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AULA 8 TEORIA DA LITERATURA

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AULA 8 – DO ANTI-ÉDIPO À LITERATURA MENOR
O Anti-Édipo: A Esquizoanálise e o Inconsciente Produtivo
A ideia fundamental talvez seja a seguinte: o inconsciente “produz”. Dizer que ele produz significa que é preciso parar de tratá-lo, como se o fez até então, como uma espécie de teatro onde se representaria um drama privilegiado, o drama de Édipo. Nós pensamos que o inconsciente não é um teatro, mas antes uma usina. (Gilles Deleuze)
O impacto provocado pelo Maio de 68 abalou as certezas e garantias de uma sociedade ordenada segundo a cultura massiva do capitalismo industrial, além de ter revelado a crise das instituições sociais e posto em xeque seus modelos, suas promessas de organização e estabilidade da vida gerida pela lógica capitalista.
Após aquele momento era fundamental refletir sobre a crise social e a falência das instituições ao considerar, sobretudo, a eclosão de um desejo coletivo e revolucionário que veio à tona e demoliu todo e qualquer racionalismo científico ou teoria social, inclusive, a própria psicanálise, enquanto ciência responsável pelos estudos do inconsciente. Deste modo, houve um claro desgaste das teorias estruturalistas diante daquele acontecimento visceral - quando o povo saiu às ruas derrubando os modelos instituídos por uma sociedade industrial consumista. Entretanto, foi a partir daquela linguagem (e ação) revolucionária gerada nas ruas que alguns pensadores perceberam tratar-se de um novo modo de saber - diante da falência da ciência e seus métodos – que não era mais oriundo das teorias.
	Este novo saber nasceu fora das instituições e situava-se ao nível do corpo, da vida cotidiana, do encontro com o outro, através da invenção de uma nova linguagem manifestada e apreendida pelo domínio da arte - seja através da literatura, do cinema, da pintura, do grafite, da música. Logo, este novo saber só poderia ser apreendido por uma nova lógica que tentasse compreender as sensações desencadeadas a partir das linguagens que transcendiam os lugares tradicionalmente instituídos pela sociedade.
	Ao invés de uma lógica racional científica, ou de uma lógica consumista e alienada promovida pelo capitalismo industrial, a arte instaura uma nova lógica: das sensações, dos afetos, dos perceptos, dos desejos, sonhos, utopias e da sensorialidade. E é segundo essa lógica que podemos nos aproximar do pensamento do filósofo Gilles Deleuze, no qual, segundo ele, a arte deve ser vivenciada como um campo do saber e um modo de vida, como um domínio que está para além dos limites teóricos e formais.
	Ao observarmos a produção de Gilles Deleuze, percebemos que a trajetória do seu pensamento assinalava a predileção pelos encontros transdisciplinares, ao traçar uma linguagem que abdicava de um sistema filosófico abstracionista ou puramente teórico e conceitual, para tocar a vida através dos afetos, dos desejos, do inconsciente e do corpo. Em outras palavras, sua produção transdisciplinar era dinamizada pela ciência, pela filosofia e pela arte, já que seu pensamento ultrapassava a relação interdisciplinar, ao investir a dimensão contingencial da vida.
Enquanto a filosofia tradicionalmente sempre buscou criar um sistema de pensamento que ordenasse o caos segundo uma rede de conceitos, a ciência sempre necessitou de limites demonstráveis para reduzir o caos em algo mensurável e explicável. Para além destes limites, a arte proporciona um saber diferencial, deflagrado pela inconsciência das sensações e percepções, através da livre experimentação das formas e signos que compõem sua linguagem. 
Segundo Deleuze, a arte desliza seu saber para o nível das sensações e percepções de maneira ainda informe e inconsciente, sem qualquer interpretação prévia ou conscientização do sujeito, o que ele chamou de perceptos e afectos.
“A arte é a linguagem das sensações, que faz entrar nas palavras, nas cores, nos sons ou nas pedras. A arte não tem opinião. A arte desfaz a tríplice organização das percepções, afecções e opiniões, que substitui por um monumento composto de perceptos, e afectos e de blocos de sensações que fazem as vezes de linguagem. (...) Precisamente, é a tarefa de toda arte: e a pintura, a música não arrancam menos das cores e dos sons acordes novos, paisagens plásticas ou melódicas, personagens rítmicos, que os elevam até o canto da terra e o grito dos homens – o que constitui o tom, a saúde, o devir, um bloco visual e sonoro.” (Ibidem, p. 228-9)
Entretanto, embora a trajetória de Deleuze tenha percorrido os filósofos e artistas, em sua maioria, é a partir do encontro transdisciplinar com o psicanalista Félix Guattari que ele tornou-se conhecido do público em geral, ao lançar em 1972 o livro O Anti-Édipo – capitalismo e esquizofrenia que, segundo eles, seria uma continuação dos embates do Maio de 68, e uma crítica ao capitalismo industrial e seu molde maquínico sobre a vida e as sensações.
Obviamente que o título provocador ‘O Anti-Édipo’ foi um golpe direto na psicanálise de Freud, quando este utilizou o mito de Édipo para explicar o funcionamento do inconsciente sob o eixo da repressão. Em seguida, o curioso epíteto ‘capitalismo e esquizofrenia’ evidencia a óbvia relação entre o capitalismo e a alienação produzida na sociedade industrial pelo consumo. Mais ainda, resta saber em que nível o capitalismo e sua lógica penetram em nosso psiquismo.
Em primeiro lugar, Deleuze critica a psicanálise de Freud por esta reduzir o inconsciente a um teatro dramático, ou seja, a uma forma de idealização - como se o inconsciente coubesse em uma moldura representativa ou conceitual de um complexo familiar repressivo, sob uma invariante universal e absoluta. 
Segundo ele, o inconsciente não poderia ser reduzido a uma invariante estrutural de um sujeito reprimido pelo complexo familiar social (Freud), ou consumido por algo que lhe falta (Lacan), uma vez que sua intensidade transborda para além dos limites da consciência, da moral, da ciência, da lei, do contrato e da instituição, além do desejo de criar sua própria dimensão e manifestar sua própria linguagem, haja vista o Maio de 68. 
“Guattari e eu partimos da ideia de que o desejo só poderia ser compreendido a partir da categoria de ‘produção’. Isto é, era preciso introduzir a produção no próprio desejo. O desejo não depende de uma falta, desejar não é ter falta de alguma coisa, o desejo não remete à Lei alguma, ele produz. É, portanto, contrário de um teatro. Uma ideia como a de Édipo, da representação teatral de Édipo, desfigura o inconsciente, nada exprime do desejo. Édipo é o efeito da repressão social sobre a produção desejante. Mesmo no nível da criança, o desejo não é edipiano, ele funciona como um mecanismo, produz pequenas máquinas, estabelece ligações entre as coisas. Tudo isso, em outros termos, significa talvez que o desejo seja revolucionário. O que não significa que ele queira a revolução.”
“Melhor que isso, ele é revolucionário por natureza porque constrói máquinas que, inserindo-se no campo social, são capazes de fazer saltar algo, de deslocar o tecido social. A psicanálise tradicional, ao contrário, transformou tudo numa espécie de teatro. Exatamente como traduziríamos numa representação tipo Comédia Francesa algo que pertence ao homem, à usina, à produção. O ponto de partida de nosso trabalho, por outro lado, foi o inconsciente como produtor de pequenas máquinas de desejo, máquinas desejantes.” (DELEUZE, 2006, p. 295-6)
Segundo Deleuze e Guattari, a esfera inconsciente é intensa, ininterrupta e produtiva, e jamais reativa e reprimida, tal como Freud a reduziu sob um complexo que ele ironiza, ao chamá-lo de papai-mamãe. Para eles o inconsciente é uma força que ultrapassa a forma familiar e institucional para atingir um nível social, histórico e mundial, o que ficou provado com o Maio de 68 e todas as rebeliões históricas, e não apenas como um modelo estético e teatral, ou seja, ao delegar ao inconsciente a imagem de uma representação, farsa ou mascaramento. 
Em relação à Freud, o grande problema apontado por Deleuze e Guattari éque sua psicanálise observou contraditoriamente o inconsciente sob o ângulo da consciência científica, ao determinar um conceito e um modelo de representação para aquela dimensão infinita e imensurável, afirmando que analisar a inconsciência pela consciência seria um erro.
Em contrapartida, eles propuseram uma nova abordagem do inconsciente, a esquizoanálise, a partir da perspectiva do esquizo (ou esquizofrênico), ou seja, do inconsciente inserido socialmente, ainda que fosse à margem, opondo-se ao inconsciente reprimido e descredibilizado socialmente como ‘improdutivo’. 
Segundo Deleuze em o Anti-Édipo, o esquizo é aquele que foi relegado à margem da margem, por não encaixar-se nos padrões, modelos e valores estabelecidos pela sociedade industrial moderna, e por não produzir socialmente, situando-se, portanto, no limite do capitalismo, na fronteira entre a produção desejante e a produção social mercadológica. Em síntese, o esquizo é aquele que cruzou indistintamente a linha divisória entre a realidade social - produzida segundo a lógica utilitária e científica do capitalismo industrial moderno – e a realidade governada pelas sensações, pelos desejos, utopias e pela libido.
Quando se diz que a esquizofrenia é a nossa doença, a doença do nosso tempo, não se está dizendo apenas que a vida moderna enlouquece. Não se trata de modo de vida, mas de processo de produção. (...) De fato, queremos dizer que o capitalismo, no seu processo de produção, produz uma formidável carga esquizofrênica sobre a qual ele faz incidir todo o peso de sua repressão, mas que não deixa de se reproduzir como limite do processo. 
(DELEUZE-GUATTARI, 2010, p. 52-3)
Portanto, a esquizoanálise é uma anticiência e pretende em primeiro lugar rechaçar e desconstruir a psicanálise freudiana como a ciência que reduz o inconsciente sob o signo da repressão da libido. Em segundo, a esquizoanálise pretende saber como funciona o inconsciente, ou de que modo esta máquina desejante produz. Em terceiro, por recusar a cientificidade, ela utiliza a arte como campo experimental de sua análise.
Em suma, o esquizo não é um paciente sob transferência freudiana, narrando sua interioridade reprimida, mas é aquele que só pode ser localizado e situado no limiar entre a linguagem e a vida - seja o artista ou o personagem na medida em que se igualam em um nível impessoal, humano e anárquico -, ao diluir as fronteiras entre a arte e a vida, ao mesmo tempo em que funde tais exterioridades.
Ao investigar os efeitos do capitalismo no inconsciente a partir da esquizoanálise, Deleuze apropriou-se da literatura como um modo de recriação ou reinvenção da existência, ao mesmo tempo em que afirmou ser o ato literário uma operação de resistência à maquinização do indivíduo pela lógica alienante do capital. Para ele, a escritura literária é um acontecimento que ultrapassa os limites estéticos ao elevar a vida a uma potência impessoal, já que exige a criação de uma linguagem que age na exterioridade da consciência, do discurso, da lei, do contrato, da instituição social, e da própria língua dominante.
Segundo Deleuze, a individualidade do escritor constitui-se tal qual uma arborescência feita de múltiplos desdobramentos, encontros e intensidades, o que ele chamou de rizoma, mas jamais por uma consciência centralizada e interiorizada pela razão, ou por uma personalidade determinada. Assim, Deleuze define o estilo de um escritor como sendo um agenciamento de enunciações, de lugares, encontros, experiências, intensidades, fluxos, movimentos e desejos que se conjugam em meio à contingência da vida, independente da interioridade do sujeito e sua prévia consciência histórica e social.
Para Deleuze, a escritura literária não é a projeção de uma interioridade narcísica ou confessional do sujeito autor, mas uma voz que traça uma linha exterior à pessoalidade e escapa aos domínios instituídos, ao traçar uma fuga para a extensão afetiva, sensitiva, não consciente e impessoal.
Escrever, segundo ele, é desterritorializar-se do próprio sujeito agente, ou seja, do ser consciente, para experimentar o impermanente vir a ser dos devires, dos encontros, intensidades, sensações e acontecimentos que nos abalam e nos transformam, independente de qualquer planejamento ou reflexão determinada por uma lógica social ou uma consciência individual.  
Deleuze reconhece a língua como um código e uma sujeição, uma vez que se deve sempre obedecer às suas leis sintáticas e gramaticais. No entanto, é preciso escapar a esta sujeição de modo que o ato literário seja o investimento em um modo de vida que interrogue e escape aos domínios e modelos institucionalizados. Pois, segundo Deleuze, o escritor cria uma língua menor dentro da língua dominante, ou seja, uma linguagem que arrasta a língua ao seu limite sintático, social, até sua exterioridade, levando-a ao desequilíbrio de seu código formal, familiar, regulador e institucional. Ele cria outra língua modulada fora das formas gramaticais e dos sistemas sociais.
Logo, o escritor cria ‘outra sintaxe’, uma espécie de sintaxe desviante para além das normas sintáticas, ao elevar a língua a uma forma de música, pintura ou embriaguez, fazendo-a tremer, gaguejar ou delirar, durando fora do tempo, do espaço e da razão.  E esta é a marca e a evidência que faz do escritor um estrangeiro e um empreendedor de uma saúde, ao libertar a vida aprisionada e asfixiada pela consciência social irrespirável.
Segundo Deleuze, é possível verificar o modo pelo qual a literatura é tomada como um empreendimento de saúde e resistência a partir do momento em que ela opera uma desconstrução dos lugares instituídos pelo poder - a começar pela língua dominante – e dá passagem às intensidades e afetos, segundo uma lógica das sensações, e não a lógica arbitrária, racional e utilitarista da vida social.
Deleuze afirma que a escritura literária potencializa o reinvestimento de saúde onde a própria existência se viu reduzida a uma maquinaria de repressão e servilismo, na medida em que a literatura dá passagem à vida e suas intensidades através da linguagem, por ser livremente inventiva. Seja através do riso anárquico, da ironia crítica, da emoção afirmativa, enfim, dos afetos e perceptos que são gerados pela escritura, a literatura opera tal e qual um estado vivido que eclode da página e salta do livro - ou que salta dos cartazes do Maio de 1968, sendo críticos, revolucionários, assertivos, mas sem perder a alegria e a ternura -, ao romper com a asfixia dos moldes sociais que aprisionam, controlam e tentam domesticar a vida, a consciência e o corpo.
Portanto, é através de Kafka ou Artaud, entre outros, que Deleuze afirma que o escritor é um “agenciamento coletivo de enunciação”, e a literatura é “a enunciação coletiva de um povo que falta”, uma vez que não se trata de individualidades ou pessoalidade, ou de expressões ou representações, mas sim de nomes, personagens e impessoalidades que transubstanciam a espessura humana através da linguagem.
Deleuze explorou a experiência literária pelo seu ato de ultrapassar a linguagem enquanto instituição social até o seu fora, ao deslizar da página ao desejo, ao instinto ao sonho, ou seja, à inconsciência que produz um novo corpo e um novo modo de vida, uma vez que ler e escrever são atos de um permanente devir do sujeito, ao desejar resistir e reinventar a própria existência. Porque segundo ele, o inconsciente é uma máquina que só funciona quando ‘lubrificada’ pelo desejo de gerir e criar a própria vida, segundo outra ética e outra lógica fundada pelas sensações, ao elevar a existência a uma potência impessoal e estética: ao transformar a vida em uma permanente e inacabada obra de arte.
SINTESE
Verificou, ao investigar as relações entre o capitalismo e o inconsciente através da esquizoanálise de Gilles Deleuze e Félix Guattari, de que modo, através da escritura literária, produziu-se a experiência de um acontecimento passado na fronteira entre a linguagem e a vida;
evidenciou o tema da loucura na modernidade como umaconsequência de uma lógica perversa e excludente, de um estudo do capitalismo e suas relações com a esquizofrenia;
evidenciou de que modo a literatura desperta uma resistência ao engendramento social moderno, por um investimento que se passa na exterioridade dos moldes e modelos, desde a sintaxe à lógica ordinária de produzir e consumir.
SLIDES
O Anti-Édipo foi um livro produzido na efervescência dos eventos do Maio de 1968. Foi escrito para aqueles que estavam cansados da psicanálise: "Sonhávamos em acabar com Édipo” (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 07), mas as reações ao Maio de 1968 e o desenrolar da história mostraram o quanto Édipo era forte e ainda dominava – e, como um olhar mais cuidadoso pode observar, ainda domina certa parcela considerável do pensamento psicanalítico contemporâneo. 
Na obra "Anti-Édipo" é clara a presença das ideias políticas derivadas dos acontecimentos de Maio de 1968 na França. Podemos notá-las a partir do conceito de Inconsciente que apresentaram. Ao invés do conceito freudiano em que o inconsciente continuamente brinca com a figura da mãe, eles compreendem que esse jogo pode ter os dois intervenientes; no entanto, há outros como as raças, os continentes, a História, a Geografia, enfim, toda a moldura social que o envolve. 
O inconsciente para eles é também entendido como uma máquina de desejos instalada num mundo capitalista de onde só a esquizofrenia pode libertar-nos. 
A esquizofrenia não é patológica (não é doença), mas sim como um movimento de fuga criadora. Não resta dúvida de que o esquizofrênico de Deleuze também sofre, no entanto, a sua condição é a de partida para uma nova forma de pensar, criadora e inventora de si mesma. 
O inconsciente deixava de ser o cenário das imagens e emoções recalcadas para virar máquina desejante, energia produtora de desejos. A ideia de máquina desejante era fruto do encontro da sociedade capitalista – Marx/máquina – com o inconsciente individual – Freud/desejo. Logo, sociedade e individuo constituíam uma coisa só: “máquinas desejantes”. 
Para Deleuze existem dois tipos de máquinas, as desejantes e as sociais, e estas não se oporiam, uma vez que diferem apenas em seus regimes de funcionamento; não podemos esquecer que toda produção social é simplesmente a produção desejante em determinadas condições. 
Mas essas máquinas estavam com suas energias domesticadas e dirigidas para outros fins que não a liberdade e o prazer, é o que aponta o livro, pois o indivíduo para ser sujeito e ter uma identidade, terá de passar pelo complexo de Édipo - o desejo de matar o pai e tomar posse da mãe - e quando a criança ultrapassa essa fase entre os 3 e 4 anos, a educação terá sucesso em delinear sua identidade, ou seja, o sujeito será um cidadão normal, consumidor, etc. Quando ele não supera e rejeita a programação social, ele fica esquizofrênico. 
Nas sociedades capitalistas, dinheiro, luz elétrica, transportes, mercadorias, trabalho humano, lazer, etc., são energias controladas pela programação racional da produção e destinadas ao lucro. Em ambos os casos há repressão sem o gozo pleno, pois as máquinas desejantes estão com sua produção desvirtuada. Para derrotar o sistema e liberar o desejo em sua plenitude, só há uma saída, ou seja, promover o Anti-Édipo - o esquizofrênico - a pura máquina desejante que o “Complexo de Édipo” ainda não programou.
No entanto, ele não é o psicótico que está fora da realidade, o esquizofrênico; é o exemplo para o revolucionário de nossos dias, pois desmonta ponto por ponto a programação capitalista. Ele, liberado em seu desejo, deixa suas energias fluírem e se conectarem com outras máquinas desejantes como mais lhe agradar. 
A Revolução, segundo eles, não virá mais da massa reunida no partido, no sindicato, ou nas grandes totalidades. Ela ocorrerá por despedaçamento, anarquia, e evitando-se as unidades maiores, as regras e os centros de comando. Não irá gritar “proletários de todo o mundo, uni-vos!” Mas fará correr de boca em boca “morte ao todo, viva a partícula!”.
O capitalismo democrático sempre esteve “totalmente comprometido na fabricação da miséria humana”, já o intitulado “socialismo real” é um totalitarismo piramidal e hierárquico, que se afastou da tão ambicionada igualdade social, segundo Deleuze. 
Deleuze e Guattari esclarecem, em sua obra, Kafka: Para uma literatura menor o que seria essa literatura menor: 
“Uma literatura menor não pertence a uma língua menor, mas antes, à uma língua que uma minoria constrói numa língua maior (Deleuze e Guattari, 2003, pág. 38). 
É uma língua que subverte, que resiste à própria língua, permitindo a construção do que chama de uma literatura menor. A expressão “literatura menor” não é uma forma de depreciar nem é usada em tom pejorativo.
O termo “menor” do conceito não tem nada de pejorativo; esse movimento, que se faz numa língua, é muito pelo contrário uma postura de se fazer uma revolução dentro da própria língua. 
“O mesmo será dizer que “menor” já não qualifica certas literaturas, mas as condições revolucionárias de qualquer literatura no seio daquela a que se chamam grande (ou estabelecida).”(Deleuze e Guattari, 2003,p. 42).
Na definição de uma literatura menor, Deleuze e Guattari apontam três elementos fundamentais.
A primeira característica é que a língua menor “é afetada por um forte coeficiente de desterritorialização”. É um escrever estrangeiro na própria língua usada. 
A segunda característica é que, nas literaturas menores, “tudo é político”, pois “o seu espaço, exíguo, faz com que todas as questões individuais estejam imediatamente ligadas à política”. Política em qualquer sentido, em qualquer situação. Abolindo, assim, as distinções entre o privado e o público, o íntimo e o social.
A terceira característica das literaturas menores “é que tudo toma um valor coletivo”. Já não é um agenciamento individual, mas a condensação intensiva de uma voz coletiva. Mesmo que o escritor esteja isolado, distante de sua comunidade, de seu povo, não importa. Talvez, ainda mais em sua escrita “menor”, essa comunidade apareça, pois aí ela está presente na intensidade de sua ausência. Tudo adquire um valor coletivo. 
Kafka, um escritor que escreve em alemão como parte de uma minoria judia em Praga e, portanto, é desterritorializado triplamente. Não escreve em tcheco, a língua da sua pátria, não escreve em iídiche, a língua da sua comunidade, mas escreve num alemão deficitário, deslocado da língua maior. Logo, a desterritorialização da língua de Kafka expressa a quebradura do seu compromisso nascido com as ideologias de uma língua materna. 
		De acordo com Gilles Deleuze, um grande escritor sempre se encontra como um estrangeiro na língua em que se exprime, mesmo quando é a sua língua natal: não mistura outra língua à sua, e sim talha na sua língua uma língua estrangeira, poética, que não preexiste. Para o autor, escrever significa: Desterritorializar-se do próprio sujeito consciente, ou seja, ao escrever, o autor sai de si e assume um outro eu. Então se desterritorializa.

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