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Brasil: 12.500 Anos – Um Esboço de uma História Ecológica de Nosso País. 
 
Fernando A. S. Fernandez – PhD, professor da pós-graduação em ecologia da UFRJ 
 
Quando nos é ensinada a história do Brasil, ela invariavelmente começa com a chegada da frota de 
Pedro Álvares Cabral à costa do que hoje chamamos de Bahia, em 22 de abril de 1500. Os portugueses 
encontraram uma Mata Atlântica virgem, exuberante em sua assombrosa riqueza biológica, com a qual 
viviam em perfeita harmonia os poucos nativos nus que foram recebê-los nas areias. Aí começou a história de 
nosso país, e lemos sobre os séculos seguintes de crescimento ao longo de vários ciclos econômicos e dos 
períodos de colônia, império e república. Como eventos mais importantes da nossa história, nos falam de 
umas poucas guerras e não tão poucas revoluções. Como seus personagens principais e seus grandes heróis, 
aprendemos os nomes de um punhado de governadores-gerais, imperadores, presidentes e outros políticos. A 
lenta e contínua expansão da civilização brasileira, nos é dito, é como um épico que se desenrolasse sob um 
pano de fundo de uma natureza praticamente intacta, pelo menos até o último século. Uma natureza 
exuberante ("...deitado eternamente em berço esplêndido"), fecunda ("em se plantando, tudo dá"), 
interminavelmente rica biologicamente ("nossos bosques tem mais vida"). 
Esqueça tudo isso. A história da parte do Mundo que hoje chamamos de Brasil não começou há 500 
anos, mas uns doze mil anos antes disso, quando povos vindos da América do Norte (onde por sua vez haviam 
chegado vindos da Ásia, via estreito de Behring) pela primeira vez chegaram ao que hoje reconhecemos como 
o território de nosso país. Os índios, portanto, não são nem um pouco mais "nativos" que os portugueses, mas 
apenas uma leva de colonizadores que haviam chegado antes, embora os portugueses, claro, nem 
suspeitassem disso. Em 1500 esses indígenas não eram de modo algum poucos, nem tampouco viviam em 
harmonia com a natureza. A Mata Atlântica já não era mais virgem em absoluto, e muito da mais fabulosa 
riqueza biológica de toda a região jamais foi vista por qualquer colonizador branco, pois já havia sido extinta 
muito antes deles chegarem. Os portugueses não foram o início da história, mas apenas o início da leva de 
colonizadores mais recente e culturalmente dominante. A nossa paisagem é hoje extensamente modificada e 
em sua maior parte não lembra, nem mesmo remotamente, as paisagens naturais que aguardavam os primeiros 
olhos humanos. Nossos livros de história dedicam páginas e mais páginas aos ciclos econômicos, mas não dão 
uma só linha aos massacres biológicos e étnicos que acompanharam cada um deles. Se for verdadeira a 
justificativa que os próprios historiadores dão para o estudo da história – conhecer o passado nos ajuda a ser 
mais sábios no presente – então esse momento em que acabamos de celebrar o "Brasil 500", os quinhentos 
anos de nossa história oficial, parece ser uma excelente ocasião para olharmos para esta história com outros 
olhos – de um ponto de vista ecológico, ou, melhor dizendo, conservacionista. 
Quando os primeiros colonizadores chegaram no Brasil há cerca de 12500 anos (algumas datações 
mais antigas são pouco confiáveis), encontraram uma natureza virgem que incluía uma fauna quase 
inimaginavelmente rica. Não, não estou falando só de onças, tamanduás, macacos, tatus, araras e harpias. 
Estou falando de tudo isso mais os megatérios e eremotérios, gigantescas preguiças de chão de seis metros de 
 1
altura; os gliptodontes, parentes distantes dos tatus, mas do tamanho de um carro; os toxodontes, similares a 
hipopótamos, mas de uma ordem endêmica da América do Sul e hoje extinta (Notoungulata); as 
macrauquênias, parecidas com camelos, e pertencentes à outra ordem endêmica e extinta (Litopterna); várias 
espécies de elefantes e seus parentes (mastodontes), e muitas outras maravilhas. No conjunto, os primeiros 
colonizadores encontraram aqui uma interminável coleção de criaturas fabulosas – uma realidade muito mais 
fantástica que qualquer ficção(1). Estes animais viviam em nosso continente havia milhões ou dezenas de 
milhões de anos, e já tinham passado por imensas variações climáticas, inclusive por todas as glaciações, 
quando o homem chegou por aqui pela primeira vez. No entanto, há uns 10500 anos atrás, uns meros dois mil 
anos depois da chegada, havíamos sido deixados com as espécies hoje familiares, e todos os outros grandiosos 
animais haviam se extinto. Nada menos que 79,6% de todos os gêneros de animais maiores que 45 Kg se 
extinguiram na América do Sul neste curto período, num piscar de olhos no tempo geológico e na ausência de 
qualquer grande catástrofe ambiental. Estas extinções fazem parte de um padrão global de extinções de 
grandes mamíferos e aves ocorrendo em cada local do Mundo em uma época diferente ao longo do 
pleistoceno-holoceno, coincidindo muito precisamente com a data da chegada do homem a cada local. Nas 
últimas décadas tem ficado cada vez mais claro que estas extinções foram devidas à caça excessiva por parte 
do homem pré-histórico, agindo sobre espécies vulneráveis devido às suas baixas densidades populacionais e 
baixas taxas reprodutivas (conseqüências diretas do seu grande porte), preferências por hábitats abertos, e 
também pela ausência de qualquer instinto para evitar o homem, em companhia de quem não haviam 
evoluído(2). Os poucos animais grandes que sobreviveram à maciça onda de extinção foram aqueles que 
tiveram a sorte de terem características que os deixavam menos vulneráveis ao homem; por exemplo, a anta é 
noturna, tem hábitos florestais e um comportamento furtivo, enquanto enfrentar uma onça certamente não era 
uma maneira fácil de obter proteína. Exceto por estes afortunados sobreviventes, a maioria dos animais de 
grande porte da fauna brasileira já haviam sido extintos pelo homem antes da chegada dos portugueses. 
Com a extinção dos grandes animais, os hábitos alimentares dos primeiros habitantes de nosso país 
tiveram que mudar. A caça continuou, mas sobre os animais menores que haviam sobrevivido, com 
populações mais densas e taxas reprodutivas mais altas, e, portanto, resistentes à intensidade de pressão de 
caça que podia lhes ser imposta por caçadores armados de arco e flecha. Foi então atingido um certo 
equilíbrio entre as populações indígenas e as espécies sobreviventes, equilíbrio este que na Amazônia só seria 
quebrado no século XX. Além disso, o fim da caça fácil forçou outras populações indígenas a se instalarem ao 
longo do litoral para viver dos antes desprezados recursos do mar – o que originou a cultura dos 
sambaquis(3). A maior mudança ocorrida nessa época, no entanto, foi o advento da agricultura. É irônico 
pensar que a agricultura, universalmente saudada como um grande avanço da história humana, só foi adotada 
aqui, como no resto do Mundo, quando a carne ficou mais difícil de obter. A agricultura indígena se baseava 
em rotação de áreas, com intenso uso de queimadas para limpar nova terra, a qual alguns anos depois de 
plantada perdia fertilidade. A mata era deixada regenerar naquele trecho enquanto outro por sua vez era 
desmatado e plantado. É claro que este sistema era muito menos devastador que a agricultura intensiva 
adotada depois pelos brancos, mas ainda assim a visão popular de uma mata intacta aguardando os 
colonizadores portugueses é muito distante da realidade. A palavra capoeira, que hoje usamos para uma mata 
 2
degradada, em processo de regeneração, é uma palavra tupi-guarani que quer dizer "mata que antes foi 
plantação"(3). A mera existência desta palavra na língua dos indígenas já sugere o quão extensivas haviam 
sido as perturbações na floresta antes mesmo de 1500. 
Lembro-me de ter aprendidona escola que quando os portugueses aqui chegaram a população 
"nativa" do Brasil era de apenas cerca de um milhão de índios. Pesquisas históricas mais recentes, porém, tem 
mostrado um quadro muito diferente. Hoje se acredita que em 1500 a população indígena do que hoje 
chamamos de América Latina estava entre 70 e 90 milhões de habitantes(4). É verdade que a densidade 
demográfica por aqui era bem menor que nos altiplanos andinos ou no México, onde a agricultura era mais 
avançada. Ainda assim, parece plausível que aqui houvesse entre 5 e 10 milhões de índios em 1500. O século 
XVI nos é contado como o do ciclo do pau-brasil – que levou à beira da extinção uma das espécies de árvores 
mais abundantes no país – mas seria muito melhor descrito como tendo sido o século do monstruoso 
genocídio indígena. Os índios foram mortos pelas armas e pela escravidão em condições sub-humanas, mas 
mais que tudo pelas doenças trazidas pelos colonizadores. Eles não tinham nenhuma resistência imunológica 
às doenças dos brancos, nem tampouco medicina, e morreram como moscas. Calcula-se que pelo menos 95% 
da população indígena no Brasil foi dizimada apenas nos cem primeiros anos da colonização(3). A visão dos 
historiadores até recentemente, de que os portugueses ocuparam um imenso território esparsamente povoado, 
parece ter sido apenas uma justificativa conveniente para a colonização. Como escreveu Dean(3), "é 
surpreendente que a realidade de um Novo Mundo densamente povoado, castigado por doenças subitamente 
introduzidas, foi negada não só por aqueles que a testemunharam, mas também por todos seus descendentes, 
por mais de quatrocentos anos, em interminável cadeia de cumplicidade que permitiu aos neo-europeus 
arrogarem-se herdeiros de uma terra vazia". 
O Brasil entrou no século XVI com os remanescentes da população indígena mais os ainda escassos 
colonizadores, num total estimado em menos de cem mil pessoas(3). O período que vai daí até o final do 
século XVIII é conhecido como "alheamento". Portugal tinha pouco interesse pela sua colônia sem ouro ou 
prata; a colonização da maior parte do território progredia devagar. Com a baixa população houve um relativo 
alívio das pressões exercidas sobre a natureza, mesmo em relação aos padrões indígenas pré-colonização; 
vários relatos desta época falam da retomada, pela floresta, de áreas previamente desmatadas durante 
tentativas fracassadas de colonização(3). Em boa parte do nordeste, porém, a história foi diferente, porque lá 
floresceu a exploração do açúcar. A devastação da Mata Atlântica nordestina foi a mais precoce e por isso 
mesmo a mais completamente ignorada pela história oficial. Por exemplo, no ensino secundário aprendemos 
que os carnaubais são uma formação vegetal natural do nordeste; no entanto tem sido argumentado que os 
carnaubais são uma formação antrópica, produzida pela remoção das matas ciliares, seguido de séculos de 
manejo para aumentar a dominância das carnaúbas(5). Da mesma forma, quando vemos que hoje, por 
exemplo, a cobertura florestal de Sergipe é de 0,19%(6), quase esquecemos que certamente já houve uma 
razão para que uma extensa área do nordeste tivesse sido chamada pelos portugueses de "zona da mata". O 
que foi perdido de fauna, o que já foi extinto, sequer sabemos. Uma fascinante comparação da avifauna do 
nordeste atual com as descrições feitas pelo naturalista Marcgrave na época do "Brasil holandês" em 
Pernambuco mostra que dezenas de espécies nunca foram registradas cientificamente para a região 
 3
simplesmente porque já haviam sido extintas na época de Lineu(7). De forma similar, livros sobre 
mamíferos(8) não incluem o nordeste na distribuição da onça, uma espécie típica de Mata Atlântica, mas será 
que os autores (e os leitores) estão conscientes que esta distribuição quase com certeza não reflete nenhum 
padrão natural, mas simplesmente há quanto tempo nós acabamos com as onças por lá? 
A devastação da Mata Atlântica no sudeste é mais recente e por isso mesmo melhor conhecida. O 
primeiro grande golpe veio a partir do final do século XVII quando o ciclo do ouro trouxe um explosivo 
aumento da densidade demográfica em extensas regiões do interior do país. O ciclo do ouro implicou em 
extenso desmatamento, não só para a mineração em si, mas pela agricultura mais intensa que era exigida para 
alimentar a população em rápido crescimento. As matas até então riquíssimas de Minas Gerais jamais se 
recuperaram. Mais recentemente, com o ciclo do café, foi a vez de muito da floresta remanescente no Rio de 
Janeiro, São Paulo e Paraná ser extirpada. A importância dos ciclos econômicos para a destruição da Mata 
Atlântica pode ser ilustrada pelo exemplo de Paraty, uma cidade admirável não só pela sua arquitetura 
colonial como também pelas exuberantes matas que ainda a cercam. Qualquer guia turístico sabe informar 
que a arquitetura foi preservada exatamente por causa da pobreza da região depois que Paraty deixou de ser o 
principal porto de escoamento do ouro, mas nenhum lhe dirá que a mesma razão contribuiu para dar à mata a 
trégua que permitiu que a conheçamos hoje. 
Ao longo do século XX, o explosivo crescimento da população brasileira gerou um contínuo 
desbravamento de novas áreas para a agricultura intensiva, muito mais destrutiva que os métodos tradicionais 
antes utilizados. O cerrado, desvalorizado pela sociedade e pela lei como uma vegetação de "segunda classe" 
foi o alvo principal das "novas fronteiras agrícolas". A Amazônia, até já dentro do século XX, havia escapado 
de uma destruição na mesma escala das sofridas pelo cerrado e pela Mata Atlântica. Isso não se deveu a 
nenhuma especial consideração dos colonizadores pela região, mas apenas à própria impenetrabilidade da 
hiléia amazônica, devida principlamente à miríade de doenças tropicais contra as quais os brancos não tinham 
nenhuma imunidade. Com o avanço da medicina, porém, surgiram vacinas ou tratamentos para várias destas 
doenças. Ironicamente, ao cumprir seu papel de aliviar o sofrimento humano, a medicina tropical privou a 
gigantesca floresta de seus microscópicos defensores, abrindo as portas para o assalto em massa das mesmas 
forças que já haviam destruído as restantes florestas. 
Diante deste quadro, a colonização da Amazônia cedo ou tarde aconteceria "espontaneamente", à 
medida que pouco a pouco emigrantes de outras partes do país fossem tentar uma vida melhor lá. No entanto, 
não foi nada disso o que aconteceu. A colonização da Amazônia não foi espontânea em absoluto, mas uma 
política deliberada para escoar e fixar os excessos demográficos produzidos em outras partes do país. Pará, o 
norte de Mato Grosso, Rondônia e Acre não foram alcançados por uns poucos aventureiros, mas tomados de 
assalto por levas e mais levas em caminhões do governo, rodando sobre estradas construídas pelo governo, 
atraídos pela promessa de terras doadas pelo governo. O resultado desse processo explosivo foi que a 
população e a economia da Amazônia cresceram centenas de vezes em poucas décadas, e os estragos 
produzidos na natureza cresceram em proporção. A floresta Amazônica, ainda quase contínua em 1950, já 
está em vastas regiões fragmentada em remanescentes florestais pequenos e isolados entre si, reproduzindo o 
processo trágico que ocorrera antes na Mata Atlântica. Em qualquer dos estados citados acima, pode-se andar 
 4
centenas de quilômetros nas estradas principais vendo apenas imensas áreas desmatadas, pontuadas aqui e ali 
pelos troncos queimados de uma ou outra teimosa castanheira ainda de pé. Amazonas, Amapá e Roraima 
estão indo rapidamente pelo mesmo caminho. Próximo a Manaus, o pesquisador do INPA Michael Hopkins, 
um apaixonado pela floresta amazônica, ergueu sua casa em um trecho bem preservado da mata, parapoder 
viver entre os seres que ama, mas não conseguiu escapar do desmatamento. Hoje ele chora à noite ainda 
ouvindo o barulho cada vez mais próximo das motoserras, e suas lágrimas deveriam ser as de todos nós. 
Em anos recentes o Ministério do Meio Ambiente tem tentado minimizar a extensão do 
desmatamento na Amazônia, usando estatísticas baseadas em imagens de satélite. No entanto, na 
fotointerpretação com freqüência é impossível distinguir matas perturbadas de intactas, assim como detectar 
áreas que já sofreram extração seletiva de madeira. Além disso, e muito mais importante, as imagens de 
satélite não permitem identificar uma floresta vazia. A opinião pública raramente é informada da 
estarrecedora escala da caça na Amazônia. Por exemplo, apenas pelo porto fluvial de Iquitos, que exporta 
parte da produção da Amazônia peruana e brasileira, em cinco anos (1962-67), foram exportadas legalmente 
mais de 1,6 milhão de peles de mamíferos, incluindo quase duzentos mil macacos, novecentos mil porcos-do-
mato, 2529 ariranhas e 5345 onças, entre outros(9). Os números falam por si, mas infelizmente ainda há muito 
mais. Primeiro, este é um só porto; segundo, esta é a caça legal, enquanto calcula-se que a caça comercial 
ilegal seja pelo menos o dobro disso; terceiro, estes dados são dos anos sessenta, e hoje a população da 
Amazônia é pelo menos umas cinco vezes maior, com a caça crescendo em proporção; e em último mas não 
por último, ainda há a caça de subsistência. Na mata cada vez mais habitada, os macacos substituem os 
açougues como fonte de proteína; uma única família típica de seringueiros mata por volta de duzentos e 
cinqüenta macacos por ano com este fim(9). Com esta escala de matança, não surpreende que um estudo de 
nove comunidades de mamíferos na Amazônia concluiu que sete delas já eram depauperadas, empobrecidas 
pela caça(10). O equilíbrio alcançado entre caçadores tradicionais e espécies animais resistentes à caça 
claramente foi rompido pelo aumento da densidade populacional humana e pelo advento das armas de fogo. É 
tristemente irônico que hoje tantas pessoas bem intencionadas, mas que não percebem este rompimento, 
defendam a alocação de áreas naturais cada vez maiores para que sociedades indígenas e extrativistas possam 
continuar seu modo de vida "tradicional" – que hoje inclui caça com armas de fogo – com o argumento de que 
estas sociedades sempre viveram em harmonia com a natureza. A falácia deste argumento, no entanto, é 
óbvia: armas de fogo não eram parte do modo de vida tradicional (na verdade, são exatamente o contrário, 
uma das maneiras pelas quais destruímos este modo de vida). O triste resultado de todo este processo é o que 
já foi chamado de "a floresta vazia"(9): hoje em grande parte da Amazônia muitas espécies de mamíferos e 
aves de grande porte já são encontradas em densidades populacionais tão baixas que nem sequer conseguem 
exercer seus papéis ecológicos no ecossistema; as sementes que eles deveriam dispersar apodrecem no chão 
da mata. Ao contrário do que diz nosso hino nacional, nossos bosques não tem mais vida(1). 
Nem só de vilões é feita esta história, mas nossos livros de história não falam nada dos heróis. Aos 
livros agradam os personagens da história oficial, de estreito foco político-econômico. Por exemplo, qualquer 
livro vai lhe falar de brasileiros como Floriano Peixoto, cujo feito mais marcante foi esmagar rebeliões 
populares com extrema violência e crueldade. Mas nenhum livro fala de Maria Tereza Jorge Pádua, cuja luta 
 5
de décadas permitiu demarcar grande parte das reservas biológicas que nossos filhos irão conhecer em nosso 
país (ela e seu marido, Marc Dourojeanni, ostentam o título de o casal que mais criou reservas biológicas no 
Mundo, um dos títulos mais admiráveis que alguém possa ter, em minha opinião). Nenhum fala de Ibsen de 
Gusmão Câmara, que mais que qualquer outro foi responsável por mudar o Brasil de lado, passando de um 
dos grandes responsáveis pelo extermínio das baleias a um de seus maiores defensores. E todos os livros 
falam de José Bonifácio, mas como político, e nenhum fala dele como o verdadeiro pai da conservação da 
natureza no Brasil, o homem cuja visão sobre conservação de florestas e rios estava pelo menos um século 
adiante de sua época. 
Hoje vemos um Brasil onde a consciência ecológica aumentou imensamente em relação à época de 
José Bonifácio ou mesmo em relação a poucas décadas atrás. Por outro lado, é um Brasil onde imagens de 
satélite são usadas para mentir para a população; onde indígenas são usados para invadir reservas naturais 
como instrumento de interesses que não são deles; onde se fala muito em ambientalismo, mas a maioria dos 
ambientalistas parece estar lutando apenas por um ambiente limpo e saudável para os seres humanos, sem 
perceber ou se importar se este ambiente é completamente desfigurado, degradado ou vazio de vida selvagem; 
onde o "meio ambiente" se transformou num grande comércio onde são vendidas as licenças para destruir a 
natureza. Se a utilidade da história é aprender com o passado, em especial com os erros passados, talvez 
nunca como agora o Brasil tenha precisado tanto voltar os olhos para sua história ecológica. 
 
Referências 
(1) Fernandez, F. A. S. 2000. O poema imperfeito - crônicas de biologia, conservação da natureza e seus heróis. Editora da Univ. 
Federal do Paraná / Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, Curitiba. 
(2) Martin, P. 1984. Prehistoric overkill: the global model. In Martin, P, & Klein, R (eds), Quaternary extinctions: a prehistoric 
revolution. University of Arizona Press, Tucson. 
(3) Dean, W. 1996. A ferro e fogo - a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Companhia das Letras, São Paulo. 
(4) Galeano, E. 2000. As veias abertas da América Latina (39ª edição). Paz e Terra, Rio de Janeiro. 
(5) Coimbra-Filho, A. F. & Câmara, I. B. 1996. Os limites originais da Mata Atlântica na região nordeste do Brasil. Fundação 
Brasileira para a Conservação da Natureza, Rio de Janeiro. 
(6) Fundação SOS Mata Atlântica & INPE, 1998. Evolução dos remanescentes florestais e ecossistemas associados do domínio da 
Mata Atlântica 1990-1995. Relatório, São Paulo. 
(7) Teixeira, D. M. As aves do Brasil Holandês e o mito da natureza intocada. Tese de Doutorado, Museu Nacional, UFRJ. 
(8) Emmons, L. & Feer, F. 1997. Neotropical rainforest mammals. University of Chicago Press, Chicago. 
(9) Redford, K. H. 1992. BioScience, 42: 412-421. 
(10) Emmons, L. H. 1984. Biotropica, 16: 210-222. 
 6

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