Buscar

Colhendo Bênçãos – Um Caso de Doença e Cura Espiritual Roberto de Carvalho (Espírito Basílio)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 138 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 138 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 138 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

COLHENDO BÊNÇÃOS 
Um caso de doença e cura espiritual 
ROBERTO DE CARVALHO 
Pelo Espírito Basílio 
De casamento marcado e cheio de planos para o futuro, Juliano 
começa a apresentar sintomas de doença terminal e fica preso a uma 
cadeira de rodas, mas exames clínicos em moderno hospital nada 
acusam. 
Quando tudo parece perdido, Flora, sua dedicada noiva, é orientada 
durante o sono a procurar ajuda espiritual. Em um Centro Espírita o 
rapaz é submetido a caridoso tratamento que desvendará a 
perseguição imposta por vingadores invisíveis. 
Diante desta nova realidade, o casal muda radicalmente a maneira 
de encarar o mundo e suas vidas passam por profundas 
transformações. 
 
 
Roberto de Carvalho 
LITERATURA E MEDIUNIDADE 
Oriundo de família católica, filho do operário Emmanoel José de 
Carvalho e da costureira Maria Carolina, Roberto de Carvalho é o 
sexto filho de uma prole de sete irmãos. Nasceu no dia 2 de março 
 
de 1964, em Liberdade, pequena cidade localizada na Zona da Mata 
mineira. 
Sua inspiração literária manifestou-se muito cedo e, ainda na 
infância, Roberto fazia versos, compunha letras de música e, 
mentalmente, criava histórias durante as solitárias caminhadas para 
a escola, que ficava a cerca de 4 quilômetros do sítio onde morava. 
Aos 13 anos, mudou-se com a família para Angra dos Reis, tendo ali 
vivido durante 27 anos. 
Na juventude, incentivado por uma professora de Língua 
Portuguesa, começou a participar de concursos literários. Após ter 
conquistado várias premiações, foi indicado para ocupar uma 
Cadeira no Ateneu Angrense de Letras e Artes. Nesse período, 
publicou seus primeiros livros e se tornou membro da Academia 
Guanabarina de Letras, do Rio de Janeiro. 
Em 2004, ano em que completou 40 anos, Roberto foi acometido de 
um imenso vazio existencial. Havia abandonado o catolicismo na ju-
ventude e se afastou completamente das religiões. Sua irmã, Nelsan, 
que morava em São Paulo e havia se tornado espírita há alguns 
anos, convidou-o para conhecer a Doutrina. 
Roberto aceitou por curiosidade, mas, ao entrar pela primeira vez 
num Centro Espírita e ouvir uma belíssima palestra, percebeu que 
estava no lugar certo. Naquele exato momento, abraçou o espiritis-
mo. Empenhado em aprender o máximo possível, mudou-se para 
São Paulo e se debruçou sobre as obras da codificação, direcionando 
os seus escritos aos fundamentos do espiritismo cristão, inserindo 
neles o funcionamento das leis universais e os preceitos de caridade, 
amor a Deus e ao próximo, perdão das ofensas, e a origem espiritual 
dos homens. 
A produção desta nova fase literária de sua vida foi bem aceita pela 
Editora Aliança que, em 2006, publicou com grande sucesso o seu 
primeiro romance: A Cabana das Flores. Atualmente, o autor 
ultrapassa o número de 200 mil livros vendidos, mesclando obras 
próprias e mediúnicas, numa lavra diversificada que inclui poesias, 
 
romances, infanto-juvenil, artigos, contos, redação jornalística e 
biografias. Tornou-se um divulgador do espiritismo, também por 
meio de palestras que desenvolve sobre os temas constantes em 
suas obras. Em 2010, tomou posse na Academia de Letras da 
Grande São Paulo, ocupando a Cadeira 29, cujo patrono é 
Humberto de Campos. 
Iniciou seus trabalhos espirituais em 2005, na Sociedade Espírita de 
Assistência Rodrigues de Abreu, na Vila Carrão. Mais tarde, atuou 
na Casa do Caminho Fraterno, no bairro da Penha e, desde 2008, 
trabalha no Grupo Espírita Pescadores de Amor, em Itaquera, nas 
reuniões de assistência espiritual, além de integrar a equipe de 
palestrantes da Casa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Basílio 
UM AMIGO MUITO ESPECIAL 
Afirmando que nenhuma manifestação artística positiva ocorre sem 
um importante auxílio espiritual, Roberto percebe que vem da 
espiritualidade a magnífica fonte de inspiração que o envolve, 
sempre que se propõe a inserir em seus escritos os preceitos do 
Evangelho de Jesus. 
Não tendo esse companheiro espiritual se identificado e, 
considerando a máxima de que a mensagem é muito mais 
importante que o mensageiro, foi-lhe sugerido adotar para essa 
fonte inspiradora o codinome Basílio. 
Segundo Roberto, certamente trata-se de um amigo muito querido 
que, apesar das suas tantas imperfeições, ajuda-o a realizar esse 
gratificante trabalho. A certeza desta afirmativa deve-se, entre ou-
tros, ao esclarecimento feito em O Livro dos Médiuns, Segunda Parte, 
Capítulo XXTV, Identidade dos Espíritos, item, 28: 
"...O médium experimenta as sensações do estado em que se encontra o 
Espirito manifestante. Quando o Espirito é feliz seu estado é tranquilo, 
calmo; quando é infeliz é agitado, febril, e essa agitação se transmite natu-
ralmente ao sistema nervoso do médium..." 
Para Roberto, a inspiração para dissertar sobre os temas 
doutrinários chega sempre com serenidade e alegria. Por isso, a 
certeza de que, independentemente de qual seja seu verdadeiro 
nome, o companheiro Basílio, que o assiste e orienta, é um Espírito 
feliz. 
 
 
 
 
 
 
 
AS BÊNÇÃOS DO PERDÃO 
Escravo de uma angústia represada 
há muito tempo, em minha alma ferida, 
vaguei no mundo em triste caminhada, 
sem compreender a lógica da vida. 
 
Fiz do rancor meu norte, minha estrada, 
numa ilusória e vã contrapartida. 
Tornei minha existência um grande nada 
e nada herdei de mim na despedida. 
 
Agora espero a chance de voltar 
e conviver com os mesmos que feri, 
sempre a julgar-me cheio de razão. 
 
Sei, hoje, que é preciso superar 
o orgulho desastroso em que vivi, 
sem partilhar as bênçãos do perdão! 
 
Soneto recebido por inspiração 
 mediúnica, em 01107/2012 
 
 
 
 
Roberto de Carvalho 
pelo Espírito Basílio 
 
Colhendo Bênçãos 
Um caso de doença e cura espiritual 
 
 
Aliança 
 
 
 
 
Sumário 
 
Introdução 
Primeira Parte 
1 Confronto........................................ 
2 Tristezas .......................................... 
3 Cárcere ............................................. 
4 Afinidades ....................................... 
5 O amor ............................................. 
6 Ciúmes ............................................. 
7 Recompensa..................................... 
8 Prosperidade ................................... 
Segunda Parte 
 
9 Sombras ........................................... 
10 O justiceiro....................................... 
11 Acolhida .......................................... 
12 A aldeia............................................ 
13 Em família ....................................... 
14 Antigo crime.................................... 
15 Vingança ......................................... 
16 Olho por olho................................... 
17 O julgamento ................................... 
 
Terceira Parte 
18 O hipnotizador ................................ 
19 A doença .......................................... 
20 Amor fraterno .................................. 
21 Intrigante história ............................ 
22 Renúncia............................................ 
23 O tratamento ................................... 
24 Sessão mediúnica ............................ 
25 Revelação ......................................... 
26 Ilusionismo ...................................... 
 
Quarta Parte 
27 O convite.......................................... 
28 Delicada gravidez ............................ 
29 Atitude de amor............................... 
30 A escolha........................................... 
31 Epílogo ............................................ 
 
 
 
 
Por que meios podemos neutralizar a influência 
dos maus Espíritos? 
Praticando o bem e pondo toda a vossa confiança em Deus, 
repelireis ainfluência dos Espíritos inferiores e destruireis o império 
que queiram ter sobre vós. Evitai escutar as sugestões dos Espíritos 
que vos suscitam maus pensamentos, que sopram discórdia entre 
vós e excitam todas as paixões más. Desconfiai sobretudo dos que 
exaltam o vosso orgulho, porque eles vos atacam na vossa fraqueza. 
Essa é a razão porque Jesus vos ensinou a dizer, na oração 
dominical: "Senhor! Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos 
do mal". 
0 Livro dos Espíritos — Pergunta 469 
 
 
 
 
Introdução 
 
Sendo a morte do homem um efeito meramente físico, ao qual o 
Espírito sempre sobrevive, é natural que exista o intercâmbio entre 
as pessoas que habitam os dois planos. 
Em razão das imperfeições morais, os homens, ao longo de suas 
existências, angariam antipatias e inimizades que não se dissolvem 
com a desencarnação do adversário. Assim, o inimigo pode dar 
sequência à perseguição, mesmo depois de haver deixado a Terra, 
manifestando sua maldade pelas obsessões e subjugações que a 
tantos afetam. 
Um Espírito endurecido pelo ódio, enquanto não tiver a consciência 
despertada para o bem, usará inúmeros recursos para atingir o seu 
objetivo de vingança. Dentre eles, a influenciação mental para a 
 
consecução de crimes, para a indução ao suicídio ou para a inserção 
psíquica de doenças, cujos sintomas podem se manifestar no corpo 
físico. 
Para influenciar um encarnado, o Espírito vingativo se aproveita de 
circunstâncias favoráveis ou até mesmo as provoca, a fim de impelir 
a vítima para o objeto de um desejo passional. Ou seja, utiliza as 
más inclinações morais do próprio encarnado para induzi-lo ao 
caminho da perdição. 
Os processos obsessivos são permitidos por Deus como 
instrumentos destinados a pôr em prova a fé e a constância dos 
homens no bem. Quando as más influências alcançam uma pessoa, 
é porque foram atraídas por ela mesma. Ou seja, Deus deixa à 
consciência de cada um a escolha do caminho que deve trilhar. 
Para neutralizar a influência dos maus Espíritos, é necessário, além 
da prece e da vigilância, certas mudanças de conduta, como o amor 
ao próximo, a compaixão e a prática da caridade, como ensinou 
Jesus. E por meio de bons pensamentos e atitudes positivas que o 
homem destrói em si mesmo a causa que atrai e permite a ação do 
Espírito obsessor. 
 
 
 
 
 
PRIMEIRA PARTE 
 
 
 
 
1 
Confronto 
"Enquanto uma gota de sangue correr na Terra pelas mãos dos 
homens, o verdadeiro Reino de Deus ainda não terá chegado, esse 
reino de pacificação e de amor, que deve banir para sempre do vosso 
globo a animosidade, a discórdia e a guerra" 
 
E.s.E1 — Cap. III; item 12 
 
Os fatos aconteceram muito rapidamente, sem que Juliano tivesse 
tempo para raciocinar e evita los. Lembrava-se apenas do momento 
em que, tendo sofrido uma espécie de vertigem, produzida por um 
primitivo instinto de sobrevivência, cometeu o desatino. 
Um pouco antes, havia se despedido de Flora naquela noite de 
sábado, após três horas de prazeroso namoro, na varanda da casa 
da moça. Eram bem jovens; ele tinha 24 anos e Flora havia acabado 
de completar 21. Haviam trocado alianças de noivado e definido a 
data do casamento, para dali a um ano. 
Dona Francisca, futura sogra de Juliano, havia servido suco de 
pitanga e broa de milho verde para comemorarem a novidade. Ela 
adorava o genro e o tratava com muito carinho. 
Ao se despedir, Juliano prometeu às duas que iria direto para casa. 
- Por favor, não passe no bar — advertiu a noiva, enquanto o 
acariciava no rosto com o dorso da mão. — Estou com péssimos 
presságios, pois tive um sonho ruim na noite passada. 
Desde menina, Flora possuía uma intuição aguçada; tinha o dom de 
antever os acontecimentos, por meio de sonhos, e previu inúmeras 
ocorrências dentro e fora do ciclo familiar. 
 
1 O Evangelho segundo o Espiritismo - Allan Kardec. N. do A. 
 
 
Naquela noite, estava preocupada com o noivo, pois sabia que 
Ulisses novamente havia rondado o bairro, fazendo ameaças, 
propagando impropérios e jurando vingança. 
Aliás, era isto que ele vinha fazendo desde que soube do 
envolvimento entre Juliano e Flora. Mas, nos últimos dias, seu 
inconformismo parecia haver tomado proporções alarmantes, 
segundo havia chegado ao conhecimento da moça. 
Diante do apelo da noiva, Juliano garantiu que iria para casa e se 
despediu sorridente, tentando tranquilizada. No entanto, ao passar 
em frente ao bar, sentiu um impulso irresistível de entrar. Era uma 
noite quente de verão e ele estava com vontade de tomar uma 
cerveja. 
Parou em frente ao estabelecimento e viu que alguns amigos 
jogavam bilhar, conversando animadamente. Vendo-o, os colegas o 
convidaram para participar do jogo. Inicialmente, Juliano relutou. 
Afinal, também tinha conhecimento das ameaças de Ulisses e sabia 
que seu adversário era assíduo frequentador daquele local. Mesmo 
assim, acabou entrando. 
Dentro do bar, percebeu a ausência de Ulisses e esta percepção o 
deixou bem mais tranquilo. 
Não que estivesse com medo do rival, apenas não queria se 
envolver em confusões. Principalmente agora, que estava de 
casamento marcado com a moça que tanto amava, cheio de projetos 
promissores para o futuro. 
Cumprimentou os amigos com alegria, apertando a mão de cada 
um. Pediu uma bebida, muniu-se de um taco de bilhar e entrou no 
jogo, animado e descontraído. 
Mas, o sossego não durou muito tempo, pois alguns minutos 
depois, Ulisses chegou. Estava com uma aparência horrível; mal 
vestido, barba por fazer, e a expressão de seu rosto lembrava uma 
carranca. 
Ulisses pareceu não notar a presença de Juliano. Dirigiu-se ao 
balcão, mandou que enchessem um copo com aguardente e virou 
 
num só fôlego. Depois, sentou-se em um tamborete, acendeu um 
cigarro e com os olhos percorreu o ambiente, deparando-se 
finalmente com o rapaz. 
A partir daí, Ulisses não mais desviou os olhos da direção em que 
Juliano se encontrava, fitandoo com uma indisfarçável postura de 
afronta e provocação. Embora parecesse distraído, o noivo de Flora 
estava inteiramente atento aos seus movimentos. Um detalhe que 
deixou Juliano bastante preocupado foi ter percebido uma saliência 
sob a camisa de Ulisses, na altura da cintura. Deduziu que o 
adversário estava armado e isto o deixou muito apreensivo. 
Mesmo assim, continuou jogando com os colegas, disfarçando o 
tremendo mal-estar que sentia naquele momento, arrependido, 
inclusive, de não ter cumprido a promessa feita a Flora e seguido 
direto para casa. 
Pensou em ir embora, mas seu amor-próprio não o permitiu. Achou 
que se saísse naquele momento daria a entender que estava se 
acovardando e isto era inconcebível. 
Na verdade, ninguém queria admitir, mas o clima ficou muito tenso 
naquele recinto, desde a chegada de Ulisses. Não era segredo para 
ninguém o quanto ele estava revoltado por ter sido trocado por um 
"forasteiro", apelido que dera a Juliano pelo fato de o moço não ter 
nascido naquela cidade. Todos sabiam da paixão doentia que ele 
nutria por Flora e certamente aquele encontro tinha tudo para 
terminar muito mal. 
Após tomar um pouco mais de aguardente, Ulisses se aproximou da 
mesa de bilhar. Juliano também tratou de beber um pouco mais. Os 
dois buscavam no álcool o encorajamento para o inevitável 
confronto que se desenhava. 
Juliano sentiu um calafrio perturbador no momento em que Ulisses 
pousou pesadamente a mão em seu ombro e, fazendo-o virar o 
rosto em sua direção, rosnou, com os olhos injetados de raiva: 
—Você é um homem morto, rapaz! Ao ver o ódio estampado na 
face de Ulisses, Juliano sentiu a vista escurecer e uma onda de 
 
antipatia, até então reprimida em seu íntimo, eclodiu de modo 
espetacular, provocando-lhe um arrepio febril que percorreu toda a 
extensão da espinha dorsal e o colocou no mesmo nível mental de 
seu adversário. 
— Quem esteidiota pensa que é, para ficar me perseguindo e 
ameaçando o tempo todo? — disse para si mesmo, com a voz 
opressa pela indignação. 
Naquele momento, lembrou-se da possível arma que o adversário 
trazia na cintura e se convenceu de que a única maneira de sair com 
vida daquele confronto seria não dando a ele qualquer chance de 
empunhá-la. 
E foi assim que, empurrando Ulisses com muita força, Juliano o 
afastou o suficiente para conseguir erguer o taco de bilhar a certa 
altura. Usando a extremidade de apoio da peça, que era bastante 
grossa e envolvida por um pesado barrete de metal, desferiu em seu 
crânio um único, porém violento, certeiro e definitivo golpe. 
Tudo isto aconteceu num átimo de tempo. Muitos dos que se 
encontravam presentes só perceberam a gravidade do fato no 
momento em que o rapaz, sem emitir um gemido sequer, quedou 
pesadamente no piso do bar. Ao cair, sua camisa se ergueu e todos 
puderam ver que a saliência que se projetava da cintura de Ulisses 
era promovida por um revólver, devidamente municiado. 
Após alguns segundos de silenciosa e tensa expectativa, um homem 
que era enfermeiro e estava bebericando no bar, pôs o copo no bal-
cão, agachou-se sobre o corpo inerte de Ulisses e, tentando 
inutilmente auscultar-lhe o coração, exclamou com voz desanimada, 
enquanto meneava negativamente a cabeça e dava estalidos com a 
língua: 
— Está morto! 
 
 
 
 
2 
Tristezas 
 
"Amemo-nos uns aos outros e façamos aos outros o que gostaríamos 
que nos fizessem. Toda religião e toda moral se encontram nesses 
dois ensinamentos. Se eles fossem seguidos aqui na Terra, seríeis 
todos perfeitos, sem ódios, sem conflitos" 
 
E.s.E — Cap. XIII; item 9 
 
Juliano estava com as pernas trêmulas e o coração batia em total 
descompasso. O estômago revirava-se em fortes contrações e sua 
vista, após haver passado por um breve período de turvação, ia 
muito vagarosamente voltando à normalidade. 
E foi em meio a esta apatia que ele sentiu uma mão firme agarrar o 
seu braço e praticamente arrastá-lo para fora do bar. Era Reinaldo, 
irmão de Flora, que tentava tirá-lo dali. 
-Vamos embora, Juliano! Daqui a pouco a polícia vai estar aqui, 
rapaz! 
Totalmente desnorteado, Juliano se deixou arrastar e ser colocado 
dentro do carro do cunhado, que saiu em disparada, perdendo-se 
na escuridão da noite. 
 
* * * 
 
Reinaldo dirigia em silêncio e Juliano também não dizia nada. 
Estava completamente apático, confuso, sem conseguir ordenar os 
pensamentos. Um mal-estar terrível o envolvia inteiramente. 
De repente, como se houvesse despertado daquele transe, 
perguntou ao cunhado: — Para onde estamos indo? — Sei lá! — 
 
respondeu Reinaldo. — Para qualquer lugar... O importante é irmos 
o mais longe possível. 
Juliano voltou a ficar em silêncio por alguns segundos. Depois, com 
convicção, praticamente ordenou: 
— Pare o carro, Reinaldo. 
— Você está louco, rapaz? E possível que a essas alturas já tenha 
uma viatura da polícia atrás de nós... 
—Pare o carro, por favor! — insistiu Juliano. Mesmo contrariado, 
Reinaldo estacionou 
na estrada deserta. Desligou o motor e apagou os faróis do veículo. 
— Está tudo errado... 
— É claro que está! Você acabou de matar um homem, a polícia o 
deve estar procurando, e nós aqui, parados... 
— O que está errado é esta tentativa de fuga, Reinaldo. Eu não vou 
fugir das minhas responsabilidades e, muito menos, complicar a sua 
vida. 
— Minha vida? Quem está com a vida complicada é você, rapaz! Eu 
só estou lhe ajudando... 
— E, com isto, está também cometendo um crime. Está me 
oferecendo fuga. 
— E daí? Eu não estou preocupado com isto. Ninguém vai querer 
me prejudicar por tirar você dessa enrascada... 
— Não seja ingênuo, Reinaldo! Muita gente nos viu saindo juntos 
no seu carro. E natural que testemunhem contra você. Por favor, 
manobre o carro e vamos voltar para a cidade. 
— Mas, vão lhe prender em flagrante! A situação vai ficar muito 
mais complicada... 
— Não importa, Reinaldo. Agradeço de coração, por sua tentativa 
em me ajudar, mas não quero fugir. Quero voltar para a cidade, pre-
ciso me apresentar ao delegado e responder pelo crime que cometi. 
— Mas, e a Flora? Vocês estão de casamento marcado... 
 
— Mais um motivo para não levar esta fuga adiante. Não quero 
passar o resto da vida fugindo como um covarde. Deste modo, 
como poderia oferecer um futuro digno à sua irmã? 
E os dois permaneceram um pouco mais em silêncio, ouvindo 
apenas o ruído noturno que sapos e grilos promoviam ao redor do 
veículo. Reinaldo suspirou fundo e quebrou finalmente o silêncio: 
— Eu ainda acho que devemos... 
— Não! — interrompeu Juliano. — Por favor, manobre o carro e 
volte para a cidade. 
Sem mais condições de contra-argumentar, o irmão de Flora ligou o 
carro, fez a manobra e pegou o caminho de volta. Nada mais 
disseram um ao outro durante o percurso. 
 
* * * 
 
Reinaldo estacionou o carro em frente à dei egacia, onde já havia 
um grande alvoroço, em função do assassinato que acabara de 
acontecer. Juliano se apresentou ao delegado, dizendo que queria 
responder pelo crime cometido e, imediatamente, recebeu voz de 
prisão. 
Os próximos dias foram repletos de tristeza e de humilhações para 
Juliano. Mas, o que mais o desalentava era presenciar o desespero 
de Flora, chorando inconsolada, com seus olhinhos ariscos e sempre 
anuviados por uma sombra de desesperança. 
O casamento tão desejado teria de esperar, pois deixou de ser 
prioridade. 
Não bastassem todos esses infortúnios, Juliano ainda foi ameaçado 
de morte pelo pai de Ulisses, que estava inconformado com o 
assassinato de seu único filho, com pouco mais de 26 anos. 
Por meio de comentários, ficou sabendo que Peixoto, demonstrando 
total descontrole emocional, ajoelhou-se diante do caixão do filho, 
durante o velório e, chorando copiosamente, prometeu: 
 
- Meu querido Ulisses! Esteja onde estiver, quero que você descanse 
em paz, porque eu vou vingar a sua morte, meu filho! Esse 
assassino que tirou a sua vida há de pagar muito caro pelo que fez! 
Dolores, embora corroída por dor e revolta, reprovava a atitude do 
marido. Também estava sofrendo muito com a morte do filho, mas 
pensava diferente. Era uma mulher religiosa, prestimosa 
colaboradora da igreja católica e amiga pessoal do padre Juan. 
Acreditava na justiça divina e achava que as desavenças dos 
homens deveriam ficar sempre sob o julgamento de Deus. 
— Quando chegar o dia do juízo final e os anjos soarem suas 
trombetas, nenhum pecador ficará impune! — assegurava. — Até os 
que estiverem mortos terão de deixar seus túmulos e se 
apresentarem diante de Deus, para o julgamento dos seus pecados. 
Mas, para Peixoto, que apregoava não possuir qualquer resquício de 
fé, deveria prevalecer a lei do "olho por olho". Juliano pagaria muito 
caro pelo malfeito, mas acertaria contas com ele e não com a 
divindade invisível e silenciosa à qual a esposa se referia como 
autoridade máxima universal. 
 
* * * 
Enquanto aguardava julgamento, Juliano ficou detido numa 
pequena cela da delegacia local. Como praticamente não ocorriam 
crimes naquele bucólico município, passava a maior parte do tempo 
sozinho. A delegacia situava-se num bairro periférico, distante da 
agitação das ruas centrais, onde os dias eram terrivelmente 
silenciosos. 
Flora sempre o visitava e, nessas visitas, reforçava o desejo de se 
casar com ele. Juliano protestava, dizendo que agora era um 
assassino, que não sabia por quanto tempo permaneceria preso, que 
ela deveria tocar a vida, encontrar outra pessoa... 
Mas, nesses momentos, Flora colocava o dedo indicador em seus 
lábios e, carinhosamente, fazia-o silenciar. 
 
— Não importa quanto tempo leve! Você é o único homem com 
quem pretendo me casar. Portanto, se está pensando em escapar de 
mim, desista. Eu estarei lá fora lhe esperando, custe o quecustar — 
dizia, tentando impor à voz um tom brincalhão, para descontraí-lo. 
Sua atitude deixava Juliano extremamente emocionado. Flora 
percebia a reação do noivo, abraçava-o, beijava-lhe a face e, olhando 
profundamente em seus olhos, reafirmava: 
— Eu o amo, muito, Juliano! Aconteça o que acontecer, nunca vou 
desistir de você! 
Reinaldo, que era sócio de Juliano numa próspera marcenaria, 
também o visitava regularmente, mantendo-o informado sobre as 
atividades na empresa. Apesar do escândalo provocado pelo trágico 
acontecimento, os negócios seguiam relativamente bem. Quanto a 
isto não havia motivo algum para se preocupar. 
Nessas visitas, Reinaldo supria Juliano das coisas que ele precisava 
para se manter na prisão com um mínimo de conforto e dignidade. 
 
 
 
 
 
3 
Cárcere 
"O homem pode suavizar ou agravar a amargura de suas provas 
pela maneira de encarar a vida terrena. Ele sofre mais quando 
acredita numa duração mais longa do seu sofrimento. Porém, se 
encara a vida terrena pelo lado da vida eterna do Espírito, ele a 
entende como um ponto no infnito e compreende o quanto é breve, 
dizendo a si mesmo que esse momento difícil vai passar bem 
depressa." 
E.s.E — Cap. V; item 13 
 
 
Durante o período solitário em que esteve a delegacia, aguardando 
o julgamento, Juliano cava durante horas olhando o retângulo 
vertical 
formado pela única e pequenina janela, protegida por grades, 
localizada na parede oposta ao catre. 
A cela ficava no terceiro piso de um velho edifício e, através da 
pequena janela, o prisioneiro podia ver um retalho de céu e 
fragmentos de telhados descorados, de onde brotavam diminutos 
canteiros de musgos e trepadeiras. Via a cena pobre e insossa dos 
casebres rústicos de paredes cinzentas que ladeavam as ruas 
estreitas, íngremes e empoeiradas; entrecortadas pelas valas que as 
enxurradas escavavam em época de grandes chuvas. 
Na parte da manhã, as colinas ficavam iluminadas pelo sol nascente 
e o pequeno bairro parecia risonho, feito uma criança que, fechada 
em um quarto sombrio, tem projetado no rosto a luz dourada de 
uma lanterna. No fim da tarde, a nódoa escura, formada pela 
sombra das encostas, projetava-se sobre o casario, por causa do 
posicionamento do sol poente, dando ao lugarejo um aspecto frio e 
desolador. 
Os dias de prisão naquela pequena cela eram completamente 
desprovidos de novidades. 
Depois, vinha a noite e, com ela, o sono. Juliano dormia com relativa 
facilidade e acordava quando a luz da nova manhã penetrava a cela 
pela janelinha e pelas frestas existentes no antigo telhado, pro-
vocando estalidos secos no emaranhado de telhas, caibros e vigas, 
que, como um fantasma atento e silencioso, observava-o do alto. 
Rotineiramente aparecia um policial para cuidar das necessidades 
do prisioneiro, mas estava sempre apressado e se comunicava em 
monossílabos. 
Na maior parte do tempo, entregue à solidão do cárcere, Juliano 
permitia-se viajar à infância. Era lá, na antiga fazenda onde fora 
criado, entre árvores, rios, campos e bichos que se reconhecia como 
 
verdadeiramente era: um menino ingênuo que corria pelos prados, 
sentindo o vento no rosto. A criança simples e obediente que 
sempre ouvia com respeito e acatava os conselhos dos mais velhos. 
Todas as vezes que pensava na infância, antes de qualquer outra 
imagem, vinham-lhe à memória as nuvens brancas que, em dias de 
céu limpo, des-iizavam suavemente bem próximas de sua cabeça. 
Em sua meninice, Juliano ficava estirado na relva, imaginando 
figuras aladas que se formavam e se transformavam sob a ação do 
vento. A antiga imagem daquelas nuvens que se metamorfoseavam 
diante dos seus olhos tinha uma conotação poética que marcara 
profundamente sua deslumbrada alma de menino da roça. 
Em torno da casa, num diversificado pomar, distribuíam-se as 
árvores frutíferas: laranjeiras, goiabeiras, caquizeiros, e, princi-
palmente, as amoreiras que havia ali em grande quantidade. Os 
gorjeios do batalhão de pássaros que se infiltravam entre os ramos 
iniciavam-se de madrugada e se estendiam até as horas cre-
pusculares, numa inesgotável e festiva anarquia de cantos e rufiar 
de asas. 
Lembrava-se também do jardim, criado e muito bem cuidado por 
sua mãe. Nele, rosas, cravinas, dálias e margaridas confundiam-se 
em fragrâncias e cores, promovendo um inesquecível cenário, onde 
borboletas e colibris exibiam-se em desfiles multicoloridos. 
Do pai, recordava apenas das suas broncas, do seu perene mau 
humor e da espessa barba que ocultava boa parte do rosto. Da mãe, 
Juliano guardara a recordação do carinho a ele dedicado, a carícia 
nos cabelos enquanto o sono não chegava e o beijo morno, cuja 
agradável sensação durava horas em sua face. 
 
* * * 
Juliano não sentiu o tempo passar e os anos alegres de sua meninice 
distanciarem-se lentamente, como a paisagem que permanece 
estática enquanto o veículo segue viagem. 
 
Distraído, não percebeu os familiares envelhecerem precocemente; a 
mãe caducar e o pai morrer de bebedeira, após haver perdido a 
fazenda herdada dos ancestrais, em jogatinas e orgias mundanas. 
O menino cresceu sem se dar conta de que crescia. Muito cedo, a 
vida lhe imputou responsabilidades das quais não pôde fugir. De 
repente, havia perdido o conforto, a alegria e a paz. Estava 
necessitando de amparo e comida, arrastando consigo o fardo 
pesado que acabou se tornando a mãe dementada. 
Foi forçado a abandonar os estudos e emprestar-se a terceiros. 
Gastou o que havia sobrado da adolescência a lavrar terras alheias, 
a partilhar migalhas e favores com gente estranha e nem sempre 
bem educada. Para sobreviver, teve de superar obstáculos e dividir 
com a genitora desorientada o pouco que conseguia. 
 
* * * 
 
Estava para completar 18 anos quando, numa manhã em que foi 
acordar a mãe, encontrou-a morta. A mulher havia falecido durante 
a noite, silenciosamente. 
Seria falso se dissesse que lamentou a sua morte. Na verdade, 
embora a amasse, sentiu-se liberto daquele pesado compromisso. 
Não pôde evitar que lágrimas de pesar banhassem o rosto e que 
uma forte sensação de vazio lhe invadisse a alma, mas não havia 
mais o que fazer. 
Enterrou a genitora, plantou cravinas sobre a terra fértil que 
acobertava o esquife, fincou uma cruz de madeira sobre a sepultura, 
pegou os poucos pertences que possuía e ganhou o mundo. 
 
 
 
 
 
4 
Afinidades 
"Pela reencarnação no mesmo globo, quis Deus que os mesmos 
Espíritos se reencontrassem e pudessem ter oportunidade de reparar 
os erros que cometeram entre si. Tendo em conta suas relações 
anteriores, quis estabelecer e fixar os laços de família sobre uma base 
espiritual e, sobre uma lei natural, apoiar os princípios de solidarie-
dade, de fraternidade e de igualdade" 
 
E.s.E — Cap. IV; item 25 
 
 
O trem que seguia por entre serras e campinas, lançando espirais de 
fumaça pelos ares, fazia para o jovem rapaz um caminho sem volta. 
Carregando uma bagagem pobre, numa velha mala, via ° torrão 
natal ficar cada vez mais distante. 
Levava no pensamento projetos de trabalhar e crescer, de se tornar 
alguém na vida. Tinha disposição para a labuta braçal e acreditava 
na capacidade de crescimento dos homens honestos e 
trabalhadores. 
Desembarcou na cidade grande, centenas de quilômetros distante 
do lúgubre recanto onde nascera, cheio de esperanças. Mas, logo 
passou a se sentir um peixe fora d'água. Percebeu que sua 
ingenuidade contribuía para que se tornasse vítima de explorações e 
desaforos. 
Nas poucas ocupações que conseguiu, trabalhou muito e não 
ganhou quase nada. Os patrões o exploravam inescrupulosamente e 
o dispensavam à menor contrariedade. 
Juliano se sentiu só, abandonado e ludibriado pela gente da cidade. 
Além disso, a poluição do ambiente, o barulho infernal promovido 
por motores, buzinas e apitos; o aperto que enfrentava em todosos 
 
lugares, as filas intermináveis, a dificuldade de se locomover; a 
indiferença das pessoas.. .Tudo isto o surpreendeu negativamente. 
Sentia-se zonzo no meio das multidões, constantemente trombando 
em pessoas e postes, como se estivesse diuturnamente bêbado. 
Muito cedo, descobriu que não era um homem urbano. 
 
* * * 
 
Um dia, Juliano se cansou de tudo aquilo. Abandonou a metrópole 
e seguiu viagem; desta vez a pé, ou de carona. Ganhou o campo, 
percorreu a paisagem com que se familiarizava. Cada vez mais 
distante das terras de sua infância, passou por diversos vilarejos, 
onde sempre arranjava alguns afazeres para ganhar uns trocados, 
alimentar-se, comprar algumas peças de roupa e seguir em frente. 
Um ano e meio após haver enterrado o corpo da mãe e abandonado 
sua terra natal, chegou, quase por acaso, a uma cidade situada no 
extremo norte do estado mineiro. Ali pretendia, como das vezes 
anteriores, trabalhar, arranjar algum dinheiro e seguir viagem. 
Entretanto, conheceu Domingos, um velho marceneiro que o 
contratou para o que deveria ser apenas um trabalho temporário e 
que acabou se tornando um emprego estável, já que um forte elo de 
simpatia os uniu de modo surpreendente. 
 
* * * 
 
Domingos era muito querido naqueles arredores, não só por ser um 
competente e responsável profissional, mas também por seu modo 
alegre e educado de tratar as pessoas. 
Nascera no Maranhão e estava estabelecido há mais de três décadas 
naquele município. Chegara numa época em que a localidade 
passava por um acelerado processo de desenvolvimento econômico, 
 
devido à descoberta de valiosos minérios no subsolo das serranias 
que a circundavam. 
Aproveitando a excessiva demanda de mão de obra especializada, 
já que muitas residências estavam sendo construídas para 
abrigarem os funcionários de uma mineradora que se instalou na 
região o marceneiro começou a desenvolver o ofício que havia 
aprendido com um padrinho. 
Assentando portas e janelas, erguendo telhados, construindo 
portões... Enfim, desenvolvendo qualquer tarefa que se referisse a 
lidar com madeiras, deu a sua contribuição para o crescimento do 
município e conquistou ali um importante espaço. 
Foi também ali, já na maturidade dos quarenta e poucos anos, que 
conheceu Francisca, uma professora dez anos mais jovem, com a 
qual se casou e constituiu família. Do bem-sucedido matrimônio 
nasceram os filhos Flora e Reinaldo. 
Anos mais tarde, quando o ritmo das construções havia se 
desacelerado, e a mineração já não era a fonte principal de rendas 
do município, Domingos estava razoavelmente estabilizado e 
possuía a sua bem estruturada oficina. Edificada num movimentado 
bairro comercial, logo a marcenaria se tornou um conceituado ponto 
de referência naquela região. 
 
* * * 
 
Com o passar do tempo, o marceneiro começou a sentir o peso da 
idade subjugando-lhe o organismo. Foi então que passou a 
considerar a possibilidade de se aposentar. No entanto, não 
concebia a ideia de deixar o povo, que tão bem o acolhera, órfão de 
um profissional competente e responsável como ele. 
Domingos sabia da importância do seu trabalho e tentara, debalde, 
encontrar alguém disposto a substituí-lo. Quando o candidato tinha 
interesse, não possuía habilidade para o ofício. Quando possuía 
 
habilidade, não era suficientemente responsável e confiável. Seu 
filho Reinaldo, além de muito jovem, foi um dos que não 
apresentou dotes para o ofício, para grande decepção de Domingos. 
Foi por este motivo que ele ficou tão eufórico ao perceber que 
Juliano reunia todas as virtudes que vinha procurando em um 
possível sucessor, e insistiu para que o rapazinho permanecesse ao 
seu lado. 
Como o novo auxiliar não tivesse onde ficar, Domingos o hospedou 
num pequeno apartamento construído nos fundos da marcenaria. 
Eram acomodações simples, porém aconchegantes e razoavelmente 
confortáveis. 
Brotou entre os dois uma profunda e sincera amizade, alicerçada no 
respeito mútuo e na disposição que ambos possuíam para o 
trabalho. E era tão verdadeira essa afinidade, que Domingos passou 
a tratar o jovem amigo como se fosse um filho adotivo. 
Juliano se afeiçoou ao ofício de seu protetor e, como um atento e 
disciplinado discípulo, foi absorvendo o aprendizado que lhe era 
ministrado, cotidianamente. 
 
 
 
 
 
5 
O amor 
 
"Não acrediteis na secura e no endurecimento do coração humano. 
Ele cede, mesmo a contragosto, ao verdadeiro amor. E como se fosse 
um ímã ao qual não se pode resistir. O contato desse amor vivifica e 
fecunda os germens dessa virtude que estão nos vossos corações 
adormecidos." 
 
E.s.E — Cap. XI; item 9 
 
Um dia, Domingos chamou Juliano para consertarem o telhado de 
sua própria residência; uma casa elegante e muito bonita; que se 
situava numa das ruas centrais do município. 
A esposa do marceneiro era uma mulher extremamente simpática e 
acolheu o novo auxiliar do marido com muita afabilidade: 
—Ah! Vejo que finalmente o meu esposo arranjou um substituto! — 
gracejou, enquanto cumprimentava Juliano. 
—Graças a Deus! — respondeu o marceneiro, erguendo as mãos 
para o céu. — O Criador resolveu ouvir as minhas preces e me 
mandou este moço de presente. E um ótimo rapaz e chegou na hora 
certa, pois a idade está castigando cada vez mais o meu pobre 
esqueleto. 
Os dois começaram a rir e Juliano, um pouco constrangido, acabou 
rindo também. 
Antes de iniciarem os trabalhos, dona Francisca serviu-lhes um 
farto café da manhã e reclamou das goteiras. Disse que o temporal 
que havia caído na semana anterior, tinha danificado a cumeeira e 
desordenado algumas telhas. 
— Casa velha, meu filho, é igual a gente velha. Está sempre 
precisando de reparos — comentou bem-humorada, provocando 
risos em Juliano. 
— Não se preocupe, querida! — sossegou-a Domingos. — Tudo o 
que eu precisava era de um auxiliar competente. E, agora que o 
tenho, a cobertura da nossa casa vai ficar novinha! 
E em pouco tempo estavam em cima do telhado, consertando-o. 
Mas, o que em princípio parecia uma tarefa simples, acabou se 
mostrando bem mais complicado. O experiente marceneiro 
percebeu que toda a estrutura de sustentação do telhado estava 
comprometida. Vigas e caibros encontravam-se apodrecidos, por 
causa da umidade que se infiltrava pelas rachaduras das telhas. Sua 
 
avaliação foi bastante negativa e o trabalho levou quase três meses 
para ficar pronto. 
 
* * * 
Foi neste ínterim, que Juliano e Flora se conheceram e, desde o 
primeiro instante em que se viram, encheram-se de encantos; numa 
inequívoca reciprocidade de sentimentos. 
A moça, que estava com pouco mais de 17 anos, apesar de 
possuidora de uma natural timidez, não conseguiu disfarçar por 
muito tempo a atração que passou a sentir pelo ajudante de seu pai. 
Aliás, ninguém naquela casa deixou de perceber o quanto os dois se 
sentiram atraídos. 
Juliano era um rapaz de aparência agradável. Possuía um corpo 
atlético, de médio porte, a pele morena, harmonizando-se com os 
negros cabelos ondulados, e com um par de olhos amendoados, de 
onde brotava um brilho enigmático, sugerindo tratar-se de uma 
alma pacífica e, ao mesmo tempo, triste. 
Flora vivenciava os anos dourados da transformação física. Seu 
corpo adolescente começava a desabrochar para a juventude, 
ganhando contornos encantadores. Seu rosto era de uma beleza 
singular, a pele clara, os olhos verdes, altivos e, a emoldurar-lhe o 
belo rosto, uma ruiva e farta cabeleira, cujos cachos repousavam 
delicadamente sobre os ombros. 
Reinaldo, dois anos mais novo que a irmã, também se simpatizou 
muito com Juliano. O rapaz recém-chegado à cidade, com seu jeito 
simples e educado, tinha o dom natural de cativar as pessoas e 
conquistou os corações dos familiares de Domingos. 
E foi assim, sob as bênçãos da família de Flora, que os dois 
iniciaram um tímido namoro,promovido por um sentimento puro e 
sincero que aqueceu seus jovens corações e que foi se fortalecendo, à 
medida que o tempo passava. 
 
Começaram a passear juntos nos finais de semana, frequentando os 
poucos lugares onde dois jovens enamorados podiam se divertir 
naquela cidade: uma pequena sala de projeção cinematográfica; 
uma praça arborizada, com bancos de mármore, que ficava defronte 
à igreja; e um pequeno parque onde as crianças brincavam, e um 
velhinho de longas barbas brancas, empurrando um carrinho 
multicolorido, vendia pipoca e algodão-doce, repetindo uma 
cantilena nostálgica, enquanto badalava um pequeno sino: 
— Guloseimas do vovô Anastácio! Quem vai querer provar! 
Não demorou muito para que se espalhasse pelos quatro cantos do 
município que a filha de dona Francisca estava de namoricos com o 
"moço que veio de fora", como tratavam o ajudante do marceneiro 
Domingos. 
Esse foi um período de muitas alegrias para os jovens enamorados; 
um tempo de felizes descobertas que aqueciam suas almas e faziam 
vibrar cada fibra dos seus corações. 
Para Juliano, a presença de Flora representava um mar de calmaria 
e suavidade, fazendo-o esquecer os antigos percalços que 
antecederam o surgimento da namorada em sua vida. Para ela, 
Juliano representava a esperança de um futuro afetivamente 
promissor. 
 
 
 
 
 
6 
Ciúmes 
 
"...Se fôssemos humildes, não sofreríamos as decepções do orgulho 
ferido; se praticássemos a lei da caridade, não seríamos nem 
maledicentes, nem invejosos, nem ciumentos e evitaríamos as 
 
desavenças e as discussões; se não fizéssemos mal a ninguém, não 
temeríamos as vinganças." 
 
E.s.E-Cap. XXVII; item 12 
 
Mas o namoro entre Juliano e Flora não foi comemorado por todos 
os moradores daquela cidade. Juliano tomou conhecimento deste 
fato, num dia em que foi interpelado de forma agressiva por um 
rapaz um pouco mais velho que ele, e que disse se chamar Ulisses. 
O sujeito estava completamente descontrolado quando o abordou: 
- E bom você saber que a Flora é minha prometida, desde a infância. 
E comigo que ela vai se casar e não com um "forasteiro" que veio 
parar aqui sem ser convidado. Portanto, é melhor que você não se 
meta com ela! Aliás, faria um grande favor a todos, se voltasse para 
o inferno de onde veio. — disse com truculência, olhando com raiva 
nos olhos de Juliano. 
O namorado de Flora não se sentiu intimidado, mas percebeu que 
precisava tomar cuidado com aquele sujeito. Embora nunca o 
tivesse visto antes, a sensação que experimentou ao se deparar com 
Ulisses foi tremendamente desagradável, obrigando-o a buscar na 
memória um resquício qualquer de lembrança, para desvendar de 
onde o conhecia. Tentou encontrar no passado uma razão qualquer 
que justificasse tamanha adversidade, mas concluiu que aquele 
jovem truculento era-lhe totalmente desconhecido. 
De qualquer modo, sentiu-se incomodado com o episódio e 
resolveu tirar a história a limpo com a única pessoa que 
verdadeiramente o interessava. 
Mas, Flora garantiu que não havia nada entre ela e Ulisses. 
—Ao que parece, esse rapaz tem algum tipo de complicação mental 
— disse a moça. — Ele alimenta a tola ilusão de que somos 
namorados, desde a infância; só porque, um dia, minha mãe 
brincou com a mãe dele, dizendo que nós dois formávamos um belo 
 
par. Foi uma brincadeira inocente, pois na época, eu tinha apenas 8 
anos. Mas, para o Ulisses, o comentário ingênuo de mamãe tornou-
se uma obsessão, e ele passou a me considerar sua prometida. Mas o 
único sentimento que esse rapaz desperta em mim é de medo. 
—Você tem medo dele? Por quê? 
— Sei lá! Fico apavorada com o jeito como ele me olha. No fundo, 
parece-me que sente muito mais ódio de mim, do que qualquer 
outra coisa. O demente já criou várias confusões, chegando ao 
absurdo de agredir alguns garotos, só por desconfiar que estivessem 
interessados em mim. 
— Puxa, que fixação... — observou Juliano, demonstrando 
contrariedade. 
Flora não conseguiu conter o riso. 
— O que foi, Juliano? Você está com ciúmes do Ulisses? 
— E não é para ter? 
— E claro que não, seu bobinho! Eu nunca dei qualquer motivo 
para que ele se sinta no direito de agir assim. Se até hoje não me 
preocupei com isto, foi porque sua atitude não me incomodava. 
Mas, agora é diferente. Nós estamos juntos e eu não vou admitir 
que ele atrapalhe a nossa relação. 
— O mais estranho é que... 
Juliano iniciou um comentário, mas subitamente interrompeu a 
frase, deixando Flora curiosa. 
— O que é "mais estranho"? — inquiriu a moça, imitando a voz do 
namorado. 
Juliano fez um gesto de desdém. 
— Nada, não. Esquece! 
— Ah, não vou esquecer, mesmo! — insistiu Flora, apoiando as 
mãos na cintura. — Começou, termina. 
Juliano procurou sossegá-la. 
— Calma, Flora! Não é nada com você, não. Certamente é só uma 
bobagem; uma coisa sem importância... 
 
— Mais um motivo para você me dizer do que se trata. 
— E que eu tive a sensação de que já conheço esse Ulisses. 
E provável que sim. Afinal, você já está morando aqui há algum 
tempo. Deve ter se esbarrado com ele por aí. 
— Aí é que está o mistério. Daqui, eu tenho certeza que não é. Eu 
nunca o vi nesta cidade. Se o conheço, deve ser de outro lugar. 
Flora fez um ar de descrença. 
— Isto é praticamente impossível. O Ulisses é um sujeito muito 
acomodado. Vive enfiado no sítio dos pais, ou perambulando pelas 
ruas, sem objetivos na vida. Certamente nunca saiu desta cidade. 
Você deve ter conhecido alguém parecido com ele. 
— E, Flora, você tem razão. Devo ter confundido o seu apaixonado 
com outra pessoa. 
Flora deu um leve tapa no braço de Juliano, em repreensão ao 
comentário provocativo. 
— Olha, lá como fala, hein! — exclamou, fazendo um muxoxo de 
contrariedade. — Nunca dei liberdade para aquele tolo achar que 
tem direitos sobre mim. E quer saber mais? — decretou: — Chega 
de falar dos outros! Vamos falar de nós dois, e fazemos muito 
melhor. 
Juliano abriu um largo sorriso e a abraçou. 
— Você está certíssima, meu amor! Vamos deixar esses fantasmas 
bem longe de nós. 
 
* * * 
 
Começaram a rir, descontraidamente, mas uma sombra de 
preocupação passou a rondar a mente de Flora, a partir daquele dia. 
Suas faculdades premonitórias começavam a dar sinais de que 
alguma coisa desagradável estava por acontecer. A partir daquele 
dia, passaria a ter sonhos inquietantes, onde sempre via Ulisses e 
Juliano se confrontando. 
 
A namorada de Juliano passou a evitar qualquer proximidade com 
Ulisses. Quando o encontrava em algum lugar, afastava-se 
imediatamente e rechaçava qualquer tentativa de aproximação que 
o rapaz ensaiasse. 
Porém, tais atitudes só serviram para despertar ainda mais a ira de 
Ulisses. A partir de então, o rapaz passou a provocar Juliano onde 
quer que o encontrasse, deixando claro que não facilitaria em nada a 
sua vida. 
Espalhou pela cidade que jamais admitiria um compromisso mais 
sério entre os dois e que tomaria drásticas medidas, caso Juliano 
tivesse o topete de pedir Flora em casamento. 
Mas, independentemente de tudo aquilo, os jovens enamorados se 
mantiveram firmes no propósito de oficializarem o namoro. Seu 
Domingos, dona Francisca e Reinaldo não colocaram qualquer 
objeção, já que todos nutriam uma profunda simpatia por Juliano. 
 
 
 
 
 
 
7 
Recompensa 
 
"O desapego aos bens terrenos consiste em apreciar a riqueza no seu 
justo valor, saber usufruir dela em benefício de todos e não somente 
para si, em não sacrificar por sua causa os interesses da vida futura 
e, se Deus a retirar, perdê-la sem reclamar." 
 
E.s.E - Cap. XVI; item 14 
 
 
O tempo passou célere e Juliano, cada vez mais dedicado às funções 
executadas na marcenaria, recebeu uma ótima notícia, quase três 
anos após ter iniciado o aprendizado com Domingos. O marceneiro 
o procurou, numa tarde e, muito eufórico, disseque finalmente 
havia conseguido a tão sonhada aposentadoria. 
—Agora, vou poder descansar meu velho esqueleto! — disse, com 
imensa alegria, exibindo os documentos que confirmavam a 
realização de seu sonho. 
Embora estivesse feliz por causa dele, Juliano não conseguiu evitar 
que uma ruga de preocupação se delineasse em sua fronte. 
Domingos percebeu a insegurança de seu pupilo e arrematou: 
— Está preocupado com o quê, meu rapaz? Acha que eu seria capaz 
de deixá-lo sem assistência? Acha que não pensei também no seu 
futuro? 
Juliano limitou-se a encará-lo, com resignação. No fundo, achava 
que Domingos já havia lhe oferecido muito. Afinal, dera-lhe 
emprego e moradia durante todo aquele período. Não tinha 
obrigação nenhuma de ajudá-lo. 
No entanto, uma vez mais, o marceneiro o surpreendeu 
positivamente. Apoiou a mão em seu ombro e, olhando-o com 
profunda ternura, explicou: 
— Juliano, você não representa para mim apenas um companheiro 
de trabalho. Tenho por você uma grande estima e não ficaria em 
paz se o deixasse desamparado. Ao longo desses anos de trabalho, 
ajuntei algumas economias, afinal, nunca fui de gastar muito. Além 
disso, de agora em diante, terei o meu salário de aposentado até o 
fim da vida. Como não pretendo mais trabalhar profissionalmente, 
não precisarei das ferramentas e dos maquinários da marcenaria. Se 
você quiser, pode ficar com tudo e continuar tocando a sua vida, 
dando continuidade ao trabalho que aprendeu a desenvolver aqui e 
que, aparentemente, lhe agrada tanto. 
 
Juliano o olhou boquiaberto, como se duvidasse do que estava 
ouvindo. Mas, antes que dissesse qualquer coisa, Domingos 
completou: 
- E claro que não lhe darei nada de mão beijada. Afinal, não estou 
tão bem assim de bolso — disse, sorrindo, enquanto esfregava o 
dedo indicador no polegar. — Além disso, tenho certeza de que 
você mesmo não aceitaria algo que soasse como uma esmola. 
— Naturalmente — disse, o rapaz. — Só poderei aceitar se for uma 
transação comercial e, e claro, se estiver ao meu alcance. 
Juliano, conheço as suas limitações financeiras e só estarei sendo 
honesto, se fizer uma proposta que lhe seja viável. De outro modo, 
estaria sendo hipócrita e você já me conhece o suficiente para saber 
que não sou. 
Juliano deu um profundo suspiro e meneou a cabeça, sem saber o 
que falar. Estava apreensivo demais, pois sentia que, de certo modo, 
seu futuro estava nas mãos daquele homem. 
Domingos abriu um largo sorriso, com o propósito de acalmá-lo. 
Mostrou uma relação dos valores de tudo o que havia na 
marcenaria, incluindo o próprio imóvel. 
O rapaz arregalou os olhos quando o marceneiro concluiu o 
somatório. Era dinheiro demais para as suas modestas condições. 
No entanto, Domingos já tinha tudo planejado e, com muita 
convicção, explicou: 
— A proposta que lhe faço é a seguinte: você continua trabalhando 
aqui, tocando as atividades da oficina, da maneira que achar 
melhor. Naturalmente, se precisar de orientação, estarei à sua 
disposição, mas não conte mais comigo para o trabalho braçal. À 
medida que for obtendo resultados financeiros, você vai me 
repassando uma parcela do faturamento, até chegarmos a um terço 
do valor de todos esses bens que estou lhe vendendo. 
— Um terço do valor? Mas, e os outros dois terços? Como vou lhe 
pagar? perguntou, com voz aflita. 
Domingos voltou a sorrir. Encarou-o e explicou: 
 
- O restante é um presente de casamento, antecipado. 
Juliano ficou perplexo diante da generosa proposta. Titubeou: 
— Seu Domingos, não posso aceitar... Assim o senhor vai ficar no 
prejuízo... 
— Meu filho, entenda uma coisa — respondeu Domingos, com voz 
pausada, porém firme —, as últimas três décadas da minha vida foi 
nesta oficina. Ganhei muito dinheiro aqui e tudo o que quero agora 
é que ela permaneça nas mãos de uma pessoa que fará bom 
proveito, e que dará continuidade ao trabalho que desenvolvi neste 
município, que tão bem me acolheu. 
Aproximou-se de Juliano e o olhou afetivamente. 
— Além disso, sei que você e a minha filha têm planos de se 
casarem e isto me deixa muito feliz! Este empreendimento vai 
ajudá-los a concretizar o seu projeto e poderá oferecer uma vida 
digna para vocês e, é claro, para os meus netinhos — acrescentou 
piscando o olho. 
Juliano se sentiu constrangido, quis dizer qualquer coisa, mas 
Domingos o interrompeu e decretou: 
— A menos que você me convença que possui planos mais 
interessantes para o seu futuro, não aceito recusa. 
Juliano o abraçou, emocionado. Como não encontrasse palavras 
para descrever o que sentia, permaneceu quieto. Domingos deu-lhe 
um tapinha nas costas e, afastando o moço com delicadeza, falou: — 
Agora, chega de lorota! Vamos providenciar a documentação e 
comemorar, porque, a partir de agora, pretendo ficar bem longe 
desta oficina e desfrutar o repouso a que tenho direito. 
 
* * * 
 
Ironicamente, Domingos nem chegou a receber o primeiro salário 
de aposentado. Para imensa tristeza da família e dos incontáveis 
amigos que possuía, sofreu um infarto fulminante e morreu durante 
 
o sono. O episódio ocorreu três semanas após haver comemorado a 
tão sonhada aposentadoria. 
 
 
 
 
8 
Prosperidade 
 
"Eis a missão das grandes fortunas: gerar trabalhos de toda a 
espécie e executá-los; e ainda que dessa atividade resulte um 
legítimo ganho em favor dos que assim as empregam, o bem não 
deixaria de existir, pois o trabalho desenvolve a inteligência e 
eleva a dignidade do homem..'.' 
 
E.s.E — Cap. XVI; item 13 
 
 
Embora abalado com o desencarne do grande amigo e protetor, 
Juliano assumiu a direção da marcenaria. Graças à generosidade de 
Domingos, sua vida daria um salto espetacular, a partir de então. 
A primeira atitude do novo empreendedor foi convidar Reinaldo 
para associar-se a ele. O cunhado não atuaria em tarefas braçais, 
como pretendera Domingos, mas no setor administrativo; função 
para a qual Reinaldo reunia todas as qualidades que lhe faltavam 
como marceneiro. 
Com uma visão vanguardista para os negócios e contando com o 
prestimoso reforço do cunhado, Juliano não se limitou a dar 
continuidade ao trabalho de Domingos e implantou novas 
atividades na oficina. 
 
Aproveitando a ótima localização do imóvel, que permitia um fácil 
escoamento de produtos, por encontrar-se à margem de importante 
rodovia, decidiu investir na fabricação de móveis. 
O empreendimento foi tão positivo, que dois anos após haver 
adquirido a marcenaria, ele já havia quitado toda a dívida — pois 
fez questão de pagar à dona Francisca cada centavo do que fora 
estipulado por Domingos — e ampliado bastante a empresa, que 
contava com quase 20 funcionários. 
Com o sucesso da pequena indústria, Juliano que a cada dia se 
sentia mais ligado afetivamente à Flora, decidiu investir seriamente 
na relação. 
Comprou um terreno bem localizado, numa das ruas centrais, e 
contratou um arquiteto para projetar a casa onde pretendia viver 
com sua eleita. 
Flora, imensamente feliz, ajudou no projeto, dando palpites sobre o 
que considerava detalhes importantes para o conforto dos dois, 
além dos quatro ou cinco filhos que pretendiam conceber. 
Seguindo os passos da mãe, a filha de Domingos se tornou uma 
dedicada professora primária, muito amada por seus pequenos 
alunos. Alma sensível e talentosa, sobressaiu-se também no campo 
da música, tornando-se uma excelente pianista. 
 
* * * 
 
Acompanhando tudo à distância, vendo o "forasteiro" prosperar 
economicamente e tornar a relação com Flora cada vez mais 
consistente, Ulisses sentia crescer dentro de si uma grande revolta. 
Ele não era uma pessoa empreendedora; possuía limitações 
intelectuais, tanto que não havia sequer concluído os estudos 
primários. Era detentor de uma natureza preguiçosa, devotada ao 
desânimo e à falta de perspectivas. Muito cedo, desistiu de estudar 
e nunca demonstroudisposição para o trabalho, passando a viver 
 
em função dos rendimentos auferidos na pequena propriedade 
rural de seus pais. 
Passava a maior parte do tempo sem fazer nada; ou melhor, em 
atividades de lazer que nada acrescentavam à sua vida. 
Sob a complacência do pai e a proteção exagerada da mãe; que tudo 
faziam para proteger o filho único, Ulisses jamais sentiu o 
desconforto de um desejo não atendido, ou o constrangimento de 
ser repreendido por uma má ação praticada. Tudo era 
compreensível; tudo era desculpável, desde que não contrariasse os 
interesses do "pobrezinho". 
Peixoto e Dolores viviam em função do filho, satisfazendo-lhe todas 
as vontades, defendendo-o energicamente de qualquer situação que 
pudesse tirar o sossego do rapaz. 
E foi justamente por estar tão desacostumado de ser contrariado em 
seus interesses, que ele não se conformava com a recusa de Flora e 
com o sucesso de Juliano, que lhe soavam como uma inaceitável 
afronta; uma provocação difícil de ser digerida. 
Ulisses sonhava constantemente com os dois e, nesses sonhos, 
Juliano e Flora debochavam dele; chamavam-no de analfabeto; 
provocando-o de várias formas e terminavam sempre se beijando na 
frente dele, para desespero daquele moço caprichoso e 
destemperado. 
Foi em meio a esse desvario incontrolável que tomou conhecimento 
do noivado, e soube que o "forasteiro" estava construindo uma 
belíssima casa, onde o casal viveria após o casamento, que ocorreria 
em pouco tempo. 
Algumas pessoas, sendo naturalmente maldosas, intensificavam os 
sentimentos de revolta que infestavam o íntimo do rapaz, tecendo 
comentários perniciosos, com o objetivo de provocá-lo. No fundo, 
sentiam prazer em vê-lo humilhado. 
Cada informação, sobre o casal, que chegava ao conhecimento de 
Ulisses era como uma punhalada que lhe desferissem no coração. 
Toda vez que ouvia os nomes de Juliano e Flora, sentia os bati-
 
mentos cardíacos se acelerarem, como se tivesse levado um grande 
susto. 
Passou a dormir mal; a se alimentar muito pouco, e aumentou o 
consumo de bebidas alcoólicas, para as quais já tinha uma boa dose 
de inclinação. 
Naquele sábado, quando tomou conhecimento de que o noivado 
estava sendo oficializado, Ulisses, que havia bebido durante o dia 
todo, sem saber exatamente por qual motivo, pegou o revólver do 
pai, municiou-o, colocou-o na cintura e saiu sem destino certo. 
Não fazia a menor ideia de que naquela noite não voltaria para casa. 
 
 
 
 
 
SEGUNDA PARTE 
 
 
 
9 
Sombras 
 
"Quando o Espírito deixa a Terra leva consigo as paixões ou as 
virtudes de sua natureza e vai para o Espaço se aperfeiçoar, ou 
permanece estacionário até que deseje esclarecer-se. Alguns 
partiram cheios de ódios violentos e desejos de vingança 
insatisfeitos." 
 
E.s.E — Cap. XIV; item 9 
 
Ulisses acordou com uma tremenda dor de cabeça. Julgou ser fruto 
da bebedeira da noite anterior. Sem conseguir abrir os olhos 
doloridos, tateou no escuro, buscando o interruptor do abajur que 
ficava na cabeceira de sua cama, mas não o encontrou. Aliás, não 
encontrou também o colchão, o travesseiro, nem o cobertor. Notou 
que estava deitado em solo pedregoso, sobre uma rala e áspera 
vegetação. 
Assustado, fez grande esforço e, com muito sacrifício, conseguiu 
entreabrir os olhos, que estavam tremendamente doloridos. Havia 
um breu intenso à sua volta. Com movimentos lerdos, ergueu a mão 
direita e tocou o alto da cabeça. Percebeu uma protuberância, 
exatamente no local onde a dor era mais forte. Depois, deixou a mão 
deslizar suavemente pelo rosto e sentiu que seus olhos estavam com 
as órbitas saltadas para fora, sugerindo em seu semblante um 
aspecto aterrador. 
Tentou organizar os pensamentos, lembrar-se do que havia 
acontecido, mas não conseguia encontrar uma explicação para o fato 
de se encontrar num lugar tão esquisito, sentindo tanta dor. Quanto 
mais forçava a memória, mais sua cabeça latejava, o que o obrigou a 
se manter completamente estático.2 
Vozes estranhas, grunhidos, imprecações e choros misturavam-se 
ao ruído de um frio e incessante vendaval. Sombras misteriosas 
movimentavam-se numa cadência lenta e anônima. 
 
 
2 O tempo que dura a confusão que sofre a alma, após a separação do corpo, depende da 
elevação de cada indivíduo. O homem que se encontra mais preso às questões materiais e aos 
sentimentos inferiores permanecerá por um período mais longo nesse estado. N. do A. 
 
 
Ulisses foi acometido de invencível apatia. Lembrou-se dos pais e 
desejou estar com eles, sob a zelosa proteção que sempre lhe 
dispensavam, mas não fazia a menor ideia de onde seus genitores se 
encontravam. Teve vontade de chorar, mas parecia completamente 
desprovido de lágrimas, como se estivesse ressecado por dentro. 
 
* * * 
Foi desse modo que o filho de Peixoto e Dolores permaneceu por 
um longo período, sem conseguir reverter o doloroso quadro. Entre 
constantes desmaios e breves instantes de lucidez, amargou o 
delírio febril e agonizante de um morto-vivo, subjugado por 
sofrimento e incerteza. 
Num daqueles raros momentos em que se mantinha desperto, sem 
ter a menor noção do que estava acontecendo e de quanto tempo 
havia se passado, sentiu que uma mão delicada acariciava-lhe os 
cabelos, enquanto uma suave voz feminina o chamava pelo nome: 
— Ulisses! Ulisses, você pode me ouvir? Foi a primeira vez que 
despertou sem dores. 
Com sacrifício, conseguiu abrir os olhos feridos e, aos poucos, 
vislumbrou ao seu lado uma mulher de aspecto agradável, olhar 
compassivo, vestida com uma longa túnica branca. Estava 
inteiramente envolvida por suave claridade que parecia brotar de 
seu próprio corpo, permitindo que fosse vista em detalhes, apesar 
da escuridão reinante naquelas paragens. 
Ulisses tentou falar qualquer coisa, mas não conseguiu articular as 
palavras. A mulher, percebendo sua dificuldade, olhou-o com 
brandura e sussurrou, enquanto encostava o dedo indicador em 
posição vertical, à frente dos lábios: 
— Calma, meu querido! Você não precisa falar nada. Apenas pense 
nas palavras que deseja pronunciar, para que eu possa compreendê-
lo. 
 
Muito confuso, mas aliviado por estar momentaneamente livre das 
dores de cabeça, Ulisses se concentrou e pensou: 
—“ Quem é você?” 
A mulher sorriu e respondeu, amável: 
— Alguém que o estima muito e que lhe deseja o melhor. 
— "Não me lembro de você. Qual é o seu nomer 
— O fato de não se lembrar é o que menos importa, no momento. 
Mas, pode me chamar de Efigênia. Estou aqui para lhe ajudar. Para 
lhe socorrer e levá-lo a um bom lugar, onde será medicado e 
orientado. 
— "Realmente, eu não conheço nenhuma Efigênia" — prosseguiu 
Ulisses, em diálogo mental. — "Mas gostei da sua carícia em minha 
cabeça, porque conseguiu aliviar as dores que estavam quase me 
enlouquecendo." 
Efigênia voltou a sorrir. 
— Que bom! Fico muito feliz em poder ajudá-lo! 
Mas, de repente, Ulisses foi tomado de uma grande inquietação. 
Sentiu necessidade de saber o que havia acontecido. Acreditando 
que Efigênia pudesse lhe tirar as dúvidas, firmou o pensamento nas 
perguntas que pretendia fazer e indagou, curioso: 
— "O que aconteceu comigo, Efigênia? Por que não estou na minha 
casa? Por que minha cabeça está ferida?" 
Notando a súbita agitação do rapaz, a bondosa mulher procurou 
acalmá-lo, tornando ainda mais brando o seu tom de voz. 
— Calma, meu filho! Esta agitação não o ajudará em nada. 
Infelizmente, aconteceu uma coisa desagradável com você e, quanto 
a isto, nada mais poderá ser feito. Mas, na hora certa, você terá 
todas as informações de que necessita. O importante agora é tirá-lo 
deste lugar. Você não gostaria de vir comigo, para receber 
tratamento e se livrar dessas dores? 
Mas, Ulisses não estava mais conseguindo se manter sereno. Algo 
dentro dele começava a se manifestar negativamente, de modoincontrolável. 
 
— "Não vê que estou impossibilitado? Que não consigo me mover?" 
— respondeu, revoltado, em atitude tão hostil que, embora dita em 
linguagem mental, assemelhava-se a gritos. 
Era a sua natureza embrutecida que começava a aflorar, voltando a 
comandar os seus pensamentos. Sem perder a serenidade, Efigênia 
apontou para uma direção e disse: 
— Eu não estou sozinha, Ulisses! Somos um grupo de trabalhadores 
e viemos preparados para socorrê-lo, sem que você precise fazer 
qualquer esforço. Basta que tenha o desejo sincero de ser auxiliado. 
Ulisses firmou os olhos inchados na direção que a mulher havia 
apontado e visualizou quatro jovens, todos vestidos de roupas 
brancas e possuidores daquela mesma tênue claridade que envolvia 
Efigênia. Seus semblantes eram suaves, seus lábios ostentavam 
cândido e sincero sorriso. Carregavam uma espécie de padiola. 
— Como vê — continuou Efigênia —, você não precisará fazer nada. 
Esses companheiros irão colocá-lo na maca e nós o levaremos a um 
lugar confortável, onde você receberá o tratamento necessário para 
a sua recuperação, além de esclarecimentos sobre tudo o que lhe 
aconteceu. 
Durante todo o tempo, a mulher continuava acariciando a cabeça de 
Ulisses, que agora já não apresentava nenhum sintoma de dor. 
Por um lado, ele queria dizer a Efigênia que estava tudo bem, que 
tinha vontade de seguir com o grupo, mas não conseguia fazê-lo 
com a convicção necessária. Alguma coisa dentro de si relutava em 
aceitar ajuda. Ulisses não conseguia entender o que se passava em 
seu interior, mas um sentimento de raiva ia aos poucos o 
envolvendo em grande inquietação. Parecia estar sendo atraído 
para o centro de vertiginoso redemoinho, do qual não conseguia 
escapar. 
Olhou a face serena de Efigênia e buscou se fortalecer no halo de 
complacência que emanava daqueles olhos translúcidos. Mas, de 
repente, tudo aquilo lhe pareceu ridículo. Sentiu-se diminuído, 
frágil, dependente... Teve ódio daquela sensação. 
 
Agora, os sorrisos amorosos daquelas pessoas que ali estavam para 
socorrê-lo, pareciam-lhe risos sarcásticos, como se debochassem do 
seu sofrimento, da sua fraqueza. O orgulho, que sempre havia 
norteado as suas atitudes, voltava a dominá-lo inteiramente.3 
Ulisses sentiu raiva de tudo aquilo. Precisava reagir, mostrar-se 
forte e decidido, como sempre fora. Segurou com força a mão de 
Efigênia e, num gesto brusco, afastou-a de sua cabeça. 
Nesse momento, sentiu a dor voltar com maior intensidade. Uma 
forte vertigem quase o fez desmaiar, mas conseguiu se manter 
lúcido. Sentiu que estava finalmente retomando o controle de suas 
próprias ações e esta percepção o encorajou muito. 
10 
O justiceiro 
 
"A vingança é o último vestígio abandonado pelos costumes 
bárbaros que tendem a desaparecer dentre os homens. Ela é, 
juntamente com o duelo, um dos últimos vestígios desses 
costumes selvagens que Jaziam a Humanidade sofrer no início 
da era cristã." 
 
E.s.E — Cap. XII; item 9 
 
 
 
3. A mudança de caráter do indivíduo ocorre por meio da conscientização e não pelo simples 
fato de haver desencarnado. N. do A. 
 
Enquanto lutava consigo mesmo, procurando manter-se firme 
diante daquela confusão mental e das dores que haviam retornado 
com grande intensidade, Ulisses ouviu uma voz grave ecoar, em 
meio às trevas. 
— Ulisses! Ulisses! Onde está você, meu rapaz? 
A voz soava do lado oposto de onde estavam Efigênia e seu grupo. 
Ulisses olhou com ansiedade para aquela direção e se deparou com 
um homem alto, de semblante grave. Vestia-se com uma grossa 
capa cinzenta. 
Ao vê-lo, o homenzarrão ensaiou o que deveria ser um sorriso e 
comemorou: 
— Ah, você está aí, meu garoto! Até que enfim o encontrei. Venha, 
vamos embora daqui. 
Cada vez mais confuso, Ulisses tentou novamente articular umas 
palavras, dirigindo-se ao recém-chegado, mas não conseguiu. 
— O que foi? Quer falar alguma coisa? — perguntou o estranho. 
Novamente ele tentou falar, mas não obteve sucesso. 
O homem abaixou-se e, encostando o ouvido à boca de Ulisses, 
pediu: 
—Vamos, faça um esforço. Você consegue. Com muita dificuldade, 
Ulisses balbuciou: 
— Quem é você? 
— Ah, vejo que você ainda está sob o efeito da lei do esquecimento. 
Sou um grande amigo do passado. Alguém que o conhece há muito 
tempo e que lhe tem grande estima. Meu nome é Adamastor e estou 
aqui para ajudá-lo. 
— Não me lembro de conhecê-lo — sussurrou Ulisses. 
— Mas, é claro que não! Você passou por maus momentos e é 
natural que fique desmemoriado por algum tempo. Mas, pode 
confiar em mim. Sou seu amigo e desejo o melhor para você. 
— Ela também veio me ajudar... Disse as mesmas coisas... — 
cochichou Ulisses, apontando na direção de Efigênia. 
 
Adamastor franziu o cenho e levantou-se de punhos cerrados, em 
atitude agressiva. Olhou atentamente, procurando distinguir 
qualquer coisa em meio à escuridão, mas não conseguiu enxergar 
nada. 
No fundo, sabia que não podia visualizar o grupo de benfeitores, 
em função de sua baixa vibração mental. Não havia como alcançar, 
ainda que visualmente, a dimensão espiritual em que os outros se 
situavam, por estarem moralmente bem mais elevados que ele. 
— Você deve estar falando de umas pessoas metidas a boazinhas, 
não é? Umas que falam manso e carregam uma padiola, oferecendo 
ajuda. Dizem que vão levá-lo para um lugar confortável, que vão 
cuidar de você, e até conseguem passar a sensação de que suas 
dores acabaram. 
Ulisses acenou a cabeça, num gesto de afirmação. Nesse momento, 
Efigênia interferiu com educação, com a mesma serenidade na voz: 
— Não dê ouvidos a ele, Ulisses. Este homem não poderá lhe 
ajudar, porque não consegue ajudar nem a si. E um infeliz, um 
revoltado, que insiste em permanecer no erro e no sofrimento, em 
vez de procurar a libertação por meio do amor, do perdão e da 
caridade. Venha conosco! Deixe-nos cuidar de você... 
— São uns fingidos! Uns mentirosos, hipócritas! — gritou 
Adamastor, demonstrando profunda irritação; parecendo ter 
percebido de algum modo o apelo de Efigênia. — Não dê atenção a 
eles, Ulisses, pois o que querem é convencê-lo a perdoar o seu 
assassino, o miserável que desgraçou a sua vida. 
— Assassino? _ balbuciou o enfermo, curioso. 
— Sim! Por acaso, já contaram o que lhe aconteceu? Já lembraram 
que você foi assassinado covardemente por aquele tal Juliano? Que 
o maldito arrebentou a sua cabeça? Que agora o caminho dele está 
livre para se casar com a Flora? 
Ao ouvir os nomes de Juliano e Flora, Ulisses sentiu um baque 
imenso. A revolta que se manifestava em seu íntimo eclodiu de 
 
modo espetacular, provocando-lhe uma espécie de colapso. 
Começou a tremer, numa agitação agônica incontrolável. 
— Estou aqui, por que não acredito nessa tal justiça divina que os 
covardes insistem em evocar, simplesmente por não terem coragem 
de enfrentar os seus inimigos. Acredito, sim, na justiça feita pelas 
mãos de quem sofre um prejuízo. Acredito no "olho por olho" e 
estou aqui para lhe ajudar a se vingar do Juliano! — vociferou 
Adamastor. 
— Calma, Ulisses! — implorou Efigênia, em tom clamoroso. — 
Não dê vazão à revolta. Não vá com este pobre infeliz, que só o 
ajudará a se complicar ainda mais. Por favor, venha conosco! 
— Não! Nunca! — bradou Ulisses, agora sem se importar com a 
dor dilacerante que sentia, enquanto gritava. — Eu não vou a lugar 
algum com vocês. Não posso confiar em quem mente para mim. 
Você, Efigênia, que fingiu ser minha amiga, recusou-se a me 
lembrar do que havia acontecido. Só posso supor que você e seu 
grupo, sejam amigos daquele maldito que me destruiu; que estavam 
me levando para algum lugar, onde pudessem impedir a minha 
vingança. 
— Não! Não é nada disto... — tentou insistir Efigênia, inutilmente. 
— Está decidido: eu vou com o Adamastor — decretou o rapaz. 
— Muito bem! — festejou o homenzarrão,encorajando-o. — Assim 
é que se fala, meu bom Ulisses. Esses intrometidos se fazem de 
bonzinhos, mas no fundo, o que querem é proteger os malfeitores e 
impedirem que seja feita justiça. 
— Já decidi, Adamastor! — disse, ainda com mais convicção. — Eu 
quero ir com você. 
Exibindo um sorriso triunfante, o grandalhão abaixou-se, ergueu 
Ulisses e o apoiou em seus ombros. Mesmo demonstrando uma 
dificuldade imensa para caminhar, o rapaz se deixou arrastar por 
uma estreita vereda e infiltrou-se na bruma escura que dominava o 
lúgubre ambiente. 
 
Com os olhos lacrimejantes voltados para o alto, Efigênia ergueu os 
braços e pediu, em comovente oração: 
— Oh, Pai de eterna bondade! Perdoa a ignorância e a fraqueza 
deste Teu pobre filho que, algum dia, vencido pelo sofrimento, há 
de implorar a Tua clemência e reconduzir-se aos Teus braços... 
Aos poucos, aquela diáfana criatura e os companheiros benfeitores 
que a acompanhavam foram se afastando, e a densa região voltou a 
mergulhar em trevas. 
 
 
 
 
 
11 
Acolhida 
 
Só é verdadeiramente grande aquele que, considerando a vida 
como uma viagem que o deve levar a um destino certo,Jaz pouco 
caso das contrariedades do caminho e dele nunca se desvia. 
 
E.s.E — Cap. XII; item 11 
 
Após longa e extenuante caminhada, com o corpo cheio de dores, 
mas fortalecido pelo implacável desejo de vingança, Ulisses vislum-
brou uma clareira mal iluminada, com pálidas tochas dispersas, que 
bruxuleavam presas a estacas, a imitação de rústicos postes de 
iluminação. 
O cenário, que tinha o aspecto de uma aldeia rudimentar, era 
formado de um pátio redondo, circundado por diversas cabanas 
que lembravam iglus, construídas a partir de uma mistura de capim 
 
seco e argila. Não possuíam janela, apenas uma pequenina porta, 
voltada para o centro do terreiro. 
A paisagem era desalentadora, tomada inteiramente por espessa e 
cinzenta cerração, cercada por serras escarpadas, cujos cumes se 
perdiam entre as brumas enegrecidas. 
O solo pedregoso lembrava as paisagens áridas das regiões mais 
desérticas da Terra. O ar era pesado, abafadiço; e um desagradável 
odor de putrefação dificultava ainda mais o simples ato de respirar. 
Umas 20 figuras povoavam o ambiente; sentadas no meio do pátio, 
em torno de um braseiro, entretidas em animada conversação. A 
passagem dos dois homens, algumas, curiosas, os olharam, mas a 
maioria se manteve indiferente. Ulisses estava se sentindo tão 
cansado e com tanta dor de cabeça, que não prestou atenção a quase 
nada. 
Adamastor o conduziu a uma daquelas cabanas, introduziu-o pela 
portinhola e o acomodou sobre uma espécie de catre, forrado com 
ásperas folhagens, de aroma desagradavel-mente ácido. 
Mas bastou aquela mínima condição de conforto para que Ulisses 
voltasse a desmaiar, vencido pela exaustão da sacrificante 
caminhada. 
 
* * * 
Depois de um certo período em que Ulisses continuou alternando 
momentos de inquietante sono e breves fases de lucidez, Adamastor 
invadiu a cabana com seu jeito extravagante. Portava uma grande 
tigela de barro, contendo uma espécie de sopa rala que fumegava, 
exalando um cheiro pouco atrativo ao paladar. 
— Vamos lá! Vamos lá! — bradou, com sua rouquenha e grave voz 
de trovão. — Vai passar a eternidade dormindo? Experimente a 
melhor Jguaria da nossa culinária. 
E estendeu a vasilha na direção do rapaz. Ulisses se ergueu com 
dificuldade e sentou-se, recostando-se na parede da cabana. Apoiou 
 
a tigela no colo e, com uma rústica colher de pau, começou a tomar 
a sopa. Como teve uma reação de desagrado à primeira colherada, 
Adamastor perguntou: 
— O que foi? Não aprovou o sabor? 
O rapaz sorriu sem graça, e nada respondeu. 
— Pois eu vou lhe dizer — garantiu Adamastor —, que esta sopa é 
um verdadeiro manjar. Ela é feita de uma espécie muito rara de 
cogumelos que brotam nos troncos decompostos. Como aqui quase 
não há umidade, precisa-se fazer uma longa e difícil caminhada 
para encontrá-los. E a minha contribuição para a recepção de boas-
vindas — completou, com humor sarcástico. 
Ulisses se manteve em silêncio, mas pensou que se o prato mais 
concorrido daquela região era aquela sopa insossa, com gosto de 
madeira podre, deveria iniciar uma dieta bem radical. 
Mas, à medida que se alimentava, sentia-se revigorado e, embora a 
cabeça continuasse a latejar incessantemente, a sonolência foi 
desaparecendo. 
Adamastor, que acompanhava todos os seus movimentos, pareceu 
satisfeito com o resultado. 
-Ah! Vejo que, finalmente, vamos começar a agir — comentou, com 
certo entusiasmo. 
Ulisses, que já havia ingerido toda a sopa, olhou-o com curiosidade 
e, percebendo ter recuperado a capacidade de falar, sem que isto lhe 
causasse tanto sofrimento, perguntou: 
— O que está acontecendo, Adamastor? Que lugar é este? Por que 
você me trouxe para cá? 
Calma, meu rapaz! Com tantas perguntas de uma única vez, você 
acaba me confundindo. Em princípio, acho que deveria agradecer 
por ter saboreado aquela sopa. Afinal, comida de boa qualidade 
nesta região é coisa muito rara. 
— Desculpe o mau modo! — exclamou Ulis-ses. — E que ainda me 
sinto bastante aturdido com tudo o que está acontecendo. Agradeço 
 
pelo que você tem feito por mim, mas preciso de respostas. .. Estou 
muito confuso... 
— Bem, vamos aos esclarecimentos — disse Adamastor, saindo da 
cabana e fazendo um sinal para que Ulisses o acompanhasse. 
 
* * * 
 
Do lado de fora da cabana, Ulisses se espreguiçou demoradamente, 
respirando o ar saturado de fumaça e desagradáveis odores. 
O pátio estava deserto, envolto em penumbras, mal iluminado pelas 
tochas tremulantes. 
O rapaz deduziu que naquele local não havia a divisão entre dia e 
noite, já que aparentemente os raios solares nunca atravessavam a 
espessa cerração. 
A temperatura era sempre fria, provocando um tremendo 
desconforto que parecia ampliar a dor aguda, com a qual parecia ir 
se acostumando aos poucos. 
 
 
 
 
 
12 
A aldeia 
 
"O amor aos bens terrenos constitui um dos mais fortes 
entraves ao vosso adiantamento moral e espiritual. Pelo apego 
à posse de tais bens, destruís as vossas faculdades de amar, com 
as aplicardes todas às coisas materiais." 
 
E.s.E- Cap. XVI; item 14 
 
Adamastor e Juliano sentaram-se numas pedras arredondadas que 
serviam de bancos, em torno do pequeno braseiro, mantido 
constantemente aceso no centro do pátio. Reativando as brasas com 
uma vareta, o hospedeiro perguntou: 
— Por onde você quer começar a sessão de perguntas? 
— Gostaria de saber que lugar é este e quem são as pessoas que 
vivem aqui. 
Sem desviar os olhos do braseiro, Adamastor respondeu: 
— A única pessoa que vive aqui sou eu. Ou melhor, agora somos 
nós dois. 
— Mas, de quem são essas cabanas? Quem eram as pessoas que vi 
em torno deste braseiro, no dia que você me trouxe? 
Adamastor abriu os braços efusivamente e, olhando nos olhos do 
rapaz, disse: 
— Ulisses, o lado de cá não é muito diferente do lado de onde você 
veio. Há aqui lugares tão sinistros, quanto lá. Recantos destinados a 
encontros furtivos, a reuniões sigilosas... Isto acontece, porque os 
habitantes dos dois planos, em sua maioria, compartilham os 
mesmos desejos secretos, as mesmas necessidades fugazes, as 
mesmas falsidades... Aqui é uma espécie de... Deixe-me pensar num 
termo bem apropriado. Humm... Refúgio! Eu acho que é a palavra 
que melhor explica esta aldeia. 
— Refúgio? Mas, para quem? 
— Lugares como este servem para as pessoas realizarem aquilo 
que, por força das circunstâncias, não podem fazer do lado de lá. 
Aquelas pessoas que você viu, no outro dia, pertencem a um grupo 
político que atualmente detém grande poder e administra muito 
dinheiro público. 
— Políticos? 
— Sim. Eles se reúnem sempre aqui, para planejarem os melhores 
meios de desviarem verba pública para as contas do partido

Outros materiais