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6. DANO MORAL 6. DANO MORAL 0 6. DANO MORAL SUMÁRIO: 6.1 O preço da dor – 6.2 Deveres do casamento e da união estável – 6.3 Noivado e namoro – 6.4 Dano moral e alimentos – 6.5 Abandono afetivo – 6.6 Perda de uma chance – Leitura complementar. 6.1 O preço da dor A responsabilidade decorrente das relações afetivas deveria ter por base a repetida frase de Saint-Exupéry: és responsável por quem cativas. É só isso que o amor deveria gerar: o direito de ser feliz e o dever de fazer o outro feliz. Mas, como diz a velha canção, o anel que tu me deste era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e… Todas as relações que têm origem em vínculo de afetividade propõem-se eternas, estáveis, duradouras e com uma perspectiva infinita de vida em comum, até que a morte os separe. Os pares carregam a expectativa de um completar o outro na satisfação de suas necessidades de afeto, amor, relacionamento social etc, e a separação representa o rompimento desse projeto.1 É um dos mais sofridos e traumáticos ritos de passagem.2 A dor, comum no fim de todos os relacionamentos, muitas vezes serve de justificativa à pretensão indenizatória, a título de dano moral. Quando da falência da união, prevalecem rancores e mágoas. O final é sempre trágico. Não há ganhadores ou perdedores. Anula-se na consciência tudo de bom que houve entre eles.3 São os chamados danos de amor, assim entendidos a frustração injustificada de uma comunhão de vida, a lesão ao patrimônio imaterial, a quebra da expectativa de compromisso e de exclusividade.4 O princípio da boa- fé objetiva vem se infiltrando no direito das famílias. Ainda que tenha origem negocial, direciona-se à superação de sua última fronteira: a das relações existenciais.5 O dever de lealdade que se consubstancia na proibição de comportamento contraditório lastreia-se no princípio da confiança, que tem por fundamento o afeto.6 A busca de indenização por dano moral transformou-se na panaceia para todos os males. Há uma acentuada tendência de ampliar o instituto da responsabilização civil. O eixo desloca-se do elemento do fato ilícito para, cada vez mais, preocupar-se com a reparação do dano injusto.7 De outro lado, o desdobramento dos direitos de personalidade faz aumentar as hipóteses de ofensa a tais direitos, ampliando as oportunidades para o reconhecimento da existência de danos.8 Visualiza-se abalo moral diante de qualquer fato que possa gerar algum desconforto, aflição, apreensão ou dissabor. Esta tendência acabou se alastrando às relações familiares, na tentativa de migrar a responsabilidade decorrente da manifestação de vontade para o âmbito dos vínculos afetivos. Olvida-se, no entanto, que o direito das famílias é o único campo do direito privado cujo objeto não é a vontade, é o afeto. Como diz João Baptista Villela, o amor está para o direito de família assim como o acordo de vontades está para o direito dos contratos.9 Ou seja, se busca transformar a desilusão pelo fim do amor em obrigação indenizatória. Fatores socioculturais e de ordem religiosa serviam de justificativa para a busca da identificação de um culpado para o fim da relação. A tentativa era manter a função institucional do casamento como meio de preservar a família, tida como a cellula mater da sociedade. Por isso, a legislação consagrou o princípio da culpa como único fundamento para a dissolução coacta do casamento. Não havendo consenso, antes do decurso de um ano da separação de fato, o cônjuge culpado não tinha como pedir a separação. Com o fim do instituto da separação judicial (EC 66/10) desapareceu a identificação da culpa, uma vez que o divórcio não admite perquirir causas. É difícil vencer a controvérsia para encontrar resposta à seguinte indagação: no âmbito do direito das famílias, cabe a responsabilidade civil do cônjuge (ou companheiro) autor do dano? Ruy Rosado responde: é necessário atentar que o fato pode ser ilícito absoluto, ou apenas infração a dever conjugal, familiar ou sucessório; pode estar tipificado na lei, ou não; a lei definidora da conduta pode ser civil ou criminal; o autor pode ser cônjuge ou companheiro que atinge a vítima na posição que lhe decorre do direito das famílias; o dano pode ser patrimonial ou extrapatrimonial; o dano pode ser específico, por atingir direito regulado no Livro da Família ou das Sucessões, ou constituir-se em dano a direito assegurado genericamente às pessoas (CC 186); a consequência da infração pode ser a sanção prevista na norma de direito das famílias ou a reparação aplicada de acordo com as regras próprias do instituto da responsabilidade civil (CC 944), com ou sem aplicação cumulativa.10 Ainda que não haja expressa previsão sobre a possibilidade de indenização em decorrência da vida em comum, a lei também não a proíbe. No entanto, numerosos dispositivos do Código Civil (12, 1.572, 1.573, 1.637, 1.638, 1.752, 1.773, 1.814 e 1.995) apontam condutas a serem observadas pelos cônjuges, parentes, herdeiros, tutores e curadores, cujo descumprimento gera direito de indenização.11 Impositivo é distinguir a natureza do dano. Quando decorre da prática de ato ilícito, sempre gera obrigação indenizatória. Comprovada a prática dolosa ou culposa de ato ilícito (CC 927), o infrator está sujeito a indenizar não só os danos físicos, mas também os psíquicos e os morais.12 A doutrina tem a tendência de apregoar a possibilidade de busca de indenização por danos morais quando do fim dos vínculos afetivos. Mas no dizer de Sérgio Gischkow Pereira, trata-se da monetarização das relações erótico-afetivas, o que termina com a paixão, liquida com o amor, aprisiona a libido, abafa a força do sexo, impondo um puritanismo retrógrado.13 O fato é que o descumprimento das promessas feitas no limiar da união não pode gerar obrigação ressarcitória. Impor tal espécie de obrigação constituiria verdadeiro obstáculo à liberdade de entrar e sair do casamento ou da união estável. A ninguém é lícito impor a permanência em relacionamento sob a alegação de que sua conduta importa violação à moral do consorte.14 Cônjuges e companheiros estariam impedidos de exercer direito constitucionalmente garantido. Dita limitação infringiria, além do direito à liberdade, o próprio princípio de respeito à dignidade da pessoa humana.15 Como diz Vinícius de Moraes, o amor é eterno enquanto dura. Ninguém pode ser responsabilizado quando a chama da paixão apaga. O amor é uma via de mão dupla na qual os dois sujeitos da relação são responsáveis pelos seus atos e suas escolhas.16 O casamento não impõe obrigação ou compromisso de caráter definitivo, cujo “distrato” possa ensejar o reconhecimento da ocorrência de dano moral indenizável. Descabido impor obrigação de caráter indenizatório pelo fim do afeto, até porque o desenlace do casamento é, muitas vezes, o melhor caminho para a felicidade. A dissolução do casamento é a causa mais recorrente na busca de pretensão indenizatória. Porém, com a extinção do instituto da separação, fica afastada a perquirição da culpa quando finda o vínculo matrimonial. Já a anulação do casamento por erro essencial pode dar ensejo à indenização por dano moral.17 Também danos decorrentes de agressões e injúria, por exemplo, são indenizáveis, aliás, como o é qualquer lesão causada quer pelo cônjuge, quer por qualquer pessoa. 6.2 Deveres do casamento e da união estável Vínculos afetivos não são singelos contratos regidos pela vontade. São relacionamentos que têm como causa de sua constituição o afeto. Basta ver o rol de deveres impostos ao casamento (CC 1.566) e à união estável (CC 1.724). Porém, a violação desses deveres não constitui, por si só, ofensa à honra e à dignidade do consorte, a ponto de gerar obrigação por danos morais. Assim, quando o amor acaba, não há como impor responsabilidade indenizatória. Os dissabores decorrentes do desfazimento da relação não são indenizáveis. Inclina-se boaparte da doutrina em sustentar que a violação dos deveres do casamento pode ensejar responsabilidade indenizatória para a reparação dos danos oriundos da ruptura do vínculo conjugal. A tendência é a aplicação de penalidade a quem deu causa à dissolução, bastando ao ofendido demonstrar a infração e os danos decorrentes para que se estabeleça o efeito, que é a responsabilidade do faltoso. Não importa a culpa para impor a obrigação de ressarcir os danos. A simples inobservância dos deveres do casamento configuraria dano alvo de indenização. Essa linha de sustentação, no entanto, não encontra ressonância na jurisprudência. Ninguém pode ser considerado culpado por deixar de amar. Quando acaba o sonho do amor jurado eterno, a tendência sempre é culpar o outro. Mas o desamor, a solidão, a frustração da expectativa de vida a dois não são indenizáveis. Para a configuração do dever de indenizar não é suficiente que o ofendido demonstre seu sofrimento. Somente ocorre a responsabilidade civil se presentes todos os seus elementos essenciais: dano, ilicitude e nexo causal. Não cabe indenizar alguém pelo fim de uma relação conjugal. Pode-se afirmar que a dor e a frustração, se não são queridas, são ao menos previsíveis, lícitas e, portanto, não indenizáveis.18 O dever de fidelidade recíproca e de mantença de vida em comum entre os cônjuges, bem como o dever de lealdade imposto aos companheiros, não significam obrigação de natureza sexual. Não há como obrigar o adimplemento do debitum conjugale, infeliz locução que significa o dever de alguém se sujeitar a contatos sexuais contra a sua vontade. Se o débito fosse um dever, como exigi-lo judicialmente? Poder-se-ia falar em “crédito conjugal”?19 Assim, desarrazoado e desmedido pretender que a ausência de contato físico de natureza sexual seja reconhecida como inadimplemento de dever conjugal a justificar obrigação indenizatória por dano moral. Também a infidelidade não gera o pagamento de indenização. Até porque, seria o valor tarifado por relação sexual ou por amante? A reincidência daria ensejo a valor majorado? A jurisprudência de forma uniforme rejeita a possibilidade indenizatória por dano moral, quer seja a ação movido contra o adúltero, quer contra a amante do cônjuge infiel.20 No entanto, há a possibilidade de ser indenizada a vítima por falsa imputação de adultério.21 Já a falsa atribuição da paternidade ao marido pode ensejar obrigação indenizatória.22 Com o desaparecimento da separação, a tentativa de morte e as sevícias (CC 1.573 II e III) deixam de servir de fundamento para a dissolução do casamento, mas geram direitos indenizatórios a título de dano moral, sem a necessidade de comprovação de sequelas físicas. Os danos psíquicos são inquestionáveis. Nessa seara, no entanto, a obrigação indenizatória decorre da prática de ato ilícito (CC 186) consumado ou tentado, e não da existência do vínculo familiar. A origem da obrigação é o delito penal, e não o descumprimento de deveres conjugais. Quanto à violação dos demais deveres do casamento, como adultério, abandono do lar, condenação criminal e conduta desonrosa, que servia de motivação para a ação de separação (CC 1.573 I e IV a VI), não gera por si só obrigação indenizatória. Porém, inclina-se a doutrina a sustentar que, se tais posturas, ostentadas de maneira pública, comprometeram a reputação, a imagem e a dignidade do par, cabem danos morais. No entanto, é necessária a comprovação dos elementos caracterizadores da culpa – dano, culpa e nexo de causalidade –, ou seja, que os atos praticados tenham sido martirizantes, advindo profundo mal-estar e angústia. Como diz Belmiro Welter, impossível não se sensibilizar pela tese da reparabilidade dos danos morais resultantes da dissolução da sociedade conjugal.23 É difícil vencer a controvérsia sobre a responsabilidade civil por ato praticado no âmbito do direito das famílias, uma vez que a resposta deve levar em linha de conta inúmeros fatores de ordem jurídica e até moral.24 Cabe ao juiz ponderar os valores éticos em conflito, não podendo deixar de perceber que, na especialidade da relação fundada no amor, o desaparecimento da afeição não pode ser, por si, causa de indenização.25 Na relação conjugal, o princípio da liberdade, juntamente com o da igualdade, se sobrepõe ao vínculo da solidariedade familiar, garantindo ausência de reparação por não haver propriamente dano moral indenizável.26 A identificação da competência para as ações de indenização tendo por fundamento relação de família diverge de tribunal para tribunal. A Justiça paulista27 e a paranaense28 direcionam as ações para o juízo cível. No Rio Grande do Sul, que dispõe de especialização no Tribunal de Justiça, é reconhecida a competência dos juizados de família.29 6.3 Noivado e namoro Ao se falar em dano moral e ressarcimento pela dor do fim do sonho desfeito, o término do namoro também poderia originar responsabilidade por dano moral.30 Quando se dissolve o noivado, com alguma frequência é buscada indenização, não só referente aos gastos feitos com os preparativos do casamento que se frustrou, mas também por danos morais pelo projeto de vida que desabou. Ainda que todos concordem que o fim do namoro, mesmo que tenha se prolongado por muitos anos, não é fonte de responsabilidade, o noivo abandonado na porta da igreja acaba batendo às portas da Justiça. O noivado recebia o nome de esponsais:31 contrato escrito no qual os noivos assumiam o compromisso solene de contrair matrimônio, com estipulação de prazos e outras condições. Como se tratava de uma promessa de realizar um negócio jurídico, tal qual uma promessa de contratar – ou seja, promessa de casamento –, ensejava direito de indenização a ser resolvida por perdas e danos em caso de inadimplemento. A lei não mais regulamenta essa hipótese, que não pode mais ser identificada como um contrato. Ainda em muitos casos o noivado precede o casamento, mas isso não se traduz em obrigação de casar, ainda mais se o amor antes sentido se esvaiu, a justificar o rompimento da relação.32 O noivado é mero compromisso moral e social e significa que os nubentes têm a intenção de casar. Esse compromisso, no entanto, pode ser desfeito a qualquer tempo. Não se pode negar que a dor e o sofrimento causados por uma separação não desejada são intensos e profundos, mas, conforme bem adverte Maria Celina Bodin de Morais, não são sentimentos que se comportam no conceito jurídico de dano moral.33 O significado da expressão rompimento imotivado ou injustificado só pode dizer respeito ao fato de que não se tem mais a vontade (juridicamente protegida) de casar.34 Essa é a postura que norteia a jurisprudência e não reconhece a responsabilidade civil pela ruptura unilateral do noivado, deixando de impor pagamento de indenização por dano moral. Com o fim do noivado, cabe, no máximo, buscar os danos materiais, competindo à parte demonstrar as circunstâncias prejudiciais em face das providências porventura tomadas em vista da expectativa do casamento. Não se indenizam lucros cessantes, mas os prejuízos diretamente causados pela quebra do compromisso, a outro título que não o de considerar o casamento como um negócio, uma forma de obter lucro ou vantagem.35 De qualquer modo, há como reconhecer como abuso de direito a atitude de quem põe fim ao relacionamento poucos dias antes da cerimônia. Desvencilhar-se de quem não é o parceiro ideal para acompanhar a empreitada de uma vida é lícito, mas exercitar esse direito poucos dias antes da cerimônia matrimonial configura abuso de direito.36 Por isso, sustenta Euclides de Oliveira a possibilidade de indenização na hipótese de arrependimento injustificado e rompimento danoso do noivado, como no caso em que um dos nubentes desaparece às vésperas do casamento, assume novo relacionamento amoroso ou, ainda pior e mais doloroso, abandona o outro aos pés do altar.37 6.4Dano moral e alimentos Não se pode confundir obrigação alimentar com indenização por danos morais. A obrigação de pagamento de alimentos, que subsiste após o rompimento do casamento e da união estável, não dispõe de natureza indenizatória. Com o fim do instituto da culpa, desapareceu a possibilidade de buscar a identificação do responsável pela situação de necessidade para achatar o quantum da verba alimentar (CC 1.694 § 2.º). O reconhecimento da obrigação alimentar não é condenação por danos morais. Trata-se de encargo que tem como causa a necessidade, a ausência de condições de prover por si à própria subsistência. Ao depois, os alimentos estão sujeitos à revisão e à exoneração, possibilidades que não se coadunam com a responsabilidade civil.38 Estabelece José de Aguiar Dias a diferença entre pensão alimentar e indenização: os alimentos só podem ser exigidos pelo cônjuge que prova necessidade, ao passo que a reparação civil pode ser exigida independentemente da situação econômica do prejudicado. A indenização tem caráter definitivo, não pode ser suprimida, aumentada ou diminuída, enquanto a pensão alimentar é essencialmente variável, por atender às necessidades do alimentando e às condições econômicas do alimentante.39 Ainda que não se confundam, nada impede que a indenização por dano moral seja paga de forma parcelada, em prestações mensais. E, mesmo paga a indenização parceladamente, tal não inibe a busca de alimentos, que podem ser devidos simultaneamente. 6.5 Abandono afetivo A Constituição (227) e o ECA acolhem a doutrina da proteção integral. De modo expresso, crianças e adolescentes devem ser colocados a salvo de toda forma de negligência. Transformaram-se em sujeitos de direito e foram contemplados com enorme número de garantias e prerrogativas. Mas direitos de uns significam obrigações de outros. Por isso a Constituição enumera quem são os responsáveis a dar efetividade a esse leque de garantias: a família, a sociedade e o Estado. Ao regulamentar a norma constitucional, o ECA identifica como direito fundamental de crianças e adolescentes o seu desenvolvimento sadio e harmonioso (ECA 7.º). Igualmente lhes garante o direito a serem criados e educados no seio de sua família (ECA 19). O conceito atual de família é centrado no afeto como elemento agregador, e exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade. A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano acabou por escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação. Não se pode mais ignorar essa realidade, tanto que se passou a falar em paternidade responsável. Assim, a convivência dos filhos com os pais não é um direito, é um dever. Não há direito de visitá-lo, há obrigação de conviver com ele. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida. Por certo, a decisão do STJ reconheceu o cuidado como valor jurídico, identificando o abandono afetivo como ilícito civil, a ensejar o dever de indenizar.40 A falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas sequelas psicológicas e comprometer o seu desenvolvimento saudável. A figura do pai é responsável pela primeira e necessária ruptura da intimidade mãe-filho e pela introdução do filho no mundo transpessoal, dos irmãos, dos parentes e da sociedade. Nesse outro mundo, imperam ordem, disciplina, autoridade e limites.41 A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação. Se lhe faltar essa referência, o filho estará sendo prejudicado, talvez de forma permanente, para o resto de sua vida. Assim, a ausência da figura do pai desestrutura os filhos, tira- lhes o rumo da vida e debita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se pessoas inseguras, infelizes.42 Tal comprovação, facilitada pela interdisciplinaridade, tem levado ao reconhecimento da obrigação indenizatória por dano afetivo. Ainda que a falta de afetividade não seja indenizável, o reconhecimento da existência do dano psicológico deve servir, no mínimo, para gerar o comprometimento do pai com o pleno e sadio desenvolvimento do filho. Não se trata de impor um valor ao amor, mas reconhecer que o afeto é um bem que tem valor. O abandono afetivo pode gerar obrigação indenizatória, conforme enunciado do IBDFAM.43 A reparabilidade do dano encontra respaldo legal (CC 952 parágrafo único), uma vez que atinge o sentimento de estima frente determinado bem. 6.6 Perda de uma chance A teoria da perda de uma chance surgiu do alargamento do conceito de responsabilidade civil, para abranger não só os danos causados à pessoa humana, mas também o desaparecimento da probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro. Trata-se de modalidade autônoma de dano, que permite a reparação em decorrência da subtração da possibilidade séria e real que tinha a vítima de obter, futuramente, um benefício ou evitar ou minimizar determinada situação prejudicial a si, independentemente da certeza absoluta do resultado final.44 Cada vez mais a doutrina e a jurisprudência vêm reconhecendo a possibilidade de invocar a perda de uma chance no âmbito do direito das famílias. Alerta Fernanda Carvalho Leão Barretto sobre o risco de colocar a teoria a serviço da violação do afeto, ou seja, a pretensão de buscar indenização pela mera ruptura das relações afetivas.45 A alegação de perda de uma chance pelo rompimento de um namoro, noivado ou casamento não preenche o requisito essencial de subtrair da oportunidade de obtenção de situação vantajosa. Para isso seria indispensável a presença dos pressupostos comuns da responsabilidade civil (conduta, culpa, dano e nexo de causalidade).46 A oportunidade subtraída da vítima é, em si mesma, um bem jurídico atual e certo, cuja violação faz nascer o direito de reparação. Daí a necessidade de se comprovar a perda da vantagem sofrida, indicando as probabilidades sonegadas pelo ato culposo do ofensor.47 Somente no caso concreto é possível aferir se as chances eram, efetivamente, reais, de acordo com o princípio da razoabilidade. Ainda que ressaltando as dificuldades em se admitir, na prática, tal situação, Rafael Peteffi da Silva discorre sobre a incidência da teoria da perda de uma chance no caso do credor que deixa de receber pensão alimentícia em razão da morte do alimentante, culposamente causada por terceiro.48 Fernanda Otoni de Barros traz mais um exemplo. É o caso da mãe que, deliberadamente, opta por não revelar ao genitor a sua gravidez e acaba casando com outro homem, com quem mantinha relacionamento afetivo. O marido cria o filho como seu, configurando uma paternidade socioafetiva, o que inviabiliza o genitor de, ao saber da verdade, exercer o seu direito de pai. Nesta hipótese, seria possível a incidência da perda de uma chance.49 Também é possível cumular pedido indenizatório, na ação investigatória de paternidade, promovida pelo filho por ter perdido a chance de ter recebido uma melhor educação, por exemplo. Cabe atentar para a diferença entre perda de uma chance e lucros cessantes. Segundo Cristiano Chaves de Farias, os lucros cessantes correspondem ao dano patrimonial consistente na perda certa e incontroversa de um bem jurídico que iria se incorporar ao patrimônio do sujeito lesado, enquanto a perda de uma chance corresponde a uma possibilidade suficiente e mínima de obtenção de um benefício, caso não tivesse sido subtraída a oportunidade.50 E mais: a perda de uma chance pode estar relacionada a um dano não patrimonial, ao passo que os lucros cessantessempre decorrem de um prejuízo patrimonialmente aferível (CC 403). Leitura complementar AGUIAR JR., Ruy Rosado. Responsabilidade civil no direito de família. In: WELTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen (coords.). Direitos fundamentais do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 359-372. BARRETO, Fernanda Carvalho Leão. A responsabilidade civil pela perda de uma chance, sua intersecção com o direito das famílias e o estabelecimento das relações parentais: investigando possibilidades. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, Magister; Belo Horizonte, IBDFAM, ano XIII, n. 29, p. 20-37, ago.-set. 2012. FARIAS, Cristiano Chaves de. A teoria da perda de uma chance aplicada no direito de família: utilizar com moderação. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, Magister; Belo Horizonte, IBDFAM, n. 7, p. 46-63, dez.-jan. 2009. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos morais em família? Conjugalidade, parentalidade e responsabilidade civil. In: PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). A ética da convivência familiar e a sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 171-201. NERY, Nilson Guerra. A infidelidade e o dano moral indenizável. Recife: Bagaço, 2006. OLTRAMARI, Vitor Ugo. O dano moral na ruptura da sociedade conjugal. Rio de Janeiro: Forense, 2005. REIS, Clayton; SIMÕES, Fernanda Martins. As relações familiares sob a ótica da responsabilidade civil brasileira. Revista Juris Plenun, Caxias do Sul, ano VIII, n. 46, p. 21-36, jul. 2012. 1. Melanie Falkas, O luto de uma separação, 366. 2. Rodrigo da Cunha Pereira, Separação e ritos de passagem, 362. 3. Rodrigo da Cunha Pereira, Divórcio, 78. 4. Bruna Barbieri Waquim, Universos paralelos e danos de amor:…, 71. 5. Anderson Schreiber, O princípio da boa-fé objetiva no direito de família, 128. 6. Cristiano Chaves de Farias, A tutela jurídica da confiança…, 266. 7. Ruy Rosado de Aguiar Jr., Responsabilidade civil no direito de família, 360. 8. Idem, 361. 9. João Baptista Villela, Repensando o direito de família, 20. 10. Ruy Rosado de Aguiar Jr., Responsabilidade civil no direito de família, 366. 11. Idem, 367. 12. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável. […] Danos morais. Não configurados. […] 6. Os dissabores e as frustrações decorrentes do rompimento das relações — casamento/união estável —, se não comprovado ato ilícito praticado pela parte demandada, inviabiliza o acolhimento do pleito indenizatório. Apelos desprovidos. (TJRS, AC 70055465819, 7.ª C. Cív., Rel. Des. Sandra Brisolara Medeiros, j. 07/05/2014). 13. Sérgio Gischkow Pereira, Estudos de direito de família, 82. 14. Belmiro Pedro Welter, Estatuto da união estável, 230. 15. Divórcio. Reconvenção. Indenização por danos morais. Procedência. Ausência de ato ilícito caracterizador do dever de indenizar. Sentença reformada. A prematura e imotivada ruptura do vínculo conjugal não constitui conduta ilícita hábil a amparar a pretensão de indenização por danos morais decorrente do divórcio. Recurso provido. (TJPR, AC 46669-34.2012.8.16.0014, Rel. Des. Joeci Machado Camargo, j. 29/01/2014). 16. Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato e união estável, 9. 17. Anulação de casamento. Erro essencial em relação à pessoa do outro cônjuge. Caracterização. Dano moral arbitrado em 100 salários mínimos que é reduzido à metade. […] Recurso provido em parte. (TJSP, AP 0031731-05.2009.8.26.0000, 3.ª C. Dir. Priv., Rel. Des. João Pazine Neto, j. 26/06/2012). 18. Nara Rubia Alves de Resende, Da possibilidade de ressarcimento dos danos…, 30. 19. Ana Carolina Brochado Teixeira, Responsabilidade civil e…, 146. 20. Danos materiais e morais. Alimentos. Irrepetibilidade. Descumprimento do dever de fidelidade. Imputação ao cúmplice da traição. Impossibilidade. Indenização. Juros moratórios. Percentual. […] 3. O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de traição a quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de previsão legal. […] 5. Embargos de declaração acolhidos apenas para esclarecer o percentual dos juros moratórios em virtude da condenação decorrente do provimento do recurso especial. (STJ, ED no REsp 922.462/SP, 3.ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, p. 14/04/2014). 21. Indenização. Difamação. Imputação de adultério. Revelia. Presunção de veracidade. Boa fama e reputação. Direito à honra. Dano moral in re ipsa. Procedência. 1 – É notório que a pública exposição da mulher ao ridículo, a quem se imputa a prática de adultério, figura já banida do nosso ordenamento jurídico, com o evidente propósito de comprometer a sua idoneidade moral perante a vizinhança, colegas de trabalho e familiares, é motivo bastante a causar ofensa moral passível de ser reparada civilmente. 2 – O valor a ser arbitrado a título de indenização por dano imaterial deve levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem como as condições da ofendida, a capacidade econômica do ofensor, além da reprovabilidade da conduta ilícita praticada. Por fim, há que se ter presente que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho desmesurado, importando em enriquecimento ilícito. (TJSE, AC 0002369-50.2011.8.17.1030, 5.ª C. Cív., Rel. Des. José Fernandes, j. 08/08/2012). 22. Recurso especial. Direito civil e processual. Danos materiais e morais. Alimentos. Irrepetibilidade. Descumprimento do dever de fidelidade. Omissão sobre a verdadeira paternidade biológica de filho nascido na constância do casamento. Dor moral configurada. Redução do valor indenizatório. […] 2. O elo de afetividade determinante para a assunção voluntária da paternidade presumidamente legítima pelo nascimento de criança na constância do casamento não invalida a relação construída com o pai socioafetivo ao longo do período de convivência. 3. O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de traição a quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de previsão legal. 4. O cônjuge que deliberadamente omite a verdadeira paternidade biológica do filho gerado na constância do casamento viola o dever de boa-fé, ferindo a dignidade do companheiro (honra subjetiva) induzido a erro acerca de relevantíssimo aspecto da vida que é o exercício da paternidade, verdadeiro projeto de vida. 5. A família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF/88) devendo-se preservar no seu âmago a intimidade, a reputação e a autoestima dos seus membros. 6. Impõe-se a redução do valor fixado a título de danos morais por representar solução coerente com o sistema. 7. Recurso especial do autor desprovido; recurso especial da primeira corré parcialmente provido e do segundo corréu provido para julgar improcedente o pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas processuais e honorários advocatícios. (STJ, REsp 922.462/SP (2007/0030162-4), 3.ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 04/04/2013). 23. Belmiro Pedro Welter, Dano moral na separação judicial, divórcio e união estável, 135. 24. Ruy Rosado de Aguiar Jr., Responsabilidade civil no direito de família, 365. 25. Idem, 371. 26. Maria Celina Bodin de Moares, Danos morais em família?…, 201. 27. TJSP, AC 0208670-88.2010.8.26.0100, 5.ª C. Dir. Priv., Rel. Des. Moreira Viegas, j. 07/11/2012. 28. TJPR, CC 7448848 PR 0744884-8, 12.ª C. Cív., Rel. Des. Costa Barros, j. 06/07/2011. 29. TJRS, AC 70056129950, 10.ª C. Cív., Rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz, j. 05/09/2013. 30. Sérgio Gischkow Pereira, Estudos de direito de família, 82. 31. A lei que o previa é do ano de 1784 e constava da Consolidação das LeisCivis, art. 76 e seguintes. 32. Claudia Stein Vieira, Do casamento, 46. 33. Responsabilidade civil. Ação de indenização. Promessa de casamento. Ruptura do noivado. Dano moral não configurado. Sentença mantida. Com relação aos danos morais, ainda que não se desconheça o abalo sofrido em decorrência da ruptura de um relacionamento, cuida-se de fato a que qualquer ser humano, que estiver aberto a se relacionar, está sujeito. No caso dos autos, mesmo que inegável a mágoa da apelante, não há nada que extrapole a normalidade decorrente da ruptura de noivado. Assim, inexiste o dano moral. […]. Recurso de apelação e recurso adesivo desprovido. (TJRS, AC 70026835371, 6.ª C. Cív., Rel. Artur Arnildo Ludwig, j. 27/01/2011). 34. Maria Celina Bodin de Moraes, Danos morais em família?…, 183. 35. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 162. 36. Clayton Reis e Fernanda Simões, As relações familiares sob a ótica…, 34. 37. Euclides de Oliveira, A escalada do afeto no direito de família:…, 330. 38. Nara Rubia Alves de Resende, Da possibilidade de ressarcimento dos danos…, 12. 39. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 170. 40. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, REsp 1.159.242/SP, 3.ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, p. 10/05/2012). 41. Claudete Carvalho Canezin, Da reparação do dano existencial ao filho decorrente do abandono paterno-filial, 77. 42. Idem, 78. 43. Enunciado 8 do IBDFAM: O abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado. 44. Fernanda Carvalho Leão Barretto, A responsabilidade civil pela perda de uma chance…, 22. 45. Idem, 29. 46. Cristiano Chaves de Farias, A teoria da perda de uma chance aplicada ao direito de família:…, 57. 47. Rafael Peteffi da Silva, Responsabilidade civil pela perda de uma chance:…, 47. 48. Idem, 38. 49. Fernanda Otoni de Barros, Do direito ao pai: a paternidade no tribunal e na vida, 88. 50. Cristiano Chaves de Farias, A teoria da perda de uma chance aplicada no direito de família:…, 50.
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