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O fungo da discórdia D.G. Posso

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O FUNGO DA DISCÓRDIA
Dario Gonzáles Posso
(Projeto de uso do Fusarium contra as plantações de coca foi arquivado após reação colombiana)
	Aprovado pelo Congresso norte-americano em julho de 2000, o chamado Plano Colômbia inclui o apoio à nova estratégia do Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas (conhecido por suas iniciais em inglês, UNDCP) de utilizar agentes biológicos para combater o cultivo da coca. O Estado colombiano viola direitos humanos e o direito humanitário internacional em zonas de cultivo ditos ilícitos, com a fumigação química que afeta qualquer cultivo, prejudica a segurança dos alimentos e provoca o deslocamento forçado de pessoas.
	Soma-se a isso a ameaça da liberação maciça de fungos, cujas toxinas constituem armas biológicas proibidas pela Convenção Internacional sobre Armas biológicas e Toxicológicas, de 1972. A ameaça, que pode se ampliar para a região andina e toda bacia amazônica, vem sendo contida pelas denúncias feitas na Colômbia e em escala internacional, mas o perigo persiste.
	A primeira discussão teve como objeto um projeto do UNDCP para testar uma forma específica do fungo Fusarium oxysporum. O Fusarium é um gênero com muitas espécies patogênicas (que provocam doenças) para plantas e animais, causadoras de prejuízos na agricultura e deterioração de alimentos, tais como grãos armazenados. É cosmopolita, ou seja, faz parte normal da flora da terra, da água e do ar. Em repouso no solo, pode sobreviver por dez anos ou mais.
	Existe na Colômbia como patógeno em cultivos de tomate, pepino, feijão, ervilhas, bananas, melões e flores (cravos e crisântemos). Pode provocar doenças nos seres humanos, dependendo da freqüência e da intensidade da exposição, da virulência do microrganismo e do estado de saúde das pessoas. Aquelas que estiverem com o sistema imunológico deprimido enfrentam perigo maior de infecção sistêmica, ocorrendo alto risco de morte.
	Estados Unidos, Reino Unido, Israel, França, a antiga URSSS e o Iraque já pesquisaram os tricotecenos, ou toxinas desse fungo, para avaliar a possibilidade de usa-las como arma de guerra, já que são capazes de matar com quatro a cinco miligramas apenas por pessoa.
	Embora ainda não existam informações completas sobre as manipulações genéticas da variedade de Fusarium a ser usada contra a coca, é preciso levar em conta que a introdução de genes para torna-la mais agressiva multiplicaria seu potencial patogênico, sua sobrevivência, sua gama de hospedeiros, o grau de toxicidade de seus metabólitos e sua capacidade de produzir infecções sistêmicas em humanos.
	Surgiu na Colômbia uma enérgica oposição às armas biológicas, composta de acadêmicos, parlamentares, organizações sociais e povos indígenas. Como não existe certeza sobre as conseqüências, a oposição fez o governo pautar-se pelo chamado “princípio da precaução”, assinalado na Convenção de Diversidade Biológica, no Protocolo de Segurança Biológica e na legislação nacional, como dever das autoridades ambientais.
	 Ficou claro que a utilização desse fungo não seria um controle biológico legítimo, e sim a dispersão de pragas e doenças, e que a Constituição colombiana proíbe “a fabricação, importação, posse ou uso de armas químicas, biológicas ou nucleares” e prevê que o Estado deve cooperar com outros paises na proteção dos ecossistemas nas áreas de fronteiras. O Ministério Público recomendou ao governo, em 10 de julho de 2000, “não permitir sua entrada no país, mesmo para ser usado em simples projetos de experimentação”.
	Agentes biológicos nativos
	Em julho de 2000, em meios a protestos, o Ministério do Meio ambiente se viu obrigado a rejeitar o Fusarium oxysporum por não ter certeza quanto ao impacto que pode causar sobre o ambiente e a saúde humana. Mas, para manter compromissos assumidos com os EUA, anunciou um projeto para identificar, a partir da biodiversidade nativa, espécies que possam ser empregadas como controles biológicos para a erradicação de cultivos ilícitos, formulado pelo Ministério do Meio Ambiente, com o Sinchi e o Instituto de Pesquisas de Recursos Biológicos Alexander von Humboldt – projeto esse que também foi cancelado, em janeiro de 2001, em razão de denúncias recebidas.
	Na discussão, recordou-se, com base em princípios éticos, que as pesquisas devem estar a serviço da vida, da justiça social, da solidariedade, da proteção aos direitos humanos e da construção da paz; que tais projetos, ocultos atrás do sofisma de um suposto controle biológico inofensivo, propõem armas biológicas; e que, além da Constituição colombiana, são contra as armas biológicas os tratados internacionais acima citados e a Convenção 1969 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que obriga os governos a discutir qualquer atividade proposta nos territórios indígenas.
	Além disso, o projeto dos agentes biológicos “nativos” tinha outro objetivo: fazer bioprospecção. Esta utiliza o conhecimento coletivo das comunidades locais e dos povos indígenas para encurtar o caminho e reduzir os custos da identificação de recursos genéticos ou de princípios ativos de organismos vivos, para transforma-los em fármacos.
	O problema surge quando esses conhecimentos, que deveriam ser respeitados como inalienáveis, são expropriados mediante patentes, inclusive patentes impostas a organismos vivos ou até mesmo coleções biológicas, ou por meio de retribuições econômicas dúbias, transformando-se de bioprospecção em biopirataria. Dizia o projeto que os direitos de propriedade e patentes “pertencerão exclusivamente ao Ministério do Meio Ambiente e ao Instituto Amazônico de Pesquisas Científicas - Sinchi”. A bioprospecção é explicada como estratégia para ajudar empresários, “mediante uma rede de apoio em bionegócios”.
	Para defesa dos direitos e conhecimentos coletivos das comunidades locais e dos povos indígenas, é necessária uma moratória da bioprospecção, até o momento em que seu patrimônio cultural estiver totalmente protegido pelas leis nacionais ou internacionais.
	Com um decreto de março de 2000, o Peru proibiu o uso de agentes biológicos na erradicação da coca. Com um acordo ministerial de agosto de 2000, o Equador proibiu a entrada e utilização no país do Fusarium oxysporum. Em setembro de 2000, o Comitê Andino de Autoridades Ambientais rejeitou sua utilização nos paises da Comunidade Andina.
	Em agosto de 2000, o presidente Clinton admitiu que usar agentes biológicos para erradicar cultivos ilícitos pode exercer impacto sobre a proliferação de armas biológicas e declarou que os Estados Unidos não vão usar o fungo até que “uma avaliação mais ampla da segurança nacional, incluindo considerações sobre o potencial impacto de armas biológicas e sobre o terrorismo, proporcione uma base sólida para concluir se o uso dessa ferramenta específica para o controle de drogas atende ao interesse nacional”.
	O UNDCP afastou-se dos projetos de controle biológico de cultivos ilícitos na Colômbia e na região andina. Em 2 de novembro de 2000, reiterou que não esta executando, nem planeja faze-lo, um projeto de controle biológico, nem na Colômbia, nem em outra parte dos Andes. O Ministério do Meio Ambiente colombiano viu-se obrigado a renunciar a esses projetos.
	A resolução do Parlamento Europeu de 1º de fevereiro de 2001 sobre o Plano Colômbia e sobre apoio ao processo de paz colombiano diz que a União Européia deve “fazer o necessário para que se deixe para trás a utilização maciça de herbicidas químicos e se impeça a introdução de agentes biológicos, como o Fusarium oxysporum, em vista dos riscos decorrentes de seu uso, tanto para a saúde quanto para o ambiente”.
	Os perigos continuam. Na Ásia e nos EUA existem programas ativos de armas biológicas na “guerra contra as drogas”. O UNDCP, sob a égide dos Estados Unidos e do Reino Unido, continua a apoiar pesquisa no Uzbequistão. Em reportagem da BBC de Londres de outubro de 2000, Rand Beers, subsecretário do Departamento de Estado norte-americano para assuntos internacionaise do narcotráfico, ratificado pela administração Bush, afirmou que, se a Colômbia continuasse a negar-se a permitir os testes de utilização do fungo contra a coca, ele, por sua parte, não estava disposto a dar o assunto por encerrado. O cientista americano David Sands, que possui os direitos sobre o fungo, declarou; “vamos entrar sem autorização”.
	Em julho de 2001 os EUA anularam seis anos de negociações do Protocolo para a Verificação da Convenção sobre as Armas Biológicas, com a intenção de violar o tratado. Disse que o acordo colocaria em risco a confidencialidade de sua indústria farmacêutica e das pesquisas biológicas. Em dezembro de 2001, provocou o fracasso da Quinta Conferência de Exame da Convenção sobre as Armas Biológicas, que duraria até 11 de novembro de 2002, sem aprovar nenhuma resolução. O embaixador norte-americano em Genebra, Donald Mahley, disse à reunião que seu país não aceitará ser limitado no uso de armas biológicas na guerra contra as drogas, porque quer usa-las na Colômbia.
(Transcrito da Folha de São Paulo, Mais!, 30.12.2001, p. 20-21. Dario González Posso é engenheiro agrônomo colombiano, foi consultor da FAO, da ONU e do Instituto Amazônico de Pesquisas Científicas – Sinchi). Tradução de Clara Allain.

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