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OS ‘INTRUSOS’ E OS ‘OUTROS’ QUEBRANDO O AQUÁRIO E MUDANDO OS HORIZONTES”: AS RELAÇÕES DE RAÇA E CLASSE NA IMPLEMENTAÇÃO DAS COTAS SOCIAIS NO PROCESSO SELETIVO PARA CURSOS DE GRADUAÇÃO DA UFES – 2006-2012

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0 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO 
CENTRO DE EDUCAÇÃO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO 
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
SÉRGIO PEREIRA DOS SANTOS 
 
 
 
 
“OS ‘INTRUSOS’ E OS ‘OUTROS’ QUEBRANDO O AQUÁRIO E MUDANDO OS 
HORIZONTES”: AS RELAÇÕES DE RAÇA E CLASSE NA IMPLEMENTAÇÃO 
DAS COTAS SOCIAIS NO PROCESSO SELETIVO PARA CURSOS DE 
GRADUAÇÃO DA UFES – 2006-2012 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
VITÓRIA 
2014 
 
 
 
1 
 
SÉRGIO PEREIRA DOS SANTOS 
 
 
 
 
 
 
“OS ‘INTRUSOS’ E OS ‘OUTROS’ QUEBRANDO O AQUÁRIO E MUDANDO OS 
HORIZONTES”: AS RELAÇÕES DE RAÇA E CLASSE NA IMPLEMENTAÇÃO 
DAS COTAS SOCIAIS NO PROCESSO SELETIVO PARA CURSOS DE 
GRADUAÇÃO DA UFES – 2006-2012 
 
 
 
 
Tese de Doutorado apresentada ao Programa 
de Pós-Graduação em Educação do Centro de 
Educação da Universidade Federal do Espírito 
Santo, como requisito para obtenção do grau 
de Doutor em Educação, na Linha de Pesquisa 
Diversidade e Práticas Educacionais 
Inclusivas, no semestre 2014/02. 
Orientadora: Profª. Drª. Ivone Martins de 
Oliveira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
VITÓRIA 
2014 
 
2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) 
(Biblioteca Setorial de Educação, 
Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil) 
 
 
 Santos, Sérgio Pereira dos, 1977- 
S237i Os ‘intrusos’ e os ‘outros’ quebrando o aquário e mudando os 
horizontes: as relações de raça e classe na implementação das cotas 
sociais no processo seletivo para cursos de graduação da UFES – 2006-
2012 / Sérgio Pereira dos Santos. – 2014. 
 390 f. : il. 
 
 Orientador: Ivone Martins de Oliveira. 
 Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Espírito 
Santo, Centro de Educação. 
 
 1. Universidade Federal do Espírito Santo. 2. Direito à educação. 3. 
Discriminação racial. 4. Ensino superior. 5. Racismo. 6. Relações 
raciais. 7. Programas de ação afirmativa – Educação. I. Oliveira, Ivone 
Martins de, 1962-. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de 
Educação. III. Título. 
 
 CDU: 37 
 
 
 
3 
 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À querida professora Drª. Maria Aparecida 
Santos Corrêa (in memoriam). 
Aos sujeitos desta pesquisa. 
 
5 
 
AGRADECIMENTOS 
Uma tese de doutorado representa um algo especial na vida de qualquer mortal que 
tenha ousado passar por esta aventura [...]. Enfim, dado que agora posso dizer ‘que 
bom que deu tudo certo’, falarei isso para encorajar os que seguem depois. Não 
desistam: é bonita a passagem daqui desta margem do rio (PAIXÃO, 2014, p. 21). 
Agradeço, com total carinho e consideração, a toda minha família, em especial à minha mãe, 
Maria, ao meu pai, João (in memoriam) pelo ensinamento do valor da escolarização. 
Ao meu Tio João Miguel e à sua família pela confiança e apoio na realização de meus sonhos 
acadêmicos, pessoais e profissionais. 
Agradeço à professora, grande amiga e orientadora, Drª. Maria Aparecida Santos Corrêa 
Barreto (in memoriam) por me ensinar a ser um humano melhor, um pesquisador competente 
e por me mostrar o valor da liberdade e da esperança por um mundo melhor, mais justo, mais 
democrático e mais igualitário. Sou eternamente grato a essa pessoa que iluminava a tudo e a 
todos. Por onde passava, tornava menos dura a vida e mais esperançoso o mundo. 
Agradeço à professora orientadora Drª. Ivone Martins de Oliveira, pelo acolhimento, 
confiança, competência e perspicácia profissional, acadêmica e humana. Suas orientações 
detalhadas e amplas, democráticas, sábias e pertinentes deram a este trabalho um brilhantismo 
especial e fundamental para o avanço da pesquisa científica. 
Aos meus grandes amigos e professores, Drª. Luiza Mitiko Y. Camacho e Drº. Thimoteo 
Camacho, grandes incentivadores na minha formação humano-profissional. Sábios 
orientadores da vida e da academia, ao me ensinarem a ser um ser humano mais preocupado 
com as agruras da sociedade. Eternamente agradecido também pelas suas pertinentes 
sugestões bibliográficas para esta tese. 
Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela 
concessão da bolsa durante todo o período de realização deste doutorado. 
À professora Drª. Renísia Cristina Garcia Filice, da UnB, pela amizade que fizemos a partir 
da Anped e por suas pertinentes e valiosas contribuições teórico-práticas para esta tese. 
Ao professor Drº. Ahyas Siss pela sua acolhida, amizade e profundas orientações no decorrer 
de minha participação como aluno especial em disciplina sobre relações raciais e ensino 
 
6 
 
superior na UFRRJ, como também pela sua acuidade acadêmica no processo de construção 
desta tese. 
Ao professor Drº. Osvaldo Martins de Oliveira, pela amizade e sábias orientações para esta 
tese e pelo acolhimento em seu grupo de pesquisa sobre povos tradicionais, afro-brasileiros e 
cultura negra capixaba. 
À professora Drª. Regina Helena Silva Simões, grande e competente professora, amiga, pela 
sua confiança em meu trabalho e por ter sempre sonhado comigo na minha trajetória 
acadêmica na Ufes. 
Aos sujeitos desta pesquisa, atenciosos, solícitos e esperançosos com o sucesso deste trabalho, 
eternamente grato! Alunos, professores, servidores, pró-reitores e reitor, suas ricas, complexas 
e carinhosas falas foram fundamentais para o desenvolvimento da tese. 
Aos meus amigos Tânia Chisté, Lucimar Simon, Pablo Silva, Aline Loyola, Cláudia Nardoto, 
Daniel Ferreira, Geiza Martins e Diogo Duarte pela amizade e apoio na transcrição de alguns 
depoimentos dos sujeitos da pesquisa. 
A tod@s professores e funcionários do PPGE pela competência profissional-acadêmica e 
sensibilidade humana. 
À professora Drª. Andrea Bayerl Mongim pela amizade, acolhimento e experiências profícuas 
no seu competente grupo de pesquisa sobre Ações Afirmativas no Brasil e no Espírito Santo. 
Ao professor Drº. Amauri Mendes Pereira da UFRRJ pela sua atenção, amizade e ricas 
recomendações teóricas para esta tese. 
Ao professor Drº. Marcelo Paixão da UFRJ pela atenção, incentivo e valiosas sugestões 
bibliográficas sobre a temática das relações raciais brasileiras e norte-americanas. 
Aos membros do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Ufes pelas riquezas das pessoas, pela 
profundidade dos debates acadêmicos e pelas lindas amizades construídas nesse espaço. Em 
especial, à coordenadora do Núcleo, professora Drª. Cleyde Amorim, por sua amizade, 
competência profissional e confiança em meu trabalho. 
 
7 
 
À Maria Cristina Figueiredo, colega e grande amiga deste doutorado. Suas palavras ricas em 
momentos certos, seu respeito e competência me ajudaram entender realmente o sentido da 
amizade e do profissionalismo. Obrigado, Cris! Ao seu companheiro, Maurício, agradeço pela 
amizade e apoio constante em todas as fases do doutorado. 
À Turma 8 do Doutorado do PPGE, em especial aos colegas de Linha de Pesquisa 
“Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas”: Alessandro, Maria Cristina, João, Danielli, 
Rafael, Vagner, Madalena e Ana Marta. 
Ao professor Drº. Alexsandro Rodrigues pela rica amizade, recepção e proveitoso 
crescimento humano e acadêmico viabilizado no contexto do Estágio Docência deste 
doutorado em suas disciplinas de Currículo e Formação Docente em algumas Licenciaturasda 
Ufes. 
À professora Drª. Eliza Bartolozzi Ferreira pelo acolhimento e carinho a nós, alunos, assim 
como pela riqueza teórica produzida em sua disciplina “Tópicos em Políticas Educacionais”, 
por meio da qual possibilitou um pertinente e fértil diálogo com as relações raciais brasileiras. 
Ao professor Drº. Hiran Pinel pela amizade e pelas profícuas discussões teórico-práticas sobre 
a questão racial brasileira no campo educacional, muitas vezes regadas a um bom café, a uma 
dose cavalar de humor e a uma excelente indicação bibliográfica. 
À Marcia Iara Brito de Andrade, funcionária do Instituto Cândido Mendes do Rio de Janeiro, 
pela sua amizade e por sua solicitude constante na pesquisa e encaminhamentos da produção 
acadêmica deste instituto, em especial da Revista Afro-Asiáticos. 
Ao funcionário Cláudio França, do setor de periódicos da Biblioteca Central da Ufes, pela sua 
amizade, presteza e competência nas orientações das obras referentes à tese. Seu 
profissionalismo foi fundamental e imprescindível para esta pesquisa. 
Aos grandes amigos e debatedores eternos: Marluce Simões, Tânia Chisté, Sandra Machado, 
Gustavo Forde, Vanessa Rocha, Carly Cruz, Guanair Cunha, Charlini Sebim, Patrícia Rufino, 
Cleberson Silva, Bruno Pizzin, Cláudio Márcio, Vilmara Mendes e Andressa Colombi. 
Aos alun@s e professores da Faculdade Brasileira (Fabra) pela rica experiência docente e 
afetiva na construção do debate e da formação no campo das relações étnico-raciais. 
 
8 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A díade raça e classe tem se configurado uma tradição nas pesquisas 
sobre as relações raciais brasileiras. Em que pese a crise das grandes 
narrativas nas ciências sociais, esses conceitos parecem ainda 
desfrutar de grande poder explicativo quando se pretende analisar a 
situação social dos afro-brasileiros (FIGUEIREDO, 2002, p. 26). 
As explicações de dominação de raça e de classe que atribuem pesos 
diferentes aos aspectos coercitivo, remunerativo e moral das relações 
de poder não precisam ser necessariamente incompatíveis. Essas 
dimensões de poder podem estar diferentemente combinadas em 
épocas e lugares particulares (HASENBALG, 2005, p. 54). 
 
9 
 
RESUMO 
 
A pesquisa desta tese investiga as mediações das categorias de raça e de classe social no 
processo de implementação do modelo de cotas sociais da Ufes para ingresso nos cursos de 
graduação, entre 2006 a 2012, como parte das ações afirmativas dessa universidade. Tal 
modelo, para incluir a população afro-brasileira no ensino superior do Espírito Santo, 
respeitou estritamente os critérios de renda e de origem escolar pública, não adotando o 
critério étnico-racial que contemplaria especificamente os negros e os indígenas. Diante disso, 
o autor busca sustentar a tese de que, considerando o padrão das relações raciais brasileiras 
produtor de assimetrias entre grupos com marcas raciais distintas, no caso de negros e 
brancos, as desigualdades raciais têm na operacionalização do racismo seu mote ofensivo e 
poderoso, ao mesmo tempo em que a classe social isolada é insuficiente na compreensão e 
superação do problema racial do Brasil. Portanto, na adoção de políticas de combate às 
desigualdades raciais no ensino superior, caberia também a utilização de medidas etnicamente 
referenciadas. Autores como Hall (2008) e Fraser (2006), ao trazerem a dimensão articulada e 
bifocal das injustiças simbólicas e das injustiças econômicas, permitem entender a 
complementaridade e as dinâmicas entre ambas, deslocando-se de determinismos classistas 
que invisibilizam o racismo como instrumento opressor nas relações sociais. Como objetivos 
específicos, considera: compreender o processo de construção do modelo de cotas da Ufes, 
para ingresso nos cursos de graduação implementado em 2008, sob a perspectiva do debate da 
relação entre raça e classe; examinar as políticas de ações afirmativas como respostas às 
demandas históricas dos afro-brasileiros no contexto da sociedade brasileira; avaliar a posição 
de professores e alunos de cursos de graduação da Ufes diante do ingresso de alunos cotistas, 
sobretudo afro-brasileiros e pobres; e investigar a relação das políticas classistas, no caso 
específico das cotas sociais, na superação das assimetrias raciais. Adota como procedimentos 
metodológicos a metodologia dialética de pesquisa considerando todas as contradições entre 
raça e classe no processo de implementação de ações afirmativas na Ufes. Como instrumentos 
de pesquisa, utiliza entrevistas de professores e alunos cotistas e não cotistas de cursos 
variados da universidade, assim como documentos referentes à temática. Os resultados 
apontam para uma “oxigenação” da universidade depois de uma entrada maior de negros e 
pobres, principalmente nos cursos mais elitizados, pois as cotas operam uma dimensão 
pedagógica de ampliar a diversidade social na academia, trazendo outras demandas, outras 
 
10 
 
afetividades, outras lógicas de mundo e concepções de sociedade para a única universidade 
pública do Espírito Santo. Indica que os mecanismos discriminatórios e estigmatizantes 
interpessoais e institucionais, vividos no contexto das cotas sociais e explícitos na pesquisa, 
não inviabilizam a importância das ações afirmativas, pois apontam para a universidade 
repensar e ressignificar seus currículos e ações pedagógicas homogeneizantes no sentido de 
ampliar a ideia de inclusão e de democratização de seus espaços. Reitera que a raça, em seu 
viés político e cultural, é operante de forma relacional e independente com a classe social no 
contexto da produção das assimetrias raciais brasileiras, de maneira que a ação de uma não 
nega a ação da outra, mesmo na relação entre ambas. Enfatiza a importância do entendimento 
e da materialidade das ações afirmativas como políticas de reconhecimento que combateriam 
as desigualdades simbólicas na Ufes. Aponta a relevância das políticas de assistência 
estudantil, conjugadas às cotas, como políticas de redistribuição econômica, que lidariam com 
as dificuldades ou ausências materiais dos discentes, principalmente dos cotistas. Conclui que 
as cotas étnico-raciais nas universidades brasileiras são instrumentos legítimos de luta pela 
educação, um direito social de oportunidade dos grupos historicamente apartados de 
princípios constituidores da emancipação, da cidadania, dos direitos humanos, da justiça 
social, da igualdade e da diferença. 
Palavras-chave: Universidade Federal do Espírito Santo. Direito à educação. Discriminação 
racial. Ensino superior. Racismo. Relações raciais. Programas de ação afirmativa na 
educação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
ABSTRACT 
 
The research of this thesis investigates the mediations of the categories of race and class in the 
model of implementation of social quotas at UFES for assessing graduation courses between 
2006 and 2012, as part of the affirmative actions of this university. Such model, as to include 
African-Brazilian population in university education in Espírito Santo, included strictly the 
criteria of income and public schools origin, not adopting the ethnic-racial criteria that 
contemplates specifically black people and Indians. Given this, the author means to support 
the theory that considering the pattern of the Brazilian racial relations that produce 
asymmetries among groups with distinct racial marks, in the case of black people and white 
people, racial differences have operationalization its offensive and powerful offensive motto, 
at the same time that the isolated class is insufficient in the overcome and understanding of 
Brazil'sracial problem. Therefore, in the adoption of policies that fight racial inequality in 
university education, it would also be relevant the use of measures ethnically referenced. 
Authors like Hall (2008) and Fraser (2006), when they bring the articulated and bifocal 
dimension of the symbolic and economical injustices; they allow the understanding of the 
complementarity and the dynamic between them, moving from classist determinisms that rend 
racism as oppressing instrument in social relations. As specific objectives, it considers: 
Understanding the process of construction of the model of quotas at Ufes, for entering 
graduation courses implemented in 2008, under the perspective of the debate of the relation 
between race and class; Analyzing the affirmative action’s policies in response to the 
historical demands of the African-Brazilian in the context of Brazilian society; Analyzing the 
position of the professors and students of the graduation course at Ufes facing the entrance of 
quota students, specially African-Brazilian; and analyzing the relation of the classist policies, 
in the specific case of social quotas, in the overcoming of racial asymmetries. It adopts the 
methodological procedures and dialectic methodology of research considering all the 
contradictions between race and class in the process of implementation of affirmative actions 
at Ufes. As a research tool, it uses interviews with faculty members and students, quota and 
non-quota, of the most various courses of the University, as to documents relating to the 
theme. The result aims at the “oxygenation” of the University after a larger entry of black 
people and poor people, especially in the courses considered as being more of the elite, 
because the quotas operate a pedagogical dimension of enlarging social bio diversity, bringing 
 
12 
 
other demands, other affections, other logics of world and conceptions of society to the only 
public University in the Espírito Santo. It indicates that the discriminatory mechanisms and 
interpersonal and institutional stigmatizers, living in the context of social quotas and explicit 
in the research do not derail the importance of the affirmative actions, because they aim at 
making the University rethink and give new meaning to its curriculums and homogenizing 
pedagogical actions with the purpose of enlarging the idea of inclusion and the 
democratization of its spaces. It reiterates that race, in its political and cultural edges; it is 
operative in a relational and independent way to the social class in the context of the creation 
of Brazilian´s racial asymmetries, in a manner that the action of one does not deny the action 
of the other, even ion the relation between them. It emphasizes the importance of the 
understanding and of the materiality of the affirmative actions as acknowledgement policies 
that would fight symbolic inequalities at Ufes. It points at the relevance of student assistance, 
coupled with the quotas, as an economic policy that would deal with the material difficulties 
or absences of the students, especially the quota students. It concludes that ethnic-racial 
quotas at Brazilian Universities are legitimate fighting tools for education. A social right of 
opportunity of the groups historically broken up from principles that constitute the 
emancipation, of citizenship, of human rights, of social justice, of equality and difference. 
Keywords: Federal University of Espirito Santo. Right to education. Racial discrimination. 
Higher education. Racism. Race relations. Affirmative action programs in education. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
RESUMEN 
 
La investigación de esta tesis aborda las mediaciones de las categorías de rasa y clase social 
en el proceso de implementación del modelo de cuotas sociales de la Universidad Federal do 
Espírito Santo/UFES para el ingreso en los cursos de graduación entre 2006 a 2012, como 
parte de las acciones afirmativas de esta universidad. Tal modelo, para incluir a la población 
afro-brasileña en la enseñanza superior del estado de Espírito Santo, incluyó estrictamente los 
criterios de renta y de origen escolar pública, no adoptando el criterio étnico-racial que 
contemplaría específicamente los negros y los indígenas. Delante de esto, el autor busca 
sustentar la tesis de que, considerando el padrón de las relaciones raciales brasileñas, 
productor de asimetrías entre grupos con marcas raciales distintas, en el caso de negros y 
blancos, las desigualdades raciales tienen en la operación del racismo su lema ofensivo y 
poderoso, al mismo tiempo en que la clase social aislada es insuficiente en la comprensión y 
superación del problema racial en Brasil. Por lo tanto, en la adopción de políticas de combate 
a las desigualdades raciales en la enseñanza superior, hay espacio también para la utilización 
de medidas étnicamente referenciadas. Autores como Hall (2008) y Fraser (2006), al abordar 
la dimensión articulada y bifocal de las injusticias simbólicas y de las injusticias económicas, 
permiten entender la complementariedad y las dinámicas entre ambas, dislocándose de 
determinismo clasistas que dejan invisible el racismo como instrumento opresor en las 
relaciones sociales. Como objetivos específicos, considera: comprender el proceso de 
construcción del modelo de cuotas en la UFES frente al ingreso de negros y pardos en los 
cursos de graduación implementados en 2008, siguiendo la perspectiva del debate de la 
relación entre raza y clase; Analizar las políticas de acciones afirmativas como respuestas a 
las demandas históricas de los afro-brasileños pobres; Y analizar la relación de las políticas 
clasistas, en el caso específico de las cuotas sociales, en la superación de las asimetrías 
raciales. Adopta como procedimientos metodológicos la metodología dialéctica de 
investigación considerando todas las contradicciones entre raza y clase en el proceso de 
implementación de acciones afirmativas en la UFES. Como instrumentos de pesquisa, utiliza 
entrevistas de profesores y alumnos cuotitas y no cuotitas de cursos variados de la 
Universidad, así como documentos referentes a la temática. Los resultados apuntan para una 
“oxigenación” de la Universidad después de un ingreso mayor de negros y pobres, 
principalmente en los cursos de élite, pues las cuotas operan una dimensión pedagógica de 
 
14 
 
ampliar la diversidad social en la academia, trayendo otras demandas, otras afectividades, 
otras lógicas de mundo y concepciones de sociedad para la única Universidad pública del 
estado de Espírito Santo. Indica que los mecanismos de discriminación y de estigmatización 
interpersonales e institucionales, vividos en el contexto de las cuotas sociales y explícitos en 
la investigación, no inviabilizan la importancia de las acciones afirmativas, pues colocan a la 
Universidad frente a la posibilidad de repensar, resignificar sus currículos y acciones 
pedagógicas que homogeneizan, en el sentido de ampliar la idea de inclusión y de 
democratización de sus espacios. Reitera que la raza, en su línea política y cultural, es 
operante de forma relacional e independiente con la clase social en el contexto de la 
producción de las asimetrías raciales brasileñas, de manera que la acción de una no niega la 
acción de la otra, mismo en la relación entre ambas. Enfatiza la importancia del entendimiento 
y de la materialidad de las acciones afirmativas como políticas de reconocimiento que 
combatirían las desigualdades simbólicas en la UFES. Apunta la relevancia de las políticas de 
asistencia estudiantil, conjugada a las cuotas, como políticas de redistribución económica, que 
lidiarían con las dificultades o ausenciasmateriales de los discentes, principalmente de los 
cuotitas. Concluye que las cuotas étnicas raciales en las universidades brasileñas son 
instrumentos legítimos de lucha por la educación, un derecho social de oportunidad de los 
grupos históricamente apartados de principios constituidores de la emancipación, de la 
ciudadanía, de los derechos humanos, de la justicia social, de la igualdad y de la diferencia. 
Palabras clave: Universidad Federal de Espírito Santo. Derecho a la educación. 
Discriminación racial. Enseñanza superior. Racismo. Relaciones raciales. Programas de 
acción afirmativa en la educación. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
ABPN Associação Brasileira de Pesquisadores Negros 
ADI Ações Diretas de Inconstitucionalidade 
ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 
ADUFES Associação dos Docentes da Ufes 
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 
CCE Centro de Ciências Exatas 
CCJE Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas 
CCV Comissão Coordenadora do Vestibular 
CE Centro de Educação 
CECUN Centro da Cultura Negra 
CEERT Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades 
CEPE Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão 
CF Constituição Federal 
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas 
CONEUFES Congresso de Estudantes da Ufes 
CONFENEN Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino 
CPLP Comunidades dos Países de Língua Portuguesa 
CR Coeficiente de Rendimento 
CT Centro Tecnológico 
CUT Central Única dos Trabalhadores 
DCE Diretório Central dos Estudantes 
DEM Partido dos Democratas 
DIEESE Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sociais e Econômicos 
 
16 
 
EDUCAFRO Educação para Afrodescendentes 
EDUCAL Educação Alternativa 
ES Espírito Santo 
FHC Fernando Henrique Cardoso 
FNB Frente Negra Brasileira 
FNP Frente Negra Pelotense 
GELEDÉS Instituto da Mulher Negra 
GTEDEO Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na 
Ocupação 
GTI Grupo de Trabalho Interministerial 
IAN Imprensa Alternativa Negra 
IBASE Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas 
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
IES Instituições de Ensino Superior 
IETS Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade 
IFES Instituto Federal de Ensino Superior 
IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas 
IURD Igreja Universal do Reino de Deus 
LAESER Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das 
Relações Raciais 
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 
MEC Ministério da Educação 
MNU Movimento Negro Unificado 
MP Ministério Público 
NAEG Núcleo de Apoio aos Estudos de Graduação 
NEABs Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros 
 
17 
 
NPE Nova Política Econômica 
OAB Ordem dos Advogados do Brasil 
OIT Organização Internacional do Trabalho 
ONGs Organizações Não Governamentais 
ONU Organização das Nações Unidas 
PCB Partido Comunista Brasileiro 
PC do B Partido Comunista do Brasil 
PCQC Programa Custe o Que o Custar 
PEC-G Programa de Estudantes-Convênio de Graduação 
PL Projetos de Leis 
PM Polícia Militar 
PME Pesquisa Mensal de Empregos 
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 
PNAES Programa Nacional de Assistência Estudantil 
PNDH Programa Nacional de Direitos Humanos 
PROAES Políticas de Assistência Estudantil 
PROGEP Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas 
PROGEPAES Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas e Assistência Estudantil 
PROGRAD Pró-Reitoria de Graduação 
PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados 
PT Partido dos Trabalhadores 
PUC-RJ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 
PUPT Projeto Universidade Para Todos 
PVNC Pré-Vestibular para Negros e Carentes 
RE Recurso Extraordinário 
 
18 
 
SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade 
SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial 
SESU Secretaria de Ensino Superior 
SINTUFES Sindicato dos Trabalhadores da Ufes 
SIS Secretaria de Inclusão Social 
STF Supremo Tribunal Federal do Brasil 
TEN Teatro Experimental do Negro 
TRF2 Tribunal Regional Federal da 2ª Região 
UENF Universidade Estadual Norte Fluminense 
UFBA Universidade Federal da Bahia 
UFES Universidade Federal do Espírito Santo 
UFF Universidade Federal Fluminense 
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso 
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro 
UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro 
UFRS Universidade Federal do Rio Grande do Sul 
UMNO United Malay Nationalist Organization 
UNB Universidade de Brasília 
UNE União Nacional dos Estudantes 
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 
UNIAFRO Programa de Ações Afirmativas para a População Negra 
UNICAMP Universidade de Campinas 
USP Universidade de São Paulo 
 
 
 
19 
 
SUMÁRIO 
 
1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ........................................................................... 23 
2 “TENTÁCULOS” DA DIALÉTICA: O MÉTODO E OS PROCEDIMENTOS 
TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO ESTUDO ............................................................... 41 
2.1 O MÉTODO ...................................................................................................................... 41 
2.2 A PESQUISA DE CAMPO .............................................................................................. 55 
 
3 AÇÕES AFIRMATIVAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA: ENTRE AS INJUSTIÇAS 
HISTÓRICAS E AS LUTAS PELO DIREITO À EDUCAÇÃO ..................................... 62 
 
4 IGUALDADE E DIFERENÇA: POLÍTICAS DE REDISTRIBUIÇÃO E POLÍTICAS 
DE RECONHECIMENTO .................................................................................................. 96 
4.1 A RELAÇÃO DO UNIVERSAL COM O PARTICULAR: SOMOS IGUAIS E 
DIFERENTES! ....................................................................................................................... 98 
4.2 AÇÕES AFIRMATIVAS: CONCEITOS, HISTÓRICO E EXPERIÊNCIAS 
................................................................................................................................................ 112 
4.3 AS MATRIZES DISCURSIVAS E AS RETÓRICAS DA INTRANSIGÊNCIA: O 
DEBATE “PÚBLICO” BRASILEIRO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS PARA AFRO-
BRASILEIROS NA IMPRENSA ......................................................................................... 124 
4.3.1 Matrizes que interpretam as relações sociorraciais brasileiras ............................. 126 
4.3.2 “De baixo para cima”: análise de textos veiculados na grande imprensa ............ 145 
 
5 AS RELAÇÕES RACIAIS E A DEMOCRACIA RACIAL NO BRASIL ................. 167 
 
20 
 
5.1 A IDEIA DE RAÇA NAS RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL 
................................................................................................................................................ 168 
5.2 OS ESTUDOS DO NEGRO NA TEMÁTICA RAÇA E CLASSE NAS RELAÇÕES 
RACIAIS BRASILEIRAS .................................................................................................... 191 
5.2.1 Donald Pierson e Thales de Azevedo: a primeira onda ..........................................195 
5.2.2 Thales de Azevedo: ainda a primeira onda ............................................................. 199 
5.2.3 Estudos críticos: Florestan Fernandes, Carlos Hasenbalg e Nelson Valle Silva: a 
segunda e terceira ondas ..................................................................................................... 203 
 
6 RELAÇÕES ENTRE RAÇA E CLASSE NO CAMPO EPISTEMOLÓGICO ........ 209 
6.1 O MARXISMO, A POLÍTICA E A QUESTÃO RACIAL: RANÇOS E AVANÇOS 
................................................................................................................................................ 211 
6.2 A QUESTÃO RACIAL NO CAMPO POLÍTICO ......................................................... 227 
 
7 “ALIVIANDO A PRESSÃO”: O MOVIMENTO PELAS POLÍTICAS DE AÇÕES 
AFIRMATIVAS NA UFES................................................................................................. 233 
7.1 REIVINDICAÇÕES E RESISTÊNCIAS POR AÇÕES AFIRMATIVAS NO ESPÍRITO 
SANTO ................................................................................................................................ 234 
7.1.2 O debate e o acirramento de posições no processo de implementação das cotas na 
Ufes ....................................................................................................................................... 239 
7.2 A CONFIGURAÇÃO DO SISTEMA DE RESERVAS DE VAGAS: AS COTAS 
SOCIAIS DA UFES .............................................................................................................. 248 
 
21 
 
7.3 “OS PONTOS FORA DA CURVA”: A RELAÇÃO ENTRE RAÇA E CLASSE NO 
CONTEXTO DAS COTAS SOCIAIS DA UFES 
................................................................................................................................................ 258 
7.4 RENDIMENTO DOS COTISTAS E DOS NÃO COTISTAS ....................................... 262 
 
8 “OS ‘OUTROS’ E OS ‘INTRUSOS’ QUEBRANDO O ÁQUARIO”: A DINÂMICA 
RAÇA E CLASSE DAS COTAS DA UFES 
................................................................................................................................................ 272 
8.1 “TODO POBRE É NEGRO E TODO NEGRO É POBRE”: A PRETERIÇÃO DAS 
COTAS ÉTNICO-RACIAIS EM PROL DA ESCOLA PÚBLICA E DA RENDA NA 
INCLUSÃO NA UNIVERSIDADE ..................................................................................... 272 
8.2 “IGUAIS, MAS SEPARADOS”: ALGUMAS PRÁTICAS DISCRIMINADORAS NA 
RELAÇÃO ENTRE ESTUDANTES COTISTAS E NÃO COTISTAS .............................. 307 
8.3 “AS COTAS TÊM UM PAPEL PEDAGÓGICO PARA A SOCIEDADE...”: INDÍCIOS 
DE AVANÇOS NA DISCUSSÃO DA RELAÇÃO RAÇA E CLASSE SOCIAL NAS 
POLÍTICAS AFIRMATIVAS DA UFES ............................................................................ 321 
 
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS: “QUEBRANDO O AQUÁRIO DA UNIVERSIDADE E 
MUDANDO OS HORIZONTES” ..................................................................................... 345 
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 354 
APÊNCIDES ........................................................................................................................ 380 
APÊNDICE A – Alunos cotistas e não cotistas da Ufes ................................................... 381 
APÊNDICE B – Administrativo e segmentos da Ufes ..................................................... 382 
APÊNDICE C – Professores da Ufes ................................................................................. 383 
 
22 
 
APÊNDICE D – Membro do Movimento Negro Capixaba ............................................ 384 
ANEXOS .............................................................................................................................. 385 
ANEXO A – Resolução nº. 23/2009 - Cotas Sociais ......................................................... 386 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
23 
 
1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 
Existe um nível de pobreza a partir do qual somos atingidos por uma espécie de 
indiferença que faz com que todas as coisas pareçam irreais: aqueles mais perto de 
nós se tornam meras sombras, pouco distinguíveis do fundo escuro de nossa vida 
quotidiana, e são facilmente perdidos de vista (VITOR HUGO, Os miseráveis, 
grifos nossos). 
Sou um homem invisível. Não, não sou um fantasma como os que assombravam 
Edgar Allan Poe... Sou um homem de substância, de carne e osso, fibras e líquidos – 
talvez se possa até dizer que possuo uma mente. Sou invisível, compreendam, 
simplesmente porque as pessoas se recusam a me ver. Minha invisibilidade também 
não é, digamos, o resultado de algum acidente bioquímico da minha epiderme. A 
invisibilidade à qual me refiro ocorre em função da disposição peculiar dos olhos 
das pessoas com quem entro em contato (RALPH ELLISON, O homem invisível, 
grifos nossos). 
O cinema, como um espaço de produção de conhecimentos, de linguagens e de mundos, 
tematiza variados assuntos de cunho político, social, econômico, étnico-racial, dentre outros, e 
se constitui como um potente mecanismo pedagógico de apreensão da realidade. Sobre a 
temática racial, há uma produção intensa, diversa e rica, apresentando muitos aspectos e 
matizes com que o assunto se relaciona. O filme Mãos talentosas: a história de Ben Carson,
1 
por exemplo, é muito pertinente e significativo para se articular e entender a relação dos 
processos de desigualdades sociorraciais com a ascensão do negro pela universidade. O filme 
conta a história real de Ben Carson, um negro pobre que se forma em Medicina, 
especificamente em neurocirurgia. Ele é filho de mãe analfabeta e empregada doméstica, cuja 
família não tinha tradição de acesso à universidade, como é a história da maioria da população 
afro-brasileira. Há três passagens no longa metragem, ora em tela, que nos fazem pensar na 
trajetória identitária, na ascensão social e nos percalços que negros e negras passam tanto para 
alcançar os espaços de poder, prestígio, riqueza, privilégio e de autoridade da sociedade, 
quanto para permanecer nesses espaços. 
A primeira passagem representa a possibilidade ampla, rica e extraordinária do caminho 
universitário negado historicamente, principalmente, para a população afro-brasileira. Sendo o 
único negro na escola, Carson sofre racismo e estigmas. No entanto, quando responde ao 
professor de Química sobre o nome de uma pedra e sua origem de formação, depois de 
ninguém saber, além de a turma ficar embasbacada diante do fato e de todos olharem para ele, 
o professor avisa que quer conversar com ele no intervalo e, neste, fala algo ao aluno 
inteligente e depois lhe mostra o que se tinha no microscópio. O professor pergunta a Carson 
 
1
 Filme norte-americano intitulado, no original, Gifte Hands: The Ben Carson Story, de 2009. Foi dirigido por 
Thomas Carter, tendo como ator principal, interpretando Ben Carson, Cuba Gooding Jr., e Kimberly Elise como 
mãe de Carson. 
24 
 
no laboratório: “Sabe o que é isso, Ben?” “Não”, responde Ben. “Isso é outro mundo, Ben, 
você acaba de entrar noutro mundo”, responde o professor. 
A segunda passagem da película cinematográfica explicita o racismo que muitos de nós, afro-
brasileiros, vivemos quando alcançamos louros, os espaços científicos e prestígio social, 
como abaixo evidenciado. Carson é agraciado com o prêmio de melhor rendimento acadêmico 
da oitava série. Nesse momento sua professora, branca, pega o microfone e fala ao público 
presente, composto por alunos, famílias, inclusive a de Carson: “Ben é um rapaz de cor. Não 
há pai na vidadele. Ele chegou a nós com grandes desvantagens, não há motivo para não 
fazer melhor do que ele. O que há com vocês, crianças, vocês não lutam o suficiente, deviam 
se envergonhar”. 
Já na terceira passagem, há a compreensão de uma mãe que, mesmo sendo analfabeta, sabe a 
importância da escola na sociedade e quer viabilizar esse caminho para seus filhos. Ao tirar 
nota baixa na escola e sofrer chacotas por parte de seus colegas de turmas, Ben é chamado de 
“maior burro do mundo” na sala e corredores. Ele bate num dos colegas que o humilhou 
assim. A presença de sua mãe é solicitada na escola e, na ida para casa, depois de conversar 
com o diretor, ela fala para seu filho: “Você não foi feito para fracassar, Ben, você pode. Você 
não é burro, apenas deve controlar sua raiva; é um menino inteligente. Escuta aqui: você não 
está usando essa inteligência, continue tirando notas baixas e vai passar a vida toda passando 
pano numa fábrica, não é essa vida que quero pra você”. 
O “outro mundo” que o professor de Ben indicou para ele, que é o espaço da universidade e 
da ciência, em razão dos processos históricos da escravidão, de uma abolição incompleta ou 
inexistente e de vários processos ressignificados de desigualdades raciais no presente, ainda se 
constitui numa escada difícil de acesso ou, em alguns momentos, inalcançável para nós, afro-
brasileiros. E isso tolhe e impede a concretização de uma cidadania plena e de uma sociedade 
e vida democráticas dignas aos afro-brasileiros, como bem destacou Siss (2003). 
Ao longo da histórica luta por direitos, justiça social e por uma verdadeira democracia racial, 
a população afro-brasileira, tanto na escravidão, como depois desta, conviveu e convive com 
uma não cidadania, uma “cidadania de segunda classe”, como diz Nascimento (1982); uma 
“cidadania incompleta”, no dizer de Marshall (1988); ou quando Milton Santos (1998) indica 
que o negro no Brasil foi um “arremedo de cidadão”. Sob os auspícios e ancoragens de uma 
sociedade racista e conservadora, o grupo social e racial, as elites simbólicas (DIJK, 2008), 
25 
 
que sempre se apoderaram dos espaços políticos, de poder e de riqueza, enrijecem o processo 
de negociações sociais, em que a luta emancipatória, no olhar deles, vira o famoso racismo ao 
contrário, às avessas, e o sujeito coletivo vira um ameaça social. 
A população afro-brasileira tende ainda a conviver com a discriminação racial, mesmo 
quando alcança a mobilidade social vertical ascendente, como ficou evidenciado quando Ben 
foi estigmatizado por sua professora em público. A mãe de Ben, como a minha, que não 
alcançou os espaços da universidade em razão de seu trabalho braçal para sustentar a família, 
sabe da relevância da escola na vida social e constrói uma trajetória árdua e sofrida para 
concretizar tal caminho rumo à ascensão social. Tanto a mãe de Carson quanto a minha se 
reconhecem no processo ascensional de seus filhos, meio que efetivando a concretização de 
um projeto de vida que, por razões raciais, culturais, históricas, econômicas e políticas, foram 
impedidas de realizar. Assim, temos que, no caso da mãe “[...] em via de ascensão na 
trajetória interrompida,
2
 a ascensão que leva seu filho a superá-l[a] é de certa forma sua 
própria conquista, a plena realização de um ‘projeto’ rompido3 que pode, assim, completar 
por procuração” (BOURDIEU, 1997, p. 6). 
A produção de uma pesquisa acadêmico-científica traz nesse processo uma relação direta 
entre a configuração total da existência de quem pesquisa e a temática pesquisada. Sou afro-
brasileiro, oriundo da classe trabalhadora e estudante da escola pública no contexto social 
mais amplo marcado pela pobreza material e estigmas originados de práticas racistas e 
também pelo papel histórico que a escola pública tem assumido mais de exclusão do que de 
inclusão no processo de dualismo social. Sou o único e o último da família de cinco irmãos a 
ter, até o momento, passado pela universidade. E esse ser social que eu sou, produzido por 
relações de raça e de classe, conviveu e ainda o faz com o racismo tanto nas condições da 
pobreza quanto em meu processo de ascensão social via universidade. Uma das dificuldades 
de meu acesso à universidade ocorreu por uma precariedade material em razão de poucas 
 
2
 Uma exemplificação de uma trajetória interrompida pode ser encontrada no personagem Neil Perry, do filme 
norte-americano intitulado Sociedade dos poetas mortos, de 1989, dirigido por Peter Weir. Neil é internado pelo 
pai numa instituição militar ao rejeitar as predileções deste quanto à sua carreira. Era apaixonado por teatro, mas 
se suicida ao ver sua liberdade e seus sonhos caídos por terra. 
3
 Em outra situação quando o filho desconfigura a trajetória do pai em que não há a perpetuação da posição 
social deste, o filho, para Bourdieu (1997), transgrediria ou cometeria um assassinato paterno por meio da 
superação assassina. Mas, na dinâmica social pode ocorrer uma exceção, mesmo não sendo algo generalizado, 
por exemplo, quando um filho de pai que tenha uma função socialmente desprestigiada ou de baixo status 
cometa uma transgressão ou o “assassinato” do pai, numa perspectiva bourdieuriana. Nesse caso, isso ocorre 
porque o pai pode se orgulhar dessa função desvalorizada socialmente, considerando que seu papel social deu 
sustento a si e à sua família e ele quer que seu filho se espelhe nele e reproduza a herança paterna, que também é 
social, impedindo uma possível superação assassina. 
26 
 
condições econômicas, como também em razão da introjeção de processos racistas que nos 
imobilizam, subtraem nossa autoestima e nos estancam mentalmente em certa fixidez social. 
Condições econômicas deficitárias ou insuficientes foram grandes empecilhos no processo de 
ascensão social via educação, e isso me marcou muito, ao mesmo tempo não existindo como 
obstáculos definitivos de lograr algo diferente de minhas condições familiares e sociais. 
Muitos cursos, livros, viagens acadêmicas, equipamentos educativos a que não tive acesso até 
a metade da faculdade foram inviabilizados em razão das parcas condições econômicas. Além 
da precarização dos rendimentos, há a questão da inferioridade que nós, afro-brasileiros, 
vamos produzindo no contexto do racismo social que inculcamos no processo de socialização. 
Quando fui preencher o questionário socioeconômico do vestibular da Universidade Federal 
do Espírito Santo (Ufes) para o Curso de Pedagogia no ano de 2000, tive receio de que seria 
inviabilizada a minha aprovação não necessariamente por falta de mérito, mas devido ao fato 
de que, quando os avaliadores verificassem minha foto e vissem um negro, iriam me reprovar 
por tal existência. E isso era uma tortura interna e eu não tinha forças de expressá-la para 
ninguém até certo ponto da minha vida. Passei pelo que Renzo Sereno chamou de 
criptomelanismo, que se constitui num processo que mascara a existência e as verdadeiras 
dimensões do problema racial, no caso, na dimensão individual. Aqui há “[...] o medo de 
confessar e o desejo de esconder a importância que realmente se dá à questão da raça e da cor, 
[ou um] dogma atrás do qual se esconde o ressentimento e o mal-estar gerado pela tensão 
racial” (COSTA PINTO, 1998, p. 282). E isso, para além de ser algo meramente vivido ou ser 
adstrito apenas aos afro-brasileiros, constitui-se em processos sociais mais amplos e 
institucionais, acadêmicos e políticos. Ao mesmo tempo em que se busca evitar a exposição 
de seu caráter excludente, mantêm-se os papéis definidos socialmente, condicionados pelo 
racismo, como veremos mais adiante. 
Durante o meu processo de ascensão social, o racismo que eu pensava que ira desaparecer,como socialmente se pensa, ficou mais evidente ou mais sentido. E isso fica muito escrachado 
quando se pensa, e eu pensava, que a compra de um tênis da Nike do mais caro, como fiz, 
bastaria para as pessoas pararem de me encarar e olhar enviezadamente para o meu pé. Mera 
ilusão e ledo engano, já que, por meio de uma mentalidade excludente
4
 ou mentalidade 
 
4
 Os termos mentalidade excludente e mentalidade invisível foram criados a partir da minha percepção diante de 
fatos vividos por mim na realidade cotidiana marcada pelo racismo. Uma educação envenenada, como nos 
indica Munanga (2005), inculca nos processos de subjetivação, pela socialização do sujeito, parâmetros fixos do 
belo, do paupérrimo, do perigoso, do honesto, do inferior, do subalterno, do perfeito. A invisibilidade e a 
exclusão no âmbito social advêm de uma mentalidade produzida política, cultural e historicamente. 
27 
 
invisível, muitas pessoas, a maioria brancas, me excluem mesmo com roupa de marca e tênis 
da moda. Sempre há uma distinção no quotidiano oriundo do comportamento de alguém que, 
ao puxar a bolsa, celular ou bens que porta na mão, mantém sempre um olhar cabreiro e um 
medo avassalador, sofisticado ou sigiloso em razão da minha presença, visto que poderia ser 
um suposto “elemento suspeito” em potencial. 
Borges Pereira (1967) analisa as frustrações de radialistas afro-brasileiros em São Paulo que 
ascenderam na profissão e na escala socioeconômica, mas que ainda permaneceram vivendo o 
estigma social do que é ser negro num país racista como o Brasil. O autor chama a atenção 
para o fato de que os afro-brasileiros, ao se libertarem de injunções econômicas por meio de 
uma profissão que os transporta para novas situações de convívio, ainda são discriminados. 
Com a ascensão, o papel até então representado pela deficiência econômica passa a ser 
evidenciado pela cor e por tudo o que a questão racial simboliza em termos sociais e culturais. 
E isso ficou muito à mostra num dos depoimentos de um dos radialistas entrevistados pelo 
autor: 
Só depois que eu venci é que percebi que estava derrotado desde o começo. O prêto
5
 
comete um êrro grosseiro, quando imagina que o estudo, a roupa, a fama e o 
dinheiro fazem dêle alguém. Está certo, tudo isto melhora a vida da pessoa, dá 
muitas alegrias, mas em compensação mostra que aquilo que a gente pensa ser 
invencionice, ser boato, existe mesmo – é o preconceito racial. Antes a gente vive 
iludido, lutando para se livrar da pobreza. Depois... bem êste é um assunto que eu 
prefiro nem falar dele (BORGES PEREIRA, 1967, p. 261). 
Durante a coleta de dados desta pesquisa na Ufes, especificamente das narrativas dos sujeitos 
pesquisados, as tais invencionices ou ilusões de que o racismo não faz parte de nossa 
produção de mundo como afro-brasileiro num país racista são desmascaradas e caem por 
terra. No recinto do Curso de Psicologia, ao abordar uma professora sobre outra, que eu 
procurava, mesmo “bem-vestido”, com roupa social e sapato bico fino, ela me confundiu com 
“o cara do ar-condicionado”. No Curso de Medicina, quando cheguei num dos departamentos, 
a servidora a quem perguntei a respeito do chefe de tal Departamento, olha para mim e 
indaga: “Você é o chaveiro?”. É a clássica associação que se faz entre ser afro-brasileiro e 
pobre, ou com funções de pouco status, poder e privilégio, no caso específico, culminando no 
que Hasenbalg (1984) chamou de “confinamento ocupacional” ou “imobilismo ocupacional”. 
 
5
 Nesta tese, em respeito à linguagem escrita construída na época da produção de obras antigas ou clássicas, 
manterei a ortografia do contexto específico de cada autora ou autor. 
28 
 
As agruras do racismo, as desigualdades raciais, os “dissidentes étnicos” (DIJK, 2008) que 
acontecem na sociedade mais ampla, na América Latina, principalmente no Brasil, são 
difíceis até hoje de serem considerados temas de estudos ou até de serem legitimados como 
existentes nas delimitações da universidade, no espaço acadêmico científico. 
O holandês Teun A. van Dijk, organizador do livro Racismo e discurso na América Latina, 
em seu prefácio, indica que houve uma grande relutância acadêmica no contexto da América 
Latina, Europa e América do Norte, quanto à discussão da temática racial no âmbito escolar, 
constituindo-se, portanto, um interesse de estudos recente na academia. O autor traz cinco 
mecanismos que ainda pairam no campo da academia dificultando a ampliação da discussão 
da temática no espaço científico, perpetuando interesses conservadores e racistas da 
universidade, tese essa corroborada por Carvalho (2006). O primeiro seria a negação do 
racismo em razão de uma política ideológica e acadêmica da “democracia racial”, muito 
comum no Brasil, Venezuela e Chile; o segundo parte do pressuposto de que o racismo 
brasileiro seria benevolente, comparado com o norte-americano, tido como mais explícito, 
violento e legalizado; o terceiro pauta-se numa forte consideração de que as desigualdades 
raciais vividas por afro-brasileiros seriam explicadas única e exclusivamente por relações 
classistas, e não também por relações raciais; o quarto mecanismo entende que sempre houve 
uma ênfase aos estudos científicos desses países mais ligados a um interesse por propriedades 
étnicas desses grupos em vez das práticas diárias de racismo cometidas pelas elites (sobretudo 
a branca); já o quinto indica que a maior parte dos pesquisadores acadêmicos são originados 
dos mesmos grupos sociais e classes que sempre estiveram no poder. Estes tiveram pouco ou 
nenhum
6
 contato com o racismo, o que acarreta menor motivação para investigar um sistema 
de desigualdades do qual foram e são beneficiados. 
Carvalho (2006, p. 95), ao fazer uma crítica incisiva à academia diante de seu relacionamento 
com a temática racial, indica que 
[...] no caso da academia, os mecanismos mais comumente ativados que acabam por 
dar continuidade à prática da segregação racial são: a postergação da discussão, o 
silêncio sobre os conflitos raciais, a censura discursiva quando o tema irrompe e o 
disfarce para evitar posicionamentos [explícitos]. Procura-se, assim, esvaziar ou 
desarmar os mecanismos de tensão racial do sistema (grifos nossos). 
 
6
 Há que se fazer uma ponderação quanto a essa questão. Há muitos pesquisadores brancos e brancas que, 
inclusive, já sofreram discriminação em razão da classe social, mas nunca por serem brancos, entretanto têm 
muita sensibilidade e competência com a temática étnico-racial. 
Administrador
Realce
Administrador
Nota
Texto para justificar a pesquisa sobre a temática étnico-racial corroborando com a pesquisa sobre classe sociais;
29 
 
Indo ao encontro de alguns pontos elencados por Dijk sobre a relação da academia com a 
temática racial, Liv Sovik (2004) aponta que o preconceito no Brasil pode ser inequívoco, 
mas sua discussão frequentemente reverte para explicações baseadas em classe social e 
desigualdade socioeconômica, quando também se atenta para a questão da branquidade, 
deslocando-se para a afirmação do caráter mestiço da população brasileira. Diante disso, a 
autora indaga: se não existem brancos ou linhas raciais nítidas, como pode haver preconceito? 
Nessa linha, discutir a branquidade no Brasil seria importar conflitos estrangeiros e relações 
raciais perversas, já que no Brasil, desde a escravidão, que perdurou por mais de 350 anos, 
nossas relações raciais são pautadas em convivências harmoniosas, em uma forte permissão e 
um caminho aberto de ascensão social para os mestiços e para os afro-brasileiros, teses essas 
muitodifundidas por Freyre (1947), Pierson (1951, 1971) e Degler (1976). 
Contrário à tese da democracia étnica apontada por Freyre e muito creditada nos espaços 
sociais, inclusive na academia, como destacado acima, farei uma análise da relação raça e 
classe no contexto das Ações Afirmativas da Ufes, possibilitando uma análise “descendo aos 
infernos”, (RAMOS, 1979), “escovando a história a contra pelo” (BENJAMIN, 1986), ou 
ainda “fazer uma história de baixo para cima” (ANDREWS, 1998). 
Abordarei, no capítulo sobre as relações raciais (Capítulo 5) e no das Ações Afirmativas 
(Capítulo 3), a potência dos discursos, teorias e práticas sobre o não reconhecimento do 
problema racial no Brasil e a disseminação das teses contrárias as Ações Afirmativas. Para 
apontar, numa perspectiva dialética, a perversidade do racismo no Brasil e as consequências 
das desigualdades raciais para o ferimento dos princípios de uma cidadania plena, garantia de 
direitos e justiça social, farei como Guerreiro Ramos, que nos ensina a descer aos infernos 
que consiste em arguir, em pôr em dúvidas aquilo que parecia consagrado. Para ele, “[...] 
quem não estiver disposto a esse compromisso, arrisca-se a petrificar-se em vida, ou a falar 
sozinho, e ainda permanece na condição de matéria bruta do acontecer, em vez de tornar-se, 
como deveria, consciência militante desse acontecer, pela apropriação do seu significado 
profundo” (RAMOS, 1979, p. 63). 
Fazer uma História a contrapelo, como nos sugere Benjamin, seria identificar “ecos de vozes 
que emudeceram”, que encharcam a política com os desejos e riscos de emancipação que, em 
certa medida, se encontram letárgicos, adormecidos nas imagens de lutas e conflitos passados, 
constituidores de nossas memórias. Esses ecos não podem ficar submersos pelo triunfo das 
vitórias manufaturadas artificialmente da história oficial, que buscam apresentar-se como 
Administrador
Realce
30 
 
únicas, verdadeiras e fatalistas. Seria, ainda, possibilitar uma memória que tem os ecos de 
vozes que emudeceram que, no entanto, se afirmam numa positividade ética que ultrapassa as 
derrotas, destacando que houve lutas e sublinhando com letras maiúsculas que fizeram parte 
dela, de maneira que nos convocam para ressignificá-las com o nosso presente. 
Já em Andrews, fazer uma história de baixo para cima é uma tentativa de trazer à tona a 
história dos que haviam sido silenciosamente enganados ou distorcidos pela história 
dominante. Os afro-brasileiros, “os inarticulados”, majoritariamente, sempre foram vistos 
pelos “olhos dos outros”. Isso com referência a senhores de escravizados, empregadores, 
jornalistas, visitantes estrangeiros e a polícia, como atualmente ainda acontece. Permitir uma 
análise de baixo para cima, no âmbito desta pesquisa, é reconhecer que os “dominados” 
sempre participaram do processo de criação, e não somente como vítimas e pessoas 
desamparadas, pois, mesmo quando atuam a partir de uma posição de fraqueza e 
desvantagem, suas decisões e ações desempenham um papel fundamental na determinação do 
curso da transformação histórica. 
Descer aos infernos, escovar a história a contrapelo ou fazer uma história de baixo para 
cima no faz dialogar com a epígrafe dessa introdução de Vitor Hugo. Permite-nos subverter o 
nível de pobreza próximo da indiferença que nos força ver tudo como irreal, como o racismo, 
as desigualdades raciais e os sujeitos, como os afro-brasileiros que se tornam meras sombras, 
sem distinção no mundo da vida e são perdidos de vista da realidade social tanto no contexto 
de alocação de seus papéis socialmente construídos, quanto na definição de seus direitos 
como cidadãos, numa sociedade que se diz democrática. Esses processos analíticos 
possibilitam uma inversão ideal e prática de investigação de uma democracia racial que ainda 
se quer acreditar que, no entanto, está longe de se efetivar na vida coletiva e individual da 
maioria da população afro-brasileira. Tais conceitos nos possibilitam uma guinada 
epistemológica ao evidenciar os conflitos adstritos nas relações raciais brasileiras que chegam 
ao gargalo do acesso à universidade. Ou, como Sovik (2004, p. 263) nos diz: “[...] a alfândega 
intelectual só acende a luz vermelha quando algumas ideias atravessam a fronteira e as obriga 
a abrir a mala”. 
Então, parti da ideia de que a mala apenas será aberta quando, do ponto de vista científico, do 
Estado, das organizações sociais e civis, acenderem a luz vermelha reconhecendo, na sua 
totalidade, os processos de desigualdades raciais enraizados estruturalmente nas relações 
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Realce
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raciais que impedem o acesso de nós, afro-brasileiros, ao ensino superior, principalmente nos 
cursos de grande prestígio social. 
Um desses reconhecimentos é o de colocar a questão da raça, juntamente com a questão da 
classe, como um mecanismo específico de desigualdade para além de uma relação 
epifenomênica [de segunda ordem ou subordinada, determinada pela classe]. Para isso, nesta 
tese, trabalharei o conceito de Stuart Hall (2008) chamado de teoria da articulação ou de uma 
abordagem não redutiva. 
O autor jamaicano propõe a teoria da articulação, que seria uma conexão ou vínculo que não 
se dá necessariamente em todos os casos, como fato da vida ou lei, mas algo que requer 
condições particulares para sua emergência. Seria algo sustentado por processos específicos, 
que não são “eternos” e fixos, mas que sempre se renovam e podem, sob certas circunstâncias, 
desaparecer ou ser derrubados, culminando na dissolução de antigos vínculos e de novas 
dinâmicas que façam conexões e (re)articulações. 
A teoria da articulação pressupõe práticas específicas e articuladas em torno de contradições 
que não surgem da mesma forma, no momento e no mesmo ponto, e que podem, todavia, ser 
pensadas conjuntamente. Hall (2008) destaca que a articulação entre práticas distintas não 
significa que estas se tornam idênticas ou que uma se dissolve na outra, como se quer em 
algumas análises mecanicistas da relação entre raça e classe, mas sim que cada qual retém 
suas determinações distintas e suas condições de existência. 
Diante disso, as categorias de classe e raça no campo da inclusão do afro-brasileiro na 
pesquisa educacional, na prática política e na universidade devem ser ancoradas numa noção 
dinâmica e mutável de relação dessas categorias. Assim, as noções simbólicas e políticas de 
poder, ligadas à teoria da articulação, são inexoráveis para que os reais processos produtores 
de injustiças sociais não pairem exclusivamente numa única forma de exploração, ou em 
relações de categorias que se esmiúçam, se compilam ou se descaracterizam. E isso é salutar 
diante da ideia de que não se pode perder a noção de interdependências e da própria lógica da 
sociedade brasileira com seus entrecruzamentos e variadas maneiras de produção de exclusão 
e de invisibilidades. 
Assim, as análises teóricas e políticas das categorias de raça e classe, no contexto brasileiro 
que começa a discutir e implementar, relativamente recente, as medidas afirmativas de acesso 
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Tese que justifica a metodologia analítica do autor.
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e permanência dos afro-brasileiros na universidade, devem ser imbricadas nas teias de poder, 
nas contradições e dinâmicas das formas de dominação, nas resistências dos sujeitos e nas 
transformações sociais referentes às estruturas sociais e aos jogos simbólicos e materiais da 
sociedade. 
A categoria raça nesta tese se desvincula de qualquer filiação a determinismos biológicos, ao 
mesmo tempoem que busca romper com abordagens reducionistas e simplistas de classe, que 
consideram a raça como epifenômeno, como vimos acima (GUIMARÃES, 2009; 
HANCHARD, 2001; SISS, 2003; SEGATO, 2006; d’ADESKY, 2006). A raça é entendida 
como mecanismo de estratificação social pautado na percepção da diversidade fenotípica, 
como cor da pele, textura do cabelo, formato da boca, nariz. Nessa perspectiva, raça se 
estrutura como mecanismo relevante e potente que opera determinando símbolo de distinções 
sociais, alocando indivíduos na estrutura estratificada socialmente. Sendo assim, as 
desigualdades sociais e raciais são historicamente produzidas, constituindo-se como frutos de 
relações de poder assimétricas, sociais e politicamente engendradas. Segato (2006) indica 
raça como signo, já que depende de contextos definidos e delimitados para obter significação, 
definida como aquilo que é socialmente relevante. Esses contextos são localizados e 
profundamente afetados e constituídos pelos processos históricos de cada nação. Nessa 
direção, 
[...] ‘Raça’ é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-
se, ao contrário, de um conceito que denota tão somente uma forma de classificação 
social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos sociais, e informada por 
uma noção específica de natureza, como algo endodeterminado. A realidade das 
raças limita-se, portanto, ao mundo social. Mas, por mais que nos repugne a 
empulhação que o conceito de ‘raça’ permite – ou seja, fazer passar por realidade 
natural preconceitos, interesses e valores sociais negativos e nefastos –, tal conceito 
tem uma realidade plena, e o combate ao comportamento social que ele enseja é 
impossível de ser travado sem que se lhe reconheça a realidade social que só o ato 
de nomear permite (GUIMARÃES, 2009, p. 11, grifos nossos). 
Ou, então, 
[...] Cabe também destacar a existência da noção biológica e a evidência da raça 
simbólica, ou seja, a raça socialmente percebida e interpretada. Quaisquer que sejam 
as variações de sentido do termo ‘raça’, a desconstrução científica da raça biológica 
não fez desaparecerem as percepções comuns fundadas na aparência física, e, em 
primeiro lugar, na cor da pele. Culturalmente codificadas, essas percepções 
conduzem o homem comum [nas relações sociorraciais] a classificar os indivíduos 
que encontra segundo suas características visíveis e não de acordo com o 
conhecimento genético. Esse hiato entre a raça biológica e a categorização social 
fundada na aparência física e na cor da pele constitui um problema e um desafio para 
o anti-racismo. Portanto, não se trata de condenar em si a expressão democracia 
racial, mas de observar que o uso do adjetivo nesse contexto se refere social e 
culturalmente às três ‘raças’ formadoras do Brasil. Nesse ponto, cabe também 
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Ler essa tese reducionista para compreender as justificativas para tal abordagem.
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reconhecer que, ao supor a existência de raças, misturadas ou não, o adjetivo 
introduz a possibilidade não apenas de distingui-las e classificá-las, mas também de 
hierarquizá-las. Nesse sentido, a expressão democracia racial configura uma 
contradição lexical ou, por outras palavras, um oximoro (D’ADESKY, 2005, p. 141-
142, grifos nossos). 
Nessa direção, no Brasil, a raça foi, e ainda é, um dos mecanismos históricos e políticos 
produtores de desigualdade raciais, tendo a universidade se constituído como mais um dos 
espaços da sociedade onde esse conceito é operacionalizado promovendo distinções e 
hierarquias sociais entre sujeitos de marcas raciais distintas. O racismo, nessa configuração, 
constitui-se como algo manifesto da raça na dinâmica das relações sociorraciais. Ele, como 
nos advertem Ratts e Cirqueira (2010), atuando como ideologia, tenta legitimar e naturalizar 
predisposições e diferenças hierarquizadas, individuais ou coletivas, entre os grupos sociais. 
Essa demarcação conceitual do termo raça, no âmbito epistemológico e político desta 
pesquisa, torna-se relevante, tendo em vista que a negação de tal direção faz parte, 
principalmente, dos fundamentos e discursos dos detratores das Ações Afirmativas no Brasil, 
assim como de análises que omitem e/ou negam as desigualdades raciais, cujo intento maior é 
a sua reprodução e a sua manutenção. 
Para Guimarães (2011), as desigualdades que interessam à Sociologia são aquelas que se 
produzem de modo duradouro e que são inscritas numa dada estrutura, ordem ou organizações 
sociais. Apropriando-se do conceito de Clarles Tilly, Guimarães aponta para as chamadas 
desigualdades duradouras, baseadas em pares de categorias binárias de oposição, sustentadas 
por mecanismos de reprodução, como a exploração, as barreiras de controle, a emulação e a 
adaptação. Branco/negro, pobre/rico, homem/mulher, cristão/judeus, nacional/estrangeiro, 
heterossexual/homossexual etc. são pares categoriais que sustentam desigualdades sociais 
duradouras, a partir dos mecanismos citados. 
Assim, ao considerar que no Brasil a relação branco/negro produziu desigualdades 
duradouras ao longo da História, principalmente no campo educacional, como veremos, as 
Ações Afirmativas seriam um modo de correção de mecanismos de exploração ou barreiras 
de controle. Tais Ações reequilibrariam a igualdade por meio da criação de contrabarreiras, 
revoluções como modo de instituir ordens mais igualitárias que anulem tais mecanismos de 
desigualdades. As políticas que se pautam na diversidade, destaca Guimarães (2011), 
configuram-se como maneiras de impedir que diferenças culturais sirvam para reproduzir 
categorias binárias de oposição. 
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Como o termo democracia racial, por si já remete à compreensão de diferentes raças - o que por si só já exprime contradições dentro daquilo que a ciência moderna entende como equívoco - mas além, remete a uma determinação de hierarquia estrutural entre elas;
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essas são as desigualdades que interessam à sociologia; Quais são as que interessam ao SSO?
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Entretanto a diferença cultural no Brasil ainda se opera para produzir oposições e 
distribuições desiguais de direitos e de cidadania entre brancos e afro-brasileiros. Os 
indicativos de pesquisa referentes à escolarização da população afro-brasileira apontam que os 
avanços na educação produziram impactos diferenciados nos diversos grupos existentes no 
Brasil, principalmente para os afro-brasileiros. Há uma persistência da distância entre os 
níveis de escolaridade entre negros e brancos ao longo das décadas. De acordo com dados do 
Ministério da Educação (MEC), de 1987 a 2007, houve uma diferença de dois anos na média 
de escolaridade de brancos e negros, que persiste e não se reduz ao longo dos anos. Os dados 
de 2010 do MEC indicam que, em 1997, cerca de 3% dos jovens brancos com mais de 16 
anos frequentavam o ensino superior; entre os jovens negros, esse percentual estava em torno 
de 1%; já em 2007, 5,6% dos jovens brancos frequentavam o ensino superior, e 2,8% dos 
jovens negros com 16 anos ou mais estavam nessa condição. 
O próprio aparato legal referente à educação no Brasil, em consonância com as questões 
macro ancoradas na historicidade brasileira no tocante à economia, à cultura e à política, 
produz o que Rosa Fátima de Souza (2008) chamou de dualismo escolar, ou o que Bourdieu e 
Passeron (1975) denominaram de diferenciação social da escola, uma escola de acordo com 
as classes sociais, culminando nas teses da reprodução, pressuposto do qual a escola 
reproduziria as estruturas e as relações da sociedade capitalista. 
Tanto a Constituição Federal(CF) de 1988, quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 
Nacional (LDB) nº. 9.394/1996 não indicam o acesso à universidade pública de forma 
universal e gratuita, como o faz na educação básica. A LDB, no que tange ao acesso à 
educação básica, no Título III, intitulado “Do Direito à Educação e do Dever de Educar”, em 
seu art. 4º, I, II, III, IV, VI, VII e VIII, ancorada na CF de 1988, Seção I, intitulada “Da 
Educação”, no art. 208, I, II, III, IV e VI, indica o dever do Estado quanto à garantia, à 
obrigatoriedade e à gratuidade da educação infantil, do ensino fundamental e médio, do 
atendimento educacional especializado para os sujeitos com necessidades educacionais 
especiais e do ensino regular noturno. 
No entanto, quanto à oferta do ensino superior público nos níveis municipal, estadual e 
federal, tanto a LDB, em seu art. 4º, V, quanto a CF de 1988, Capítulo III, art. 208, V nos 
dizem que o “[...] acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação 
artística, [se dará] segundo a capacidade de cada um”. As questões que se colocam são: por 
que há essa diferenciação no que tange ao direito? A meritocracia considera as variadas 
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Essa por ser uma boa forma de estabelecer, indicar, como o desenvolvimento econômico ou a redução da desigualdade, não necessariamente, alcance a redução da desigualdade entre negros e bbrancos.
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Ver a dissertação do Guilherme, sobre trabalho, para poder utilizar dados mais recentes, e se for o caso, poder utilizá-los para a comparação;
35 
 
desigualdades sociais e raciais que marcam a trajetória de muitos jovens? A competência dos 
cidadãos deve estar desconectada das condições materiais e imateriais de existência? 
Nesta pesquisa, utilizarei o termo afro-brasileiro para designar cidadãos e cidadãs 
descendentes de africanos nascidos no Brasil, remetendo também a um movimento de 
identificação étnica dos nascimentos na diáspora africana em outros lugares. Tal termo assim 
delimitado está em consonância com o Movimento Negro Nacional (HANCHARD, 2001; 
SISS, 2003). Mesmo considerando que o termo negro pode cair num essencialismo, numa 
coisa fixa e imutável, quando esse termo aparecer nesta tese, não o trato nessa dimensão, já 
que há variadas formas de ser negro brasileiro. Para Andrews (1998), o termo afro-brasileiro 
corresponde ao uso brasileiro atual, que tende a agrupar os pardos e pretos ao grupo de 
negros, mesmo considerando que muitos brasileiros continuam a distinguir pardos e pretos. 
Diferentemente de Andrews, considerarei nesta pesquisa o somatório de pretos e pardos como 
negros, como faz o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Movimento 
Negro Nacional. 
Assim, concordo com Hanchard (2001) quando indica que o emprego dos termos afro-
brasileiros e negros sugere um reconhecimento crescente da bipolaridade da política racial 
brasileira que, a despeito do mito da democracia racial brasileira, passou a assemelhar à 
política racial de nações, como os Estados Unidos ou a África do Sul. 
Com base nessas considerações preliminares da temática, parto para a problemática e hipótese 
de estudo desenvolvidas nesta pesquisa de Doutorado em Educação dentro do PPGE/Ufes, 
iniciada em 2011, cujo objeto é a investigação das cotas sociais, pressupondo as negociações 
e mediações entre as categorias sociológicas de classe social e raça, tendo como pano de 
fundo o modelo de implementação das Ações Afirmativas da Ufes ocorrido a partir de 2006
7
 e 
finalizado em 2012. 
Os critérios de acesso ao Ensino Superior da Ufes como foi instituído em 2008, por meio das 
cotas, são baseados no fato de o aluno ter estudado o Ensino Fundamental e Médio em escolas 
públicas e ter renda familiar de até sete salários mínimos. Sendo assim, por não se basear em 
critérios étnicos e raciais, intitulei as Ações Afirmativas da Ufes de cotas sociais, por abarcar 
exclusivamente os condicionantes ou atributos de cunho econômico e educacional. Se, por um 
 
7
 Como explicarei mais especificamente no capítulo 2 da Metodologia, o ano de 2006 foi considerado, dentro do 
marco temporal desta pesquisa, 2006-2012, em razão de marcar os debates das Ações Afirmativas na Ufes. 
36 
 
lado, essa prática política contempla em parte os afro-brasileiros, em razão de eles, em sua 
maioria, passarem pela escola pública e se inserirem no critério de renda,
8
 por outro, as cotas 
sociais não tocam diretamente no problema racial, cujo racismo é o principal agente produtor 
das assimetrias raciais que se reproduzem tanto na escola pública quanto na exploração da 
classe trabalhadora, no mercado de trabalho, na produção da renda e em todas as classes 
sociais. 
Assim, mesmo considerando a importância também do recorte de renda e da origem escolar 
pública por meio das cotas sociais como critério de inclusão na universidade, tais práticas, 
concordando com Ghiraldelli Jr. (2010), trazem também em seu bojo uma carga ideológica, 
cuja ação recai na ausência de melhorias e de reconhecimentos sociais direcionados aos 
grupos minoritários, como os negros, os índios, os gays, as mulheres, os deficientes. O 
reconhecimento dessas diferenças requer práticas políticas que não se limitam à dimensão da 
pobreza ou da classe social. Políticas calcadas apenas nessas dimensões, de alguma maneira, 
camuflam ou reproduzem as especificidades das diferenças, por meio das quais são 
produzidas as desigualdades e exclusões dos grupos alijados das riquezas materiais e 
simbólicas, cujas diferenças são utilizadas como mecanismos produtores de desigualdades 
sociais, étnico-raciais,
9
 sexuais, de gênero etc. 
Assim, no Brasil, país extremamente desigual racialmente, as cotas sociais, quando vêm 
diretamente para lidar com as desigualdades raciais, tornam-se uma “zona de conforto” que 
esconde, nas práticas políticas e no imaginário coletivo, os privilégios majoritariamente de 
uma elite econômica e branca que não dialogam com a presença igualitária de negros, índios e 
pobres nas universidades e nos postos de direção, de poder e de prestígio social do País. 
Nesse sentido, considerando a confluência do embate epistemológico, político, ideológico, 
cultural, econômico e simbólico subjacente ao processo deliberativo da implantação das 
cotas
10
 da Ufes em 2006 e uma possível concretização num vindouro próximo de cotas étnico-
 
8
 Segundo o Ipea (2005), o percentual de negros (pretos + pardos) no Ensino Fundamental e Médio públicos é, 
respectivamente, de 60% e 57%. Já a porcentagem de negros de pobres é próxima de 70%. 
9
 Diante da celeuma, no campo do pensamento social brasileiro e na própria sociedade, entre os usos de raça ou 
etnia como categorias explicativas do pertencimento racial dos afro-brasileiros e entre a classificação utilizada 
pelo IBGE e a construção identitária dos socialmente classificados como negros, nesta tese, adotamos em várias 
passagens a expressão “relações étnico-raciais” ou simplesmente relações raciais. Tal intento torna-se relevante 
para permitir uma articulação entre os aspectos culturais de ascendência africana recriados no Brasil e o peso 
social dos aspectos fenotípicos na classificação de cor e na identidade dos afro-brasileiros. 
10
 A proposta contida no documento da Comissão Pró-Cotas para negros da Ufes, no contexto do Vestibular de 
2006, subjaz a defesa de um quinhão cujo eixo principal seria um recorte racial que abarcaria 26% das vagas 
reservadas para negros e indígenas autodeclarados e que poderiam ser tanto discentes egressos de escolas 
37 
 
raciais nessa instituição, há que se submeter essa questão

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