Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
5. CULPA 5. CULPA 0 5. CULPA SUMÁRIO: 5.1 Culpado ou inocente? – 5.2 Anulação do casamento – 5.3 Separação – 5.4 Nome – 5.5 Alimentos – 5.6 Sucessão. Referências legais: CC 1.564, 1.572, 1.573, 1.578, 1.694 § 2.º, 1.702, 1.704 e 1.830. 5.1 Culpado ou inocente? A apenação de um culpado só têm significado quando o agir de alguém coloca em risco a vida ou a integridade física, moral, psíquica ou patrimonial de outra ou de outras pessoas, ou de algum bem jurídico tutelado pelo direito. Fora disso, não se encontram motivos que levem o Estado a perseguir culpados e, muito menos, tentar puni- los. A culpa sempre dispôs de espaço próprio no âmbito do direito penal. No direito comercial e no direito civil, cabe ser perquirida tão só na órbita obrigacional e contratual, em que o agir está ligado a um ato de vontade. A família, cantada e decantada como cellula mater da sociedade, é alvo da especial proteção do Estado. O interesse em preservar o casamento fez o instituto da culpa migrar para o âmbito do direito das famílias. A tentativa sempre foi desestimular a dissolução do matrimônio, intimidando os cônjuges com a inquirição de culpas e identificação de culpados, acabando por aplicar penas, no mais das vezes, de conteúdo econômico. A história do direito das famílias revela a falta de sensibilidade para com as especialidades da matéria familiar. O legislador prefere ignorar que o bem jurídico tutelado é a dignidade das pessoas que compõem a família e acaba fazendo importação de institutos, como a culpa, que encontra em outros ramos do direito civil espaço mais propício à sua assimilação e aplicação.1 Essa postura punitiva sempre contou com um dado de ordem psicológica: a enorme dificuldade de qualquer pessoa de romper vínculo que foi estabelecido para ser eterno. A separação abala a própria identidade da pessoa e é difícil aceitar o fim de uma união sem ceder à tentação de culpar e tentar punir quem tomou a iniciativa de, finalmente, pôr fim à infelicidade. Havia uma convergência de interesses na apenação de infratores, tanto que vários institutos perseguiam culpados e lhes aplicavam sanções. Com o advento da EC 66/10,2 desapareceu do panorama jurídico o instituto da separação e com ele a possibilidade de imposição de sanções pelo descumprimento dos deveres do casamento. Neste sentido enunciado aprovado pelo IBDFAM.3 Assim, a culpa foi abandonada como fundamento para a dissolução coacta do casamento. Mesmo quem dá causa à dissolução da sociedade conjugal não pode ser castigado. O “culpado” não fica sujeito a perder o nome adotado quando do casamento. Nem mesmo no que diz com os alimentos persiste o instituto da culpa, pois não mais cabe ser questionada a responsabilidade pelo fim da união. 5.2 Anulação do casamento Elenca a lei as causas que levam à necessária anulação do casamento, bem como os motivos que ensejam a sua anulabilidade. Ainda que, de forma expressa, estejam identificadas as hipóteses que obrigam ou facultam a anulação do casamento, é permitida a perquirição da motivações outras pela desconstituição do vínculo matrimonial, com a imposição de pena de caráter pecuniário. Diz a lei quem não pode casar (CC 1.521). Aquele que infringe tais proibições pode ver o casamento declarado nulo (CC 1.548). O pedido pode ser promovido a qualquer tempo, por qualquer interessado e até pelo Ministério Público. Quem desatende à recomendação legal de que não deve casar (CC 1.523) se sujeita à anulação do casamento (CC 1.550). O prazo prescricional para a desconstituição do casamento anulável é de 180 dias (CC 1.560 I e § 2.º). As causas que geram tanto a nulidade absoluta, como a nulidade relativa do casamento são declinadas de modo detalhado. Mesmo assim, o legislador não resiste. Busca impor penas a quem eventualmente pode ter tido alguma responsabilidade pela anulação do casamento. O culpado perde as vantagens havidas do cônjuge inocente (CC 1.564 I). Mas somente no regime da comunhão universal há a possibilidade de haver benefício em favor dos cônjuges, em face da comunicabilidade dos bens particulares. Também o culpado é obrigado a cumprir as promessas feitas no pacto antenupcial (CC 1.564 II). Assim, ainda que a anulação do casamento subtraia a eficácia do pacto, permanece sua higidez no que diz respeito às obrigações assumidas no contrato nupcial. 5.3 Separação O legislador sempre tentou impedir a dissolução dos vínculos conjugais, tanto que não previa a possibilidade de um dos cônjuges buscar a separação se não conseguisse provar um dos motivos elencados na lei que pudesse imputar ao outro. Nítida a postura punitiva do Estado e a intenção de manter, a qualquer preço, o laço matrimonial. Quem nada tinha contra o par e não conseguia identificar uma causa culposa atribuível ao cônjuge não podia buscar a separação. Assim, aquele que havia praticado qualquer ato que importava grave violação dos deveres do casamento, de modo a tornar insuportável a vida em comum, não podia pedir a separação. Somente o “inocente” tinha legitimidade para a ação. O responsável pelo fim do casamento ficava refém da vontade do outro. Não concordando o “inocente” com a separação consensual, era necessário aguardar o decurso do prazo de um ano do fim da vida em comum para buscar a separação (CC 1.572 § 1.º) ou de dois anos para obter o divórcio (CC 1.580 § 2.º). Com a EC 66/10 tudo isso mudou, porquanto ocorreu a extinção do instituto da separação. Elenca o Código Civil um rol de “culpas” (CC 1.573), impondo ao cônjuge o ônus de identificar o comportamento do par. Era necessário que o autor revelasse como o casal vivia no interior do lar, o que infringia o cânone constitucional do direito à privacidade e à intimidade não de apenas um, mas de ambos os cônjuges. Ora, o casamento não outorga o direito de invadir essa auréola da individualidade. Portanto, de todo incabível que, para a dissolução do casamento, obrigasse a lei que um dos cônjuges expusesse a vida do outro ao juiz, para que ele avaliasse a conveniência de pôr fim ao vínculo matrimonial. Além da indevida ingerência na vida privada, era despropositado impor a alguém a prova da conduta culposa do seu consorte para conseguir desvencilhar-se do casamento. Parece que a lei não atentou que a Constituição prioriza a dignidade da pessoa humana, consagrando como fundamental o direito à liberdade. Assim, não há como condicionar a dissolução do casamento ao decurso de prazos ou à identificação de causas. Talvez o mais surpreendente era: se o autor não conseguia provar a culpa do réu pelo fim do casamento, a ação corria o risco de ser julgada improcedente e as partes continuarem casadas, mesmo depois de todo o desgaste de um processo judicial em que segredos foram revelados, tendo havido troca de acusações e exposição de mágoas e ressentimentos. O legislador, no entanto, não contemplou a única causa que pode tornar insuportável a vida em comum. Nenhuma das diversas hipóteses elencadas permite a identificação de um culpado. O que traz a lei são meras consequências. A causa é uma só. Comete adultério, tenta matar, agride, abandona, mantém conduta desonrosa quem não ama mais. As atitudes previstas são meros reflexos do fim do amor. O esgotamento do vínculo de afetividade é que leva alguém a violar os deveres do casamento. Como diz Rodrigo da Cunha Pereira, o litígio conjugal é a falência do diálogo. Cada um acredita estar dizendo a verdade e quer que o Estado-juiz diga quem é o certo ou errado, isto é, quem é culpado ou inocente.4 Felizmente – e em boa hora – a Emenda Constitucional 66/10 derrogou quase todo o capítulo do Código Civil que trata da dissolução do casamento e do vínculo conjugal (arts. 1.571 a 1.582). Atendendo aos reclamos da doutrina e à tendência dos tribunais, todas as referências à imputação de culpa para efeitos de obtenção da separação, por não guardarem consonância com a redação atualda norma constitucional, estão derrogadas. Agora admite-se exclusivamente a dissolução do vínculo conjugal por meio do divórcio. Não há mais prazos nem perquirição de culpas para qualquer dos cônjuges, a qualquer tempo, buscar o divórcio. Ao menos agora há uniformidade de tratamento, uma vez que, na união estável, nunca foi exigida identificação de causas ou averiguação de culpas. 5.4 Nome A lei punia quem se afastava do casamento. O culpado pelo seu fim ficava sujeito a perder a própria identidade, pois o uso do nome dependia da benemerência do “inocente” (CC 1.578). Reconhecida a culpa do cônjuge que havia adotado o nome do outro, só havia a possibilidade de continuar a usá-lo se com isso concordasse o “dono” do nome. Fora disso, o “culpado” precisava provar que a mudança do nome acarretava evidente prejuízo para a sua identificação; manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos; ou dano grave assim reconhecido pelo juiz. Com o desaparecimento do instituto da separação, sumiu a perversa punição a que ficava sujeito o culpado de perder um de seus atributos da personalidade: o direito de usar o nome que adotou ao casar. Nome que é seu, pois não lhe foi emprestado pelo cônjuge, que o usava desde o nascimento. Mesmo que persistam na Lei Civil os arts. 1.571 § 2.º e 1.578 são letra morta. Agora quem, ao casar, adotou o sobrenome do outro, quando do divórcio pode livremente escolher sua exclusão ou o retorno ao nome de solteiro. 5.5 Alimentos Impõe a lei a solidariedade familiar de forma recíproca, estabelecendo a obrigação alimentar entre parentes, cônjuges e companheiros, para viver de modo compatível com sua condição social e atender às necessidades de educação (CC 1.694). Além de identificar quem são os obrigados, são estabelecidos limites para a quantificação do valor dos alimentos: necessidade de quem pede e possibilidade de quem paga (CC 1.694 § 1.º). No entanto, se a situação de necessidade resultasse da culpa de quem os pleiteia, diz a lei que os alimentos serão limitados ao indispensável à sobrevivência (CC 1.694 § 2.º). A previsão é nitidamente punitiva. Não explicita a lei quais credores se sujeitam a essa limitação. Pelo jeito, a restrição atingiria até a obrigação decorrente do poder familiar. No entanto, não se pode olvidar que os genitores têm obrigações que a postura dos filhos não afasta. Desse modo, mesmo que o filho tenha dado causa ao pagamento dos alimentos – por exemplo, se afastou do convívio familiar –, o encargo não pode ser limitado. Até parece que o pai não teria sequer a obrigação de lhe assegurar o acesso à educação se ele. Às claras que tais hipóteses se afastam, em muito, dos deveres decorrentes do poder familiar, que tem assento constitucional (CF 229). A partir da EC 66/10, estão derrogados os arts. 1.702 e 1.704 do Código Civil. Tais dispositivos mitigavam um pouco a verdadeira pena de morte que a legislação passada impunha ao culpado pela separação. A culpa excluía o direito a alimentos. Com o fim da separação, a culpa deixa de existir como redutor do encargo alimentar. Não mais persiste a possibilidade de o valor da obrigação alimentar ser apenas o indispensável à subsistência, revelando-se descabido averiguar eventual responsabilidade de quem os pleiteia (CC 1.694 § 2.º). Como a verba alimentar é indispensável à sobrevivência, os parâmetros para sua fixação estão atrelados tão só à necessidade de quem os pleiteia e à possibilidade de quem os paga. De todo descabido impor um fator redutor como base da culpa (CC 1.694 § 2.º, 1.702 e 1.704 e seu parágrafo único). Tais restrições além de atentar à dignidade da pessoa humana (CF 1.º III), também afronta os princípios da privacidade e da intimidade (CF 5.º X), que são violados sempre que se perquire culpa. Ao identificar os obrigados a pagar alimentos, a lei estabelece uma ordem. Primeiro, faz referência aos parentes e depois ao cônjuge (CC 1.694). Porém, tal não significa que a responsabilidade dos parentes é preferencial à obrigação do cônjuge. Isso porque o dever dos parentes tem origem na solidariedade familiar, e a obrigação alimentar entre cônjuges decorre do dever de mútua assistência. Por isso o primeiro obrigado é o cônjuge. Antes, quando persistia a comprovação da culpa, invertia-se a ordem de preferência. A obrigação alimentar era imposta, em primeiro lugar, aos parentes (CC 1.704 parágrafo único). Como não há mais a possibilidade de restringir o valor do encargo alimentar (CC 1.694 § 2.º) não ocorre a inversão da ordem dos obrigados. O cônjuge que pleiteia alimentos pode dirigir a ação contra o ex-cônjuge. Este não pode invocar sua ilegitimidade para a ação alegando que a responsabilidade primeira é dos parentes. Não é possível trazer para dentro da ação de divórcio ou de desconstituição da união estável questionamentos sobre a culpa, mesmo quando for cumulado pedido de alimentos, pois não mais persiste a possibilidade de achatamento dos alimentos à necessidade de subsistência. 5.6 Sucessão Mesmo depois da morte, não abandona o Estado o interesse em identificar culpados. No âmbito do direito sucessório, a culpa, ou melhor, a sua ausência, trazia benefícios (CC 1.830). Ainda que estivesse o casal separado de fato há dois anos, era possível que o cônjuge sobrevivente fizesse jus à herança: bastava que a convivência não tivesse se tornado insuportável por responsabilidade sua.5 No entanto, com o afastamento do instituto da culpa, desaparece também a possibilidade de ser invocada no âmbito sucessório. Aliás, nada justifica persistir o direito à herança após a separação de fato, que rompe a comunicabilidade de bens. Mesmo que tenha ocorrido o divórcio, se não houve a partilha de bens, o sobrevivente faz jus à sua meação, caso assim autorize o regime de bens do casamento. 1. Pedro Thomé de Arruda Neto, A “despenalização” do direito das famílias, 262. 2. EC 66/10 – deu nova redação ao § 6.º do art. 226 da CF: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. 3. Enunciado 1 do IBDFAM: A Emenda Constitucional 66/2010, ao extinguir o instituto da separação judicial, afastou a perquirição da culpa na dissolução do casamento e na quantificação dos alimentos. 4. Rodrigo da Cunha Pereira, Divórcio, 78. 5. Maria Berenice Dias, Manual das sucessões, 60.
Compartilhar