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Harrysson L. da Silva e João Pedro M. Ribeiro Planejamento regional e urbano 03 Sumário CAPÍTULO 4 – Tendências Atuais em Planejamento Regional e Urbano ................................05 Introdução ....................................................................................................................05 4.1 Aspectos, impactos, passivos, danos e conflitos ambientais ...........................................06 4.2 Desenvolvimento tecnológico regional e urbano ..........................................................07 4.3 Desenvolvimento territorial endógeno (DTE) ................................................................10 4.3.1 A passagem da democracia participativa para a governança democrática .............11 4.3.2 Tendências sociais orientadas para planejamento regional e urbano .....................12 Síntese ..........................................................................................................................23 Referências Bibliográficas ................................................................................................24 05 Capítulo 4 Introdução Geralmente, tem-se a compreensão de que somente o Estado detém as concepções, as teorias e as metodologias para o planejamento regional e urbano. Você sabia que existem várias ten- dências de planejamento que não são oficiais e sequer são discutidas como possibilidades para resolução de conflitos urbanos e regionais? A estrutura e a dinâmica da rede urbana não se reduzem somente à compreensão oficial. Da mesma forma, existem tendências oficiais que não são discutidas, em virtude de os grupos políti- cos que coordenam as ações de planejamento estarem vinculados a determinados princípios te- óricos e metodológicos. Em grande parte, quem financia as políticas públicas é quem determina as relações sobre o desenvolvimento. Assim, temos tendências oficiais e sociais de planejamento que serão discutidas como caminhos para gestão dos conflitos regionais e urbanos. Com relação às tendências dessa temática, serão discutidas, introdutoriamente, as perspectivas que adotam aspectos, impactos, passivos, danos e conflitos ambientais como variáveis para a gestão do planejamento regional e urbano em projetos de empreendimentos imobiliários. Você tinha conhecimento desses conceitos? Em seguida, será analisada a concepção atual, em que o desenvolvimento regional e urbano deve se dar pela via do desenvolvimento cientifico e tecnológico, com o fortalecimento da pesquisa aplicada e com a criação de centros tecnológicos e de tecnópolis. Não haverá preocupação sobre o detalhamento teórico e metodológico das teorias econômicas que fundamentam essa perspecti- va; o objetivo é somente situar você no tempo e no espaço com relação à discussão atual. Depois, será analisada a perspectiva do desenvolvimento territorial endógeno. Essa perspectiva assume a dimensão social do planejamento regional e urbano a partir da organização comuni- tária, e não necessariamente de uma política definida pelo Estado. Os arranjos produtivos locais e setoriais serão analisados como objeto de política industrial e alternativa para desenvolvimento regional de atividades que prescindem de suporte tecnológico. Espera-se que, no fim, você tenha compreendido as principais tendências relacionadas ao pla- nejamento regional e urbano. Bom estudo! Tendências Atuais em Planejamento Regional e Urbano 06 Laureate- International Universities Planejamento regional e urbano 4.1 Aspectos, impactos, passivos, danos e conflitos ambientais Para a maior parte dos agentes que produzem o espaço regional e urbano, os problemas só aparecem quando um conflito está instalado. O que se quer dizer com essa afirmação? Um conflito existe quando duas partes estabelecem uma relação recíproca entre si, portanto, bilateral. Nesse caso, há um nexo de causalidade que os uniu em torno de uma causa, com objetivos e interesses diferenciados em cada caso. Na maior parte das vezes, só se vai tomar conhecimento dos aspectos (fatos geradores), dos im- pactos (fatores resultantes dos aspectos), dos passivos (custos para recuperação dos impactos) e dos danos (legislações que foram infringidas a partir dos impactos ambientais) que precisam ser reparados, quando ocorre uma denúncia no Ministério Público, ou um movimento popular. Você acredita que todo esse processo poderia ser evitado? Para você entender melhor essa relação, será apresentado um estudo de caso. Um empreendedor imobiliário solicitou licença para construção de um empreendimento numa área com escritura pública. O setor de licenciamento da prefeitura aprovou o projeto sem nenhu- ma restrição. Quando as obras começaram, a comunidade se reuniu e fez uma passeata contra o empreendimento, alegando que traria problemas de superpopulação e mobilidade, além dos serviços que o empreendimento demandaria. Então, os moradores fizeram uma denúncia formal ao Ministério Público (MP), que chamou as partes interessadas e promoveu a assinatura de um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta. Assim, a construtora se comprometeu em realizar alguma benfeitoria para a comunidade durante a construção da obra. Depois de quatro anos, as partes foram convocadas, e o acordo foi finalizado, pois os compromissos assumidos foram cumpridos. Nesse caso, o “aspecto ambiental” identificado foi ausência de audiência pública, apresentando o empreendimento e as benfeitorias que seriam franqueadas à comunidade local. O “impacto ambiental” foi o resultado concebido pela população de que a obra poderia produzir proble- mas de mobilidade, serviços e aumento populacional. O “passivo ambiental” foi o custo que a construtora teve que absorver para construir alguma benfeitoria para a comunidade durante a obra, conforme acordado no Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta. Os “danos”, que serão mais detalhados em seguida, dividem-se em duas categorias, patrimoniais e extra- patrimoniais, que ainda podem ser coletivos ou individuais. O conflito ambiental, por sua vez, é o conjunto das etapas que vão desde a identificação dos aspectos ambientais até os danos extrapatrimoniais coletivos. Os “danos patrimoniais individuais” têm relação direta com o patrimônio dos membros da comu- nidade que poderá sofrer depreciação, como casas, garagens e calçadas; ou seja, são os danos físicos ao patrimônio pessoal decorrentes, por exemplo, da circulação de caminhões no local. Os “danos patrimoniais coletivos”, por sua vez, referem-se aos bens de uso ou interesse coletivo, como estradas, ruas e praças, comprometidos pela obra; inclui-se nesse grupo, principalmente, o patrimônio cultural. Os “danos extrapatrimoniais individuais” são relativos aos direitos de per- sonalidade afetados pelo empreendimento; por exemplo, excesso de barulho, retirada da visão da paisagem, sombra e alteração da qualidade de vida. Os “danos extrapatrimoniais coletivos”, por fim, relacionam-se aos direitos da personalidade de uma comunidade, que se sentiu coleti- vamente atingida pela obra em alguma característica preservada pelo grupo, como o patrimônio cultural, por exemplo. Agora você tem ideia dos aspectos de interação social que envolvem um projeto de um empre- endimento imobiliário? Existe previsão legal para denúncia, compensação financeira por danos, planos de mitigação de impactos ambientais, benfeitorias comunitárias decorrentes dos Termos 07 de Compromisso de Ajustamento de Conduta. Diante disso, por que, então, os empreendedores imobiliários e os operadores do Direito que produzem políticas, planos e programas governa- mentais desconsideram todas essas questões nos projetos de empreendimentos imobiliários e nas políticas públicas de planejamento regional e urbano? Em sua grande maioria, os Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta não são cum- pridospor falta de fiscalização. Dessa forma, muitos promotores de justiça acabam por enviar as denúncias para o poder judiciário, já que as sentenças judiciais são executivas, ou seja, não são discutíveis, devem ser cumpridas. Sabendo disso, o que você pensaria se seu empreendimento imobiliário gerasse conflitos ambientais e tivesse sua legitimidade discutida no poder judiciário? Pensando nisso, as empresas devem pensar nas suas equipes de projetos os operadores do Di- reito nos impactos das políticas públicas, para que todo trabalho anterior de mobilização social, organização de propostas e de projetos não seja inviabilizado num segundo momento. Espera-se que esta discussão inicial tenha feito você imergir no que fundamenta, mas não apare- ce, e é desconsiderado em todos os processos de realização da política, do plano, do programa ou do projeto de um empreendimento qualquer. Torna-se necessário, portanto, identificar essas diferenças, pois elas são fundamentais para que políticas, planos, programas e projetos sejam consequentes e não apresentem impedimentos legais, nem custos não previstos num segundo momento. Você conseguiu identificar a diferença entre aspectos, impactos, passivos, danos e conflitos ambientais? NÓS QUEREMOS SABER! 4.2 Desenvolvimento tecnológico regional e urbano Você já deve ter ouvido falar de parques tecnológicos, Vale do Silício, incubadoras tecnológicas, tecnópolis, cidades inteligentes e empreendimentos com alto grau de inversão tecnológica em estrutura para seus usuários. Todos esses conceitos estão relacionados à tendência de planeja- mento regional e urbano, que vê a saída para a redução das desigualdades regionais, sociais, de geração de emprego e renda na perspectiva do desenvolvimento científico e tecnológico. Você deve estar se perguntando: qual a relação entre parques tecnológicos e planejamento re- gional e urbano? Um parque tecnológico se caracteriza pela localização numa área com certas facilidades de deslocamento, tanto de chegada, quanto de saída, perto de aeroportos e com infraestrutura direcionada à ciência, à tecnologia e à inovação. Pelo grau de relações a serem estabelecidas e pelo nível de exigência tecnológica, os parques congregam empresas de alta tecnologia, instituições de pesquisas, universidades, investidores e agências de fomento para projetos. Todas essas instituições e empresas desenvolvem atividades complementares em prol do desenvolvimento científico e tecnológico. Esse espaço de relações polariza um conjunto de atividades, que acaba estabelecendo, na re- gião, um conjunto de demandas e necessidades, que deverão ser desenvolvidas por meio da criação de novo ambiente para desenvolvimento urbano com implicações regionais. 08 Laureate- International Universities Planejamento regional e urbano Os parques tecnológicos surgiram na década de 1990. No Brasil, existem vários, entre eles: Por- to Digital de Recife; Parque Tecnológico de São José dos Campos; Parque Científico e Tecnoló- gico da PUCRS; Parque Tecnológico do Vale do Rio dos Sinos; Fundação Parque Tecnológico da Paraíba; Parque Tecnológico de Belo Horizonte; Centro Empresarial e Tecnológico (CET); Parque Tecnológico de Ribeirão Preto; Parque Tecnológico da Bahia; Parque Tecnológico de São Carlos; Parque Tecnológico de Sorocaba; e SAPIENS Parque, em Florianópolis. Analisar o planejamento regional e urbano a partir do desenvolvimento cientifico e tecnológico é uma perspectiva que partiu do impacto direto do processo de globalização comercial e financei- ra entre os diferentes países na sociedade do conhecimento. O conhecimento, ao ser assumido como ativo tecnológico, integra-se como agente motor do desenvolvimento regional e urbano. Em todos os seus processos, a inovação modela os locais onde projetos dessa natureza são implantados. Por fim, acaba-se criando um novo padrão de urbanização, com funcionalidades diferenciadas, para atender um público com demandas qualificadas. Nesse contexto, o domínio do conhecimento é rápido, ao mesmo tempo em que a inovação mantém o padrão de compe- titividade, perdido rapidamente com o seu compartilhamento. Previa-se que rapidamente a ino- vação criaria um padrão de acumulação financeira que definiria o produto interno bruto (PIB) de muitas cidades. Hoje, isso já é realidade, assim como um modelo urbano baseado em relações de aprendizagem e de produção de conhecimento, com características de sustentabilidade. Nessa perspectiva, a importância do investimento em ciência e tecnologia vai depender da es- trutura de onde os respectivos empreendimentos serão implantados. Por sua vez, a implantação de empreendimentos desse tipo causa um impacto direto na valorização do seu entorno, com a possibilidade de, num segundo momento, agrupar serviços especializados decorrentes das demandas das atividades que estão em processo de desenvolvimento. Desse modo, a melhor localização dos investimentos de natureza tecnológica seria nas áreas urbanas, em função dos aproveitamentos decorrentes da economia de escala. Em condições diferentes dessa, a iniciativa se tornaria pouco atraente e economicamente inviável. Nos países desenvolvidos, esse tipo de empreendimento tem servido como instrumento de po- lítica industrial, com reflexos no desenvolvimento regional urbano e está sempre conjugado à infraestrutura que favorece seu desenvolvimento. No Brasil, para que esses investimentos avancem rapidamente, é necessária uma potente infra- estrutura física e de conhecimento, preparada e capacitada para se tornar um agente de de- senvolvimento local que dê amparo a essas iniciativas. O apelo do desenvolvimento científico e tecnológico soma-se à lógica atual da sustentabilidade, que considera as tecnologias da era do conhecimento, como não geradoras de aspectos e de impactos ambientais significativos. Para o Ministério da Integração Nacional (BRASIL, 2004), para que se possa avançar na pers- pectiva de investimentos em ciência, tecnologia e inovação, deverão ser observadas as seguintes características atuais locais: • As capacitações inovativas são via de regra, inferiores às dos países desenvolvidos. As características do processo de industrialização retardatária fizeram com que a periferia não se tornasse um espaço localizado gerador de inovação, incapaz de alcançar a “fronteira tecnológica”. A estratégia prevalecente, nesse caso, seria de “frontier following”, ou seja, os países se dedicariam ao uso eficiente de tecnologias de fronteira, sem, contudo, serem capazes de construir, no longo prazo, as capacitações que desafiariam os países líderes da fronteira tecnológica; • O ambiente organizacional é aberto e passivo, onde as funções estratégicas primordiais são realizadas externamente ao sistema, prevalecendo uma mentalidade quase exclusivamente produtiva. Neste tipo de sistema, as estratégias competitivas das empresas não dependem, fundamentalmente, dos agentes locais, e sim de agentes externos, já que as regras internas, necessárias para a tomada de decisões estratégicas, relativas à sua competitividade, estão ainda por ser criadas; 09 • O ambiente institucional é mais volátil e permeado por constrangimentos estruturais. Em particular, a instabilidade macroeconômica, característica da inserção internacional periférica do país, vem acompanhada de mudanças frequentes, e na maioria das vezes arbitrárias, nas regras que governam o ambiente de negócios e o mercado de fatores (no que se refere à taxação, regulação dos mercados de câmbio e financeiros, aos ajustes de preços, ao nível das taxas de juros real e dos salários nominais/reais etc.). Neste tipo de ambiente, os fundamentos necessários à criação de confiança em relacionamentos inter-firmas de longo-prazo é abalado, nutrindo uma atitude de negócios essencialmente não cooperativa não somente entre os diversos atores, mas entre estese as instituições governamentais e não governamentais; e, • O entorno destes sistemas é basicamente de subsistência, apresenta densidade urbana limitada, baixo nível de renda per capita, baixos níveis educacionais; reduzida complementaridade produtiva e de serviços com o polo urbano e frágil imersão social (BRASIL, 2004, p. 4). Assim, pode-se verificar que existem muitos desafios para implantação de parques tecnológicos no Brasil. Para que o efeito indutor de desenvolvimento local apareça de forma definitiva e altere significativamente as desigualdades regionais, é preciso a redefinição do perfil de profissionaliza- ção. Nessa perspectiva, pode-se pensar, num futuro próximo, que a inovação seja uma constante nos centros de pesquisa e inovação tecnológica e nos modelos de relacionamento intersetorial para desenvolvimento de produtos e serviços com alto valor agregado tecnológico, em ambientes de excelência tecnológica. Figura 1 – Espaços de excelência para inovação. Fonte: Shutterstock, 2015. Nessa perspectiva, mesmo com os esforços realizados até o presente momento, as universi- dades brasileiras e seus respectivos centros de pesquisas ainda precisam mudar seu perfil. As universidades públicas devem trabalhar com inovação tecnológica e se dedicar não apenas ao desenvolvimento de projetos de cunho social, na medida em que os recursos públicos são uma composição dos impostos pagos pelos cidadãos e pela iniciativa empresarial. Não se deve aguardar que a inovação chegue, ou reclamar que se está no fim da fila mundial dos países que fazem registros de patentes de tecnologia. Enquanto esse tipo de compreensão estiver presente, haverá dificuldade de avançar em direção à sustentabilidade, já que ela é o resultado de todas as perspectivas dos diferentes agentes que estruturam a sociedade. 10 Laureate- International Universities Planejamento regional e urbano 4.3 Desenvolvimento territorial endógeno (DTE) O desenvolvimento territorial endógeno (DTE) é uma perspectiva adotada para fortalecimento das capacidades empreendedoras de vários segmentos da sociedade, que precisam de suporte para se inserir no mercado de trabalho, a partir da geração de emprego, renda e desenvolvimen- to cientifico e tecnológico. O termo “desenvolvimento” significa uma concepção de planejamento orientada para a elevação de níveis dos indicadores sociais, culturais, econômicos, de participação e de compartilhamento de ideias e experiências. O “territorial” remete à escala espacial de identificação de uma poten- cialidade a partir de um grupo de pessoas que dispõem de competências e habilidades, mas não têm conhecimentos que as façam fundamentar suas práticas; o objetivo é criar um diferencial em termos de produção de conhecimento para ganhar o mercado de alta competitividade. O termo “endógeno” representa a condição das tomadas de iniciativa, que devem partir dos grupos e de seus desejos e projetos de transformar conhecimentos em produtos e serviços. Assim, o desenvolvimento territorial endógeno se configura como uma perspectiva oficial, portan- to, governamental, que recria a identificação das demandas, a fim de priorizar políticas públicas para planejamento regional e urbano, com impactos localizados, ou seja, nos territórios onde grupos organizados criaram seus diferenciais de competitividade para alavancar seus produtos e serviços. Para tanto, é necessário conhecimento das etapas do projeto de DTE, o que vai garantir o controle do seu impacto regional e urbano e, principalmente, a criação de novas possibilidades de geração de emprego e renda. Num primeiro momento, é necessário identificar a rede de desenvolvimento comunitário existente e seu estágio de organização inicial, criando imediatamente um fórum de desenvolvimento lo- cal, que será responsável pela gestão do projeto. Depois de consolidadas as partes envolvidas, devem ser definidos a visão do passado (onde estamos?), a visão do futuro (onde queremos chegar?) e os processos que deverão ser desenvolvidos para se atingir os objetivos pretendidos (como chegar lá?). Também será preciso desenvolver um diagnóstico participativo local, iden- tificando indicadores de desenvolvimento relacionados aos diferentes critérios e atividades de interesse do fórum local, bem como mapear as necessidade imediatas e estabelecer um plano de desenvolvimento relacionado às demandas dos diferentes públicos-alvo. Com base nessas definições, dá-se início ao processo de financiamento das iniciativas, a partir da criação de instrumentos operacionais para desenvolver os investimentos que serão realizados. Em alguns casos, para viabilizar os financiamentos, será necessária a criação de associações, ou outra modalidade jurídica, para dar andamento e segurança aos projetos. Essa pode ser consi- derada a fase inicial de um projeto de DTE, chamada de fase de sistematização das demandas e necessidades sociais. O segundo estágio do projeto de DTE enquadra as dinâmicas sociais das partes interessadas: na dimensão socioeconômica, em termos de cooperação, buscando, até mesmo, alternativas rela- cionadas a práticas produtivas solidárias, e não de competitividade, como ocorreria com micro e pequenas empresas. De acordo com o nível de exigência das partes envolvidas, haverá necessidade de avançar para a capacitação gerencial, considerando a natureza dos processos operacionais, numa relação di- reta com o poder público, e criando, inclusive, os instrumentos para avaliação e monitoramento das atividades. Depois de uma primeira avaliação dos resultados atingidos, programa-se uma nova etapa de compromissos e de desenvolvimento para as partes interessadas. A seguir, serão discutidos os fundamentos que dão base para o processo operacional de um projeto de DTE. 11 4.3.1 A passagem da democracia participativa para a governança democrática Para que um projeto de DTE tenha resultado, é preciso mudar a concepção tradicional de gestão de projetos: uma coordenação dando diretrizes e todos, dentro de suas respectivas competên- cias, desenvolvendo seus objetivos, para atingir os resultados esperados. Em DTE, essa forma de gestão é conhecida como democracia participativa, ou seja, alguém co- munica às partes interessadas os resultados dos referidos processos, sem que elas possam discutir ou alterar o que foi proposto nos projetos. A via de participação é unilateral, ou de cima para baixo. Você já participou de algum projeto, cujo processo se deu nessa perspectiva? Saiba que esse tipo de abordagem para desenvolvimento de projetos de DTE não dá certo. Na governança democrática, o processo é diferente, pois sua base é a construção do projeto, seguindo uma linha construtivista, conforme ensinado na pedagogia de projetos. Nessa concep- ção de gestão, que é a base para os projetos de DTE, todos participam, discutem; chega-se a resultados a partir de consensos entre os diferentes grupos, ligados a diferentes instâncias da sociedade, com objetivos diferentes no mesmo projeto. O processo de governança democrática, nessa perspectiva, acaba consistindo num fórum de gestão de conflitos, em que todas as partes envolvidas nos processos de um projeto de DTE conhecem e reconhecem particularmente os projetos, os desejos e os objetivos umas das outras. A governança democrática deve trazer uma cultura de “discussão e formação de consenso” e, paralelamente, eliminar a possibilidade da cultura do “dever fazer”, que é a “obediência aos processos e cumprimentos de atividades”. Em outras palavras, é preciso construir a cultura da viabilização das partes envolvidas. Assim, assegura-se que a organização comunitária tenha poder de organização, com auxílio de agentes externos funcionando como catalisadores; ou seja, promove-se a relação entre as par- tes, sem que os agentes externos, no entanto, comandem a discussão e os resultados. Apenas se encaminhao processo para que os resultados sejam alcançados de forma organizada. Nessa perspectiva é que se pode verificar a existência de propostas sociais de desenvolvimento territorial endógeno. É ela que rompe com a lógica de que planejamento regional e urbano, políti- cas, planos, programas e projetos governamentais são as únicas possibilidades de desenvolvimen- to. Rompe também com a ideia de que, territorialmente, devem prevalecer as diretrizes estatais, e nãos os projetos e os desejos comunitários territorializados nas diferentes regiões brasileiras. É com base nessa possibilidade, estabelecida pela nova perspectiva de DTE adotada pelo estado brasileiro, que serão discutidas a seguir propostas sociais que, se integradas, podem promover um novo estágio de desenvolvimento dos territórios, numa perspectiva de planejamento regional e urbano centrada no desenvolvimento produtivo do território. Esse tema relaciona-se às estruturas sociais que, por meio de suas potencialidades, suas com- petências e habilidades sociais e culturais, desenvolveram a capacidade de autogestão de seus empreendimentos, numa lógica diferente do crescimento econômico em escala, como ocorre nos arranjos produtivos locais e setoriais que estão orientados para micro e pequenas empresas. 12 Laureate- International Universities Planejamento regional e urbano SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Tradução de: Laura Teixeira Motta. Esse livro discute uma nova perspectiva de planejamento regional e urbano, partindo da concepção de que a miséria e a pobreza resultam da “falta de oportunidades” de- corrente das políticas públicas de cada país. NÃO DEIXE DE LER... 4.3.2 Tendências sociais orientadas para planejamento regional e urbano Toda tendência social não é oficial. O que isso significa? Em linhas gerais, as tendências sociais que poderiam ser objeto de um projeto de planejamento regional e urbano não nascem de polí- ticas públicas de Estado ou de governo. Elas são construções sociais decorrentes de ações rela- tivas à ausência do Estado, na priorização de algumas demandas e necessidades dos diferentes grupos sociais, bem como de seus processos operacionais. Nunca você deve subestimar ninguém, pois sempre se acredita que somente aqueles que têm co- nhecimento é que são capazes de encontrar soluções. Felizmente, isso não acontece na prática. A sociedade encontra seus próprios caminhos, assim como a água contorna os obstáculos para atingir a meta de chegar ao mar. A demonstração disso, veremos a seguir, a partir das diferentes formas que a sociedade desenvol- veu para vencer determinadas ausências do Estado, no que diz respeito às demandas de alguns de seus segmentos. Entre essas estratégias, ou tendências, serão discutidas: a tendência finan- ceira dos bancos comunitários de desenvolvimento, cujo investimento em infraestrutura é terri- torializado, a partir de lastro com moeda não oficial; a ausência de professores (doutores) nas universidades, em que o conhecimento é repassado sem preocupação teórica e metodológica; o desenvolvimento de sistemas econômicos de trocas baseados em solidariedade; a transferência de tecnologia sem garantia de propriedade intelectual; e os sistemas de planejamento baseados em oportunidades, e não em investimentos. Não se discutirá profundamente cada uma das tendências que serão descritas. Pretende-se ape- nas lançar as bases do que já existe, mas não é comentado nem discutido, e poderia ser apro- priado e utilizado para a resolução de muitos conflitos decorrentes da falta de oportunidades e do descaso histórico com o alto poder de intervenção de cada ser humano neste planeta. Veja o quanto você pode ser um agente de transformação no âmbito do planejamento regional e urbano. Na maior parte das vezes, as pessoas não mudam porque estão centradas numa com- preensão absoluta de que não existem outras saídas; então, se afundam em crises pessoais, econômicas, políticas. O mesmo ocorre no planejamento regional e urbano. Muitas vezes, são adotados modelos de planejamento que não deram certo em alguns contextos, para verificar se darão certo em outros, sem, no entanto, uma avaliação apurada das especificidades relaciona- das à conjuntura de sua aplicação. A perspectiva que resolverá seus problemas pode ser a negação daquela que você acredita ser absoluta. Pense a esse respeito quando precisar tomar uma nova decisão de investimento. Tendência 1 – Financeira: bancos comunitários de desenvolvimento Você já deve ter conhecido alguém que não conseguiu empréstimo num banco porque não tinha fiador nem um “bem” para deixar como garantia. Os bancos e as agências de fomento são um grupo seleto, que empresta dinheiro para todo tipo de público-alvo – governamental, pessoal 13 ou empresarial –; mas, em cada caso, existem regras diferenciadas que variam em função da relação estabelecida com essas instituições. Nessa perspectiva, se não há garantia de crédito (bens e fiadores) para empréstimos voltados para o desenvolvimento de projetos e, além disso, há juros, em sua grande maioria, abusivos; como se pode falar em redução das desigualdades sociais e regionais? Se uma parte da popula- ção está fora dos sistemas oficiais de crédito, não consegue tomar empréstimos, nem abrir contas bancárias. Ao habitarem num assentamento urbano subnormal (favelas), essas pessoas não dis- põem da escritura pública de suas casas, logo, não têm registro imobiliário nem endereço. Você parou para pensar como essas questões estruturais afetam toda a dinâmica do planejamento regional e urbano e apontam para a necessidade de revisão das políticas públicas? Pelas vias sociais, uma saída para resolver o problema da inserção econômica e financeira de camadas da população que estão à margem do processo de planejamento regional e urbano são os bancos comunitários de desenvolvimento, que serão descritos a seguir. O processo operacional do banco comunitário de desenvolvimento se dá na seguinte perspectiva: • uma comunidade cria uma associação sem fins lucrativos, com o objeto social de transações de crédito; • o conjunto de lideranças dos diferentes segmentos delibera sobre o território de abrangência da associação, com o objetivo de territorialização do crédito; • a manutenção da associação se dá a partir da geração de excedentes obtidos de taxas dos associados para desenvolvimento de infraestruturas de interesse comunitário; • uma moeda não oficial (moeda social) é criada com lastro oficial (em real), e é trocada na associação para ser utilizada no território; • uma taxa menor que a dos bancos oficiais é cobrada na troca da moeda oficial pela moeda social, com o objetivo de que, no fim do exercício fiscal, em assembleia, se decida sobre o destino dos recursos em infraestrutura de interesse comunitário. Muhammad Yunus (2006), o economista de Bangladesh, autor do livro O Banqueiro dos Pobres, criou o “sistema de garantia sem crédito” como prática do sistema financeiro. Ao romper com a lógica oficial dos sistemas de crédito, mudou a concepção de que o sistema financeiro funciona somente a partir da garantia de crédito para financiamento. VOCÊ O CONHECE? Esse é o procedimento geral de um banco comunitário de desenvolvimento que, em linhas gerais, recria a demanda comunitária e de seus interesses imediatos para a implantação de infraestru- turas de interesses comunitários, desonerando o Estado. Esse tipo de associação não é consi- derada, até o presente momento, instituição financeira, por isso, não precisa de autorização do Banco Central para funcionar. Estrutura similar foi desenvolvida, em Bangladesh, pelo professor Muhammad Yunus ao criar o Grameen Bank, que tem uma peculiaridade: ele só empresta dinheiro para mulheres. Por que será? As mulheres não abandonam os filhos em momentos de dificuldades, o quenão ocorre com os homens. Da mesma forma, elas se habilitam, nesses momentos, a desenvolver atividades que supram as demandas da família, mesmo em condições desfavoráveis. 14 Laureate- International Universities Planejamento regional e urbano Assim, tanto o banco comunitário de desenvolvimento quanto o Grameen Bank não precisam de fiadores nem de bens como garantia de crédito. Você já pensou num banco assim? Tudo ocorre por meio de relações de solidariedade e confiança; e, para surpresa dos bancos internacionais, inclusive do Banco Mundial, o nível de inadimplência é, muitas vezes, menor do que o dos ban- cos oficiais, fica em torno de 1% do total de empréstimos concedidos. Para se abrir uma conta num banco comunitário de desenvolvimento, basta ser sócio e não acio- nista. Para obter um empréstimo no Banco Grameen, a mulher requisitante precisa ter os filhos na escola, um banheiro em casa, uma vaca para dar leite e uma horta doméstica. Essas condi- ções existem em função do contexto de modos de vida e de condição econômica de Bangladesh. Ainda assim, se essas condições mínimas inexistem, elas são criadas pelo banco para que as famílias tenham independência e não fiquem presas a sistemas de crédito com juros abusivos ou a exigências de ingresso que se constituem como mecanismos de exclusão social. Tratam-se de duas realidades distintas e extremas, já que Bangladesh, em termos de desigualda- de social, está muito melhor do que o Brasil. Entretanto, as soluções, independente dos contex- tos, se recriam e apontam saídas que podem ser colocadas em prática. Nesse tipo de proposta de planejamento, existe uma mensagem que deve ser compreendida: antes de julgar, ouça o que os outros têm a lhe dizer. Você já parou para avaliar as demandas de grupos de interesse a partir deles mesmos, como sujeitos envolvidos numa perspectiva de implantação de um projeto de empreen- dimento imobiliário, ou de planejamento regional e urbano? NÓS QUEREMOS SABER! Tendência 2 – Científica: universidades sem doutores É muito comum ouvir dizer que algo não é científico, que não pode ser provado, portanto, não tem validade. Também se ouve corriqueiramente que “na teoria, é uma coisa e, na prática, é outra”. Nessa perspectiva, a ciência é colocada como a mãe de todos os tipos de conhecimento, subs- tituindo a igreja e o absolutismo nas crenças divinas. Assim, passa-se de um “fundamentalismo religioso” para o “fundamentalismo científico”, baseado na seguinte premissa: o que não for cientificamente comprovado não tem validação científica e, muito menos, social. Assim, a contri- buição e o conhecimento comunitário que não fossem validados cientificamente não teriam valor científico e, muito menos, social. Quais as implicações desse contexto para o desenvolvimento de políticas, planos, programas e projetos? Você já parou para pensar nisso? O resultado é que os planejadores ignoram que as pessoas da comunidade fazem parte, dia- riamente, da realidade objetiva. Elas mantêm relações com os outros, as coisas, o mundo e os objetos; nesse processo, se estabelecem relações cognitivas que definem como cada um elabora suas atividades diárias e se apropria delas. Ao ignorar isso, nunca se estabelece uma comunica- ção efetiva, pois ninguém compreende o que outro está falando, em linguagens com conteúdos diferentes, com os mesmos objetivos, e muito menos com os projetos e desejos comunitários. Esse é um problema sério em planejamento regional e urbano. Assim, quando muitos doutores das universidades, centrados em suas teorias e modelos científi- cos, parecem não poder compreender alguns fenômenos, que fogem ao seu estrito senso teórico ou metodológico, são reduzidas as chances de diálogo, inviabilizando a possibilidade de recorrer às soluções já definidas, porém não identificadas, não reconhecidas. 15 Com isso, queremos reafirmar são dois lados de uma mesma equação: em um, as populações objeto de planejamento regional e urbano, com conhecimento de suas necessidades diárias, imersas em sua realidade; no outro, os planejadores e pesquisadores, numa outra instância de decisão, orientados pelos sistemas formais, dos quais fazem parte e por meio dos quais exercem suas atividades, premidos pelos seus modelos teóricos e metodológicos espaço-temporais data- dos. Fica difícil uma comunhão, porque os princípios que norteiam as duas perspectivas descritas se inviabilizam mutuamente no plano prático. Você saberia dizer qual a saída para esse impasse e quais suas implicações para o planejamento regional e urbano? Você já ouviu falar da “Universidade dos Pés Descalços”? Essa universidade foi criada numa re- gião da Índia muito pobre, chamada Bihar, por um homem da mais alta casta indiana, chamado Bunker Roy. Tudo começou quando ele resolveu sair de seu contexto pessoal, procurou conhecer o seu entorno, e começou a se dar conta das desigualdades entre ele e seus pares. Em 1965, o estado indiano de Bihar passou por uma crise terrível e muitas pessoas morreram de fome. Preocupado com o que via, Roy buscou e propôs soluções para resolver os problemas da população, entre elas, cavar poços para disponibilizar água. Nesse contato com as pessoas mais pobres, viu que elas tinham conhecimentos apreciáveis e consistentes e que, para resolver os problemas delas, bastava ouvi-las e criar condições para que se desenvolvessem. Foi a partir dessa experiência que Bunker Roy criou, em 1972, a Universidade dos Pés Descal- ços, uma organização não governamental (ONG). Trata-se de um espaço de experimentação, no qual os papéis de professor e aluno se confundem num processo de cocriação, em que todos ensinam e todos aprendem sem autoridade e hierarquia, nem demarcações do método científico. As ideias, as ações e os projetos desenvolvidos pela universidade impactam diretamente em áre- as desconsideradas pelo Estado, no âmbito do planejamento regional e urbano. Entre as áreas e as ações desenvolvidas, estão: energia solar, água, educação, tratamentos de saúde, artesa- natos rurais, motivação pessoal, comunicação, respeito às mulheres e cuidado com resíduos. O importante é repassar conhecimentos, melhorar a qualidade de vida das pessoas a partir de sua própria estrutura cognitiva. Você sabe por que Roy buscou essa saída? Exatamente porque ele percebeu, diante de tanta miséria e tantas teorias científicas, que não havia correspondência entre elas e que era preciso mudar essa situação. De que forma? A partir do conhecimento das pessoas, rompendo, inclusive, a estrutura de castas e os níveis de compreensão da realidade decorrentes dessa estrutura. Ainda há quem defenda que as comunidades beneficiárias dos projetos de empreendimentos imo- biliários não têm contribuições para oferecer aos projetos. O mesmo pensamento ocorre em rela- ção às políticas públicas: que os beneficiários não têm o que opinar sobre os destinos das ações e, consequentemente, do país. No entanto, a Universidade dos Pés Descalços demonstra claramente que as experiências pessoais, e não só os experimentos controlados, devem ser utilizadas como recursos para proposição de projetos e de instrumentos de orientação para políticas públicas. Espera-se que as perspectivas sociais de planejamento estejam contribuindo para que você passe de uma atitude meramente perceptiva da realidade objeto do planejamento regional e urbano, para uma perspectiva dialógica, que busque novas soluções com prazos e responsabilidades diferenciados e baixo custo. Tendência 3- Econômica: economia solidária Você pensou como seria o planejamento regional e urbano se seguisse uma perspectiva econô- mica regulada por princípios solidários? A economia solidária difere dos processos e das relações econômicas habituais, por um lado, por considerar a solidariedade e não o lucro como motor da atividade econômica, sempre desenvol- vida numa perspectiva comunitáriade autogestão, bem como a cultura e os hábitos de cada gru- 16 Laureate- International Universities Planejamento regional e urbano po na produção dos produtos e serviços; e, por outro lado, por constituir-se politicamente num movimento que prega um novo modelo de qualidade de vida, de planejamento e de organização. No Brasil, as ações da economia solidária já se institucionalizaram no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que vem desenvolvendo políticas, planos e programas nessa área, a fim de atender às demandas sociais da camada mais desfavorecida da população brasileira. O referido Ministério desenvolveu, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), um curso de capacitação à distância, coordenado por Tânia Zapata, Mônica Amorim e Paulo César Arns (2007), com objetivo de capacitar agentes públicos em desenvolvimento regional. As diferentes formas de organização das atividades da economia solidária podem ser classifica- das em projetos coletivos de: materiais recicláveis; consumo de produtos; instituições de crédito, como os bancos comunitários de desenvolvimento; agricultura familiar; agroecologia; e pres- tação de serviços, como logística solidária. Pode-se constatar, com isso, que as atividades de- senvolvidas no âmbito da economia solidária cobrem todas as etapas dos processos produtivos tradicionais: extração de matérias-primas, produção, distribuição, circulação, troca, consumo e disposição final. A estrutura da economia solidária consiste, portanto, num sistema econômico que deveria ser incentivado para fins de desenvolvimento regional e urbano, bem como de redução de muitas tensões sociais, decorrentes da falta de emprego, profissionalização e geração de renda. Nessa perspectiva, em que medida os projetos dos empreendimentos imobiliários consideram a dinâmica da economia solidária e sua inserção nas dinâmicas regionais e urbanas? A partir da descrição realizada anteriormente, se as etapas do ciclo de produção de associação de econo- mia solidária forem identificadas, seus produtos e serviços podem ser agregados aos projetos de planejamento regional e urbano. Como há uma dimensão política no processo da economia solidária, há necessidade de que se estabeleçam novos limites para sua integração ao sistema vigente, sem que, com isso, seja des- caracterizada. O movimento já começou e precisa ser reconhecido como uma possibilidade de organização que, num futuro próximo, poderá se tornar significativa no contexto da economia e do planejamento regional e urbano no Brasil. As perspectivas citadas e outras vigentes, mas que não serão objeto de discussão neste momento, podem ser fundamentadas na perspectiva de Amartya Sen (2000). O autor indiano declara que a falta de desenvolvimento resulta na ausência de oportunidades que propiciem o desenvolvi- mento das liberdades fundamentais. Os Estados, por sua vez, deveriam criar condições para a liberdade, já que elas são um pressuposto para o desenvolvimento econômico. O planejamento regional e urbano também deveria garantir, por meio de políticas, planos, programas e proje- tos, a liberdade necessária para os grupos que estruturam a sociedade, no sentido de viabilizar projetos e desejos. O Estado, o mercado, o sistema jurídico, os partidos políticos, os meios de comunicação, os grupos de pressão e os fóruns de debates devem aumentar e garantir as liberdades fundamen- tais dos indivíduos concebidos como receptores passivos das determinações estatais. Assim, o movimento de instituições, políticas, planos, programas e projetos governamentais indica ou não desenvolvimento, se o processo de concessão de liberdades individuais está avançando ou retro- cedendo, bem como possibilitando que novas liberdades se manifestem por meio dos diferentes acessos aos espaços e bens de uso da coletividade. 17 NÃO DEIXE DE VER... Para conhecer um pouco sobre o desenvolvimento territorial endógeno, veja o vídeo Desenvolvimento Local e Territorial (SEBRAE), disponibilizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Acesse: <http://tv.sebrae.com.br/ media/3Wu1W>. Os arranjos produtivos locais e setoriais (APLS) Em linhas gerais, os arranjos produtivos locais e setoriais (APLS) consistem numa ação de política industrial, desenvolvida para reduzir as desigualdades setoriais nas diversas regiões brasileiras. A metodologia dos APLS foi desenvolvida e implantada no Brasil pelo Sebrae. A ideia de “locais” refere-se à municipalidade onde o arranjo estará localizado, e a de “setoriais”, à atividade eco- nômica que será objeto do projeto de arranjo produtivo. Assim, os APLS se organizam em três eixos: dinâmica do distrito; desenvolvimento empresarial e organização da produção; e eixo de informação e acesso aos mercados. O sucesso de um projeto de APLS depende da integração da equipe de projeto e da equipe de governança local, que deverão investigar quais dos três eixos precisam ser melhorados e priori- zados em termos de: dinâmica territorial local e regional, processos, produtos, serviços, infraes- trutura e integração empresarial intersetorial. Esse tipo de divisão é importante, pois os agentes envolvidos nos processos produtivos não têm relação direta e tempo necessário para dedicar ao desenvolvimentos dos projetos e sua avalia- ção. A metodologia para desenvolvimento de APLS pode ser assim organizada: definição dos eixos estruturantes e das ações e dos vetores de atuação. • Definição dos eixos estruturantes: » o eixo 1, dinâmica de distrito, deverá verificar os setores econômicos que precisam ser dinamizados em termos sociais e institucionais, por meio da criação de mecanismos de governança democrática; » o eixo 2, desenvolvimento empresarial e organização da produção, deverá voltar-se para as questões relativas à produção e à produtividade, produtos e serviços; » o eixo 3, informação e acesso a mercados, inclui a parte relativa à comercialização da venda de mercadorias, produtos e serviços. Em todos os três eixos, serão necessários integrar os vetores de atuação definidos como: ações, atitudes e metas. A seguir, será definido o que significa cada um desses vetores no contexto dos APLS (SEBRAE, 2002, p. 46-47). • Definição dos vetores de atuação: » Ações: são as modificações e os movimentos necessários para a efetiva implementação de um objetivo dos APLS. No eixo 1, as ações são de participação para formação da governança; no eixo 2, de gerência financeira e de produção das atividades dos projetos a serem implantados; no eixo 3, de análise e prospecção de mercado orientado para comercialização dos produtos certificados; 18 Laureate- International Universities Planejamento regional e urbano » Atitudes: são comportamentos, procedimentos, processos e rotinas que os agentes envolvidos nos APLS devem incorporar, de modo recorrente e sistemático, ao cotidiano de suas atividades e relações, para garantir que as ações realizadas sejam mantidas e produzam os resultados esperados, tornando-se parte do movimento geral dos agentes da governança democrática do projeto; » Metas: são planos, programas e projetos decorrentes das ações, sustentadas pelas novas atitudes e elaboradas pelos atores, objetivando consolidar os processos e a sustentabilidade do programa. Eixos Vetor Dinâmica do distrito Desenvolvimento empresarial e organização da produção Informação e acesso a mercados Ações Participação Gerência financeira e da produção Análise e prospecção de mercado Atitudes Inclusão Qualidade e certificação Competitividade Metas Lucidez Produtividade Internacionalização Quadro 1 – Matriz de eixos × vetores dos APLS. Fonte: Sebrae, 2004, p. 45. Os resultados esperados para cada eixo devem ser objeto das ações dos membros da governan- ça democrática, com o objetivo de estabelecer as ações emfunção dos resultados esperados ou projetados. • Resultados esperados: Eixo 1: no eixo “dinâmica de distrito”, são tratadas todas as atividades que dizem respeito aos agentes e projetos dos APLS, tais como a governança local, o relacionamento entre os projetos e a oferta de serviços para o setor em questão, a fim de que os resultados econômicos e financeiros sejam realísticos e tenham impacto direto sobre todos os setores envolvidos. Em termos de deliberação conjunta da governança democrática em três perspectivas: Resultado 1: desenvolvimento do fórum distrital O fórum municipal ou distrital deve se constituir num instrumento permanente de mobilização, divulgação, deliberação, consulta e democratização das atividades (problemas, ações e atividades) a serem desenvolvidas entre as partes interessadas. Resultado 2: fortalecimento da cultura associativa O fortalecimento da cultura associativa compreende todas as atividades que visam à integração das partes envolvidas, para produzir, comprar ou vender processos, produtos e serviços e articular ações. Resultado 3: criação do centro de serviços Assim que as partes envolvidas começam a se organizar melhor, a demanda por serviços especializados e focados no setor cresce. É próprio da dinâmica distrital ter uma ampla oferta de serviços conectados às demandas empresariais, e é necessário fomentar isso no programa. 19 Eixo 2: esse eixo de atuação trata das atividades e dos objetivos ligados ao desenvolvimento de processos, produtos ou serviços dos empreendimentos a serem desenvolvidos e dos já existentes. O eixo “desenvolvimento empresarial e organização da produção” deve trabalhar na parte interna da empresa. Enquanto o eixo 1 foca, primordialmente, no ambiente onde a empresa atua e no relacionamento entre empresários e instituições, o eixo 2 tem como objetivo trabalhar dentro de cada empresa para a melhoria de produtos, processos e gestão. Os resultados que devem ser atingidos neste eixo são: Resultado 1: melhoria da gestão empresarial Devem ser desenvolvidos projetos de gestão empresarial, com todos os integrantes dos APLS, a fim de adequar a administração dos empreendimentos aos padrões de qualidade, controle e monitoramento dos processos operacionais. Nessa perspectiva, a atenção deve se voltar para todas as necessidades dos integrantes dos APLS, ampliando sua visão do negócio e suas habilidades gerenciais. Resultado 2: melhoria da qualidade dos produtos e serviços Além de trabalhar as habilidades específicas dos empresários, é preciso melhorar ou adequar os produtos das empresas e instituições integrantes dos APLS. Os produtos e serviços devem ser trabalhados em sintonia fina com o mercado que se pretende atingir. Resultado 3: aumento da produtividade A última perspectiva a ser é a produtividade. Na verdade, ela é praticamente um resultado da melhoria da gestão e do produto. As atividades ou os produtos utilizados para atingir esses objetivos nem sempre fazem parte da carteira de produtos do Sebrae, sendo necessário nesses casos que equipes técnicas específicas sejam contratadas para o desenvolvimento dessas atividades de forma orientada, a partir das determinações e exigências dos membros do APLS. É essencial que o gestor do APLS tenha aces- so a parceiros estratégicos que possam fornecer os serviços necessários à viabilização de cada objetivo. Assim, o objetivo de fortalecer a oferta de serviços para o APL possibilitará o desenvol- vimento das empresas por ele abrangidas. Eixo 3: no eixo “informação e acesso a mercados”, os APLS devem ter uma estrutura de pesquisa de mercado permanente, não somente na perspectiva técnica e científica, como também na comercial, para garantir escoamento da produção dos produtos, e atração de potenciais investidores e turistas para seus serviços, visando a uma taxa permanente de geração de emprego e renda. Resultado 1: informação e acesso a mercados A inserção no mercado é a única maneira de trazer resultados concretos para as partes envolvidas e é fundamental para que a mobilização entre elas ocorra e continue como fator de adesão. Para que você tenha uma ideia do impacto em termos de planejamento regional e urbano na implantação de APLS, a Figura 2 estrutura o resultado da articulação do distrito na sua região de influência. 20 Laureate- International Universities Planejamento regional e urbano Eixo 3 Ei xo 2 Ações Analise e prospecção de mercados Atitudes Competitividade Resultados esperados no Eixo 3 Re su lta do s e sp er ad os no Ei xo 2 Inform ação e Acesso a M ercados Acesso a novos m ercados M elh ori a d a g es tão em pre sar ial Au m en to de pro du tiv ida de M elh ori a d a q ua lid ad e do s p rod uto s Internacionalização do Arranjo Produtivo Local Metas Internacionalização Atitudes Inclusão Ações Particição Ações Gerência �nanceira e de produção Atitudes Qualidade e certi�cação Metas Produtividade Metas Lucidez Desenvolvimento do Fórum Distrital Fortalecimento da Cultura Associativa Criação de centro de serviços Resultados esperados no Eixo 1 Eixo 1 Dinâmica de Distrito De se nv olv im en to Em pr es ar ial e or ga niz aç ão da pr od uç ão Figura 2 – Estrutura completa de um projeto de APLS. Fonte: Sebrae, 2004, p. 55. Veja na Figura 3 que o capital material, o capital social, os fornecedores, os clientes, os serviços coletivos e os privados resultantes de um projeto de APLS são alguns dos fatores de políticas de planejamento regional e urbano, e agentes indutores de localização de empreendimentos imo- biliários. SERVIÇOS PRIVADOS BANCOS TRANSPORTES AGENTES DESIGNERS ATITUDE CARACTERÍSTICA CLIENTES MERCADOS CAPITAL SOCIAL MERCADO DE TRABALHO VALOR ATITUDE CONFIANÇA SERVIÇOS COLETIVOS ESCOLAS ASSISTÊNCIA DE CATEGORIA CENTROS DE SERVIÇOS CONSÓRCIOS FORNECEDORES MATÉRIAS-PRIMAS SEMI-ACABADOS MÁQUINAS ACESSIBILIDADE TRANSPORTES ÁREAS EDIFICÁVEIS DEPURAÇÃO ÁGUAS Subfornecedores Pesquisa Produção Marketing Subfornecedores Subfornecedores CAPITAL MATERIAL Ar t iculação de um distr i to Figura 3 – Estrutura do processo de articulação regional de distrito bbjeto de APLS. Fonte: Sebrae, 2004, p. 258. 21 No âmbito do capital material, projetos de acessibilidade e de transportes, áreas edificáveis e sistemas de controle e abastecimento de água induzem ao desenvolvimento do setor de em- preendimentos imobiliários. No âmbito dos serviços coletivos, são necessários ambientes para desenvolvimento de inovação e de processos, produtos e serviços orientados para os APLS. Nota- -se, assim, que uma verdadeira cadeia de atividades, processos, produtos, serviços, orientações de investimento e empreendimentos são necessários para o desenvolvimento local e regional, a partir dos APLS, conforme a Figura 4. Figura 4 – Processo integrado de planejamento regional e urbano Fonte: Shutterstock, 2015. Nessa perspectiva, dá-se mais importância ao APLS, em função de ser o instrumento de desen- volvimento regional que mais extensivamente se aplica como mecanismo de política industrial, e com melhor impacto regional em termos de difusão de inovações. SEBRAE. Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Metodologia de desenvolvimento de arranjos produtivos locais. Brasília: Sebrae, 2004. Projeto Pro- mos/Sebrae/BID. Essa publicação é referência nacional da metodologia de arranjo produtivo local e setorial. NÃO DEIXE DE LER... 22 Laureate- International Universities Planejamento regional e urbano Espera-se que você tenha obtido uma boa compreensão das principais tendências relativas aoplanejamento regional e urbano, bem como que o conteúdo tratado tenha feito você refletir sobre o desenvolvimento de novas perspectivas para tomada de decisão na localização e no impacto dos empreendimentos imobiliários. 23 Síntese • Neste capítulo, tratou-se das principais tendências atuais em discussão e que estão sendo utilizadas como políticas públicas, e da reação à ausência do Estado em algumas áreas consideradas não atendidas pela sociedade civil organizada, a partir das políticas públicas de planejamento regional e urbano no Brasil. • No tópico 1, foi abordada a relação entre aspectos, impactos, passivos, danos e conflitos ambientais e seus impactos sobre os empreendimentos imobiliários. Na mesma perspectiva de avaliação ambiental estratégica dos impactos de políticas, as previsões legais relativas às variáveis devem servir de instrumento de planejamento e como critério de regionalização. • No tópico 2, discutiu-se a perspectiva do desenvolvimento científico tecnológico como uma das saídas para as desigualdades regionais e para a geração de emprego e renda. • No tópico 3, avançou-se na compreensão do desenvolvimento territorial endógeno como uma perspectiva neoliberal do Estado, a estabelecer um novo pacto de gestão de projetos, a partir da governança democrática. Paralelamente, foram discutidos alguns modelos alternativos que podem uma alternativa para organizar setores da sociedade não atendidos pelas políticas de planejamento regional e urbano do Estado. • No tópico 4, se demarcaram as ações de planejamento regional e urbano, a partir de um dos instrumentos de política industrial, os arranjos produtivos locais e setoriais. Viu- se que os arranjos produtivos têm um caráter sinérgico de desenvolvimento local com impactos regionais. A lógica dos arranjos produtivos segue, em parte, a metodologia do desenvolvimento territorial endógeno, entretanto os APLS estão orientados para micro e pequenas empresas em processo de integração intersetorial, e o DTE para iniciativas ainda em processo de reconhecimento de suas competências e habilidades para fins de associação ou cooperação. Síntese 24 Laureate- International Universities Referências BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Curso de capacitação à distância em desenvolvimen- to territorial endógeno. SEBRAE. Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Metodologia de desen- volvimento de arranjos produtivos locais. Brasília: Sebrae, 2004. Projeto Promos/Sebrae/ BID. ______. Desenvolvimento Local e Territorial. Disponível em: <http://tv.sebrae.com.br/ media/3Wu1W>. Acesso em: 26 jun. 2015. SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Tradução de: Laura Teixeira Motta. YUNUS, Muhammad. O Banqueiro dos Pobres. São Paulo: Ática, 2006. Tradução de: Maria Cristina Cupertino. ZAPATA, Tânia, AMORIM, Mônica, ARNS, Paulo César. Desenvolvimento territorial à dis- tância. Florianópolis: SEaD/UFSC, 2007. 153 p., il. Bibliográficas
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