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1 ÍNDICES DE PREÇOS Definições Conceituais, Cálculo do IPC, Índices de Preços Brasileiros, Deflação, Indexação Redação inicial: Bruno Pereira Rezende e Michael William Dantas Lima Revisão e adendos: F. R. Versiani 1. Introdução Na segunda unidade do curso estudamos a determinação de preços, pela interação da oferta e procura; vimos como o preço de determinado bem pode tender ao aumento ou à redução, sob certas circunstâncias. Por exemplo: se um artigo fica na moda, a demanda por ele aumenta, e seu preço tenderá a subir. Mas sabemos que os movimentos de preços podem também ocorrer de forma generalizada, ao longo do tempo, havendo períodos de alta geral de preços (o que caracteriza uma inflação) e, menos comumente, períodos de queda conjunta de preços (uma deflação). Essas alterações gerais de preços podem afetar profundamente os agentes econômicos: a inflação onera o orçamento dos assalariados, pode levar à falência, pelo aumento de custos, quem tenha se comprometido a produzir algo por um valor fixo, etc. Isso ressalta a importância de medir as variações gerais de preços. Esse é o propósito dos índices de preços. 2. Definições Conceituais 2.1 Índices de Preços Um índice de preços é um indicador da variação média de um conjunto de preços, entre um período tomado como base e o período considerado. Atribui-se ao período-base o índice 100; o valor do índice para o outro período indicará a porcentagem de aumento ou redução média de preços, nesse intervalo de tempo. Por exemplo: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (definido abaixo), tendo como base dezembro de 1993 (INPC=100), foi, em fevereiro de 2009, igual a 3.003,43. Considerando que o INPC do mês anterior fora 2.994,15, conclui-se que o aumento de preços, medido por esse índice, foi de 0,31%, entre janeiro e fevereiro de 2009. Ou seja, o aumento percentual de preços em fevereiro, em relação a janeiro (a taxa de inflação de fevereiro), medida pelo INPC, foi: 2 ÍNDICE DE PREÇOS (FEV.) – ÍNDICE DE PREÇOS (JAN.) TAXA DE INFLAÇÃO (FEV.) = --------------------------------------------------------------- X 100 ÍNDICE DE PREÇOS (JAN.) Não há uma única taxa de inflação, pois há várias maneiras possíveis de construção de um índice de preços, dependendo do uso que se pretenda fazer desse instrumento de medida. 2.2 Os Índices de Preços ao Consumidor A classe de índices mais conhecida é a dos Índices de Preços ao Consumidor (IPCs), também chamados de Índices do Custo de Vida, que expressam a variação de preços dos bens e serviços consumidos por uma unidade familiar típica. O cômputo de um índice de preços baseia-se num sistema de ponderação, que define a importância relativa de cada bem ou serviço no conjunto de preços considerado. No caso do IPC, utiliza-se o peso relativo de cada item no dispêndio do consumidor. Obviamente, a variação no preço de um item que constitui boa parte da despesa mensal de um consumidor (como aluguel, ou gastos de alimentação) terá efeito mais importante, em seu orçamento, do que a de um artigo que pesa pouco em seus gastos (caixas de fósforos, por exemplo). Assim, os IPCs são médias ponderadas da variação de preços que afeta um consumidor típico. Como se define o consumidor “típico”? Isso vai depender do objetivo que preside a elaboração de cada IPC. Por exemplo: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vinculado ao Ministério do Planejamento, produz dois IPCs: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O INPC se destina a medir a variação de preços para famílias, com o chefe assalariado, de renda mais baixa (que são geralmente as famílias mais afetadas pela inflação), procurando cobrir cerca de metade daquelas famílias. Assim, baseia-se atualmente numa amostra de famílias com o rendimento familiar mensal de 1 a 6 salários mínimos (na amostragem definida em 2003). Já o IPCA procura medir o movimento geral de preços no mercado varejista, e assim considera famílias com renda, de qualquer fonte, entre 1 a 40 salários mínimos (excluindo, dessa forma, famílias de rendas muito baixas ou muito altas, cujos hábitos de consumo são em geral menos uniformes). As famílias nessa faixa de renda representam mais de 90% do total de famílias brasileiras. A determinação das ponderações, nos IPCs, é feita por meio de uma Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), aplicada a uma amostra de famílias do nível de renda escolhido. A POF determina o percentual da despesa mensal, nas famílias da amostra, correspondente a cada bem ou serviço; esse percentual define o peso a ser aplicado à variação do preço respectivo, no cálculo do índice. No caso do IBGE, a última POF foi feita em 2002-2003, e sua ponderação implantada em 2006. 3 A coleta de preços, feita periodicamente (nos principais IPCs, semanalmente) é outra etapa fundamental. Essa coleta objetiva determinar o preço médio a que cada bem ou serviço é comercializado, em uma dada localidade. Há vários outros IPCs calculados no Brasil; por exemplo, índices de cobertura regional ou local. Além disso, outras entidades que não o IBGE, como a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (FIPE-USP), produzem também seus índices. Essa multiplicidade de indicadores de preços se relaciona com o longo e intenso processo inflacionário por que passou a economia brasileira, até o Plano Real, em 1994. Nos dez anos anteriores a 1994, raramente o aumento de preços mensal foi menor do que 10%, e muitas vezes excedeu 20%. Nesse regime de alta inflação, há grande interesse por parte da população em saber como variam os preços, pois isso define a evolução do valor real dos rendimentos de cada um (se meu salário não varia e os preços dobram, meu poder de compra se reduz à metade). Esse interesse estimulou o surgimento de diversos IPCs, na busca de indicadores que refletissem, da forma mais acurada possível, a variação de preços (e da renda real) para determinadas parcelas da população. IPCs eram amplamente utilizados, naquele período, como evidência da perda de poder de compra dos salários, o que embasava reivindicações de aumentos nos salários nominais que compensassem tais perdas. 2.3 Outros índices Além de consumidores, outros grupos têm também interesse no acompanhamento de variações de preços (especialmente quando a inflação é muito alta). Assim, o Índice de Preços por Atacado (IPA), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mede a variação média dos preços de matérias-primas (relevante, por exemplo, para grandes empresas). O IPA é também uma média ponderada, mas o sistema de ponderação é diferente do usado nos IPCs. O Índice Nacional de Preços da Construção Civil (INCC), calculado também pela FGV, mede, como o nome indica, a variação dos preços que incidem sobre o custo de construção, ponderados pela incidência relativa no custo total de uma obra típica (há subíndices para diferentes tipos de obras). E existem também índices abrangentes, como o Índice Geral de Preços (IGP) e o Deflator Implícito do PIB, que serão discutidos abaixo. Veremos abaixo um panorama mais detalhado dos índices de preços mais importantes. Antes, porém, vamos examinar mais de perto a forma de cálculo de um IPC. Isso nos ajudaráa compreender melhor a significação desse índice. 4 3. Cálculo do Índice de Preços ao Consumidor O cálculo do IPC pode se dar, em princípio, de diferentes formas, de acordo com a metodologia e a ponderação adotadas. Ponderação. Existem duas maneiras básicas de ponderar os preços dos diversos bens e serviços, no cálculo de um índice de preços: ou se toma, para ponderação, a estrutura de consumo do período-base (o que os estatísticos chamam de “critério de Laspeyres”), ou a estrutura de consumo do ano atual (“critério de Paasche”). A literatura técnica discute as vantagens e desvantagens teóricas desse critérios (e de outros que têm sido propostos); na maioria das vezes, no entanto, considerações de ordem prática (em particular, a complexidade e custo de realização das Pesquisas de Orçamento Familiar), fazem com que se adote uma ponderação com base no passado. Enquanto não se faz uma nova POF — o que pode levar vários anos —, mantêm-se as ponderações derivadas da POF anterior. (No caso do IBGE, por exemplo, as últimas POFs foram feitas em 1987-1988, 1995-1996 e 2002-2003). Em situações concretas, portanto, os cálculos têm características comuns. A compreensão de como é calculado o IPC para uma pequena cesta hipotética de consumo, com dois ou três bens apenas, facilita o entendimento desses cálculos. Vamos supor um índice calculado por ponderação a partir do ano-base, o que será apresentado a seguir. Considere as seguintes informações a respeito do consumo de uma cesta de bens simplificada de um consumidor típico, em 2008 e 2009: 2008 2009 Preço Quant. Preço Quant. Refrigerante 2,00 7 2,50 4 Batata Frita 3,00 6 2,00 9 Sanduíche 4,00 2 4,00 3 Tomando 2008 como o ano-base, vamos utilizar para ponderação as quantidades consumidas nesse ano. Percorremos, então, os passos que se seguem: 5 1) Cálculo da despesa com cada bem da cesta de consumo, em 2008. 2) Cálculo do percentual da despesa total correspondente a cada bem, em 2008 (o que define a ponderação). 3) Cálculo dos índices parciais (variação percentual no preço de cada bem). 4) Cálculo do IPC: média ponderada dos índices parciais. 2008 2009 Preço (R$) Quant. Preço (R$) Quant. Despesa em 2008 (R$) Pesos (participação de cada bem na despesa total em 2008) Índices de preço parciais (2008=100) Cálculo do IPC (média ponderada dos índices parciais) Refrigerante 2,00 7 2,50 4 14,00 0,35 125 43,75 Sanduíche 3,00 6 2,00 9 18,00 0,45 66,7 30,00 Batata Frita 4,00 2 4,00 3 8,00 0,20 100 20,00 Totais 40,00 1,00 93,75 Siga os passos no quadro acima. 1º passo. Primeiramente, calculamos a despesa do consumidor com cada bem. Isso pode ser feito multiplicando-se as colunas “preço” e “quantidade” no ano-base (2008). A despesa com refrigerante, portanto, é igual a 7 x R$2,00 = R$14,00, e assim sucessivamente. Está terminada a primeira etapa do cálculo do IPC. A segunda etapa refere-se ao cálculo do peso de cada bem na cesta. 2º passo. Para calcular o peso do bem na cesta, basta dividirmos a despesa individual do bem pelo somatório de todas as despesas. Somando-se R$14 + R$18 + R$8, temos uma despesa total de R$40. Assim, os pesos de cada bem podem ser calculados dividindo-se a despesa com esse bem por 40. Para o refrigerante, por exemplo, o peso será igual a: 14/40 = 0,35. Devemos fazer o mesmo para os demais bens. 3º passo. Agora, devemos calcular a variação do preço de cada bem da cesta de 2008 para 2009 (ou seja, os índices de preço parciais). Para fazer isso, devemos dividir o preço do bem em 2009 pelo preço do bem em 2008 e multiplicar o valor resultante por 100. Para o refrigerante, teremos: 100 x 2,50/2,00 = 125. Fazendo isso para os demais bens, agora só resta calcularmos a média ponderada desses índices parciais. 6 4º passo. O IPC, ou seja, a média ponderada dos índices parciais, é obtido multiplicando-se cada um desses índices (obtidos no 3º passo) pelo respectivo peso (obtido no 2º passo), e somando esses produtos. Assim, para o refrigerante teremos: 0,35 x 125 = 43,75. Procedendo da mesma maneira para os demais bens, e somando os resultados, chegamos ao número final, mostrado na célula inferior da última coluna, na tabela acima: o valor do IPC em 2009 é igual a 43,75 + 30 + 20 = 93,75. O que isso significa? Nosso IPC passou de 100, em 2008, para 93,75, em 2009. O consumidor típico gastaria, em 2009, uma quantia menor (6,25% menor), para comprar a mesma cesta de consumo que comprava em 2008. De fato, no entanto, nosso consumidor típico em geral não compraria as mesmas quantidades que antes: ele tenderia a reduzir seu consumo do que ficou mais caro, e comprar mais do que ficou mais barato, como indicado na curva de demanda usual (o que é exemplificado na tabela acima). Com os dados da tabela poderíamos também calcular um IPC utilizando a ponderação dada pelas quantidades consumidas no ano presente (2009); os passos a seguir seriam inteiramente análogos. Quem se der ao trabalho de segui-los, verá que o resultado será inferior ao obtido acima: o IPC calculado pelo “critério de Paasche” (ponderação pelo ano corrente) é, em números redondos, 85,1 (em vez de 93,75). Isso é o que geralmente acontece, justamente por causa do efeito da variação de preços sobre a quantidade demandada: os bens que aumentaram de preço (e tiveram redução na quantidade demandada) tenderão a ter ponderação maior, pelo critério do ano-base (quando eram mais demandados). Costuma-se dizer que a ponderação pelo ano-base tende a exagerar aumentos de preços (e a ponderação pelo ano corrente tende a mascará-los). Esse tipo de consideração leva os estatísticos a discutirem os prós e contras da ponderação pelo ano-base ou pelo ano corrente (ou de outras metodologias possíveis), no cômputo de um IPC. Mas isso não precisa nos preocupar aqui. Pois, como se disse acima, nos casos concretos se usa, quase sempre, a ponderação a partir de uma dada POF, pela maior praticidade e menor custo. Ou seja: a generalidade dos IPCs se baseia numa ponderação passada. Para quem gosta de fórmulas, o cálculo pelas duas ponderações pode ser representado como se segue: Ponderação pelo ano-base: IPCb = x 100 Σ (pc x qb) Σ (pb x qb) 7 Ponderação pelo ano corrente: IPCc = x 100 Os resultados do cômputo das fórmulas serão, evidentemente, os mesmos obtidos a partir dos passos indicados acima. Mas atenção: caso se peça que você mostre o peso relativo de cada bem na cesta, você deve fazer o cálculo passo a passo, para determinar essas ponderações. 4. Problemas e limitações dos índices de preços Como a maioria dos métodos e ferramentas utilizados em ciências sociais, o IPC apresenta alguns problemas e limitações. Cabe indicar aqui três dessas limitações. Dois deles envolvem a questão da ponderação utilizada. Como visto acima, os IPCs em geral trabalham, durante certo período, com uma cesta fixa de consumo, determinada por uma Pesquisa de Orçamento Familiar. Disso decorrem problemas: a substituição de itens de consumo, consequente à variação de preços, e a introdução de novos bens na cesta de consumo. Em primeiro lugar, como dito acima, mudanças de preços tendem a provocar uma substituição de itens de consumo por outros: quanto maior o preço de um bem, maior será a procura por bens mais baratos que possam substituí-lo, na cesta de consumo (caso existam esses substitutos próximos). Baseado em cesta de consumo fixa, um IPC pode apontar uma variação de preços que distorce a realidade.Por exemplo: se ocorre um grande aumento no preço do arroz, é possível que os consumidores diminuam o consumo desse artigo e aumentem, por exemplo, suas compras de macarrão. Nesse caso, pode-se dizer que o efeito do aumento do preço do arroz sobre o bem-estar do consumidor será exagerado, quando se usa um índice baseado no consumo de arroz no ano-base. Em segundo lugar, a introdução de novos bens pode também trazer distorções. O IPC baseado numa Pesquisa de Orçamento Familiar de anos atrás não medirá o gasto dos consumidores com bens que foram introduzidos desde então. Enquanto não houver uma nova POF, o IPC ficará defasado, especialmente em períodos que presenciam grandes inovações na composição do consumo da família típica. A comparação entre as duas últimas POFs feitas pelo IBGE (a de 2002-2003 e a de 1995-1996) ilustra isso: verificaram-se alterações significativas na estrutura de consumo, em todas as faixas de renda, com o aumento de importância, por exemplo, de gastos com telefones celulares, computadores, locadoras de vídeo, lan houses, etc. Σ (pc x qc) Σ (pb x qc) 8 Em terceiro lugar, deve-se notar que os IPCs não indicam mudanças de qualidade. Um produto pode, com o passar dos anos, manter o mesmo preço mas ter seu valor de uso substancialmente aumentado, ou gerar um fluxo maior de serviços, como resultado de incrementos de qualidade. Ou o preço pode subir, sem que de fato isso decorra de um processo inflacionário, já que a qualidade também aumentou. Se um artigo é mais caro, mas tem maior durabilidade, envolvendo menores gastos de conserto e reposição, no fim das contas pode resultar mais barato; mas isso não será refletido no IPC, como habitualmente computado. O contrário também é válido: quedas de qualidade não são, igualmente, detectadas. Além dos três problemas supracitados, relacionados ao IPC, o uso de índices de preços pode também envolver outros tipos de problemas, derivados, por exemplo, de características de seu cálculo. Nesse sentido, a metodologia de cálculo do Índice Geral de Preços, da Fundação Getúlio Vargas, muito utilizado em nós (e sobre o qual falaremos a seguir), tem sido criticada recentemente por vários economistas; ver, sobre isso os textos de Roberto Macedo e Paulo Rabello de Castro, disponíveis na página do curso de Introdução de Economia (pasta “Material Complementar”). 5. Índices gerais de preços O Índice Geral de Preços (IGP). A Fundação Getúlio Vargas, instituição fundada em 1944, produz desde aquela época vários índices de preços, destacando-se um IPC (inicialmente restrito ao Rio de Janeiro e agora com cobertura nacional), o Índice de Preços por Atacado (IPA) e o Índice Nacional de Preços da Construção Civil (INCC), já mencionados acima. Com base nesses três índices, a FGV elabora o Índice Geral de Preços, como um indicador-síntese da inflação no País. O IGP é uma média ponderada do IPA (com peso de 60%), IPC (peso de 30%) e INCC (peso de 10%). Estabelecidas em 1950, período em que a produção de estatísticas econômicas era ainda incipiente no Brasil, essas ponderações pretendiam representar, grosso modo, a importância relativa, no PIB, do valor adicionado nas atividades ligadas à produção e comercialização por atacado (IPA), no comércio de varejo e serviços de consumo (IPC), e na construção civil (INCC). É evidente que tais proporções, ainda que fossem aproximadamente corretas naquele período, perderam desde muito uma relação próxima com as Contas Nacionais. A aplicação, ainda hoje, desse critério original de ponderação está muito associada à ampla utilização do IGP, desde os anos iniciais de seu cômputo, como indicador da inflação (especialmente na correção de valores em contratos de obras públicas e de aluguéis, e em transações financeiras). Dado esse uso 9 generalizado, uma mudança no cálculo do IGP poderia afetar, num dado momento, usuários do índice em vários setores da economia. De certa forma, a manutenção de uma mesma metodologia, por mais de meio século — embora sem nenhuma lógica econômica —, é vista pelo mercado como um fator de credibilidade do IGP. Por outro lado a correção monetária pelo IGP pode trazer distorções, em certos casos. A grande ponderação atribuída ao IPA torna o IGP muito sensível a variações na cotação do dólar, pois muitas matérias-primas têm seu preço diretamente relacionado ao preço no mercado internacional. Com isso, o IGP pode se afastar consideravelmente de outros indicadores, como o INPC, em períodos de grande desvalorização (ou valorização) do real. Essa é o foco de críticas que têm sido dirigidas ao IGP, como as mencionadas nos textos citados acima. A FGV computa duas séries de IPAs, que dão origem a dois IGPs: a série “disponibilidade interna” e a série “oferta global”. A primeira (a mais usada) exclui alguns produtos que são basicamente de exportação. O Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M). Os resultados mensais do IGP, assim como da maioria dos índices de preços, são divulgados nos primeiros dez dias do mês subsequente. Assim, a correção monetária de um valor feita no final de um determinado mês (o que é comum em certos contratos, como os de aluguel) teria que usar o índice do mês anterior; no período de alta inflação, antes de 1994, isso causava problemas. A FGV passou então a calcular um novo índice, que em lugar de se basear no levantamento de preços do primeiro ao último dia do mês, parte do cotejo de preços apurados entre o dia 20 de um mês e o mesmo dia do mês seguinte. Dessa forma, o índice relativo a março, por exemplo (na verdade, relativo ao período de 20 de fevereiro a 20 de março), estará disponível já no final de março. Esse novo índice é o IGP-M, amplamente usado, até hoje, no mercado financeiro. O Deflator Implícito do PIB. O cômputo do Produto Interno Bruto, como parte da elaboração das Contas Nacionais pelo IBGE, tem como subproduto um índice geral de preços da economia: o Deflator Implícito do PIB. O PIB é calculado inicialmente a preços correntes; em seguida, procede-se ao cálculo da variação real da produção em relação ao ano anterior (descontada a inflação), setor a setor da economia, com a utilização de índices de preços setoriais, o que converge na determinação do PIB a preços constantes. A relação entre o PIB nominal (a preços correntes) e o PIB real (a preços constantes) define o Deflator Implícito do PIB: Deflator Implícito do PIB = x 100 PIB Nominal PIB Real 10 O Deflator Implícito é, assim, uma média da variação de preços de todos os bens e serviços produzidos no país, ponderada pela participação relativa, no PIB, do valor adicionado por cada um desses setores produtivos. Nesse sentido, pode ser considerado o índice de preços mais abrangente da economia. 6. Os índices de preço brasileiros: visão de conjunto O Brasil se destaca internacionalmente pelo considerável número de índices de preços, particularmente IPCs, calculados no País; como vimos, isso é uma herança de nosso passado inflacionário. Mesmo após o fim da alta inflação, manteve-se essa multiplicidade de indicadores, pois continuou a haver demanda do público por eles. Algumas mudanças intempestivas na metodologia dos índices oficiais de inflação, anos atrás, despertaram em alguns a desconfiança de que houvesse uma manipulação deliberada desses índices, por parte do governo. Mesmo que ninguém ponha em dúvida, hoje em dia, a correção técnica dos índices do IBGE, permanece a preferência de certos usuários por índices elaborados por instituições independentes. As mais importantes dessas são a FGV e a FIPE-USP, já mencionadas, e o Departamento Intersindical deEstatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Instituto Brasileiro de Geografia e Eestatística - IBGE Como vimos, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) são os principais índices elaborados pelo IBGE. Ambos têm os dados coletados em onze regiões metropolitanas: Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, São Paulo, Belém, Fortaleza, Salvador e Curitiba, além de Brasília e do município de Goiânia. Para ilustrar a diferença entre esses dois índices, a tabela a seguir compara as ponderações em que se baseia o cômputo do INPC e do IPCA, no que se refere aos principais itens de despesa (segundo a última Pesquisa de Orçamento Familiar, feita em 2002-2003). Como visto acima, o INPC toma como base a estrutura de consumo de famílias com renda entre 1 e 6 salários mínimos, enquanto o IPCA se baseia no orçamento de famílias com renda entre 1 e 40 salários mínimos. Pode-se notar, por exemplo, que no primeiro caso os gastos de alimentação e habitação absorvem quase metade da renda das famílias (46%), proporção que se reduz a 35,4%, quando se incluem famílias de maior renda. Cabe lembrar que o IPCA é de fundamental importância para a definição da política monetária no Brasil. Todos os anos, o Conselho Monetário Nacional estabelece uma meta de 11 inflação, medida pelo IPCA; e o Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central agirá, então, alterando periodicamente os juros, como forma de possibilitar o alcance de tal meta. Tipo de Gasto Peso (% do Gasto Total) INPC (1 a 6 SM) IPCA (1 a 40 SM) Alimentação 29,8 22,1 Habitação 16,2 13,3 Transportes 16,2 20,8 Saúde e cuidados pessoais 9,2 10,5 Vestuário 7,5 6,2 Artigos de residência 6,6 5,5 Despesas pessoais 6,4 9,2 Educação 3,0 6,6 Comunicação 5,0 5,9 Total 100,0 100,0 Fonte: IBGE. Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor; Estruturas de Ponderação a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003. Rio de Janeiro, 2005. Fundação Getúlio Vargas - FGV Além dos índices citados acima (IPC, IPA, INCC, IGP), que se desdobram em vários subíndices, a Fundação Getúlio Vargas produz ainda numerosos índices de preços setoriais, como os de produtos e insumos agrícolas, de custos referentes a vários setores produtivos, etc. Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP - FIPE O IPC da FIPE mede a variação dos preços ao consumidor na cidade de São Paulo, tomando por base consumidores que ganham de um a vinte salários mínimos. De modo geral, a ponderação é similar à utilizada pelo IBGE. O período de pesquisa das variações de preços vai do primeiro ao último dia útil de cada mês, e a publicação dos dados ocorre normalmente entre os dias dez e vinte do mês seguinte. É o mais tradicional indicador da evolução do custo de vida no Brasil, sendo publicado continuamente desde janeiro de 1939. Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos – DIEESE O Índice de Custo de Vida (ICV) do DIEESE, medido na cidade São Paulo, tem como população-alvo famílias com renda média de até trinta salários mínimos, e tem como principal 12 objetivo prover a diversos sindicatos dados visando informar negociações salariais. É calculado desde 1958. Comparações entre os índices Baseando-se em cestas de consumo e ponderações distintas, os vários índices mostram, naturalmente, resultados diferentes, no curto prazo. Para exemplificar, a medida da inflação em fevereiro de 2009, segundo os seis principais índices, revelou um amplo leque de variação relativa: +0,55% (IPCA); +0,31% (INPC); +0,27% (IPC-FIPE); +0,21% (IPC-FGV); +0,02 (ICV-DIEESE); e –0,13% (IGP: uma redução de preços, ou deflação). Ao longo de um período maior, no entanto, em geral os índices tendem a convergir, especialmente os índices de preços ao consumidor. Para o ano de 2008, por exemplo, os índices acima mostraram os seguintes resultados: +5,9% (IPCA); +6,5% (INPC); +6,2% (IPC-FIPE); +6,1% (IPC-FGV); +6,5% (ICV-DIEESE); e +9,1% (IGP); e a variação do Deflator Implícito do PIB foi de +5,9%.1 Em prazos mais longos, a convergência é mais acentuada, como mostra o gráfico a seguir, que compara a evolução do IGP (disponibilidade interna) e do IPCA, para os anos desde 1980. Ou seja: a inflação tem várias medidas, e não é surpreendente que um indivíduo possa julgar, em certo momento, que um dado índice não representa adequadamente a variação de preços que ele ou ela enfrenta: “como posso acreditar que a inflação foi só X%, se minha conta no supermercado aumentou tanto?”, dirá alguém. Mas é que, a rigor, cada pessoa teria que ter seu próprio índice de preços, para medir precisamente o impacto da inflação sobre sua cesta particular de consumo. Os índices referidos acima são médias para grupos de consumidores (ou 1 Fonte dos percentuais: Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br). 13 para setores da economia), e devem ser vistos como tais, e não como medidas exatas, de aplicabilidade geral. Dados acerca dos índices acima mencionados, e outros índices brasileiros, podem ser facilmente encontrados na internet, nos endereços: http://www.ipeadata.gov.br/ http://www.ibge.gov.br/ http://www.fipe.org.br/ http://fgvdados.fgv.br/ http://www.dieese.org.br/ Índices de preços, deflacionamento, indexação. Deflacionando valores nominais. Uma utilização importante dos índices de preços é na determinação do valor real de uma grandeza econômica, em distinção a seu valor nominal. Suponhamos que se saiba que o salário mensal de João da Silva foi R$ 1.000,00 em 2007, e R$ 1.100,00 em 2008. Essa informação não nos autoriza a dizer que João poderia consumir em 2008 10% a mais do que consumia em 2007 (supondo que consuma sempre toda sua renda), pois não sabemos como variaram os preços do que ele compra. A pergunta que interessa responder é: com seu salário de 2008, João poderia consumir mais ou menos do que em 2007? Qual o poder de compra de seu novo salário, em comparação com o de 2007? Para comparar o poder de compra em dois períodos, temos que manter os preços constantes. Suponhamos que o índice de preços relevante para a faixa de renda de João tenha variado de 100, em 2007, para 104, em 2008. Podemos estabelecer a seguinte proporção (regra de três): onde X representa o poder de compra do salário de João em 2008, ao nível de preços de 2007. 1.100 x 100 X = ——————— ≈ 1.058 104 Ou seja: o salário real de João em 2008, aos preços de 2007, é aproximadamente R$1.058,00 (para um salário nominal de R$1.100,00). O valor de R$1.058 pode ser comparado diretamente com o salário de João em 2007, pois ambos os valores se referem a um mesmo regime de preços. Assim, podemos dizer que o poder de compra de João passou de R$1.000, em 2007, para próximo de R$1.058, em 2008, aumentando cerca de 5,8%. Índice de preços Salário 100 X 104 1.100,00 14 Generalizando: para transformar um valor nominal em real, num dado período, basta dividir o valor nominal pelo índice de preços do período, e multiplicar o resultado por 100. Mais precisamente, temos: VN t2 x 100 VR t2/t1 = ————————— IP t2/t1 onde VR t2/t1 é o valor real no período t2, aos preços do período t1; VN t2 é o valor nominalno período t2; e IP t2/t1 é o índice de preços no período t2 com base no período t1 Indexação. A indexação consiste na correção de valores nominais de uma cifra monetária, buscando compensar os efeitos da inflação. Se um determinado contrato, assinado no valor de R$1.000,00, estiver indexado a um índice de preços, isso significa que, para uma dada variação sofrida pelo índice, o valor nominal do contrato também será alterado. Se o índice indicar um aumento de 15% nos preços, o novo valor nominal do contrato será 15% maior (ou seja, R$1.150,00), mantendo inalterado seu valor real. No período de alta inflação, antes de 1994, era amplamente difundida a indexação de contratos, salários, impostos, tarifas públicas, etc., pois todos procuravam se defender da perda de poder de compra decorrente do constante aumento nos preços. Se era favorável, do ponto de vista individual (reduzindo, por exemplo, a corrosão do valor real dos salários pela inflação), a indexação, assim generalizada, trouxe um efeito macroeconômico muito desfavorável, contribuindo para tornar crônico o processo inflacionário — como veremos mais tarde, em outra unidade do curso. Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos responsáveis pela política econômica no País, em suas tentativas de debelar a inflação, foi justamente a prática quase universal da indexação, na economia brasileira, naquele período.
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