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AULA 9 e 10- TEORIA DA LITERATURA III

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AULA 9 - A CRISE DO SUJEITO: O CORPO, O SABER E O PODER
O Sujeito e o Discurso: o Saber e o Poder
	É a partir desta perspectiva que Michel Foucault propõe um novo método de investigação, chamado por ele de arqueologia do saber. E o que busca um arqueólogo do saber? Que solo ele escava? Quais são as sedimentações que interessam a ele? Que camadas do solo, do tempo e da história ele traz à tona? Qual o seu objetivo, afinal?
	Inicialmente, Foucault tem por objetivo pesquisar o passado em busca de dados históricos que reconstituam o pensamento do homem na atualidade. Hoje, ao nos depararmos com o ritmo alucinante de nossa vida moderna, é possível que nos perguntemos, em algum momento, onde foi que nos perdemos de vista de nós mesmos e uns dos outros, movidos pela frenética correria individualizante, consumista e esquizofrênica que não nos levará a lugar algum, a não ser para bem longe de nossa identidade sensível. Ou ainda, por que somos avançados científica e tecnologicamente e jamais conseguimos traduzir tal avanço em uma vida mais equilibrada, mais saudável e igualitária.
	Em meio às máquinas e às subjetividades produzidas, às sensibilidades reprimidas pela lógica industrial, à coisificação do homem e sua sujeição aos prazos, juros, em meio à reprodutibilidade técnica, às senhas, às câmeras, enfim, onde estamos nós? Onde está nossa capacidade de sociabilidade com o outro, de nossa percepção e reflexão através do outro ao longo do tempo e do espaço e de nossa consciência sobre nossa própria vida?
	Então, Foucault recua na história até a transição entre a Idade Clássica e a Moderna, quando o homem abandona a visão teocêntrica e assume a concepção antropocêntrica e humanista, ao deslocar o centro de gravidade que girava em torno de Deus para reorganizar os saberes em torno de si próprio. Mais do que uma consciência, engendrou-se um saber articulado e delegado à ciência e à técnica.
	Entretanto, esta crise que ocasionou mais tarde no desaparecimento e deterioração do sujeito, segundo nos mostra Foucault, talvez tenha tido seu início nesta passagem, nesta transição de econômica e social (de feudal e absolutista para mercantil e burguesa), e de uma nova consciência moderna, humanista, científica e tecnicista que passa do fim da Idade Clássica ao início da Renascença, como ele diz no prefácio de As Palavras e as coisas:
	“Na medida, porém, em que as coisas giram sobre si mesmas, reclamando para seu devir não mais que o princípio de sua inteligibilidade e abandonando o espaço da representação, o homem, por seu turno, entra, e pela primeira vez, no campo do saber ocidental. Estranhamente, o homem - cujo conhecimento passa, a olhos ingênuos, como a mais velha busca desde Sócrates - não é, sem dúvida, nada mais que uma certa brecha na ordem das coisas, uma configuração, em todo o caso, desenhada pela disposição nova que ele assumiu recentemente no saber. Daí nasceram todas as quimeras dos novos humanismos, todas as facilidades de uma "antropologia", entendida como reflexão geral, meio positiva, meio filosófica, sobre o homem. Contudo, é um reconforto e um profundo apaziguamento pensar que o homem não passa de uma invenção recente, uma figura que não tem dois séculos, uma simples dobra de nosso saber, e que desaparecerá desde que este houver encontrado uma forma nova.”
(FOUCAULT, 2002, p. 20-21)
	Talvez Foucault estivesse interessado em revelar quem é, afinal, este sujeito que se esconde por trás de um saber racionalista produzido dentro das instituições, e que, além disso, compreende, discursa, explica e diagnostica o real como universal, do alto da torre deste saber organizadamente empilhado por uma positividade científica. Logo, seu método conhecido por arqueologia do saber propunha levantar os registros e saberes marginalizados, a fim de operar um descentramento do saber epistemológico, científico e positivo.
	Seu método arqueológico considerava a relevância daqueles saberes que foram suprimidos e descredibilizados em nome de uma epistemologia, ou seja, de um saber postulado como verdadeiro e absoluto, por ser racional, científico e inquestionável. Este saber epistemológico sempre fora legitimado histórica e socialmente pelas instituições e suas teses, leis e publicações veiculadas como irrevogáveis, tornado assim um saber centralizador e dominante.
	Importa saber que este método arqueológico de Foucault só é possível de ser articulado se atrelado a outro, denominado por ele como genealogia do poder, termo assumidamente apropriado da obra de Friedrich Nietzsche, A genealogia da moral, onde o filósofo alemão investigou a origem dos preconceitos morais na civilização ocidental.
	Assim, ao apropriar-se do pensamento de Nietzsche como uma ferramenta teórica, a metodologia de Foucault buscou analisar qual a razão que se esconde por trás das relações de poder das instituições que por sua vez são ordenadas pelos discursos que sustentam e veiculam tais saberes instituídos.
	Em síntese, por que se estabelece uma epistemologia, ou seja, o conhecimento científico absoluto e verdadeiro sobre um objeto, ainda que este conhecimento não tenha sido comprovado, e necessite ainda ser verificado e demonstrado como um saber de fato inquestionável?
	“Tal análise, como se vê, não compete à história das idéias ou das ciências: é antes um estudo que se esforça por encontrar a partir de que foram possíveis conhecimentos e teorias; segundo qual espaço de ordem se constituiu o saber; na base de qual a priori histórico e no elemento de qual positividade puderam aparecer idéias, constituir-se ciências, refletir-se experiências em filosofias, formar-se racionalidades, para talvez se desarticularem e logo desvanecerem. Não se tratará, portanto, de conhecimentos descritos no seu progresso em direção a uma objetividade na qual nossa ciência de hoje pudesse enfim se reconhecer; o que se quer trazer à luz é o campo epistemológico, a epistémê onde os conhecimentos, encarados fora de qualquer critério referente a seu valor racional ou a suas formas objetivas, enraízam sua positividade e manifestam assim uma história que não é a de sua perfeição crescente, mas, antes, a de suas condições de possibilidade; neste relato, o que deve aparecer são, no espaço do saber, as configurações que deram lugar às formas diversas do conhecimento empírico. Mais que de uma história no sentido tradicional da palavra, trata-se de uma ‘arqueologia’.” (FOUCAULT, 2002, p. 18-19)
	Desse modo, ao desenterrar os saberes que se encontravam sedimentados, Foucault pretendeu revelar as ações de poder que impediram que alguns saberes fossem veiculados em detrimento de outros. Com isso, ele evidenciou que todo e qualquer saber articula-se a uma forma de poder, tal como toda ação de poder é produzida e engendrada por um saber - uma vez que o poder é uma ‘prática social’ que se transforma ao longo da história e das sociedades, e não ‘um objeto’ estático e reconhecível universalmente. 
	Como exemplo, podemos citar o livro História da loucura, onde Michel Foucault faz uma arqueologia e genealogia sobre os documentos, estudos, cartas, apontamentos, diagnósticos, prontuários e depoimentos amplamente textualizados sobre as diversas formas da loucura, desde o período medieval, renascentista, pela industrialização até chegar à psicanálise.
	Logo, o que Foucault expôs na referida obra (História da Loucura) foi justamente o histórico do tema da loucura, tomada como ‘objeto’ de investigação, mas só que agora contada não somente pela ótica dos médicos e psiquiatras e, sobretudo, de pacientes. Interessava a Foucault abordar o tema da loucura, segundo múltiplas perspectivas, provenientes tanto do conhecimento institucionalizado (epistemológico) pela medicina e psiquiatria, quanto daqueles oriundos de outras fontes, e que foram negligenciados pela comunidade médica e psiquiátrica ao longo do tempo, por se constituírem como saberes não autorizados e ilegítimos. Interessava a ele revelar, por que razões e critérios, tais conhecimentos que prevaleciam sobre outros desdeo diagnóstico ao tratamento dos pacientes e os métodos e a farmacologia utilizados.
	Foucault revelou-nos que estas outras fontes de saber – os tratados filosóficos, a sabedoria alquímica e oculta da natureza, os romances literários, além de outras técnicas e receituários culturais e caseiros - evidenciam uma gama de saberes descentralizadores do conhecimento estabelecido e outorgado pelo discurso científico, ao operarem, inclusive, como um saber mais dinâmico e extradiscursivo. 
	Além disso, Foucault trouxe à tona, através de documentos e diagnósticos de internações, tratamentos, condenações e punições dos indivíduos desde a idade clássica à modernidade, o panorama histórico, moral e social, que textualizam como a loucura era classificada, denominada e tratada pelas instituições, desde a família até a igreja e o hospital.
	Assim, no momento em que passou a ser ‘diagnosticada’, isolada e tratada pelos asilos, hospícios e sanatórios, era como se a loucura ganhasse um corpo e uma forma: a loucura passou a ser individualizada como objeto quando materializada no corpo do indivíduo, sendo, consequentemente, higienizada do espaço social como um corpo estranho, perigoso, doente e contagioso. Em suma, além de alvo do poder, o corpo tornou-se a configuração do sujeito moderno, à medida que a loucura passou a ser ‘produzida’ socialmente.
	Portanto, a metodologia de Foucault evidenciou que os saberes não constituem uma linearidade contínua, evolutiva e progressiva, como estudamos nos livros de história tradicionais, constituídos de episódios encadeados como um romance (e segundo uma lógica seletiva que, ao mesmo tempo em que privilegia alguns fatos e feitos, exclui outros sem que se exponham seus critérios de exclusão).
	Ao contrário, Foucault revelou que os saberes são a-históricos e descentralizados, já que circulam dentro e fora das instituições, e retornam eternamente através de sua descontinuidade. Logo, a maior contribuição de Foucault talvez tenha sido abalar nossas certezas, ao questionar sobre o preço da episteme produzida pelas instituições e seus sistemas de pensamento, sejam eles históricos, científicos, ou até mesmo literários, ao tentar obsessivamente inventar ‘o homem’ segundo uma razão, um discurso ou ficção:
“A loucura fala a linguagem do grande retorno: não o retorno épico das longas odisséias, no percurso indefinido dos mil caminhos do real, mas o retorno lírico por uma fulguração instantânea que, amadurecendo de repente a tempestade da realização, ilumina-a e tranqüiliza-a na origem reencontrada.” 
(FOUCAULT, 2002, p. 511)
	Além do estilo poético de sua escritura, para Foucault, há duas propriedades indissociáveis na literatura. Em primeiro lugar, ele enxerga na escritura literária um ato subversivo, de esgarçamento das fronteiras e de transgressão dos limites, a começar os da própria língua. 
	Em segundo lugar, a linguagem literária é uma espacialidade, um ‘lugar sem lugar’ que a própria escritura proporciona e torna visível em seu ato, como se a linguagem literária fosse um locus, um lugar privilegiado, onde tal dimensão só pudesse ser localizada pelas relações de simultaneidade de outros espaços que flutuam no espaço desta linguagem.	
	
A linguagem e a literatura: uma espacialidade infinita
	Após sua metodologia arqueológica e genealógica, Michel Foucault buscou questionar em suas pesquisas qual seria o papel da instituição na sociedade e que poderes excessivos são delegados e atrelados à família, à igreja, ao hospital, ao tribunal, ao museu, ao quartel, à biblioteca e à universidade?
	Dentro desta abordagem, pergunta-se de que modo Foucault investigou e se apropriou da literatura, tanto como ferramenta de escavação e objeto a ser escavado, ou ainda, como instituição? Em seguida, para além do que este objeto possa revelar, ficou nítido que Foucault analisou-o em suas camadas e perspectivas, desde a artesania do estilo à institucionalização autoral, tal como um poderoso saber individual, social, cultural e universal.
	É importante ressaltar que para os pensadores do chamado momento pós-estruturalista, a literatura tornou-se um campo e uma ferramenta de pensamento e desconstrução imprescindíveis, além de um estilo poético cultivado em suas escrituras.
	Tanto Barthes, quanto Derrida, Deleuze, Blanchot e Foucault, seus principais pensadores, viram a literatura como subversão dos códigos, além de valorizarem a escritura desde o prazer (Barthes) até a desconstrução hermenêutica (Derrida), ou ainda, ao levar a linguagem à exterioridade das formas e códigos (Blanchot, Deleuze, Foucault e novamente Barthes). Maurice Blanchot influenciou tanto Gilles Deleuze quanto Michel Foucault ao tratar da literatura como um ato limite, de exteriorização das formas e espaços instituídos socialmente. Resta-nos agora aproximarmo-nos do interesse de Michel Foucault sobre a literatura.
	Vejamos uma abordagem inicial do autor:
 
“Para saber o que é literatura, não são suas estruturas internas que eu gostaria de estudar. Eu gostaria, antes, de compreender o movimento, o pequeno processo, pelo qual um tipo de discurso não literário, negligenciado, esquecido tão logo pronunciado, entra no campo literário. O que se passa aí? O que se desencadeia? Como este discurso é modificado em seus esforços pelo fato de ser reconhecido como literário?” 
(FOUCAULT, 2002, p. 63)
Além do estilo poético de sua escritura, para Foucault, há duas propriedades indissociáveis na literatura. Em primeiro lugar, ele enxerga na escritura literária um ato subversivo, de esgarçamento das fronteiras e de transgressão dos limites, a começar os da própria língua. 
Em segundo lugar, a linguagem literária é uma espacialidade, um ‘lugar sem lugar’ que a própria escritura proporciona e torna visível em seu ato, como se a linguagem literária fosse um locus, um lugar privilegiado, onde tal dimensão só pudesse ser localizada pelas relações de simultaneidade de outros espaços que flutuam no espaço desta linguagem.
 	Foucault afirma que a literatura exige a escritura de uma linguagem que se coloca no limite dos limites, ou seja, no limiar, na extensão tênue entre a língua e a fala, entre a razão e a inconsciência, voz e silêncio, escritor e leitor, eu e outro, de modo que sua propagação opere além das fronteiras, razões, das leis, da língua, da identidade, já que somente o corpo pode tornar-se o seu receptáculo possível. Logo, a literatura, segundo ele, não é uma representação ou expressão, mas a violência de um frenesi, de um incômodo, de um abalo que tem o poder de fissurar os saberes consolidados do discurso, da moral e da consciência do sujeito, pois o que é o ato de ler ou escrever senão uma transgressão sutil das nossas certezas e garantias?
	Para Foucault, a transgressão do ato literário apresenta-se pela experiência de uma contradição que, ao mesmo tempo em que rompe com certos limites, abre uma espacialidade infinita ao leitor. Em outras palavras, ao ler um texto o leitor já não é mais aquele de antes da experiência literária, ao percorrer-se a si por meio de outro olhar, ao colocar-se no lugar de outro, ao tornar-se outro, ao sentir-se outro, ou seja, ao entrar em devir.
	Segundo Foucault, a violência da literatura está em subverter ou violar os limites não só da linguagem, mas da própria consciência moral e social. Ao mesmo tempo em que a escritura literária afirma o limite do ser, também afirma seu ilimitado, ao lançar o pensamento ao exterior das formas - desde a linguagem até a razão, as leis e a moral que engendram o sujeito e seu corpo - no prazer pela leitura.
	É o corpo, e sua anatomia orgânica é despertada pelo desejo e satisfação ou pelo incômodo e angústia, diante do limite e da exigência de sua superação. Neste momento, toda literatura e sua aura institucionalizada é dessacralizada pelo simples prazer que ela pode provocar no leitor. Seja um clássico ou um livro mundialmente desconhecido, no momento em que a literatura exterioriza-se da linguagem e vai ao corpo, ela toca a vida. 
	Ao exteriorizar-see abrir-se ao infinito das imaginações e sensações, a linguagem literária transgride sua própria espacialidade formal, na medida em que, segundo Foucault, ela torna-se um meio e não um fim, sendo ambiguamente um meio de ultrapassar limites e um espaço que faz girar.
	Foucault via o espaço literário como uma espécie de meio ou método heterotopológico, onde diversos lugares ou espaços pudessem coexistir ou ser analisados dentro de um mesmo espaço reservado socialmente, ao mesmo tempo em que fossem percorridos, extemporânea e aleatoriamente, uma vez que vivemos, segundo ele, em plena época dos espaços simultâneos.Em um texto de 1967, publicado somente em 1984, ele disse, visionariamente, antecipando a era da rede digital dos nossos dias:
	“A época atual seria talvez de preferência a época do espaço. Estamos na época do simultâneo, estamos na época da justaposição, do próximo e do longínquo, do lado a lado, do disperso. Estamos em um momento em que o mundo se experimenta, acredito, menos como uma grande via que se desenvolveria através dos tempos do que como uma grande rede que religa pontos e que entrecruza sua trama.” (FOUCAULT, 2001, p. 411)
	Foucault percebeu que a experiência literária deflagra um jogo de simultaneidades dentro de um espaço heterogêneo e heteróclito, ou seja, diversificado em suas formas e relações, além de permanentemente desviante de qualquer organização que determine sua interpretação. 
	Para evidenciar esta propriedade fronteiriça do espaço literário, ele faz um paralelo entre a utopia e a heterotopia. Para ele, o utópico é esse espaço maravilhoso, desejado e sem lugar real, enquanto que o espaço heterotópico é o lugar real em que se percorre, ainda que fora de qualquer lugar, sem que se permita qualquer determinação ou definição, devido ao seu posicionamento móvel, fluido e descentrado.
	De acordo com Foucault, a heterotopia - por ser este lugar fora do lugar -, assume outros aspectos, como, por exemplo, o de ser sincronizado com a cultura na qual se encontra. Além disso, a heterotopia é a ocupação de um lugar onde outros lugares possam coexistir dinamicamente, estabelecendo tanto uma ruptura com o tempo ordinário, quanto criando um sistema de isolamento e penetração dos lugares, simultaneamente, como um museu, a biblioteca, o circo, as feiras, o cinema, o teatro, e a espacialidade mais sofisticada, tecnologicamente falando, rede digital da internet.
	“Quanto às heterotopias propriamente ditas, como se poderia descrevê-las, que sentido elas têm? Seria possível supor, não digo uma ciência – porque é uma palavra muito depreciada atualmente – mas uma espécie de descrição sistemática que teria por objeto, em uma dada sociedade, o estudo, a análise, a descrição, a “leitura”, como se gosta de dizer hoje em dia, desses espaços diferentes, desses outros lugares, uma espécie de contestação simultaneamente mítica e real do espaço em que vivemos; essa descrição poderia se chamar heterotopologia. Primeiro princípio é que provavelmente não há uma única cultura no mundo que não se constitua de heterotopias. É uma constante de qualquer grupo humano. Mas as heterotopias assumem, evidentemente, formas que são muito variadas, e talvez não se encontrasse uma única forma de heterotopia que fosse absolutamente universal.” 
(FOUCAULT, 2001, p. 415-416).
Portanto, voltamos ao ponto em que a linguagem literária produz esse ‘lugar sem lugar’, privilegiado pela permanente relação de simultaneidade estabelecida como outros espaços que flutuam na espacialidade do texto. Como exemplo, um mesmo texto pode ser desdobrado à simultaneidade de múltiplas leituras e penetrações, sejam elas históricas, culturais, sociais, psicológicas, estéticas, linguístico, antropológicas, míticas, filosóficas, fisiológicas.
Diante do espaço literário do texto, este lugar heterotópico capaz de comportar diversas espacialidades simultaneamente, de proporcionar infinitas e efetivas reordenações, enfim, além de sua condição flutuante, Foucault cita o exemplo do barco, como heterotópico por excelência, como se a experiência literária do texto pudesse ser comparada a uma navegação e travessia das margens.
	Naturalmente que este exemplo nos remete aos primeiros textos literários que são as epopeias homéricas, passando depois por Virgílio e Camões, além de outros como Fernando Pessoa, Herman Melville, Ernest Hemingway, José Saramago e Guimarães Rosa, entre tantos outros textos que experimentam a metáfora do navegar, como esta espacialidade cambiante que flutua e desliza através de outros espaços. 
	“Bordéis e colônias são dois tipos extremos de heterotopia e, se imaginarmos, afinal, que o barco é um pedaço de espaço flutuante, um lugar sem lugar, que vive por si mesmo, que é fechado em si e ao mesmo tempo lançado ao infinito do mar e que, de porto em porto, de escapada em escapada para a terra, de bordel a bordel, chegue até as colônias para procurar o que elas encerram de mais precioso em seus jardins, você compreenderá por que o barco foi para a nossa civilização, do século XVI aos nossos dias, ao mesmo tempo não apenas, certamente, o maior instrumento de desenvolvimento econômico (não é disso que falo hoje), mas a maior reserva de imaginação. O navio é a heterotopia por excelência. Nas civilizações sem barcos os sonhos se esgotam, a espionagem ali substitui a aventura e a polícia, os corsários.” (FOUCAULT, 2001, p. 421-422)
	SLIDES
Michel Foucault (1926 - 1984) é um dos mais instigantes e polêmicos filósofos contemporâneos. Ele aborda uma gama admirável de temas, a partir de um "olhar" crítico sobre si mesmo, desenvolvendo um discurso coerente e consciente de sua flexibilidade e mobilidade.
Os principais aspectos do pensamento desse teórico são: o saber-poder, a verdade e o método. 
Foucault foi considerado um intelectual de caráter pessimista e politicamente passivo, sobretudo quando abandona o estilo da chamada “esquerda intelectual” para inaugurar uma militância política de cunho "minimalista". 
As suas ideias inovadoras se manifestam na renovação do campo de investigação da psicologia, da psiquiatria, da história, do direito, da arquitetura, da filosofia, da sociologia e da educação, entre outras disciplinas. 
Poucos pensadores exerceram maior impacto sobre as ciências humanas do que Michel Foucault. A importância da obra de Foucault para a atualidade torna-se cada vez mais evidente. Seus escritos deslocaram as teorias clássicas sobre o poder, a política e o Estado. Podemos observar, em suas obras, um exaustivo trabalho de arqueologia do saber ocidental, pondo em evidência as estruturas conceituais que determinam as articulações entre o saber e o poder. 
Ele estabeleceu conceitos e abordagens que revelaram novos objetos e desmantelaram antigas questões ao apontar que a história não é o campo pelo qual circulam os mesmos problemas de sempre. Ao se apropriar do projeto de Nietzsche (transvaloração e destruição de valores vigorantes), nos ensina a desconfiar da herança metafísica, incrustada em conceitos supra-históricos, como o homem, a verdade, a natureza, o poder, a razão, o corpo, etc.
Os estudos de Foucault são divididos em duas fases: a arqueologia e a genealogia: a arqueologia do saber e a genealogia do poder. Alguns pesquisadores, como Salma Tannus e Roberto Machado, dividem a obra do filósofo em três períodos. Embora sejam distintos entre si, eles se aproximam e dialogam, pois são “marcas” que demonstram as inquietações do autor em seu percurso intelectual. Esses três momentos estão divididos em: 
Arqueologia do saber; 
Genealogia do poder; 
Genealogia da moral. 
	O seu trabalho intelectual foi influenciado pelo aprendizado feito a partir dos movimentos de maio de 1968, uma vez que abordaram diversas inquietações, peculiares da Europa do Pós-Guerra e marcadas pela estabilidade e o conservadorismo. 
Suas inquietações diferem, na sua raiz, da problemática operária, do subdesenvolvimento ou da miséria, realidades presentes em outros contextos. No entanto, elas impulsionaram Foucault aseguir mais adiante no que se refere ao questionamento do domínio sobre o corpo e a sexualidade. 
Foucault compreende que sua crítica se aplica a toda a sociedade ocidental, independente de seus valores e práticas se encontrarem situados no Leste ou Oeste, nas democracias ou regimes socialistas, nas sociedades estatizantes ou sociedades de mercado. Ele examinou as instituições que se tornaram “uma forma de enquadramento geral da maior parte das sociedades modernas, sejam capitalistas, sejam socialistas” (Calderon, 2003). 
Arqueologia do Saber é muito mais do que a formulação de um método das pesquisas realizadas anteriormente, e não apenas uma proposta para as próximas pesquisas. A obra encerra uma fase, até certo ponto dotada de características próprias. A atenção de Foucault está centralizada no discurso real, pronunciado e existente como materialidade. 
A definição de todo seu método se construirá na definição dos principais objetos: o discurso, o enunciado e o saber. Por correlação, ele inaugura, ao menos em termos de método, uma nova história, que eleva tudo aquilo que as pessoas disseram e dizem ao estatuto de acontecimento. 
O que foi dito instaura uma realidade discursiva, e como o ser humano é um ser discursivo, criado ele mesmo pela linguagem, a Arqueologia será o método utilizado para desvendar como o homem constrói sua própria existência.
O “termo ‘arqueologia’ remete, então, ao tipo de pesquisa que se dedica a extrair os acontecimentos discursivos como se eles estivessem registrados em um arquivo” (Foucault, 2006). 
Foucault define o discurso, em Arqueologia do Saber, como “um conjunto de enunciados, na medida em que se apoiam na mesma formação discursiva”. 
A arqueologia será responsável pela revelação dos discursos e de sua formação histórica em um determinado campo de saber: como, em um determinado campo, determinado discurso se formou; como surgiu e se configurou um discurso legitimado sobre determinado assunto.
Foucault define o discurso, em Arqueologia do Saber, como “um conjunto de enunciados, na medida em que se apoiam na mesma formação discursiva”. 
A arqueologia será responsável pela revelação dos discursos e de sua formação histórica em um determinado campo de saber: como, em um determinado campo, determinado discurso se formou; como surgiu e se configurou um discurso legitimado sobre determinado assunto.
Os discursos têm uma base histórica e institucional que permite ou impede sua realização. Um indivíduo, ao ocupar um lugar institucional, utiliza enunciados de determinado campo discursivo, conforme os interesses momentâneos. Como por exemplo, o enunciado do professor para avaliar a aprendizagem de um aluno. 
Um elemento essencial é o entendimento de que o discurso é uma prática, que constrói seu sentido nas relações e nos enunciados em pleno funcionamento.
A prática discursiva é um “conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma certa época e uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa”. É a relação do discurso com os níveis materiais de determinada realidade.
Enunciado, para Foucault, é uma função de existência, que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis, e as faz aparecer com conteúdos concretos, no espaço e no tempo.
O enunciado só existe quando o mesmo possui possibilidade de haver a repetição, diferente de uma frase proferida (uma enunciação), que não poderá ser repetida. Deste modo, o enunciado depende de uma materialidade, que será sempre de ordem institucional, no sentido de uma estrutura de poder (Roberto Machado, 1982).
Para ele, o que interessa, “no problema do discurso, é o fato de que alguém disse alguma coisa em um dado momento. Não é o sentido que eu busco evidenciar, mas a função que se pode atribuir, uma vez que essa coisa foi dita naquele momento. Isto é o que eu chamo de acontecimento. Para mim, trata-se de considerar o discurso como uma série de acontecimentos, de estabelecer e descrever as relações que esses acontecimentos – que podemos chamar de acontecimentos discursivos – mantêm com outros acontecimentos que pertencem ao sistema econômico, ou ao campo político, ou às instituições.” (Foucault)
Para Foucault, em a genealogia do poder, a noção de poder é diferente do que entendemos cotidianamente por poder. Para ele, não se trata de algo simplesmente repressivo. Na verdade, ele está pulverizado no tecido social e em todas as instâncias, como também nas produções discursivas. Segundo ele, “O poder não opera em um único lugar, mas em lugares múltiplos como a família, a vida sexual, a maneira como se tratam os loucos, a exclusão dos homossexuais, as relações entre os homens e as mulheres...” 
Nesse sentido, o poder será o produtor de individualidade, de mais poder, de segregação, mas também de junção. Ele não vem de cima, mas se irradia, transformando-se em um micro poder, muito mais eficaz que o poder reconhecido como autoritário, porque não é localizável. 
É um poder que constrange os saberes, conservando-os em uma malha discursiva que “seleciona”, dizendo quais saberes devem ganhar ou não legitimidade. Para Foucault, quando se elege um saber, ou um discurso como o saber legítimo, desqualifica-se um outro, que não pode ganhar esse estatuto. 
De acordo com o autor, a produção de saberes está sempre em uma relação dialética com a desqualificação também de saberes: “Enquanto a arqueologia é o método próprio à análise da discursividade local, a genealogia é a tática que, a partir da discursividade local assim descrita, ativa os saberes libertos da sujeição que emergem desta discursividade”.
Foucault almeja, com sua genealogi,a trazer à tona os saberes não legitimados e desqualificados pelo poder; ele quer expor e entender os efeitos de poder que são expressos nesses discursos, que fazem com que a trama discursiva seja permeada pelo binômio poder-saber.
No fim do século XVIII, Bentham, jurista e filósofo, criou um projeto de prisão circular, concebendo pela primeira vez a ideia do panóptico, em que um observador central poderia ver todos os locais onde houvesse presos. Uma arquitetura de prisão na qual as celas formam um anel em torno de uma grande torre, apontando que este mesmo projeto poderia ser utilizado em escolas e no trabalho, como meio de tornar mais eficiente o funcionamento daqueles locais.
No texto do livro Vigiar e punir: o nascimento da prisão, Foucault aborda as novas particularidades da relação entre poder e visibilidade. Ele assinala que as atuais sociedades substituem o poder soberano pelo poder do olhar, pois vigiar tornou-se mais eficaz que punir. Os indivíduos que não respeitassem qualquer lei, no lugar de serem punidos da forma tradicional, com prisão ou multas, seriam vigiados e reeducados para depois serem reinseridos novamente na sociedade. 0
Foucault então ilustra esse conceito, reforçando o pensamento, com o exemplo do panóptico, que seria um modelo de organização das relações de poder nas sociedades modernas.
Ele ultrapassou o exemplo concreto da arquitetura da prisão para todo o sistema moderno de pensamento, influenciando escolas, fábricas, asilos e outras instituições com um conceito de vigilância permanente, sem zonas de obscurantismo. O panóptico se exprime na obsessão pela visibilidade total.
AULA 10 - ESTUDOS CULTURAIS, ESTUDOS LITERÁRIOS
Ao final desta aula, você será capaz de:
1. Verificar o tema da crise do sujeito e da identidade cultural na pós-modernidade, segundo Stuart Hall;
2. abordar os estudos culturalistas na crítica literária de Alfredo Bosi no Brasil.
A Identidade Cultural: da Modernidade à Contemporaneidade
"O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. (...) O próprio processode identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático." Stuart Hall
O que são os estudos culturais?
	Os estudos culturais surgiram a partir do Centro para Estudos Culturais Contemporâneos (Centre for Contemporary Cultural Studies - CCCS) na Universidade de Birmingham, na Inglaterra, com o objetivo de investigar o desenvolvimento dos contextos culturais segundo as formações sociais, e o modo pelo qual nos situamos e somos inseridos em tais contextos, segundo a perspectiva da crítica literária. Os primeiros representantes do Centro para Estudos Culturais Contemporâneos foram Richard Hoggart, Raymond Williams e E. P. Thompson, os quais estudavam inicialmente a cultura popular a partir de sua relação de submissão e resistência à cultura de massa do capitalismo industrial.
	Além de operar como um eixo interdisciplinar, a abordagem literária serviu como instrumento fundamental de investigação histórica e social da matriz cultural, ao expor os significados e definições construídos pelas sociedades ao longo das transformações na história, uma vez que a literatura e a arte são formas sociais de comunicação e espaços privilegiados de pensamento e sensibilidade.
	A proposta dos estudos culturais pode ser considerada tanto política quanto analítica, influenciada pela leitura marxista e pela luta de classes na sociedade capitalista. Os estudos culturais compreendem a cultura como um acirramento entre modos diferentes de vida, constituída como uma rede de práticas e relações segundo o papel e a participação dos indivíduos na vida cotidiana, ou seja, em suas microestruturas sociais, e não como uma dimensão nacional ou globalizada pelos meios massivos.
	O crítico Richard Johnson, ao fazer uma genealogia dos estudos culturais, situa-o através de três premissas essenciais:
“A primeira, é que os processos culturais estão intimamente vinculados com as relações e as formações de classe, com as divisões sexuais, com a estruturação racial das relações sociais e com as opressões de idade. A segunda, é que a cultura envolve poder, contribuindo para produzir assimetrias nas capacidades dos indivíduos e dos grupos sociais para definir e satisfazer suas necessidades. E a terceira, que se deduz das outras duas, é que a cultura não é um campo autônomo nem externamente determinado, mas um local de diferenças e de lutas sociais.” (JOHNSON, 2004, p. 13)
	Em outras palavras, a cultura que um dia foi vista como um objeto localizável e unificado, após a modernidade industrial do final do século XX, tornou-se uma malha inextricável de relações; divisões; formações sociais classistas; sexuais; étnicas; etárias e passou a ser vista como um sistema móvel, informe e em permanente transformação no tempo e no espaço.
	Em seu livro A identidade cultural na pós-modernidade, Stuart Hall abordou a questão da crise do sujeito moderno em meio às transformações da identidade cultural na era pós-industrial, ao analisar o momento em que as identidades modernas foram sendo abaladas, fragmentadas e descentradas, desde o Iluminismo até o final do século XX.
	Este processo de mudança assinalado por Hall revelou que nossa suposta compreensão sobre nós mesmos havia sido deslocada. Consequentemente, este deslocamento em nossas certezas foi provocado tanto pela fragmentação do tempo e do espaço, quanto pelo avanço tecnológico alinhado à lógica da produção e consumo desenfreada e alienante; uma vez que o desenvolvimento tecnológico tinha a finalidade de gerar lucros cada vez mais altos aos produtores, gerando uma pressão sobre o indivíduo para que ele produzisse tal qual uma máquina.
	“Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no fim do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um ‘sentido de si’ estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito.”
(HALL, 2003, p. 9)
	Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. (HALL, 2003, p. 12-13)
	Logo, o indivíduo social viu-se asfixiado e sem espaço, sem voz ou sem qualquer representatividade cultural, certo de que as expressões e dimensões ‘menores’ de suas experiências foram violentamente assimiladas e opressivamente massificadas pelo consumismo e diluição das redes. Assim, foi a partir desta crise assinalada que Stuart Hall analisou a identidade do sujeito moderno a partir de três momentos contextualizados historicamente pelo Iluminismo, pela Revolução Industrial e pela Globalização.
	No primeiro momento havia o sujeito iluminista o qual estava essencialmente marcado pela concepção individualista, centralizada na consciência pessoal e civilizada, herdada da lógica colonialista e etnocêntrica de desqualificação do outro.
	Em seguida, o sujeito sociológico era marcado pela superação da individualidade e pela valorização de uma concepção interativa com o outro, ao partilhar seus valores, símbolos e sentidos com outras pessoas, de modo que o eu só poderia ser reconhecido segundo o diálogo com o outro no espaço social.
	Por último, Hall assinala a identidade do sujeito pós-moderno da cultura de massa à descentralização das culturas nacionais, quando o embate saiu do âmbito individual, social e nacional para o âmbito global dos sistemas de significação contemporâneos. Estes se disseminam a cada dia na sociedade pós-moderna, provocados pela mobilidade e diluição constantes do espaço digital, de modo que somos abalados por uma descontínua produção de possíveis subjetividades e identidades temporárias, com as quais podemos ou não nos identificar.
	Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora ‘narrativa do eu’. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. (Ibidem, p. 13)
	Aquela concepção de uma cultura enraizada e unificada - predominante até o capitalismo industrial - foi fracionada e reconfigurada, não apenas como um produto fabricado segundo interesses macroeconômicos e um alcance massivo, mas como uma narrativa e uma discursividade, de modo que a identidade nacional se tornasse uma comunidade simbolicamente imaginada e construída por discursos e representações.
	Este processo pode ser exemplificado ao constatarmos que, à medida em que as identidades nacionais foram se desintegrando na modernidade, as nações foram, irreversivelmente, misturando-se e partilhando suas culturas de origem de modo.
	Historicamente, este processo vem ocorrendo desde a colonização, mais especificamente durante a expansão marítima, quando as nações passaram a assimilar e serem assimiladas umas pelas outras. Desse modo, elas deixaram de ser compostas por um único povo, de uma mesma etnia, segundo uma identidade enraizada e local, tornando-se fluidas, miscigenadase culturalmente híbridas.
	"Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados; mais as identidades se tornam desvinculadas __ desalojadas __ de tempos, lugares, histórias e tradições específicos que parecem "flutuar livremente". Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha. Foi a difusão do consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu para esse efeito de "supermercado cultural". No interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que até então definiam a identidade, ficam reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global, em termos das quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem ser traduzidas. Este fenômeno é conhecido como ‘homogeneização cultural’."
	Enfim, com a globalização, a dimensão de cultura ultrapassou os limites estáveis, que foram um dia determinados tanto pela consciência individual do sujeito, quanto pelo cultivo de hábitos, costumes e práticas geradas dentro de uma esfera social, além de ultrapassar as fronteiras de uma territorialidade nacional.
	Consequentemente, este fenômeno provocou certa tensão entre a esfera global e a local, entre o aspecto universalista massivo e o aspecto particular das minorias, os quais discutiremos a seguir, ao abordar a perspectiva da crítica literária de Alfredo Bosi sobre a formação da cultura brasileira.
	Estamos acostumados a falar em cultura brasileira, assim, no singular, como se existisse uma unidade prévia que aglutinasse todas as manifestações materiais e espirituais do povo brasileiro. Mas é claro que uma tal unidade ou uniformidade parece não existir em sociedade moderna alguma e, menos ainda, em uma sociedade de classes.
Alfredo Bosi
	No Brasil, Alfredo Bosi pode ser considerado o crítico literário que mais se aproxima da proposta dos estudos culturais, por ser aquele que sempre utiliza o texto para experimentar múltiplas leituras e projeções investigativas sobre a dimensão cultural brasileira. Ao ampliar a espessura estética da linguagem literária à dimensão histórica, antropológica, social e ideológica; Bosi efetivamente dinamiza o texto como um espaço experimental, interdisciplinar e culturalista, ao girar os saberes em torno de autores e obras literárias brasileiras, como se estes servissem de lentes de aumento para o estudo sobre nosso processo de formação cultural.
	Em primeiro lugar, Bosi escreveu um livro que ilustra sua predileção pelo debate culturalista, que foi Dialética da colonização, onde sua abordagem ensaística voltou-se predominantemente para o período colonial até o Romantismo do século XIX no Brasil, ao discutir através de obras e autores de nossa literatura, o processo histórico de formação da cultura brasileira visto sob os olhos da atualidade.
	Neste livro, seus ensaios verificam o modo dinâmico e contraditório pelo qual o Brasil foi regido desde os primeiros momentos da colônia, e de que maneira isto se reflete em nossa identidade cultural hoje, em meio às nossas práticas simbólicas e relações sociais cotidianas, demonstradas; mais uma vez, através do plano literário.	Esta condição essencialmente múltipla e contraditória de nossa cultura evidencia, inclusive, a capacidade de assimilação do outro, tão exaltada por Oswald de Andrade em seu Manifesto Antropófago, no qual o poeta modernista defende que a identidade cultural do brasileiro é marcada pelo signo da antropofagia, ou seja, ‘da devoração cultural do estrangeiro’.
	Já no ensaio de abertura do livro, intitulado Colônia, cultus e cultura, Bosi delineia a condição múltipla de nossa cultura com exemplos que vão desde os padres José de Anchieta e Antônio Vieira, até o poeta Gregório de Matos, Basílio da Gama e o romancista José de Alencar - embora alguns deles ganhem, no mesmo livro, respectivos capítulos com maior aprofundamento de suas vidas e obras, frisando, naturalmente, a importância cultural destes autores.
	Ao percorrer as obras literárias e estabelecer o diálogo interdisciplinar sobre o Brasil, dinamizando os diversos olhares de historiadores, sociólogos, antropólogos, economistas, artistas e educadores, entre outros, através dos textos dos poetas, viajantes, jesuítas, romancistas e folcloristas; Bosi proporciona uma aproximação e uma atualização de uma cultura que não pode ser tomada como unificada ou estática.
	Uma vez que a análise de Bosi parte da matéria literária para deslindar as malhas da cultura, ou das ‘culturas possíveis’ do Brasil, como ele próprio intitula no último ensaio do livro Cultura brasileira e culturas brasileiras; as camadas e retalhos dessa contraditória, híbrida e inextricável malha são trazidas à tona e desmistificadas, seja pelo plano histórico e social de classe, ou pelo étnico e antropológico, ou, ainda, pelo âmbito moral e religioso, ou pelo econômico e ideológico. Neste último ensaio, Bosi afirma que a cultura brasileira é marcada por sua força plural, pela irredutível capacidade de expansão e dinamismo, pela assimilação seletiva do outro, e pelo processo dialético, desde a miscigenação colonizatória à imigratória. Ainda assim, ele deseja saber por quais critérios podemos investigá-la, sob o prisma da contemporaneidade, ou seja, após a cultura de massa e a globalização.
	Bosi tenta atualizar a compreensão da cultura brasileira a partir de novas dialéticas: entre o dentro e o fora, e entre a suposta alta e a baixa cultura. Neste exercício de compreensão, no qual ele deixa pistas da ineficácia desta dialética - dentro/fora/alta/baixa - devido à perspectiva elitista e preconceituosa desta postulação; Bosi então assinala que a cultura universitária, institucionalizada e legitimada dentro dos muros acadêmicos, é muitas vezes tomada como alta cultura, e a cultura que circula fora das Universidades, é vista como uma cultura alternativa e livre da ideologia oficiosa da instituição.
	Bosi tenta atualizar a compreensão da cultura brasileira a partir de novas dialéticas: entre o dentro e o fora, e entre a suposta alta e a baixa cultura. Neste exercício de compreensão, no qual ele deixa pistas da ineficácia desta dialética - dentro/fora/alta/baixa - devido à perspectiva elitista e preconceituosa desta postulação; Bosi então assinala que a cultura universitária, institucionalizada e legitimada dentro dos muros acadêmicos, é muitas vezes tomada como alta cultura, e a cultura que circula fora das Universidades, é vista como uma cultura alternativa e livre da ideologia oficiosa da instituição.
	Em um segundo plano apontado por Bosi, ele cita a cultura de massa, que é a cultura produzida pelo consumismo capitalista e que circula nas redes midiáticas e meios de comunicação; e a cultura popular, artesanal, folclórica, do povo. Diante destes critérios, questiona-se: uma vez que os estudos culturais no Brasil e no mundo evidenciam que não deve haver fronteiras entre o dentro e o fora, entre a alta e a baixa cultura, e que tais determinações apenas suscitariam preconceitos e elitismos que não refletem a potencialidade dinâmica e irreversível da fusão entre as contradições e manifestações culturais; qual seria a solução mais indicada para avaliarmos a identidade cultural na contemporaneidade brasileira e mundial?
	Alfredo Bosi recorre ao grande educador brasileiro Paulo Freire e acena para a fusão entre arte e a educação, ao defender a importância da permanente revisão do processo de democratização das culturas, não somente no Brasil, já que não há cultura que não seja plural.
	“No coração desse dever-ser, dessa política de propostas, aparece o processo cultural na sua imbricação de correntes eruditas, correntes criadoras personalizadas, correntes da indústria e do comércio dos bens simbólicos e correntes de expressão popular.Se o projeto educacional brasileiro fosse realmente democrático, se ele quisesse penetrar, de fato, na riqueza da sociedade civil, ele promoveria a um plano prioritário tudo quanto significasse, na cultura erudita (universitária ou não), um dobrar-se atento à vida e à expressão do povo; e, igualmente, tudo quanto fosse uma reflexão sobre as possibilidades, ou as imposturas, veiculadas pela indústria e pelo comércio cultural. Friso as duas direções: uma, de acolhimento e entendimento profundo das manifestações e aspirações populares; outra, de controle e de crítica, ou, positivamente, de orientação das mensagens veiculadas pelos meios que atingem a massa da população. A principal ação do projeto educador, tal como se revela admiravelmente na teoria e na prática de Paulo Freire, é levar o homem iletrado não à letra em si (letra morta ou letal), mas à consciência de si, do outro, da natureza. Essa consciência é o verdadeiro vestibular das Ciências do Homem, das Ciências da Natureza, das Artes e das Letras. Sem ela, o letrado cairá no mundo do receituário e da manipulação.” (Ibidem, p. 341)
	Ou seja, de que modo nos vemos? Ou, de que modo é ensinado aos nossos alunos sobre a nossa identidade, diante de um mundo sincronizado e em rede? Como nossa identidade cultural múltipla e fragmentada resiste ao violento investimento da lógica consumista que sobrepuja a todos os valores? Para qual cultura está voltada nossa educação?
	Bosi responde à questão citando novamente Paulo Freire, e os artistas como aqueles que mais nitidamente pensaram e exploraram a formação cultural brasileira em sua potencialidade contraditória, humana e plural, em diálogo permanente com o universo global.
	
SLIDES
	Stuart Hall, em seu livro A Identidade cultural na pós-modernidade, aponta que ultimamente a identidade tornou-se um conceito muito debatido pelas teorias sociais e que elas procuram demonstrar, fundamentalmente, que as velhas identidades – responsáveis pela estabilidade do mundo social – estão em declínio e sendo substituídas pelas novas identidades, diferenciadas principalmente pela fragmentação do indivíduo moderno, até ali visto como um sujeito unificado; segundo ele, tem promovido grande mudança estrutural nas sociedades. 
	Ele explora algumas das questões sobre a identidade cultural na modernidade tardia, e avalia se existe uma "crise de identidade", em que consiste essa crise, e em que direção ela está indo. A primeira parte da obra lida com mudanças nos conceitos de identidade e de sujeito. A segunda parte desenvolve esse argumento com relação a identidades culturais — aqueles aspectos de nossas identidades que surgem de nosso "pertencimento" a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais. 
	Hall propõe três concepções de identidade:
sujeito do Iluminismo – tem como base o indivíduo totalmente centrado, unificado e dotado da razão: “O centro essencial do EU era a identidade de uma pessoa.”
sujeito sociológico – reflete a ideia de que o núcleo interior do sujeito não era autônomo e autossuficiente, mas formado na relação com outras pessoas: “A identidade, então, costura o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis. A identidade é formada na "interação" entre o eu e a sociedade.” A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o "interior" e o "exterior"— entre o mundo pessoal e o mundo público. 
A noção do sujeito sociológico refletia a complexidade do mundo moderno, a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e autossuficiente, mas era formado na relação com outras pessoas importantes, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos e a cultura do mundo que ele habitava.
sujeito pós-moderno - a identidade torna-se uma "celebração móvel": formada transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam: “O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente”. Pode ser conceitualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. 
	De acordo com Stuart Hall, esse processo estaria relacionado intimamente ao caráter da mudança na modernidade tardia, principalmente a globalização, fenômeno relacionado à própria essência da sociedade, pois ela não é um todo unificado e bem delimitado, sendo constantemente descentrada ou deslocada por forças que lhe são exteriores. 
	Hall, na sua obra, aponta para as principais mudanças que ocorreram no sujeito e na identidade, uma vez que, antes da Era Moderna, a identidade do indivíduo estava ligada aos apoios estáveis – tradições, estruturas –, o que não ocorre mais na modernidade, surgindo então uma concepção mais social do sujeito. 
	Na modernidade tardia, a visão de identidade sofre transformações substanciais, pois o sujeito irá sofrer um intenso processo de descentramento que começa nas teorias revolucionárias de Freud, Marx, Saussure, Foucault, Lacan e outros. Segundo Hall, não são apenas as identidades individuais que passam pelo processo de transformação; o mesmo ocorre com as identidades culturais/nacionais, igualmente deslocadas pela globalização.
“as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação[...]Segue-se que a nação não é apenas uma entidade política, mas algo que produz sentidos – um sistema de representação cultural. As pessoas não são apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da ideia da nação tal como representada em sua cultura nacional”. (Stuart Hall) 
“as culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos”. (Stuart Hall)
As identidades nacionais são marcadas pelas diferenças, embora possam ser representadas como unificadas, e é exatamente esse predicado da identidade cultural/nacional que a contemporaneidade traz à tona: não podendo ser organizadas nem sob o conceito aparentemente homogêneo de etnia, nem de raça, conclui-se que “as nações modernas são, todas, híbridos culturais”. 
	
Com o fenômeno da globalização e de suas consequências imediatas (aceleração dos processos globais, encurtamento das distâncias, etc.), as identidades culturais/nacionais sofrem um processo de deslocamento e fragmentação. 
	Em 1991, o então presidente Bush, dos Estados Unidos, ansioso por restaurar uma maioria conservadora na Suprema Corte americana, encaminhou a indicação de Clarence Thomas, um juiz negro de visões políticas conservadoras. No julgamento de Bush, os eleitores brancos (que podiam ter preconceitos em relação a um juiz negro) provavelmente apoiaram Thomas, porque ele era conservador em termos da legislação de igualdade de direitos, e os eleitores negros (que apoiam políticas liberais em questões de raça) apoiariam Thomas por ele ser negro. Em síntese, o presidente estava "jogando o jogo das identidades".
	Os Estudos Culturais adotam como seu objeto qualquer elemento que possa ser considerado cultural, sem fazer distinção entre ‘alta’ e ‘baixa’ cultura. Das exposições de museu, passando pela literatura, pelo cinema, programas de televisão e a publicidade, nada é considerado estranho às preocupações das análises e das críticas dos Estudos Culturais. 
	Os Estudos Culturais surgiram inicialmente, na década de 1960, na Inglaterra, no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (CCCS) da Universidade de Birmingham, seu principal centro de desenvolvimento e investigação. Caracterizam-se por inspirarem-se em diversas teorias e por quebrarem certas lógicas cristalizadas e consagradas. 
Propagaram-se nas artes, nas tecnologias, nas humanidades, nas ciências sociais e também nasnaturais.
Valeram-se de teorias e metodologias de vários campos como a psicologia, a linguística, a crítica literária, a ciência política, a teoria da arte, a filosofia, a musicologia, etc.
Em suas pesquisas, empregam a análise textual e do discurso, a etnografia, a psicanálise, e outros caminhos de investigação. 
O projeto inicial era “refletir sobre as implicações da extensão do termo cultura para que este incluísse atividades e significados de pessoas comuns, excluídas da participação na cultura quando é a definição elitista que a governa”. (Barker e Beeger). 
Os Estudos culturais têm também uma intenção de intervenção social e política, pois os seus estudiosos defendem que a cultura e a educação devem ser de livre acesso a todas as pessoas, e contestam as instituições que o não permitem.
Os Estudos Culturais aproveitam-se de vários campos para fazer um conhecimento exigido por um projeto; sua metodologia é feita a partir de escolha da prática de pesquisa. Esta escolha depende de várias questões. Os Estudos Culturais exigem muito trabalho e reflexão e não podem ser feitos de forma aleatória e distinta. 
Stuart Hall, mentor importante dos Estudos Culturais, aponta que as sociedades capitalistas são “lugares de desigualdade” e que “a cultura é agora um dos elementos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis da mudança histórica do novo milênio. Não deve surpreender-nos, então, que as lutas pelo poder deixem de ter uma forma simplesmente física e compulsiva para serem cada vez mais simbólicas e discursivas, e que o poder em si mesmo assuma, progressivamente, a forma de uma política cultural”. (Stuart Hall)
Logo, é na esfera cultural que se dá a luta pela significação, na qual os grupos submissos procuram fazer frente à imposição de significados que amparam os interesses dos grupos mais poderosos. Nesse sentido, os textos culturais são o próprio local onde o significado é negociado e fixado. Pois, para os Estudos Culturais, as sociedades capitalistas são lugares da desigualdade no que se refere à etnia, ao sexo, às gerações e classes, sendo a cultura o lugar central em que são estabelecidas e contestadas tais distinções. 
Os Estudos Culturais, desde seu surgimento, configuram espaços alternativos de atuação para confrontar as tradições elitistas que teimam em apontar que há uma divisão hierárquica entre alta cultura e cultura de massa, entre cultura burguesa e operária, entre cultura erudita e popular. 
O primeiro termo, nessa divisão hierárquica, corresponderia sempre à cultura vista como a máxima expressão do espírito humano; ou seja, “o melhor que se pensou e disse no mundo”. 
O segundo termo corresponderia às – outras - culturas, adjetivadas e singulares, expressão de manifestações supostamente menores e sem relevância no cenário elitista dos séculos XVIII, XIX e XX.

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