora possam eventualmente reconhecer diversos materiais ao longo do perfil de solo (Ollier et al. 1971; Alves et al. 2005). O recorte disciplinar no campo etnocientífico é problemático e instigante, pois as diversas abordagens como etnobotânica, etnozoologia, etnoecologia, etnopedologia, etc., não são, necessariamente, excludentes entre si. A sobreposição de domínios conceituais é clara em alguns casos. O termo etnofarmacobotânica, por exemplo, tem aparecido com freqüência na literatura tendo sido referido como “um desdobramento da etnobotânica e estuda os remédios vegetais, envolvendo sempre o objetivo de corrigir problemas de saúde, tanto de ordem física, como mental ou espiritual, conforme seja a cosmovisão médica do grupo pesquisado, nos diferentes contextos sócio-culturais” (Camargo 2003). Por esse entendimento, tal definição do campo poderia ser facilmente enquadrada dentro das clássicas abordagens da própria etnobotânica ou da etnofarmacologia, dependendo da análise pretendida. A etnopedologia, por sua vez, foi considerada por Alves & Marques (2005) como “um dos possíveis focos da abordagem etnoecológica”. Analisando o contexto histórico e epistemológico que envolve o estudo etnocientífico dos solos, esses autores enfatizaram que a etnopedologia não é uma “nova disciplina”. Por uma questão de cautela e de rigor, entendemos que a gestação de novas denominações para determinados campos de conhecimento deve vir acompanhada de uma reflexão teórica e epistemológica sobre o objeto de investigação, tendo-se o cuidado de oferecer, ao menos, uma conceituação provisória do termo empregado. Do contrário, presenciaremos uma “inflação” terminológica que pode contribuir para gerar equívocos e desenvolver um discurso acrítico. A própria noção de “disciplina” também é algo a ser considerado com cuidado, para que não se repita, no meio etnocientífico, a excessiva e rígida divisão do saber em áreas estanques. Nesse sentido, Marques (2001) manifestou a necessidade de “reconhecimento da etnoecologia como um campo de cruzamento de saberes (no mínimo uma interdisciplina e não uma disciplina a mais)”. 4. O saber do “outro” Para Antweiler (1998) cada um dos termos usados para designar o saber do “outro” tem suas implicações, na medida em que enfatizam determinado aspecto das populações envolvidas nas pesquisas. A expressão “saber camponês”, por exemplo, assinala um caráter oposto ao saber da elite e chama atenção para a situação de dependência e subordinação em que vivem os camponeses. “Saber indígena”, por sua 1 7Exorcizando termos em etnobiologia e etnoecologia. vez, em contraste com o saber das sociedades nacionais envolventes, pode denotar uma intenção política de promover grupos étnicos minoritários, ameaçados pela marginalização e destruição de suas culturas e habitats. Não se trata, portanto de termos meramente descritivos, pois têm conotação ideológica. Neste contexto, o termo “saber tradicional” é problemático, representauma visão estática do conhecimento, com pouca possibilidade de mudança (Antweiler 1998). Há que se considerar, ainda, algumas demonstrações de intolerância que ocorrem no meio acadêmico, em relação a descobertas e métodos de coleta de dados que sejam diferentes daqueles institucionalmente aceitos, de modo a contrariar uma das principais características da ciência ocidental, que é a possibilidade de negar ou de refutar o saber pré- existente. Neste sentido, Agrawal (1995a,b) afirmou que é difícil (e talvez inútil) tentar estabelecer uma diferenciação nítida entre o conhecimento “indígena ou tradicional” e o “científico ou ocidental”, pois ambos os tipos compartilham características comuns, ao mesmo tempo em que apresentam muitas diferenças internas, de modo que faria mais sentido referir-se a múltiplos domínios e tipos de conhecimento, com diferentes lógicas e epistemologias. Alternativamente a expressão “saber tradicional”, vários pesquisadores adotaram o termo “conhecimento local”. Este, para Winkler Prins (1999) “baseia-se e se reproduz pela experiência, diferentemente do científico, que se desenvolve por experimentação controlada e se reproduz dentro de instituições formais”. Ainda que essas diferenças sejam eventualmente válidas, não se deve perder de vista que o conhecimento local não é um simples contraponto do conhecimento “científico” (Oudwater & Martin 2003), pois também inclui conhecimento cultural e técnico, e está interligado às habilidades sociais e políticas dos povos. Deste modo, o adjetivo “local” satisfaz a necessidade de levar em conta o ambiente local e a participação em estratégias de desenvolvimento, valorizando as soluções técnicas locais, as habilidades e as instituições locais, bem como os esforços para conferir maior visibilidade e articular os problemas vividos por grupos sociais minoritários e marginalizados (Antweiler 1998). Por outro lado, em tal conceito pode estar implícita a idéia de que as pessoas conhecem apenas sobre um meio muito restrito que habitam, e que esse saber não tem aplicação para além de suas fronteiras (Santos et al. 2005). A tabela 1 lista a diversidade de termos para qualificar o conhecimento das populações estudadas e o seu significado. 1 8 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Recentemente, tem aparecido na literatura o termo “etnoconhecimento” como possível equivalente para “saber local”, “saber tradicional” ou “conhecimento tradicional”. Este termo surge como conhecimento do “observado”, em oposição ao do “observador”. Nessa perspectiva, dependendo do referencial, é uma via de duplo sentido. Aparentemente, o termo “etnoconhecimento” tem forte conteúdo generalista, buscando eliminar as ambigüidades inerentes aos termos “conhecimento local” e “conhecimento tradicional”. Além dos termos já discutidos, chamamos atenção para a expressão “comunidade” (como em “comunidade tradicional”, ou comunidade local”), Tabela 1. Diversidade de termos para conhecimento local (e suas variações) e as várias conotações. Adaptado a partir de uma compilação apresentada por Antweiler (1998). 1 9Exorcizando termos em etnobiologia e etnoecologia. salientando que se deve evitar o risco de carregar, implicitamente, a noção de que esses grupos sociais sejam entidades naturalmente coesas, harmônicas e estáticas, ignorando os conflitos econômicos, geopolíticos, culturais e administrativos que permeiam essas sociedades. 5. Populações tradicionais Considerando as implicações ideológicas e éticas envolvidas na terminologia etnoecológica e etnobiológica, bem como a ambigüidade inerente a determinadas expressões, é necessário que os pesquisadores explicitem em suas publicações a sua posição e o contexto de aplicação dos termos usados. O próprio termo “populações tradicionais”, apesar de ser bastante criticado, foi incorporado, inclusive, à legislação ambiental brasileira, através da lei número 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (www.mma.gov.br/port/sbf/dap/doc/snuc.pdf). Destaca-se, entre os diversos objetivos desse Sistema (capítulo 2, artigo 4º da lei), o seguinte: “proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente” [grifo nosso]. O documento define os tipos de unidade de conservação, as quais diferem entre si pela forma de inserção das populações tradicionais, entre outros aspectos. Veja-se, por exemplo os casos da Floresta Nacional e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável, conforme o texto da lei: “Nas Florestas Nacionais é admitida a permanência de populações tradicionais que a habitam quando de sua criação, em conformidade com o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade” (Artigo 17, grifo nosso). “A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica” (Artigo 20, grifo nosso). Uma vez que está incorporado à lei, o termo “tradicional” acaba sendo usado em muitos outros documentos, para facilitar a comunicação entre os diversos agentes de pesquisa desenvolvimento, mas isto não quer dizer que devamos perder de vista a necessidade de ter uma visão critica sobre a questão. 2 0 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Também não se pode ignorar aqueles casos em que as próprias populações estudadas vêem aspectos positivos na denominação “tradicional”, como esclareceu Berkes (1999), em relação aos Inuit (Esquimó). Deste modo, o importante não é apenas como nós vamos denominar os povos estudados, mas também os esforços que eles mesmos exercem para se autodenominar e autodeterminar. Uma das definições de sociedades tradicionais, que mais tem influenciado pesquisadores e gestores públicos é a apresentada por Diegues & Arruda (2001) como sendo “grupos humanos diferenciados sob o ponto de vista cultural, que reproduzem historicamente seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base na cooperação social e relações próprias com a natureza. Essa noção refere-se tanto a povos indígenas quanto a segmentos da população nacional, que desenvolveram modos particulares de existência, adaptados a nichos ecológicos específicos”. E mais ainda: “exemplos empíricos de populações tradicionais são as comunidades caiçaras, os sitiantes e roceiros, comunidades quilombolas, comunidades ribeirinhas, os pescadores artesanais, os grupos extrativistas e indígenas. Exemplos empíricos de populações não-tradicionais são os fazendeiros, veranistas, comerciantes, servidores públicos, empresários, empregados, donos de empresas de beneficiamento de palmito ou outros recursos madeireiros”. Na verdade, tal delimitação tem um caráter mais operacional do que teórico, tendo em vista as ambigüidades e a forte simplificação, pois tende a ignorar a complexidade e a dinâmica própria em que se desenvolve cada grupo humano. Por exemplo, comunidades rurais do semi-árido nordestino têm traços muito particulares, mas se articulam em maior ou menor grau a sociedade abrangente, sendo o isolamento mais uma exceção do que uma regra. A questão do auto-reconhecimento também é complexa. Embora, para alguns, o reconhecimento de uma cultura como particular é um fator determinante para definir-se como “tradicional”, alguns grupos humanos (como indígenas da região nordeste) lutam pela reconstrução de sua identidade e coesão social como grupos diferenciados, atendendo a apelos de ordem política e ideológica. Nesse cenário, muitos dos grupos indígenas, por exemplo, que já estabeleceram fortes laços de dependência em relação à sociedade abrangente, e estão engajadosna luta pelo território, forçaram-se a reinventarem suas práticas e relações com a natureza. Uma situação emblemática é a revitalização e/ou incorporação, entre grupos indígenas nordestinos, do culto da jurema como uma forma de legitimação da condição de “ser índio”. 6. “Se correr o bicho pega, se ficar...” Diante do quadro que delineamos, fica claro que as questões 2 1Exorcizando termos em etnobiologia e etnoecologia. terminológicas na pesquisa etnobiológica e etnoecológica ainda se encontram numa fase de questionamento e construção. Apesar disso, as dificuldades aqui apresentadas podem ser contornadas com a adoção de dois princípios operacionais: o da clareza e o da especificidade. 1. Criar uma “etno+ciência” implica em admitir a existência, na cultura estudada, de um equivalente para um determinado campo de conhecimento acadêmico previamente institucionalizado. Sugerimos evitar a inflação terminológica, em favor da simplicidade. Caso seja necessário gestar uma “nova” disciplina ou campo de conhecimento, que a sua “criação” seja acompanhada de uma reflexão teórica e epistemológica sobre os seus limites e objeto de análise. A literatura etnocientífica é vasta e muitos, sem proceder uma detalhada revisão bibliográfica, podem incorrer em equívocos ou tornar-se repetitivos. 2. Assumir, claramente, os termos empregados nos textos. Isto implica em um posicionamento do autor sobre o seu entendimento dos termos que utiliza. 3. Por fim, quando se referir à população humana estudada, ser específico, mesmo que isso implique em mais palavras. Por exemplo: preferir “população de ceramistas artesanais do semi-árido paraibano” a “população local ou tradicional do semi-árido paraibano”. Além disso, acompanhando o termo, uma descrição detalhada do grupo é necessária para permitir ao leitor compor um quadro mental da realidade estudada pelo pesquisador. Ao optar pelos termos “local” ou “tradicional”, ainda assim explicações são necessárias, atentando para implicações ideológicas e políticas que se podem desencadear a partir das publicações. Referências Bibliográficas Agrawal, A. 1995a. Dismantling the divide between indigenous and scientific knowledge. Development and Change 26: 413-439. Agrawal, A. 1995b. Indigenous and scientific knowledge. Indigenous Knowledge and Development Monitor 3(3): 30-38. Alves, A. G. C. & Marques, J. G. W. 2005. Etnopedologia: uma nova disciplina? Tópicos em Ciência do Solo 4: 321-344. Alves, A. G. C.; Marques, J. G. W.; Silva, I. F.; Queiroz, S. B.; Ribeiro, M. R. 2005. Caracterização Etnopedológica de Planossolos Utilizados em Cerâmica Artesanal no Agreste Paraibano. Revista Brasileira de Ciência do Solo 9(3): 379-388. Antweiler, C. 1998. Local knowledge and local knowing: an anthropological anlaysis of contested ‘cultural products’ in the context of development. Anthropos 93: 469-494. 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Marques Capítulo 2 2 6 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia 2 7“É pecado matar a esperança, mas todo mundo quer matar o sariguê”... “- Sr. Corregedor, Vossa Excelência já deve ter notado que o Catolicismo Sertanejo tem suas leis e seus mandamentos próprios!” Ariano Suassuna in “O Romance d’A Pedra do Reino”“Passarinho não se pode matar, porque pode provocar a ira de Deus.” Uma sertaneja baiana A eficácia de uma ética tradicional e de ensinamentos religiosos na conservação tem sido abundantemente documentada (Anderson, 1996). Segundo este autor, sociedades tradicionais usam a religião para sancionar suas estratégias de manejo de recursos e isto aparentemente é uma estratégia bem-sucedida. Será que isto também aconteceria no catolicismo popular brasileiro (CPB), “uma tradição judaico-cristã à moda da casa”? Comecemos com um dos seus pecados, “o de matar a esperança”. As esperanças (Orthoptera, Tettigoniidae) são insetos que ocupam um espaço privilegiado na mente popularmente catolicizada de brasileiros, fato especialmente documentado para os estados de Alagoas e Bahia. Neste estado, obtivemos o relato seguinte: “Meu avô contou a seguinte estória: diz que a esperança foi assim: pois quando ela tava numa árvore olhando Nossa Senhora, quando ela deu a dor pra ter menino, ela tava doida pra vim visitar, mas com medo do galo comer ela. Ela ficou de lá de cima, com o olho cumprido, pulando lá de cima de alegria.”. No sertão alagoano, a esperança é tida como alvissareira, mas isto depende da sua coloração: verde, traz boa sorte e então alegra-se com a sua presença; com “a boca preta”, traz azar e sentimentos negativos são gerados por sua presença. Na Bahia, embora haja quem afirme que “nenhuma esperança é ruim”, há também uma diferenciação sentimental quanto à coloração, que de um modo geral assemelha-se ao que ocorre em Alagoas. De um modo geral, porém, refere-se à esperança (implicitamente sem coloração preta), em ambos os estados, como sendo “abençoada” (“a esperança é abençoada: se ela tava rezando pra Nossa Senhora ter São Deus Menino, pra 2 8 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia ela ter ele em paz!...”, disse-se na Bahia). A preservação da sua vida é sempre enfatizada e explicita-se um tabu do tipo “não matarás” muito forte: “ela é um bichinho que ninguém mata, pois quem mata, perde a esperança” (em outra expressão encontrada na Bahia). Ela integra-se, etnobiblicamente, a um vasto elenco de animais cobertos pela maior abrangência que a mente catolicizada popular dá ao bíblico mandamento do “não matarás” (Tab.1). Em termos do Testamento popularizado, o ato consiste em um “grande pecado”. Com isto, é possível hipotetisar que todo um conjunto de espécies de tetigonídeos possa estar sendo biologicamente conservado através de mecanismos culturais, ou seja, etnobiologicamente conservado, ou etnoconservado. (2000). Aqui, o termo é empregado em acepção próxima à que Smith & Wishnie (2000) usaram para definir conservação em sociedades de pequena escala, ou seja, referindo-se a quaisquer ações ou práticas que previnam ou mitiguem: a) a depleção de recursos, b) a extirpação de espécies, c) a degradação de habitats. Dentre as práticas etnoconservacionistas, incluir-se-iam tabus sociais, com especial saliência as regras proibitivas de se comer determinados alimentos constituídos por ou provenientes de determinadas espécies (Colding & Folke, 2001; Begossi et al., 2004). A proibição de se pescar em determinados dias santos talvez também possa contribuir para reduzir a intensidade da coleta, principalmente se as espécies estiverem em períodos críticos da sua estória de vida. Com relação ao tabu piscatório de não se pescar no dia de Santo Antônio na praia da Redinha – RN (Nomura, 1996a), por exemplo, deve-se levar em consideração que este é comemorado no dia 13 de junho e provavelmente corresponde, localmente, a período de migração genética das curimãs. Com isto, pode-se considerar a possibilidade de uma função regulamentária etnoconservacionista para o meme. Souto (2004) encontrou exemplos dessas “pausas santas” nos manguezais de Acupe (BA), onde, segundo depoentes, a maioria das pessoas vivenciava um calendário pontuado por dias santificados, nos quais a pesca ou a mariscagem poderiam implicar “castigo de Deus”. O medo deste tipo de castigo, que levaria os amedrontados à observância deste “artigo” da consuetudinária “lei geral do respeito” vigente em comunidades pesqueiras do Brasil, talvez se constitua em motor emocional regulatório de recursos pesqueiros. Tabus vêm sendo abordados (e.g., Colding & Folke, 1997) como regras sociais não escritas que regulariam o comportamento humano e como instituições informais que limitariam e definiriam o uso de recursos em ecossistemas, o que, em determinados contextos, poderia conferir-lhe um papel conservacionista. 2 9“É pecado matar a esperança, mas todo mundo quer matar o sariguê”... Tabus sociais, assim, seriam sistemas “invisíveis” de manejo de recursos locais e de conservação biológica. Colding & Folke (2001) ao proporem isto, Tabela 1. Tabus sociais encontrados em populações praticantes do catolicismo popular brasileiro relacionados com a proibição de comer, matar, maltratar, tocar e prender animais (regras idealizadas na forma levítica). 3 0 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Continuação Tabela 1 3 1“É pecado matar a esperança, mas todo mundo quer matar o sariguê”... consideraram seis categorias para enquadrá-los: 1- Tabus segmentares (regulariam a retirada de recursos) 2- Tabus temporários (regulariam o acesso aos recursos no tempo) 3- Tabus metódicos (regulariam os métodos de coleta dos recursos) 4- Tabus relacionados com histórias de vida (regulariam a retirada de indivíduos em estágios vulneráveis na história de vida da espécie) 5- Tabus espécie-específicos (evitariam ou proibiriam qualquer uso de uma espécie em particular e das suas populações) 6- Tabus relacionados com habitats (restringiriam o acesso e o uso de recursos no tempo e no espaço) No CPB, a proibição de comer carne nos períodos de abstinência relacionados com o calendário oficial católico e a proibição de se pegar ninhos de aves no período da Quaresma seriam exemplos de tabus temporários; a proteção total às lavandeiras seria um exemplo de tabu espécie-específico; a proibição de se caçar (e.g., nos “lugares dos encantados”) em determinados espaços seria um exemplo de tabu relacionado com hábitats. O acréscimo de uma sétima categoria às seis acima referidas seria justificável. Poderia ser chamada de tabu táxon-protetor e diferiria dos tabus espécie-específicos por protegerem mais de uma espécie, operando em nível supra-específico. Determinados táxons, total ou parcialmente, poderiam ser protegidos por tabus guarda-chuvas, que tanto poderiam proteger espécies- chaves quanto funcionarem eles mesmos como tabus-chaves, ou seja, a sua presença, indiretamente, repercutindo sobre populações de outros táxons. O tabu de “não matar esperanças” poderia proteger membros de mais de um gênero da família Tettigoniidae; o tabu de “não matar o cavalo-do-cão” poderia proteger, pelo menos idealmente, todas as espécies de Pompilidae ocorrentes na área de vigência e obediência do meme (Dawkins, 1979). Particular atenção deve ser dada à função regulamentária de componentes ecossistêmicos, notadamente os utilizados como recursos animais, que seria exercida por seres mitológicos, com especial saliência para os que “Deus botô pra protegê tudo que tá na mata” - conforme expressão de uma moradora do município pernambucano de Gravatá sobre a “Cumade Fulôzinha” (Cardoso, 2001). Esta, um “componente sobrenatural” de ecossistemas da Mata Atlântica de Pernambuco, Alagoas e Paraíba, é vigilante e eficiente protetora dos animais, permitindo alianças que resultam em reciprocidades, as pessoas presenteando-a (e.g., com papas e fumo) e ela ofertando-lhes caça. Ai daquele que infringir as suas regras de respeito e poupança dos animais! Seus castigos são severos: desde o caçador ficar perdido na mata até o açoitamentos de animais domésticos (“vimo ela dando uma surra de cabelo no cachorro, num 3 2 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologiavimo caça nenhuma”: Cardoso, 2001) . No caso de animais caçados com o auxílio de cães, como soe acontecer com os tatus - animais que por não terem boa audição ou boa visão tornam-se suas presas fáceis – pode ser que esta crença esteja a exercer alguma função protetora. Conforme bem o diz Hoefle (1995), que fez pesquisa em Belém do São Francisco e Parnamirim (PE) e em Chorrochó (BA), “o catolicismo popular do Sertão nunca passou pelo processo de desencantamento”. Suas características, diz o autor, incluiriam elementos típicos do cristianismo animista pré-Reforma, como “a crença em espíritos do mato”. Estes elementos animistas, componentes da biodiversidade encantada dos ecossistemas nordestinos, viveriam em lugares distantes da habitação humana e se constituiriam em mestres dos animais silvestres. Encontrados raramente, sê-lo-iam em um contexto de caça, devendo ser tratados com respeito e reciprocidade. Em ecossistemas de manguezais, usuários podem acreditar em seres com possíveis funções patentes e latentes de proteção de recursos. Um exemplo do primeiro tipo é a Vó-do-Mangue, componente sobrenatural localmente indubitável do manguezal de Maragogipe (BA). Ela castigaria, inclusive, quem retirasse caranguejos em excesso. Um exemplo do segundo tipo é a Biatatá, componente registrado por Souto (2004) como integrante das crenças de pescadores e marisqueiras do manguezal de Acupe (BA). O medo após a sua aparição na forma de bolas-de-fogo (fenômeno bioquimicamente interpretável: Marques, 2001) desencadearia reações de evitação de pesca e/ou coleta. Um ser mitológico potente (“Depois de Deus é o dono dos bichos”) foi documentado por Araújo (1998) entre moradores da Reserva Extrativista do Alto Juruá (AC): o Caboclo da Mata que, em certos dias, não permite a morte de qualquer animal. No local, fala-se também no Pai da Mata, possivelmente uma outra entidade que guarda e protege os bichos: não gosta de caçadores profissionais, proibindo a caça em dias de domingo e nos dias santos do calendário do catolicismo oficial. É comum entre habitantes do meio rural ou de pequenas cidades na Amazônia brasileira uma identificação com o catolicismo, praticado e acreditado porém à sua maneira, um daqueles matizes regionais do catolicismo popular de que fala Brandão (2004). Sobre religiosidade popular amazônica há um estudo clássico, o de Eduardo Galvão (Galvão, 1978) feito na comunidade que ele pseudonominou de Itá. Smith (1983) reconheceu o fato de que a cosmovisão entre populações de caboclos por ele estudadas – e que se diziam nominalmente católicos – havia uma firme crença em seres sobrenaturais, espíritos e monstros que habitavam densamente a floresta e que influenciavam o seu dia-a-dia, notadamente regulando as suas atividades piscatórias e venatórias, ajudando 3 3“É pecado matar a esperança, mas todo mundo quer matar o sariguê”... assim a conservar a floresta e os peixes. O autor, partindo do descritivo para o prescritivo, sugeriu que as crenças folclóricas fossem incluídas nos esforços para a conservação da biodiversidade regional. Segundo ele, “ciência e lore podem trabalhar lado-a-lado para reforçar os esforços conservacionistas na região, uma vez que, em última instância, a sobrevivência de qualquer reserva depende da sua aceitação pelas populações vizinhas”. Essencialmente, a sua proposta diz que, como a localização e o tamanho de parques são usualmente determinados apenas com bases econômicas e ecológicas, isto faz com que as populações locais percebam tais decisões como intrusões tecnocráticas no seu modo-de- vida tradicional. Se critérios culturais também forem incluídos, diz ele, as pessoas muito provavelmente respeitarão os limites das reservas. Por isso, as populações locais deveriam ser consultadas sobre a localização de lugares encantados, bem como sobre os rumorosos sítios habitados pelos sobrenaturais e o seu lore deveria ser incorporado nos planejamentos. Tal sugestão vale a pena ser ponderada, uma vez que, segundo ele, a Amazônia já possui vários parques sobrenaturais e estes bem que poderiam servir de base para os parques naturais que venham a ser propostos com base em princípios participativos. Em revisita recente ao catolicismo popular amalgamado com xamanismo na Amazônia (Região do Salgado, PA), Maués (2005) afirma que nas crenças e representações do caboclo amazônico, existe uma homologia e uma complementaridade entre os santos (do hagiológio oficial) e os encantados localmente concebidos. Estes, constituem uma densa população de seres sobrenaturais que, embora um dia tenham sido humanos de carne-e-osso... se encantaram! Santos e encantados são seres vigilantes que castigam: aos encantados, em particular, cabe castigar os pecados contra o meio ambiente. Eles recebem domínios especiais, cabendo-lhes prioritariamente: a floresta, os rios e igarapés, a terra firme, a várzea, o manguezal e as praias. Suas sanções contra os violadores das “leis ambientais” podem ser severas, incluindo doenças. Sua função regulamentária de recursos e seu papel na conservação de estoques populacionais é bem evidente no caso dos ecossistemas florestais habitados e protegidos por dois encantados das matas muito respeitados e temidos: Anhanga e Curupira. Nas palavras de Maués, são seres perigosos, que podem provocar mau-olhado nas pessoas, ou “mundiá-las”, isto é, fazê-las perder-se na mata. Isto acontece com os caçadores que cometem “abusos”, sobretudo os que têm o costume de caçar persistentemente um só tipo de caça. Há evidências de que crenças codificadas em mitos narrados no catolicismo popular brasileiro, inclusive nas “narrativas pias populares” segundo a expressão de Xidieh (1993), podem, pelo menos potencial e teoricamente, conferir proteção conservacionista a determinadas espécies. Tal é o que 3 4 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia acontece com tiranídeos chamados de lavadeiras ou lava(n)deiras, muito especialmente com a espécie Fluvicola nengeta, o pássaro sagrado prototípico do Nordeste brasileiro. Esta espécie, graças inclusive à crença que a sacraliza, deve estar entre as espécies que correm menos risco de extinção no Brasil. No que diz respeito às duas lava(n)deiras congenéricas (F. nengeta e F. albiventer, que ocorrem conjuntamente no Nordeste), valeria a pena investigar o efeito protetor dos memes campesinos e a influência destes na dinâmica das suas populações. Aparentemente, elas estão multiplamente protegidas pelo que se poderia chamar de um “tabu total”, pois “não se pode pegar”, “não se pode criar”, “não se pode matar”, “não se pode comer”: são sacralizadas (“é um pássaro sagrado”; “é um passarinho de Nossa Senhora”; “matá-la (“Deus proibiu”) ofenderia Nossa Senhora”). O papel etnoconservacionista do meme (“a lavandeira ajudou Nossa Senhora a lavar a roupinha de Nosso Senhor” e suas variantes) é muito patente: trata-se de uma ave sacralizada sobre a qual há registros e depoimentos que demonstram a incidência de fortes tabus. Em certas ocasiões, por exemplo, estando ela no rio, sobre as pedras, ruflando as asas, não poderia sequer ser tocada, sendo o seu ninho também bastante respeitado pelas crianças durante todo o ano - ao contrário do que aconteceria com os das outras aves que receberiam proteção apenas durante o período da quaresma (Cascudo, 1984). A quebra dos tabus, no entanto, pode supostamente trazer várias conseqüências (Tab. 1) e a esse respeito o caso de se matar as lavandeiras (aves) é bastante exemplar, pois as sanções podem ser: econômicas (a pessoa não prospera e regride: “não passa de uma camisa”), médicas (“a pessoa perde o juízo”), sociais (a pessoa perde prestígio: “não fica bem vista”) e meteorológicas (“não chove”). No caso do Nordeste semi-árido sujeito a secas periódicas, a crença nesta sanção pode ser um componente adicional no estoque de temores acumulados pelo sertanejo acerca dos invernos falhos, ausentes outardios. Crenças e práticas católicas populares no Brasil podem repercutir sobre várias espécies de aves, além dos tiranídeos. Servem de exemplo os catartídeos (urubus, dentre eles Coragyps atratus) e o caradrídeo conhecido como quero- quero (Vanellus chilensis). Os urubus são muito respeitados. Temerosos devem ficar os caçadores pobres se vierem a matá-los, pois, conseqüentemente, poderão vir a ter a sua arma - possivelmente única - inutilizada. Na realidade, o medo deve ser compartilhado pelos caçadores de um modo em geral, uma vez que, se matarem o catartídeo, suas vidas poderão tornar-se “atrasadas” e infelizes. Como se sabe, os urubus, devido a uma forte tendência para o status trófico de carniceiros, têm um papel importante na remoção de restos orgânicos, inclusive cadáveres, 3 5“É pecado matar a esperança, mas todo mundo quer matar o sariguê”... e esse papel positivo poderá ser mantido pela manutenção dos seus estoques populacionais, para o quê o tabu de não matá-los poderá contribuir. Pelo menos na periferia de pequenos aglomerados urbanos nordestinos o papel ecológico dos urubus é sobremaneira importante. Quanto ao quero-quero (V. chilensis), também conhecido como tetéu, o “não matarás” é reforçado pelo “não comerás”, o tabu trófico sendo mais forte do que o tabu cinegético, pelo menos em localidades do estado da Bahia. De acordo com Sick (1997), tratar-se-ia de uma das aves mais estimadas nas fazendas, o que já fora também afirmado por Zenaide (1953) para o semi-árido paraibano. Este, escreveu que “poucas aves são tão estimadas no interior quanto o tetéo, esse valente guardião dos páteos das fazendas sertanejas”. Tal estima deve-se ao fato de que, ao inserirem-se conjuntamente com a ave na trama informacional ecossistêmica, os territorialistas proprietários de terra assumem um pacto cooperativo: o seu território será compartilhado, desde que as aves o defendam, coisas que elas fazem muito bem ao identificá-lo como também seu, passando então a evidenciar padrões característicos do seu repertório etológico: com a sua vocalização estridente alertam sobre a aproximação de qualquer intruso, seja humano, seja animal. A partilha do território dá-se, normalmente, através de mudança nictemeral de habitat das aves que, de dia preferem as lagoas e baixadas úmidas, mas à noite transferem suas atividades para a vizinhança das vivendas humanas, exercendo aí sua vigilância, investindo contra toda aparição em revoadas ameaçadoras e quase tocando o objeto intruso. Trata-se, pois, de um serviço gratuito, seguro e com a vantagem adicional de - no dizer de Zenaide (1953) - ser incorruptível, o qual é prestado por parceiros cuja manutenção vale a pena: uma associação mutualística que poderá, inclusive, aumentar a aptidão biológica de ambas as partes dos associados. A associação é tão vantajosa para os humanos que, segundo Belton (1994), como as aves associadas sempre gritam quando uma pessoa se aproxima, indivíduos com as rêmiges cortadas algumas vezes são mantidos perto de casas de fazenda como sentinelas. As populações de V. chilensis são conspícuas em muitas paisagens rurais, o que configura um quadro de não ameaça para a espécie e talvez permita propor uma “hipótese do estoque” de caráter generalista: “em ecossistemas rurais é eocnomicamente vantajoso manter uma conexão seres humanos/animais do tipo “trabalhístico” através da manutenção de um estoque populacional que é substitutivo a um conjunto de trabalhadores assalariados.” No entanto, em espaços rurais proximamente povoados, populações dentro de metapopulações podem estar sendo privilegiadas pela tendência sinantrópica da espécie, estimulada pelos consentimentos e “convites” dos 3 6 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia humanos. Sua tendência à sinurbização também é muito evidente e o seu sucesso como povoadora de ecossistemas urbanos é muito perceptível. Até em megalópoles como São Paulo, seus gritos estridentes compõem a paisagem sonora noturna, mesmo em espaços densamente habitados, nos quais campos de futebol e outras áreas abertas tornam-se seus habitas de predileção. Nos ecossistemas urbanos, há evidências de inversões de sentimentos em relação aos tetéus, os quais podem passar de estimados a temidos, enquadrando-se na categoria dos animais aziagos. Tal inversão, sem dúvida, poderá levar populações bem locais a serem extirpadas na trama ecossistêmica, principalmente porque o serviço prestado no meio rural agora é dispensável ou desconhecido e a “gritaria” noturna (portanto, soturna!) recém-incorporada à paisagem sonora (soundscape) por um “bicho desconhecido” poderá ser ouvida como novidade ameaçadora, um ruído a mais a invocar o ancestral “medo do bicho”, remotamente inserido no estoque de sentimentos humanos como possivelmente adaptativo, uma vez que, na realidade, trata-se do medo mais geral do predador. O fato de inserir-se no ecossistema rural pode não conferir proteção absoluta à espécie. Pelo menos nos tempos de infância de Rodolpho von Ihering (Ihering, 1968), quando o lúdico infantil poderia interferir na história de vida do caradriídeo até em estágios absolutamente críticos, como durante a fase reprodutiva, configurando-se um caso de predação com vínculo trófico aparentemente dispensável e – do ponto de vista da presa – absolutamente desvantajoso É dele a citação: “Em criança, gostávamos de procurar-lhes os ninhos, simples panela rasa, esgravatada em lugar seco, no meio dos brejos - às vezes para roubar os ovos, aliás gostosos, mas sempre com o fito de nos divertir à custa da ave-mãe.Era uma variante do conhecido brinquedo infantil: ‘está-frio - está quente’ “. A gravidade maior do tabu trófico sobre o tabu cinegético não é apanágio do quero-quero. Mesmo aves absolutamente não estimadas, mas temidas e até mesmo odiadas, como chega a ser o caso da rasga-mortalha (Tyto alba), também podem ser enquadradas nessa gradação de riscos. Neste caso, talvez o reforço sirva exatamente para compensar o impulso inerente ao que teme e odeia para que extermine o objeto das suas paixões, conferindo assim uma paradoxal proteção à espécie. A matança da ave ficou magistralmente documentada por Cascudo (1984) no seu clássico relato: “(...) Uma espécie é mesmo denominada rasga-mortalha 3 7“É pecado matar a esperança, mas todo mundo quer matar o sariguê”... (...). Menino, recordo-me do tiroteio promovido pelos criados alarmados pelo insistente canto duma coruja, estando meu pai acamado. Finalmente trouxeram a ave morta, os grandes olhos abertos, par o próprio quarto do doente, aos gritos de alívio: ‘Foi você quem morreu agoureira!” Meu pai faleceu quarenta anos depois.” A rasga-mortalha inclui-se no elenco de animais que podem (ou mesmo devem) ser mortos. Para eles há regras sociais que, ao contrário dos tabus, incentivam a matança (Tab. 2). A tal fenômeno poder-se-ia aplicar o conceito de especismo, o qual, nos moldes de racismo e sexismo, foi definido por Férry (1993) como sendo “um pré-conceito ou uma atitude pré-concebida a favor dos interesses dos membros da sua própria espécie e de parti pris desfavorável em relação aos membros de outras espécies”. Na realidade, a mente popularmente catolicizada opõe binariamente “os animais que são da parte de Deus” e “os animais que têm parte com o canhoto.” Além de proceder a essa oposição, ela também hierarquiza, havendo assim animais inferiores a outros e que por isso merecem tratamento diferenciado. Tabela 2. Exemplos de regras sociais que incentivam a matança de animais relacionados com o catolicismo popular brasileiro. 3 8 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia Uma ave relacionada popularmente com a biografia de Jesus e que é abundante em sua área de distribuição no Brasil e conspícua na paisagem urbana de cidades brasileiras, é o bem-te-vi Pitangus sulphuratus, o qual, ao contrário da proteção conferida pelo “tabu total”que incide sobre as lavandeiras, pode ser pego, comercializado, engaiolado (embora ele morra com facilidade), morto e até comido. Seu papel na biografia, embora preponderantemente negativo (“ele traiu Jesus; entregou ele pros Judeus; gritou bem-te-vi pros soldados mostrando onde Jesus estava quando iam fugindo pro Egito”), justifica o incentivo para que se o mate, comum em alguns lugares do Brasil (e.g., Cáceres, MT). Tal incentivo, no entanto, não é uma regra geral. Atualmente, o meme da traição, pelo menos no estado da Bahia, tem uma distribuição muito menor que o meme das lavandeiras e inclusive um meme-contra-meme parece emergir com potencial competitivo. Montando-se, a partir de falas de sertanejos baianos um discurso “coletivizado” e transcriado pelo modelo de união das diversas competências (Marques, 1991), é possível obter a seguinte “colagem” - sem dúvida confirmadora da inteligência emocional dos baianos: “A maioria diz que ele traiu Jesus, mas há quem diga que ele coroou Jesus. Assim, a coroa que ele tem na cabeça, tanto pode ter sido o resultado de uma dor de cabeça que ele teve como castigo porque traiu, como pode ter sido também uma coroa que ele recebeu porque coroou. Se matar ele, pode não acontecer nada, pois Deus perdoa, mas a pessoa fica mal vista. Por via das dúvidas, que come”. Um exemplo de um possível meme parasita, um vírus da mente na terminologia de Brodie (1996) seria a crença na inexauribilidade de recursos que foi encontrada na região estuarina de Acupe (BA) por Souto (2004) que a enquadrou no “meme da divina e infinita abundância”. Depoimentos por ele recebidos demonstram que recursos pesqueiros locais, para os depoentes, não se exauririam devido ao seu caráter de criação de Deus e à sua propriedade de persistência por volição divina: “Aqui é produção dada mesmo por Deus, né? Acaba não! Enquanto vida existir no mundo, tem caranguejo” “O marisco só acaba quando Jesus descer e dizer que o mundo acabou!” 3 9“É pecado matar a esperança, mas todo mundo quer matar o sariguê”... “Acabar de vez eu acho que num acaba não porque Deus é nosso Pai poderoso e eu acho que não vai permitir uma coisa dessa”. “Eu acho que não acaba não. Sabe por que? Porque Deus não deixa fazer isso com a gente. Ele não deixa acabar não”. Uma citação tipicamente “escristurística à moda da casa” e altamente sugestiva de parasitismo mêmico também foi coletada por esse autor: “Deus disse: ‘quanto mais tirar, mais multiplicar’. Quanto mais nós tira, mais rende”. Quanto à extinta pescaria do Dia da Hora em Alagoas, pode-se estar diante de um fenômeno de causalidade múltipla, com implicações de reciprocidade. Por isto, vale a pena deter-se sobre o significado e a temporalidade do Dia, considerando-se, inclusive, o seu caráter religioso. Segundo Cascudo (1984), este dia corresponde à Quinta-Feira da Ascensão, data móvel do calendário oficial católico romano e que se comemora quarenta dias depois do Domingo da Ressurreição. Tal data, hipoteticamente, pode corresponder a período crítico na migração genética das curimãs e vale a pena hipotetisar alguma correlação causal negativa entre a pescaria alagoana e a depleção do estoque local de M. liza, pois tal pescaria tinha por objetivo a obtenção apenas das ovas, as quais, fritas, ainda hoje constituem um prato característico da culinária alagoana. Há um depoimento publicado por Otto Schubart (Schubart, 1936) dizendo que, após a captura dos peixes e da abertura do seu abdome para retirada das ovas, restavam abandonados na praia, impressionantes amontoados de peixes por cujo consumo não se tinha interesse. Se tal hipótese for verdadeira, poder-se-ia estar diante de um comportamento não-adaptativo, não previsível para um “forrageador ótimo” e de uma atitude não-conservacionista que decorreria de um “meme parasita”, um “vírus da mente”, de acordo com a teoria memética. Por outro lado, mesmo que isto seja verdadeiro, o processo que quebrou a resiliência populacional dos peixes, deve ter um caráter de extrema complexidade, sendo a implicação ritual apenas um dos componentes. De qualquer modo, embora a pescaria do Dia da Hora não corresponda exatamente à definição de ritual religioso empregada por Rappaport (1967) para sua análise da função regulatória ritualística de relações ambientais, o caso não deixa de ter alguma implicação religiosa, podendo o seu exemplo abrir uma possibilidade para disfunção ritualística regulamentária de uso de recursos, 4 0 Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia com o quê a universalidade de regulação positiva seria questionada. O caso do consumo das “ovas” não seria apanágio dos alagoanos. Diegues (2004) refere-se a um fato similar ocorrente no litoral fluminense, onde a tainha (no caso deve corresponder a M. platanus), estando “ovada”, seria tida por pescadores em Niterói como sendo de alto valor para venda, isto exatamente por casa das suas “ovas”. Assim encontrada, incidiria sobre todo o restante do corpo um tabu trófico de reima, não podendo ser o peixe consumido por ter a carne muito oleosa. Os pescadores, na circunstância, diriam que a ova tem “valor próprio”, mas a tainha não e explicariam o fato que “foi Deus que fez assim.” Um tabu trófico segmentário sobre a tainha (no caso, M. platanus), incidindo sobre “mulheres quando dão a luz”, foi encontrado por Hanazaki (2001) na região de Iguape, litoral sul de São Paulo. Esta autora também relatou uma conexão do tipo médico (indireto: etnoveterinário) com a tainha, cuja banha seria usada em ferimentos de animais “para evitar que as moscas varejeiras produzissem o berne ou para evitar a inflamação pela mordida dos morcegos”. Para que se tenha uma idéia da complexidade histórica dos impactos culturais sobre os estoques das tainhas, basta considerar-se que nos tempos coloniais, segundo Cascudo (1984), elas corriam como dinheiro, pois era com “pacotes de tainhas” que se pagava o funcionalismo público. O autor refere-se a Mugil incilis como sendo a”espécie empacotada”, mas provavelmente esta correspondia a M. liza e a M. platanus. “Ninguém deve matar a mulita (Dasypus sp.), porque ela foi abençoada por Nossa Senhora” (Fagundes, 2000): este é um tabu sulino relacionado com o papel positivo exercido pela mulita e pela tatua em uma das versões do mito relacionado com a Fuga da Sagrada Família para o Egito. No entanto, a carne dos tatus é considerada no meio popular e rural como altamente palatável e não é por acaso que uma das espécies recebe o nome de tatu-galinha. Este, correspondente a Dasypus novemcinctus (um dos possíveis mulitas), é espécie das mais comuns no Brasil e tem sido caçado em toda sua área de distribuição, sendo a sua freqüência relativamente baixa na caatinga e no cerrado atribuída à pressão cinegética (Marinho-Filho, 1992). Portanto, a distância entre o crido e o dito e o praticado e o feito, entre o comportamento real e o comportamento ideal, mais uma vez entra em cena, pois o “não matarás”, no caso, é exemplar de um tabu que se constitui em “mandamento” dos mais violados, sua violação incidindo sobre uma espécie cujos estoques populacionais aparentemente decrescem em toda a sua área de distribuição e que parece funcionar como controladora natural de pragas (Marcesini, 2004). A sacralização per se não é motivo suficiente para conseqüências etnoconservacionistas. Isto fica evidente no caso da rolinha fogo-pagô 4 1“É pecado matar a esperança, mas todo mundo quer matar o sariguê”... (Scardafella squamata), tão prestigiada pelo seu papel positivo durante a migração da Sagrada Família para o Egito. Ela tanto pode ser caçada, quanto comida. No sertão baiano chega-se a prescrever o seu consumo para mulheres com problemas de saúde durante o período de gravidez. Em Boca da Mata/AL, de acordo com Almeida (1997), embora as rolinhas caldo-de-feijão e papa-capim possam ser conspícuas na paisagem, a “fogo-pagô tornou-seuma raridade”. O caso do sariguê = gambá = timbu = cassaco (Didelphis spp.) é claríssimo a respeito de não correlação entre sacralidade e ação conservacionista: não é por ser abençoado por Nossa Senhora, que se deixa de matá-lo com interesse e insistência (“o sariguê, todo mundo quer matar”, afirmou-se na Bahia). O motivo geralmente alegado para a matança, qual seja, o de que o gambá preda pintos e galinhas, pode também servir de motivo para justificar a sua sacralidade, uma vez que um dos mitos no qual se insere o animal, relacionando-o com Nossa Senhora, diz que ele roubou uma galinha e deu-a à Santa para que esta saciasse a sua fome. A “razão prática” da predação do gambá pelos humanos (que chegam a comê-lo e a considerá-lo altamente palatável, além de utilizá-lo largamente como animal medicinal) talvez reflita um caso de predação competitiva (o predador virando presa), possivelmente verdadeiro no ambiente rural e persistente na memória dos citadinos migrados. Não obstante a sua matança socialmente sancionada e quase obsessiva, as populações de gambás no Brasil parecem não estar sob depleção acentuada, repetindo-se o mesmo fenômeno que Grimwood (apud Nowak, 1991) relatou para D. marsupialis e D. albiventris no Peru. 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Segundo Costa-Neto (1999) o uso de recursos animais é um fenômeno antigo e disseminado mundialmente entre os diversos povos: os remédios elaborados a partir de partes ou produtos do metabolismo animal, tais como, secreções corporais e excrementos ou mesmo de materiais construídos pelos animais, como ninhos, teias e casulos, vem sendo utilizados desde a mais remota antigüidade. Tal fenômeno, ao contrário do que se pensa, não é exclusivo dos povos primitivos ou de nações atrasadas cultural e economicamente. Muito pelo contrário, a leitura dos médicos e filósofos da época clássica greco-romana, já nos revela um sistema zooterápico naturalmente aceito e desenvolvido. Como sugere Posey (1980), do ponto de vista da etnobiologia,
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