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Léa Beatriz Teixeira Soares Terapia Ocupacional

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� 
LÉA BEATRIZ TEIXEIRA 
SOARES !
TERAPIA 
OCUPACIONAL 
Lógica do Capital ou do Trabalho? !
Retrospectiva histórica da profissão no Estado brasileiro de 
1950 a 1980 !
EDITORA HUCITEC 
São Paulo, 1991 !!
DEDICO ESTE TRABALHO !
À dúvida e resistência de terapeutas ocupacionais que, apesar 
da alienação de sua prática e do espaço institucional, souberam 
abrir o debate e aprofundá-lo fora do espaço terapêutico 
específico. 
À luta dos trabalhadores em assumir a direção da história pelo 
aprendizado da reflexão e ação sobre os conflitos a serem 
superados. 
Àqueles que direta e indiretamente permitiram que este 
trabalho existisse, em especial à Camila e ao Zenon. !!
INTRODUÇÃO !
O presente trabalho se originou da crise do papel profissional 
desempenhado pela terapia ocupacional no Brasil nos anos 80. 
A fundamentação clínica, advinda da formação técnica e 
reducionista hegemônica nos cursos de graduação em saúde, 
não conseguia justificar os fracassos em programas 
reabilitacionais nem tampouco subsidiar a emergente 
intervenção em programas educativos e de promoção da saúde. 
A superação dessa crise, sob nosso ponto de vista, só pode advir 
do reconhecimento das raízes da atual conjuntura, ou seja, da 
inserção histórica e social da terapia ocupacional nas políticas 
sociais brasileiras, que delinearam determinadas práticas 
institucionais e enfoques terapêuticos. A alienação da categoria 
a respeito de seu próprio percurso histórico é fruto tanto da 
limitada literatura nacional (Arruda, 1962; Cerqueira, 1967; 
Gonçalves, 1964; Lemos, 1985; Silveira, 1976), dos conflitos e 
ruptura ocorridos nesta trajetória, quanto pelo fato de a 
constituição histórica existente ser factual, quase independente 
e autônoma do movimento da sociedade e de suas contradições. 
A literatura na área, primordialmente produzida nos Estados 
Unidos e Inglaterra (Hopkins, 1983; MacDonald, 1972; Mosey 
e Rerek, 1979; Reed e Sanderson, 1980; Scullin, 1975), 
fundamenta a constituição profissional como decorrência dos 
incapacitados da Primeira e Segunda Guerras Mundiais e do 
avanço das práticas médicas. Para estes autores não existe a 
produção social das doenças, o governo é um "mediador neutro" 
e a clientela não é observada enquanto classe social. 
Assim, o reconhecimento das tendências e conflitos 
contemporâneos esteve prejudicado pela ausência de uma cons-
trução histórica não fragmentada e globalizante. Pretende-se, 
com este trabalho, ultrapassar a visão instantânea da realidade 
para a identificação da inserção da terapia ocupacional com 
seus múltiplos fatores intervenientes na política de saúde 
brasileira. 
No Brasil a terapia ocupacional iniciou sua intervenção nos 
anos 40 com doentes mentais, e na década seguinte, com 
incapacitados físicos objetivando a remissão dos sintomas 
patológicos e a reabilitação social e econômica dessa clientela. 
Para tanto, utilizou-se o trabalho, a recreação e o exercício 
como meio de desenvolvimento e adaptação do homem à 
sociedade. A vinculação destas três formas de atividade humana 
numa abordagem terapêutica em resposta a demandas sociais 
específicas constituiu historicamente a terapia ocupacional. 
"O termo 'ocupação' tem sido desde muito reconhecido como 
um requisito para a sobrevivência e, em graus variados, como 
uma fonte de prazer. O termo 'terapia ocupacional' [...] é [...] o 
uso do trabalho, exercício e jogo como formas de 
tratamento" (Hopkins, 1983:1). 
A terapia ocupacional vem intervir no binômio trabalho- saúde 
e, sob nosso ponto de vista, assume, enquanto base 
fundamental, o caráter subjetivo/objetivo do trabalho como 
realização da capacidade humana e inserção do indivíduo à sua 
realidade material. 
Os terapeutas ocupacionais brasileiros, ao se engajarem no 
mercado de trabalho, têm convivido com a crítica realidade da 
assistência à saúde : verbas reduzidas para as medidas 1
preventivas de caráter coletivo e atendimento às populações 
marginais; a crise de insolvência dos serviços hospitalares e 
ambulatoriais particulares ou estatais mantidos pela 
Previdência Social, e a política de subvenção às entidades 
beneficentes ou particulares voltadas à reabilitação conveniadas 
ao sistema público. 
A terapia ocupacional, profissão historicamente ligada à 
reabilitação de pessoas portadoras de déficit ou incoordenação 
motora (oriundos de traumatismos, doenças incapacitantes ou 
degenerativas), problemas psíquicos ou deficiência mental, vive 
o dia-a-dia das instituições conveniadas ou, em menor escala, 
os programas públicos ambulatoriais e hospitalares de saúde 
mental, hanseníase e reabilitação profissional. A contradição 
 Este trabalho focaliza o período de 1950 a 1980; não inclui, portanto, as modificações 1
advindas como Sistema Único de Saúde.
principal no meio terapêutico ocupacional é a falta de 
condições de se concretizar o objetivo último da categoria: a 
autonomia do indivíduo em suas atividades de vida diária e sua 
absorção ao mundo do trabalho. 
Das instituições conveniadas, inúmeras entidades beneficentes 
se mantêm em decorrência do vínculo ao sistema de saúde 
previsto na Portaria Interministerial 186, de 1978, MEC-MPAS 
(Ministério da Educação e Cultura e da Previdência e 
Assistência Social: Brasil, s.d.:754). Esta portaria regulamenta o 
atendimento a excepcionais e determina os critérios de 
classificação para a dotação de verbas, de acordo com os 
recursos humanos e instalações, correspondente a cada tipo de 
clientela. Assim, no item recursos, o pessoal técnico recebe 
pontos segundo uma proporção prevista entre o número de 
clientes e a problemática atendida. A desatualização e 
fiscalização dos recursos governamentais face à recessão e 
injunções políticas têm favorecido a insolvência das entidades 
beneficentes que a enfrentam com campanhas de doação, 
sócios-contribuintes, promoções especiais, redução do quadro 
de pessoal, achatamento salarial e "superlotação" do 
atendimento. Assim a terapia ocupacional realizada na maioria 
destas entidades focaliza a orientação de professores, o 
tratamento neurológico e o treinamento de habilidades motoras 
e perceptivas. O enfoque profissionalizante é raramente 
abordado por requerer maior infra-estrutura, com programa a 
longo prazo e de natureza mais complexa. 
Nas clínicas, consultórios ou escolas particulares observa-se, 
como tendência, a sofisticação de técnicas e recursos, 
requisitando dos profissionais uma constante modernização. 
Nestes locais, apesar de a clientela ser de maior poder 
aquisitivo, aí também os profissionais necessitam atender mais 
pacientes em seu tempo de serviço ou ampliar a jornada de 
trabalho para manter seu próprio padrão de consumo e 
atualização. O trabalho do terapeuta ocupacional nas entidades 
particulares também se assemelha quanto aos objetivos, e às 
vezes até quanto à forma, ao planejado nas entidades 
beneficentes. A distinção se dá quanto às maiores chances de 
concretização deste programa terapêutico nas instituições 
particulares. 
Por sua vez, a população doente mental é atendida, se for 
previdenciária, em hospitais particulares conveniados, ou, 
então, em hospitais estatais e, mais recentemente, nos 
ambulatórios. O sistema de convênio hospitalar do INAMPS 
(Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social) 
também prevê um sistema de classificação segundo as 
instalações e recursos humanos, o RECLAC. Aqui as distorções 
também ocorrem. Por exemplo, um terapeuta ocupacional para 
cinqüenta pacientes, numa jornada de vinte horas semanais, 
vale quarenta pontos, número máximo atingido por esta 
classificação. Agora, a contratação do profissional não é 
obrigatória, pois "os mesmos quarenta pontos podem ser 
obtidos em espécie (geladeiras, por exemplo)" (Hahn, 1983:5). 
Em geral, existe somente um terapeuta ocupacional contratado 
em um hospitalde 250 leitos, cujo trabalho é a ocupação 
terapêutica de pequena parcela dos internos sem uma 
intervenção mais específica e individualizada sobre o distúrbio 
afetivo e práxico do indivíduo (cotidianidade, relacionamento 
social, prática profissional). O trabalho ocupacional objetiva 
basicamente a redução da sintomatologia do paciente, lidando 
com os aspectos mais gerais do indivíduo. 
Os Centros de Reabilitação Profissional do INAMPS contam 
em sua equipe profissional com terapeutas ocupacionais para 
tratamento e avaliação para o trabalho. No entanto, as 
perspectivas do previdenciário acidentado (80% dos casos 
elegíveis em São Paulo), ao ser recuperado, são, de imediato, a 
suspensão do auxílio-doença, sem a respectiva recolocação no 
mercado de trabalho. Em contrapartida, o acidentado não 
reabilitado vem somar um subemprego ao auxílio-doença, o 
qual, geralmente, é superior ao salário original, sem o risco da 
rotatividade de mão-de-obra no mercado de trabalho, cuja 
flutuação é elevada entre os incapacitados. Essa contradição 
promove o abandono do atendimento pelo acidentado ou ainda 
seu desestímulo pelo programa de reabilitação. 
Esse breve panorama da reabilitação no Brasil, com suas 
distintas e díspares instituições, tem como pano de fundo a 
mesma realidade: a inexistência de uma política governamental 
de reabilitação comprometida e sistemática para a área 
integrada aos demais níveis de atenção à saúde e a uma política 
de pleno emprego. 
O presente trabalho busca estabelecer um estudo sobre a 
constituição da terapia ocupacional no Estado brasileiro no 
período de 1950 a 1980, adotando o referencial materialista 
dialético. Por este referencial, foram relacionadas as políticas 
de saúde do século XX na sociedade brasileira, particularizando 
as medidas voltadas para a atenção terciária de saúde. Uma 
outra parte, imbricada a esta, foi a análise dos dados coletados 
e das entrevistas realizadas. 
O fenômeno da constituição de uma prática social pode ser 
estudado por diferentes óticas. Uma das formas propostas por 
Willeski (apud Tambini, 1979:5-6) divide o processo de 
constituição de uma profissão em cinco etapas. A primeira 
delas se dá com o surgimento de um grupo ocupacional cujo 
trabalho responde a necessidades sociais específicas; a segunda 
ocorre a partir da definição sobre o processo de seleção e 
formação deste grupo ocupacional; a terceira é a constituição de 
uma entidade da categoria; a quarta se manifesta na busca da 
legitimação oficial, do reconhecimento público e controle do 
ingresso e exercício profissional e, por último, na elaboração de 
um código de ética. 
Essa visão, que parte da necessidade social e percorre um 
caminho intrínseco à própria categoria ora constituída, apesar 
de lógica e seqüencial, não esclarece o movimento mais amplo 
entre a emergência de determinadas necessidades na sociedade, 
a luta política por seu reconhecimento, a reorientação do 
conhecimento científico para alguma destas necessidades, a 
constituição de novas modalidades ocupacionais a partir da 
revolução técnico-científica e a absorção e institucionalização 
dessas novas modalidades ao conjunto de medidas hegemônicas 
do Estado. 
A complexidade desta última abordagem exigiu o estudo de 
parte da literatura marxista sobre a estrutura da sociedade de 
classes; a historicidade das necessidades humanas e do próprio 
homem; as contradições imanentes a esse processo e sua 
superação; as transformações do modelo econômico e suas 
repercussões na saúde dos trabalhadores; as necessidades de 
saúde da população e as respostas do Estado via políticas 
sociais; e o papel econômico, político e ideológico imbricado 
nas práticas de saúde. 
Por este prisma, o caminho especificamente traçado por uma 
dada profissão, a terapia ocupacional, adquire uma nova 
dimensão: de síntese das múltiplas determinações a que está 
sujeita e sobre as quais exerce influência. Sob este mesmo 
enfoque outras profissões já foram analisadas, como a 
medicina, o serviço social e a pedagogia (vide, respectivamente, 
Gonçalves 1979; Verdes-Leroux, 1986 e Carvalho, 1989). 
A partir da literatura à qual tivemos acesso novas questões se 
colocaram: quais teriam sido os determinantes econômicos, 
político-ideológicos e as necessidades sociais que vieram 
constituir, no Brasil, a terapia ocupacional, uma outra 
profissão na área de saúde? A quais necessidades sociais estará 
a terapia ocupacional respondendo atualmente? Qual a função 
político-ideológica contemporânea desta prática de saúde? A 
terapia ocupacional responde ou pode vir a responder às 
necessidades da classe trabalhadora? 
A problematização desses pontos, que dão rumo a este trabalho, 
redimensionou a coleta de dados sobre o processo de 
constituição e desenvolvimento dos serviços e cursos de 
formação de terapeutas ocupacionais no Brasil. 
Para tanto foram levantados dados junto às treze coordenações 
de cursos de terapia ocupacional do país e foram realizadas 
entrevistas com pessoas que tiveram destaque no processo de 
formação de terapeutas ocupacionais em São Paulo, Rio de 
Janeiro e Minas Gerais, visando resgatar a história não 
documentada dos cursos pioneiros. A maior parte das 
entrevistas, ao fornecer elementos da realidade profissional, 
veio alimentar esta análise. O presente trabalho incorporou 
alguns depoimentos dos entrevistados, que aparecem 
diretamente no texto. As entrevistas na íntegra, no entanto, 
foram transcritas e permanecem à disposição dos interessados. 
O Anexo II lista a totalidade das entrevistas. 
A reflexão sobre o processo brasileiro ainda não atingiu um 
grau de explicitação que permita uma análise mais profunda, 
constituindo um impasse a ser enfrentado por este e tantos 
outros trabalhos que estejam sendo realizados. Tentou-se 
homogeneizar a linguagem, ainda que, por exemplo, os termos 
louco, insano, alienado surjam em vários pontos alternados, sem a 
precisão lingüística adequada. 
Pela complexidade dos fatores que envolvem a relação trabalho 
e saúde, e, especificamente, como o referencial teórico adotado 
neste trabalho ainda é pouco veiculado em terapia ocupacional, 
decidimos por fazer uma exposição de caráter introdutório para 
aqueles que necessitem se inteirar do método materialista 
dialético, no Capítulo I, e das políticas de saúde no Brasil, no 
Capítulo II. A originalidade deste trabalho se encontra nos 
Capítulos III e IV. 
Para tanto, no Capítulo I, apresentamos os conceitos básicos 
envolvidos nesta análise: a concepção histórico-material de 
homem e sociedade, o caráter de desenvolvimento e de 
alienação da atividade humana; as necessidades de saúde e 
respectivas respostas do Estado, e as funções que a medicina, 
como prática hegemônica da saúde, cumpre no Estado 
monopolista brasileiro. 
No Capítulo II buscamos retratar o movimento entre as 
transformações da base econômica sobre as políticas sociais do 
Estado brasileiro no século XX, destinadas à classe 
trabalhadora e às populações marginais, ressaltando as medidas 
vinculadas à reabilitação física e mental. 
No Capítulo III, o processo de implantação de serviços de 
reabilitação e respectivas instituições no Brasil, no período de 
1950 a 1980, são analisados segundo sua independência e 
articulação com as políticas sociais do país e do movimento 
internacional de reabilitação e revolução técnico-científica no 
setor saúde. 
No Capítulo IV, buscamos retratar a formação do terapeuta 
ocupacional no Brasil, os modelos técnico-científicos da 
profissão nos diversos espaços institucionais resultantes de seu 
entrelaçamento com as políticas sociais. Este percurso, sobre a 
historicidade do emprego de atividades com os indivíduos 
doentes, visa resgatar os elementos constitutivos de uma visão 
globalizante, unitária, da práxis humana, que supere a visão 
reducionista de homem-saúde-atividadee seja engajada no 
movimento de construção de uma nova sociedade. 
O presente trabalho não pretende encontrar saídas e concluir 
etapas. Ao contrário, quer ser uma contribuição à reflexão e 
problematização dessa prática social, ao resgatar o percurso de 
constituição da terapia ocupacional no Brasil, seu caráter 
assistencialista e suas contradições intrínsecas. Assim, ao se 
buscar reconhecer as funções econômicas, políticas e 
ideológicas cumpridas por esta prática profissional pretende-se 
pôr um pouco mais às claras as contradições da sociedade 
capitalista no que tange aos mecanismos de sujeição das classes 
populares intermediadas pelas instituições de saúde, visando 
corroborar com o processo mais amplo de emancipação dos 
trabalhadores. !!!!
1 
TRABALHO, CAPITAL E SAÚDE !
O presente capítulo trata das relações entre o trabalho 
humano, o sistema capitalista e a forma histórica social que a 
necessidade de saúde assume e é satisfeita no bojo da sociedade 
de classes. Esses pressupostos imbricam-se com o problema 
particular a ser tratado nesta investigação: a constituição de 
uma determinada prática social, a terapia ocupacional, no 
interior da divisão do trabalho em saúde na sociedade 
brasileira. 
A caracterização social da clientela neste século pertence 
primordialmente ao exército industrial de reserva e às 
populações marginais. O surgimento da terapia ocupacional na 
segunda década deste século nos Estados Unidos, em nosso 
ponto de vista, ocorreu no período de pico da produção 
industrial, quando a lógica economicista do capital requisitava 
a absorção de incapacitados à força de trabalho. Assim, 
criaram-se serviços de reabilitação física e oficinas de trabalho 
nos hospitais para a recuperação de inválidos. Já sua 
continuidade decorreu da adequação desta prática profissional, 
e dos serviços de reabilitação, ao processo global de divisão do 
trabalho na área de saúde, da realização de interesses político-
ideológicos das classes hegemônicas com estas parcelas da 
população e do atendimento de determinadas necessidades de 
saúde que não encontravam respostas na exclusiva intervenção 
médica. 
A sociedade brasileira, onde se desenvolve o capitalismo tardio, 
estruturou de maneira tênue e paulatina um sistema de saúde 
para a população, que inclui os serviços de prevenção, 
tratamento e reabilitação. A partir do início do século e 
sobretudo no Estado Novo, similar ao processo europeu, que 
teve início no século XIX, a saúde dos trabalhadores tornou- se 
tarefa do Estado, "instância da sociedade historicamente 
responsabilizada pelas condições de saúde da força de trabalho, 
[...] através de suas instituições médicas" (Luz, 1979:54). 
A identificação das condições de saúde como presença/ausência 
relativa de doenças na população tem sido adotada, aqui e nas 
demais sociedades capitalistas, de maneira a não se questionar 
a determinação que as condições globais de vida têm sobre a 
saúde da população. 
A análise que Madel T. Luz (1979) faz sobre as instituições de 
saúde brasileiras demonstra que a "crise da saúde do povo", 
resultante das duras condições de vida das classes populares no 
modo capitalista de produção, é "recuperada" segundo o 
discurso estatal ao implantarem-se medidas de saúde para a 
população, mas, na prática, estas vêm beneficiar, a nível 
institucional, os interesses das classes dominantes. 
O Estado brasileiro assume a centralização e o planejamento da 
saúde como mais um eixo de poder disciplinador da sociedade. 
A intervenção direta, maciça e organizada da estrutura 
governamental sobre a sociedade, após a Segunda Guerra 
Mundial, é fruto da concentração do capital. A autora fala do 
poder disciplinador da saúde: 
"Ora, uma das formas institucionais mais importantes de 
controle das classes pelo Poder dominante faz-se, segundo 
Foucault, através da manipulação dos corpos. Para a quase 
totalidade das camadas sociais o corpo é, primordialmente, 
neste modo de produção, instrumento de trabalho. As 
instituições vinculadas à Saúde e instituições médicas 
converteram-se progressivamente, desta forma, em todo o 
mundo capitalista, em instrumento fundamental de 
enquadramento político das classes e, indiretamente, de 
manutenção do sistema de produção" (Luz, 1979:50). !
As instituições vinculadas à saúde exercem, então, o papel 
regulador entre as classes sociais ao definirem a rotina diária: 
alimentação, higiene, moradia, os hábitos sociais, as condutas 
corretas com a doença, até a avaliação da doença como fator 
que permite/impede a execução do trabalho. 
Como a sociedade capitalista não é um modelo pronto, 
acabado, mas, ao contrário, realiza-se diferenciadamente em 
várias nações, com nuanças próprias e contradições internas, 
locais e internacionais, então o processo de intervenção do 
Estado capitalista sobre as instituições de saúde não pode ser 
analisado de maneira estanque, indiscriminada de uma nação 
para outra, ou, ainda, autônoma em relação às demais. 
As mudanças no modo de ação do Estado capitalista — de uma 
postura liberal, antiintervencionista, a uma intervenção 
articulada da economia às instituições da sociedade civil — e, 
concomitantemente, as várias representações que são 
formuladas em cada momento histórico, todas estas questões 
são resultantes, fundamentalmente, do modo como os homens 
vivem e se relacionam entre si, ou seja, do modo de produção 
da sociedade. 
A cada modo de produção da vida social e a cada etapa do 
processo de transformação deste modo de produção 
correspondem relações, estruturas sociais e representações 
específicas a este modo de vida que, por sua vez, são 
determinadas pelabase econômica, e, ao mesmo tempo, 
exercem influências sobre ela. 
Portanto, para se dimensionar uma questão específica da 
sociedade, particularmente o modo como a saúde/doença é 
concretizada numa determinada época e contexto social, 
relacionando as condições de saúde desta comunidade com as 
determinações da base econômica da sociedade e as iniciativas 
da sociedade civil e política em sua complexidade, faz-se neces-
sário explicitar a relação entre os pressupostos fundamentais 
desta pesquisa: a concepção histórico-material do homem e da 
sociedade; as contradições intrínsecas a cada modo de produ-
ção; o trabalho como elemento de desenvolvimento e alienação 
do homem; a historicidade da necessidade de saúde em 
particular; a divisão técnica do trabalho irradiando-se às 
práticas de saúde e às funções ideológicas e econômicas 
imbricadas nesse modo de concretização da saúde/doença. 
!
A CONCEPÇÃO HISTÓRICO-MATERIAL DE HOMEM 
E SOCIEDADE 
A principal premissa adotada é a de que o homem é um ser 
essencialmente social e histórico. 
O ato histórico que distingue os seres humanos de outros 
animais é a produção de seus meios de vida. Ao responderem 
coletivamente a suas necessidades e interesses, os homens 
produzem sua existência e, ao produzi-la, condicionam sua 
própria organização física. 
Agora, se para os animais a luta pela existência requer um 
desgaste de forças que é determinado por sua estrutura 
orgânica, a organização física do homem é que exerce 
influência decisiva sobre a luta pela preservação da existência. 
Inicialmente, a mão foi para o homem seu primeiro 
instrumento, a primeira ferramenta de que se valeu na luta 
pela preservação. A fabricação de outros instrumentos e a 
estruturação em grupos permitiram ao homem prescindir da 
transformação orgânica corporal para então exercer um 
domínio sobre a natureza. !
"Para ele [Marx] o homem não é uma coisa dada, acabada. Ele 
se torna homem a partir de duas condições básicas: "1. o 
homem produz-se a si mesmo, determina-se, ao se colocar 
como um ser em transformação, como ser da práxis; "2. a 
realização do homem como atividade dele próprio só pode ter 
lugar na história. A mediação necessária para a realizaçãodo 
homem é a realidade material" (Gadotti, 1982:42 — grifo do 
autor). !
A práxis, o trabalho humano 
O homem, diferentemente das outras espécies, é um ser em 
constante transformação, decorrente não mais de sua estrutura 
biológica, orgânica, mas fundamentalmente do trabalho 
humano, da produção material da sua existência. As 
transformações promovidas pelo homem e sobre o próprio 
homem se realizam a partir do e no processo do trabalho 
humano. 
O homem, a partir de sua prática, antecipa-se a ela, prevê, 
planeja sua ação e a modifica no contato direto de sua ação 
sobre a realidade material. Ao final deste processo prático-
reflexivo-prático, o homem modifica seu próprio plano, 
incorporando os dados adquiridos na experiência prática, ou 
melhor, tanto a realidade material (o que é dado) pode ter sido 
transformada quanto as relações sociais, as concepções, ou 
ainda o próprio homem. 
A colocação de finalidades é que caracteriza a práxis, a 
at ividade propriamente humana e essencialmente 
transformadora (Cf. Vasquez, 1975: 185-194). A práxis, por ser o 
mecanismo de transformação do homem, ao se concretizar na 
produção material da existência atinge sua máxima potência. A 
atividade prodiitiva humana, também chamada trabalho, como 
forma original da práxis, por sua dinamicidade, foi o cerne do 
processo de hominização, ou seja, de criação da espécie 
humana. !
O processo de hominização" 
O processo de hominização de nossos primatas surgiu com o 
advento do trabalho e, a partir desta base, edificou-se a 
sociedade. No momento em que os macacos passam a fazer uso 
premeditado de um osso ou madeira para alcançar alimentos à 
distância ou para se defender, que passam a usar 
sistematicamente as patas dianteiras como garras, 
especializando o uso das mãos e, principalmente, à medida que, 
ao antecipar sua necessidade de alimentação, proteção e preser-
vação, chegam a construir instrumentos, estes primatas 
adquirem qualidades e condições que irão modificar 
estruturalmente a sua relação com o meio natural adverso. 
Esse grupo de símios passa a se adaptar às variações dos meios 
naturais, a sobreviver às intempéries, a coletivizar sua 
experiência, a transformar a sua vida material, a transformar 
sua própria estrutura biológica, sensorial e a criar necessidades 
novas ao seu agrupamento. A linguagem se constitui a partir da 
necessidade de troca de experiências e aprendizagens, de 
explicitar melhor as antecipações e construções práticas. 
A atividade produtiva torna-se a base sobre a qual se assenta a 
hominização. !
"O aparecimento e o desenvolvimento do trabalho, condição 
primeira e fundamental da existência do homem, acarretaram 
a transformação e hominização do cérebro, dos órgãos de 
actividade externa e dos órgãos dos sentidos. 'Primeiro o 
trabalho, escreve Engels, depois dele, e ao mesmo tempo que 
ele, a linguagem: tais são os dois estímulos essenciais sob a 
influência dos quais o cérebro de um macaco se transformou 
pouco a pouco num cérebro humano'" (Leontiev, 1978:70). !
Nessa perspectiva teórica, na qual a hominização é o resultado 
da passagem à vida numa sociedade organizada na base do 
trabalho, as leis que determinam este desenvolvimento não são 
as leis biológicas mas as leis sócio-econômicas. Sobre este 
processo Leontiev (1978:264) conclui: "A hominização, 2
enquanto mudanças essenciais na organização física do 
homem, termina com o surgimento da história social da 
humanidade". 
Essa idéia aparentemente paradoxal contém a noção de que só 
é possível ao homem e às condições materiais continuarem 
modificando-se num outro processo, o de humanização, a partir 
da criação da cultura material e intelectual, e após a superação 
do processo de criação da espécie humana, ou seja, da 
hominização. !
O trabalho humano 
 Sobre o processo de desenvolvimento da espécie humana leia-se Aléxis Leontiev, 2
1978:259-84.
As aquisições culturais e sociais engendradas no processo de 
humanização são transmitidas de geração em geração, através 
da cultura material e intelectual, numa forma particular, 
específica à espécie humana — o trabalho. !
"Esta forma particular de fixação e transmissão às gerações 
seguintes das aquisições da evolução deve seu aparecimento ao 
facto, diferentemente dos animais, de os homens terem uma 
actividade criadora e produtiva. E antes de mais nada o caso da 
actividade humana fundamental: o trabalho" (Ibid.:265 — grifo 
do autor). !
Cada geração de homens apreende a realidade objetiva a partir 
de necessidades socialmente determinadas, a partir dos 
produtos (materiais e intelectuais) e de fenômenos 
historicamente desenvolvidos na atividade das gerações 
precedentes. E pelo trabalho que o homem historicamente 
transmite a sua produção anterior e engendra elementos para a 
criação do novo. 
Nesse sentido é que Engels (in Marx & Engels, II, s.d.:269) 
afirma: "O trabalho criou o próprio homem". E que Leontiev 
(1978:70) alerta: '"Ele [o trabalho] criou também a consciência 
do homem". 
Através do trabalho os homens produzem o seu meio de vida, a 
sua existência, sua consciência, a sua história e a própria 
superação destas condições. !
A produção da existência humana 
O modo de produção da existência humana se concretiza a 
partir: — dos meios de produção, constituídos pelos recursos 
materiais e instrumentais existentes e a se reproduzir e pela 
forma determinada da atividade produtiva dos homens; — das 
relações de produção, da mediação estruturada entre os homens 
pautada na divisão do trabalho e da propriedade dos meios de 
produção. 
O homem é a síntese da sua produção: do que e como produz. 
A cada modo de produção, ou seja, das condições materiais da 
existência, consubstancia-se um determinado homem. 
Ao desenvolvimento das forças produtivas correspondem novas 
condições de produção da existência, de onde a criação de 
novos materiais e instrumentos, o domínio sobre os diferentes 
elementos da natureza e o surgimento de novas necessidades 
sociais vêm constituir, posteriormente, nova estrutura de 
produção, novas relações de poder (imbricadas nesta nova 
estrutura) e, conseqüentemente, novas formas de existência. 
Intrínseca à divisão do trabalho corresponde a forma de 
propriedade sobre o material, instrumental e produto do 
trabalho, simultânea à etapa de desenvolvimento das forças 
produtivas. !
"As diferentes fases de desenvolvimento da divisão do trabalho 
são outras tantas formas diferentes de propriedade; ou seja, 
cada uma das fases da divisão do trabalho determina também 
as relações dos indivíduos entre si no que respeita ao material, 
ao instrumental e ao produto do trabalho" (Marx & Engels, 
1981:24). !
A historicidade do modo de produção 
A vinculação do modo de produção com as relações intrínsecas 
a ele deve ser dimensionada a cada período histórico. Por 
exemplo, no período medieval, quando a produção material era 
baseada primordialmente no consumo, a propriedade da terra 
era o elemento fundamental da divisão do trabalho. De um 
lado, estão as classes aristocráticas, proprietárias de terras, de 
outro lado, os servos da gleba. Os instrumentos, a terra, os 
animais, os servos eram tidos como entes "naturais" de uma 
realidade desigual. A desigualdade, por sua vez, era tida como 
"racional". 
Neste modo de produção, o desenvolvimento das forças 
produtivas é limitado à condição de os servos e aristocratas 
estarem atados à terra, da realização primitiva e artesanal do 
trabalho e da produção voltadas ao estrito consumo do feudo, 
sem excedentes. A representação do trabalho era intimamente 3
ligada a esta forma de organização social. !
"[...] o trabalho humano só podia ser concebido como estigma 
fatal ou castigo. Em outras palavras, o trabalho só poderia ser 
mesmo um TRIPALIUM [três paus], ou seja, um verdadeiro 
instrumento de castigo" (Nosella, 1986:5). !
Concomitantea cada modo de produção, correspondem 
contradições internas à coletividade, que se materializam em 
discrepantes condições de existência dos homens. O tecido 
social constitui-se, então, de distintas camadas e classes sociais. 
As camadas e classes sociais se discriminam quanto à 
propriedade do material, instrumentos e produto do trabalho, 
assim como pelas relações sociais de produção. !
O modo de produção capitalista 
No capitalismo, a propriedade dos meios e do produto do 
trabalho social pelo capitalista determina uma relação de poder 
autoritário sobre os assalariados. Cabe ao capitalista gerir a 
produção em sua forma e conteúdo assim como contratar a 
força de trabalho. Cabe ao assalariado vender a sua força de 
trabalho e se organizar coletivamente para conquistar melhores 
condições de existência, bem como a gestão do processo 
produtivo. 
À estrutura do modo capitalista de produção correspondem 
duas classes com interesses antagônicos e ao mesmo tempo 
complementares; neste modo de produção, as relações de troca 
 A representação é constituída a partir do movimento real que ocorre entre os 3
indivíduos e a sociedade, na produção de sua vida material e social. Karel Kosik, no 
livro Dialética do Concreto (1976:15), afirma que "a representação da coisa não 
constitui uma qualidade natural da coisa e da realidade: é a projeção, na consciência do 
sujeito, de determinadas condições históricas petrificadas". (Grifo do autor.)
entre os homens são mediatizados pela mercadoria. Dois 
fatores são significativos na constituição destas duas classes: a 
apropriação pela burguesia do controle do processo produtivo e 
do produto do trabalho social; e a alienação da força de 
trabalho pela classe assalariada. 
Ao trabalhador, espoliado de qualquer propriedade dos meios 
de produção e do produto de seu trabalho, restou alienar sua 
única propriedade, a força de trabalho. Ao capitalista coube o 
comando industrial e a compra da força de trabalho, 
transformada em mercadoria, que se submete às leis de 
circulação e do valor. 
Contra a concepção aristocrática medieval da propriedade sobre 
a terra e o trabalho que nela se realizasse de natureza mística, 
metafísica, emergiu a concepção burguesa de propriedade sobre 
o próprio corpo e o fruto do trabalho. Locke, no século XVII, 
no período de ascensão da burguesia inglesa ao poder político, 
afirmava: !
"Cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a 
esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. O 
trabalho do seu corpo e a obra das suas mãos, pode-se dizer, 
são propriamente dele" (1978:45). !
O conceito de propriedade a partir do próprio corpo e do fruto 
do trabalho, ao mesmo tempo em que transforma o servo da 
gleba em trabalhador livre-proprietário de sua força de 
trabalho, transforma o mestre de ofício em capitalista-
proprietário dos meios de produção e do fruto do trabalho 
realizado na manufatura. A burguesia chama a si a propriedade 
sobre o seu próprio trabalho e daqueles que nele se engajam 
gerando e ampliando o capital. 
A forma de organização do trabalho na manufatura possui a 
peculiaridade de gerar valor, já que o tempo excedente à 
manutenção e reprodução da força de trabalho, ou seja, a mais-
valia, é apropriado pelo capital. É neste processo que se assenta 
a fonte de acumulação do capital a partir da qual, de um lado, 
a burguesia amplia a jornada de trabalho, ou a intensifica, para 
obter mais tempo excedente e, portanto, mais capital, e, de 
outro lado, a força de trabalho tem o seu valor oscilante 
segundo os meios necessários à sua existência e a luta política 
entre trabalhadores e capitalistas. !
"Como qualquer outra mercadoria, a força de trabalho tem um 
valor, e como qualquer outra mercadoria, seu valor está 
determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário 
para sua produção; em outras palavras, o valor dos meios de 
vida necessários para sua subsistência e reprodução do 
trabalhador" (Cortazzo, 1984:10). !
A força de trabalho, diferentemente de outras mercadorias, 
requer o consumo de meios de vida (alimentação, moradia etc.) 
que são mutáveis assim como o modo de elas serem atendidas. 
Além disso, as próprias necessidades da força de trabalho 
transformam-se segundo o momento histórico e a situação 
espacial (meio físico, cultural etc.). Com isto, o valor da força 
de trabalho tampouco é estável e existente a priori, no que 
concerne aos meios de vida por ela consumidos, assim como às 
relações de classe presentes na sociedade. 
A partir do processo produtivo, não só estão definidas as 
relações quanto à propriedade, mas também as relações sociais 
de produção. !
"El resultado general a que llegué [...] puede resumirse así: en 
la producción social de su existencia, los hombres contraem 
determinadas relaciones necesarias y independientes de su 
voluntad, relaciones de producción que corresponden a una 
determinada fase de desarollo de sus fuerzas productivas 
materiales" (Marx, s.d.:69). !
Como nos afirma Marx, as relações de produção são 
determinadas pelo estágio das forças produtivas, por sua 
materialidade, que intrinsecamente inclui o grau de 
consciência e representação dos homens a respeito delas. O seu 
desenvolvimento é, então, impulsionado pela necessidade de 
ultrapassar as condições materiais objetivas e contraditórias 
presentes na sociedade de classes. 
O desenvolvimento das forças produtivas é impulsionado, 
então, pela necessidade de ultrapassar as condições materiais 
objetivas existentes na sociedade de classes. 
As condições de existência de cada classe social materializam-se 
não somente por sua respectiva capacidade de consumo de bens 
materiais, cujas necessidades são intrínsecas à sua práxis social, 
mas também pelas relações sociais (dominação/submissão/
igualitárias) estabelecidas nas várias instâncias da 
superestrutura. 
O conjunto de relações de produção condiciona o processo de 
vida social, política e intelectual em geral — "as relações de 
produção determinam todas as outras relações que existem entre os 
homens na sua vida social" (Plekanov, 1980:33 — grifo do 
autor). 
A base econômica que cimenta este homem, ao mesmo tempo 
raiz e fruto de sua produção material, determina a sua 
existência social, política e intelectual. Essa existência se 
manifesta na superestrutura da sociedade. !
A superestrutura da sociedade 
A existência social dos homens realiza-se em determinado 
bloco histórico, ou seja, na relação orgânica entre a base 
econômica que os cimenta e as superestruturas da sociedade. A 
direção cultural (hegemonia) e a coerção são garantidas através 
dos aparelhos culturais, políticos e econômicos que coesionam 
os interesses contraditórios de capitalistas, operários e 
camponeses. !
"A estrutura e a superestrutura formam um 'bloco histórico', 
isto é, o conjunto complexo — contraditório e discordante — 
das superestruturas é o reflexo conjunto das relações sociais de 
produção" (Gramsci, 1981:52). !
Os interesses antagônicos de classe perpassam as 
superestruturas e nos Estados mais desenvolvidos estão presen-
tes em duas instâncias do Estado. Gramsci, pensador italiano 
do século XX, ampliou a teoria marxista do Estado ao 
distinguir as duas instâncias: a sociedade política e a sociedade 
civil. A primeira delas — a sociedade política, classicamente 
conhecida como Estado ou governo — é o aparelho de poder 
que se mantém pela coerção (síntese da repressão com a 
violência), por intermédio das forças armadas, polícia, 
administração, tribunais, burocracia (cf. Buci-Gluckmann, 
1980:126). A segunda instância — a sociedade civil — é 
constituída pelos aparelhos "privados" de hegemonia (o 
consenso obtido pela persuasão) como sindicatos, Igreja, escola, 
família, através dos quais a direção intelectual e moral da 
classe dominante obtém o consentimento e a adesão das classes 
subalternas. Algumasorganizações do Estado tanto podem ser 
ligadas à sociedade civil ou política como, por exemplo, o 
sistema escolar, ou, ainda, podem ser ligadas a ambas como é o 
caso do parlamento. !
"[..,] neste sentido, poder-se-ia dizer que o Estado = sociedade 
política + sociedade civil, isto é, hegemonia revestida de 
coerção" (Gramsci, 1980:149). !
A hegemonia enquanto direção política é mantida na sociedade 
civil a partir da ideologia do grupo dirigente. A ideologia , 4
apesar de hegemônica, não é assimilada em sua totalidade 
 A ideologia é a concepção de mundo que liga o corpo social (cf. Gramsci) ou, ainda, 4
segundo Saviani (1980:28), é a estrutura organizada de princípios, objetivos e ações 
orientados ao final de um processo reflexivo.
pelos demais grupos sociais, que, de fato, a partir das relações e 
de sua práxis social, estruturam também suas concepções de 
mundo. A consciência dos homens advém da função, 
justaposição e contraposição das várias concepções de mundo: 
das anteriormente dominantes, da atual e da que está sendo 
forjada com vistas à constituição de um novo bloco histórico. 
Agora, como nos delimita Marx: !
"Não é a consciência do homem que determina o seu ser mas, 
pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua 
consciência" (Marx & Engels, v. I, s.d.:301). !
Ou seja, são as condições objetivas, materiais, que constituem a 
consciência dos homens de uma coletividade e não 
supostamente o seu inverso, a consciência que determina o seu 
ser, a existência. 
A ideologia dominante vem cimentar a consciência e a práxis 
social da coletividade buscando encobrir as contradições da 
estrutura social ou apresentá-las como naturais, abstratas, 
anistóricas. Assim ocorre com as representações acerca do 
trabalho, tema central para a presente investigação. !!!
As representações acerca do trabalho 
Na sociedade capitalista, onde o trabalho da classe dominante é 
gerir a produção, atividade abstraída do ato de produzir, do 
contato direto na transformação material, a ideologia burguesa, 
de um lado, supervaloriza a atividade do capitalista, 
caracterizando-a como "trabalho intelectual" e, de outro, 
desqualifica o trabalho operário, daquele que mantém contato 
direto com o material, caracterizando-o como "trabalho 
manual". É claro que, em ambos os trabalhos, o do capitalista e 
o do operário, tanto a habilidade motora quanto a capacidade 
mental estão sendo empregadas em sua execução; no entanto, o 
que se passa na consciência dos homens na sociedade 
capitalista é que a hegemonia burguesa na sociedade civil 
divulga maciçamente sua representação social quanto ao 
trabalho burguês e operário, a ser assimilada ao conjunto de 
outras representações e concepções de mundo vigente — do 
TRIPALIUM, já mencionado anteriormente, ao trabalho 
criativo, não alienado. 
Agora, se a ideologia burguesa consegue, de um lado, encobrir 
a interdependência e os antagonismos das classes sociais, não 
consegue, de outro, mascarar as contraditórias condições de 
existência das classes. 
Ora, se os bens materiais e culturais são produzidos a partir do 
trabalho e não estão ao alcance de quem os realiza, da classe 
trabalhadora em particular, essa contradição fundamental é 
que move as relações e o modo de produção capitalista. !!!
O caráter alienado do trabalho e suas contradições 
Outra das contradições produzidas no desenvolvimento das 
forças produtivas foi a alienação do homem em sua atividade 
prática. As relações de produção desiguais e a apropriação por 
uma classe de produtos do trabalho social têm provocado a 
separação entre as aquisições do desenvolvimento histórico 
daqueles que criam este desenvolvimento. !
"Esta separação", afirma Leontiev (1978:275), "toma antes de 
mais nada uma forma prática, a alienação econômica dos meios e 
produtos do trabalho em face dos produtores directos. [...] Ela é, 
portanto, engendrada pela acção das leis objectivas do 
desenvolvimento da sociedade que não dependem da 
consciência ou da vontade dos homens" (grifos do autor). !
Do processo de produção realizado nas corporações de ofícios 
medievais à manufatura, e desta à grande indústria, o trabalho 
foi sendo paulatinamente parcelado, simplificado, substituído 
por instrumentos de produção, pela maquinaria, de maneira 
que foi possibilitado o aumento da produtividade, o 
atendimento de necessidades sociais novas e a extração de 
mais-valia da força de trabalho. No entanto: !
"A separação do trabalhador das condições objetivas da 
produção, ou seja, da terra, do conjunto dos meios de produção 
e dos meios de subsistência, gera a abstração do caráter 
humano da produção, coisificando o trabalhador. A sujeição 
física e mental do operário ao capital se efetiva através das 
condições de trabalho que a ele são imputadas" (Ferreira, 
1983:29). !
A abstração do caráter humano da produção, o seu 
parcelamento, tem gerado a alienação do homem em sua ativi-
dade produtiva, negando o elemento subjetivo do trabalho, 
coisificando o homem. A racionalização do processo de pro-
dução advém da divisão do trabalho em condições de concor-
rência cujo "[...] resultado é a difusão da maquinaria industrial 
e a mecanização do trabalho humano" (Lukács, 1981:129). 
Essa lógica do capital vai permeando as representações e 
atividades realizadas na superestrutura. Desta forma, 
encontramos a atividade material e intelectual, o prazer e o 
trabalho, a produção e o consumo cada vez mais separados e 
pertencentes a diferentes homens. De um lado, a concentração 
de riquezas na classe dominante, acrescida da concentração da 
cultura intelectual e, de outro lado, a massa da população com 
acesso ao mínimo de desenvolvimento cultural necessário à 
produção de riquezas materiais, no limiar das funções que lhe 
foram socialmente atribuídas. 
A alienação concretiza-se para a maioria dos homens, não é 
"privilégio" de uma classe social ou de outra, de uma categoria 
profissional ou de outra, tampouco é específica ao trabalho, 
estando igualmente presente no não-trabalho, no tempo livre, 
no qual a indústria cultural participa da veiculação de padrões 
de consumo de mercadorias e concepções necessárias ao 
amálgama das classes como um todo social harmônico. Resulta 
que as necessidades não satisfeitas no espaço e tempo de 
trabalho desenvolvem tensões nos indivíduos que o dirigem à 
realização de atividades "compensatórias" no seu tempo livre. 
O trabalho realizado no tempo livre, ou o não-trabalho como 
também é chamado, não assume necessariamente a condição de 
alienação, ao mesmo tempo que é fortemente determinado pela 
alienação do processo produtivo . A luta social pela redução da 5
jornada de trabalho, de liberação do trabalhador das condições 
alienadas de produção e, conseqüentemente, de maiores 
condições de usufruir o progresso socialmente produzido torna-
s e , mu i t a s ve z e s , " a ú n i c a f o rma p o s s í ve l d e 
resistência" (Nosella, op. cit.:16). 
A alienação do homem em suas atividades irá repercutir 
fundamentalmente nas práticas sociais que se utilizam da 
atividade humana, tanto no espaço educacional quanto no 
espaço terapêutico, como ocorre com a terapia ocupacional. 
Ora, se o tempo livre do homem for objetivado em atividades 
práxicas, criadoras e não se transformar em atividades 
"compensatórias" à divisão social de produção poderá remeter 6
o seu realizador à questão essencial: por que o trabalho 
produtivo tem de ser parcelar, numa estrutura autoritária, 
vertical, à base da disciplina e coação? Não será possível ao 
homem objetivar-se, ultrapassando os limites e contradições 
atuais destas relações de produção, deste modo de produção? 
A alienação, para ser superada, depende da superação das 
dicotomias entre teoria e prática, entre a propriedade dos meios 
 Sobre a alienação no trabalho e no lazer ler Georges Friedman. O trabalho em 5
migalhas.São Paulo, 1972:155-229; István Mészáros, Marx: a teoria da alienação. Rio 
de Janeiro, Zahar, 1981:87-133 e Harry Braverman. Trabalho e capital monopolista. 
1981:15-69.
6 O sistema de produção contemporâneo, da divisão do trabalho no monopólio, pode ser 
aprofundado em Braverman (op. cit.:359-379).
e produtos do trabalho de seus realizadores, entre o domínio 
técnico-científico do processo de trabalho e o corpo coletivo que 
o realiza. A alienação somente será totalmente superada através 
do controle do trabalho sobre a produção, num novo modo de 
produção: !
"Assim, um autêntico controle pelo trabalhador tem como seu 
requisito a desmistificação da tecnologia e a reorganização do 
modo de produção" (Braverman, 1981:376). !
A participação dos trabalhadores, através da autogestão, no 
ponto de vista acima, significa ainda pouco em relação a uma 
verdadeira democracia dos trabalhadores na fábrica. No 
entanto, ao se inserirem no poder participativo , os 7
trabalhadores vão dimensionar ainda mais a necessidade do 
domínio técnico como instrumento de luta na superação da 
alienação do trabalho produtivo e, portanto, no rumo da 
desalienação da sociedade como um todo. 
Assim, a divisão do trabalho poderá vir a ser superada pelo 
desenvolvimento das forças produtivas, com a automação 
absorvendo a especialização das atividades alienadas antes 
realizadas pelo homem, numa condição nova, a de liberação do 
homem no trabalho parcelar numa estrutura de poder 
igualitária, num novo modo de produção, o comunismo. !
"Portanto, se o 'ethos' da era conhecida e antevista por Smith 
[Adam — autor de A Riqueza das Nações] estabelecia corretamente 
as virtudes da especialização, da divisão, devemos, na era que se 
aproxima, reservar um lugar igualmente consagrado para as 
 Sobre o tema ler Dominique Pignon e Jean Querzola, "Democracia e autoritarismo na 7
produção", in: Stephen Marglin et alii. Divisão social do trabalho, ciência, técnica e 
modo de produção capitalista, 1974. E sobre a crítica à visão romântica dos "grupos 
semi-autônomos" ler Benedito R. •de Moraes Neto e Felipe L. G. da Silva. "A linha de 
montagem no final do século". Revista de Administração de Empresas, 26(4): 45-6, out./
dez., 1986.
vantagens da amplitude, da síntese" (Weiss, 1976:15 — grifos do 
autor). !
Ao mesmo tempo que o desenvolvimento das forças produtivas 
irá emancipar o homem do trabalho alienado parcelar, a 
coerção existente, no bojo do processo produtivo, será também 
ultrapassada. A tecnologia produzida historicamente, a 
compreensão científica e tecnológica da cultura moderna, torna 
possível a liberdade ao homem sem os riscos de uma recaída 
histórica a níveis mais baixos de produtividade (cf. Weiss, 
1976:12). 
A liberdade da escolha da atividade a ser realizada pelo 
homem, a oportunidade de ampliar suas atividades produtivas 
não impedirão a necessidade de também as pessoas 
contribuírem de maneira ordenada à comunidade. O trabalho 
coletivizado, o domínio do processo de funcionamento de todo 
o complexo técnico-social, a abrangência do entendimento e a 
criatividade são os desafios colocados ao novo modo social de 
produção da sociedade, o comunismo. 
Se, de um lado, é fundamental a transformação da base 
econômica para revolucionar a organização social, de outro, 
anterior e simultâneo a este período, uma nova concepção de 
homem e sociedade se tornará hegemônica nesta formação 
social. 
A "crise de hegemonia", na concepção de Gramsci, ocorre 
quando um determinado grupo social, ainda não dominante, 
consegue atingir um consenso entre os demais grupos, 
coesionando o corpo social e dando-lhes a direção política e 
cultural. Essa situação somente ocorre no período de 
agudização das contradições, quando a classe dominante lança 
mão da força para assegurar o poder e evitar que um 
determinado grupo consciente desse processo instaure um novo 
bloco histórico, uma nova estrutura orgânica entre a base 
econômica e a superestrutura. 
O grupo social que conquistar a adesão de outros segmentos 
sociais pode obter a hegemonia anterior à conquista do 
aparelho governamental. A crise de hegemonia emerge quando 
a ideologia da classe dominante não consegue coesionar a 
"opinião pública" e se manter sólida entre as organizações que 
compõem a sociedade civil e política em contraposição à 
ideologia e ação da classe ascendente, que passa a assumir a 
direção política. 
A solidez da hegemonia da classe dominante depende do 
desenvolvimento de ambas as instâncias da sociedade e de sua 
íntima vinculação. Em formações sociais cuja sociedade civil é 
umbilicalmente ligada e dependente da sociedade política, a 
luta de classes volta-se para a conquista e conservação do 
Estado no sentido clássico (cf. Coutinho, 1985:65), ou seja, a 
classe dominante se mantém no poder através de governos 
autoritários e centralizados e a luta de classes se volta 
diretamente para a conquista do aparato governamental e não 
das "frágeis" instituições da sociedade civil. Em formações 
sociais do tipo ocidental, onde há o equilíbrio entre a sociedade 
civil e a política, a luta de classes se trava nas e pelas 
instituições hegemônicas do Estado: !
"[...] numa conquista progressiva — ou processual — de espaços 
no seio e através da sociedade civil" (Ibid: 65 — grifo do autor). !
No processo de conquista de espaços na sociedade civil, na 
obtenção do consenso e na luta pela hegemonia nas 
organizações estatais, sindicais, nos conselhos de fábrica, nas 
organizações e nos movimentos populares é função do Partido , 8
no sentido mais amplo de direção de classe, incentivar e 
 Ao definir a função do Partido e o seu processo de transformação Gramsci declara: "O 8
Partido representa não só as massas mas também urna doutrina, a doutrina do 
socialismo, e por isso luta para unificar a vontade das massas no sentido do socialismo, 
embora actuando no terreno real do que existe, mas que existe movendo-se e 
desenvolvendo-se" (1978:50 — grifo do autor).
direcionar essas lutas com vistas à obtenção do espaço gover-
namental para o exercício do poder vinculado a uma trans-
formação radical da base econômica. 
A luta pela hegemonia não é exclusividade do espaço 
partidário , sendo também dependente da conquista da direção 9
nas organizações privadas do Estado. A direção política de um 
grupo social realiza-se através do intelectual orgânico que 
catalisa o desvelamento da ideologia dominante e de suas 
representações e gera ações eficazes sobre os principais con-
flitos deste grupo social. !
"Nesse sentido é que a tarefa do intelectual é decisiva já que 
cabe a ele assumir a direção orgânica do grupo no qual 
atua" (Oliveira, 1980:41). !
O papel do intelectual orgânico em seu grupo social, conforme 
a concepção gramsciana, é fundamental no direcionamento, 
organização e síntese das necessidades e contradições internas 
ao seu agrupamento. 
Ao se estudar um problema da realidade social não basta 
identificar as suas contradições internas, tem-se também que 10
estabelecer a sua interdependência. Ao se dimensionar as forças 
contrárias a um dado problema, é possível estabelecer modos de 
intervenção globalizantes, totalizadores, que atendam às 
demandas internas a esse fenômeno. !
A SAÚDE NA SOCIEDADE DE CLASSES 
 Nessa perspectiva, Gruppi argumenta: "Nunca Gramsci pensou que a classe operária 9
pudesse conquistar o poder só com o partido; ela deve ter outras ligações, outras 
organizações, deve estar presente nas instituições estatais além de nas de 
massas" (1980:86.)
 O termo contradição é aqui empregado no sentido dialético de elementos internos, 10
inerentes aos fenômenos e que apesar da polaridade são complementares, não podendo 
ser negados na análise dos fenômenos.
A análise até aqui realizada da concepção de homem, estrutura 
social e trabalho permite agora enfocar uma questão específica,a saúde humana, a ser organicamente dimensionada no 
interior da sociedade capitalista. 
A espécie humana, que se organiza e desenvolve a partir do 
trabalho, transforma a necessidade de saúde e o modo de ela 
ser satisfeita segundo a sua estrutura econômica e o momento 
histórico desta sociedade. Então, faz-se necessário entender as 
contradições inerentes ao atendimento da necessidade de saúde 
no modo de produção capitalista. 
A saúde é uma necessidade humana que historicamente tem se 
transformado tanto ao nível conceituai, ou seja, das 
representações que se formam sobre o que é saúde, quanto nas 
formas como ela é administrada e legitimada socialmente. 
Por exemplo, o conjunto de necessidades denominadas doenças 
inicialmente relacionava o instinto e a sensibilidade do próprio 
indivíduo que sofre, antes mesmo de expandir-se a uma rede 
de relações sociais. !
"As experiências advindas destas relações", relata-nos Arouca 
(1978:133), "eram comunicadas às outras pessoas, de pais a 
filhos, constituindo quase uma experiência coletiva diante do 
sofrimento." !
A divisão do trabalho não atingia ainda o nível de especializar 
e circunscrever o saber sobre a saúde numa única prática 
social. 
Foucault, em seu livro O Nascimento da Clínica, a partir de uma 
perspectiva arqueológica, analisa o processo de concentração do 
saber clínico que constituiu a Medicina. 
Na Antiguidade, durante o período da propriedade tribal, 
quando a divisão do trabalho era pouco desenvolvida e se 
limitava à divisão entre os membros da família, os chefes, 
patriarcas da tribo, realizavam todos os cultos e tinham poderes 
totais sobre os membros da família. A explicação dos 
fenômenos era mística e as medidas clínicas adotadas contra a 
doença ocorriam nos rituais religiosos. 
É somente após a organização das tribos, fratrias e cúrias nas 
cidades, quando a divisão social do trabalho se desenvolve e 
uma nova ordem social se estrutura, com novos valores e 
necessidades, que o saber clínico veio a ser desmistificado, 
transformando-se numa atividade leiga, um trabalho prático, 
experimental. Nesta etapa a dissecação e as cirurgias se tornam 
medidas incorporadas à prática clínica. 
Zilboorg, na História da Psicologia Médica (1968:34), comenta esta 
mudança no espírito grego. !
"O espírito não permaneceu atado muito tempo a sua própria 
mitologia [...]. A princípio do século VI a.C., o espírito grego se 
voltou para as observações e até um certo grau de 
experimentação." !
Assim, no campo da saúde, a experiência do sofrimento 
requer agora a intervenção de um indivíduo cujos 
conhecimentos possam cuidar deste sofrer. A especialização em 
uma determinada prática social, a Medicina, cria também 
novas formas de formação e transmissão desse saber, 
inicialmente não institucionais, mas vinculadas aos praticantes 
dessa modalidade de trabalho. A concentração desse saber 
provocou, em contrapartida, o desconhecimento da comunidade 
como um todo de medidas próprias para o combate às doenças, 
que ao ser assistida recebe o cuidado em si e não o 
conhecimento sobre o processo saúde/doença/cuidados de 
saúde. 
Nessa perspectiva, Arouca, no artigo "O trabalho médico, a 
produção cap i ta l i s t a e a v iab i l idade do mode lo 
preventista" (1978), expõe que: !
"[...] médicos e pacientes encontram-se em relação de troca em 
que um é portador de necessidades e o outro de conhecimentos. 
Mas o que o primeiro recebe não é o conhecimento e sim o cuidado, 
forma instrumental deste conhecimento monopolizado" (p. 133, 
grifos nossos). !
Historicamente, esta relação de troca entre o especialista e o 
indivíduo portador de necessidade foi se substantivando numa 
atividade econômica determinada, a medicina, corroborando a 
divisão entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, entre 
as aquisições do desenvolvimento técnico-científico da 
sociedade e o afastamento das camadas populares desta 
produção. 
Na sociedade capitalista, onde a força de trabalho tornou- se a 
única propriedade do trabalhador, a saúde, por seu turno, se 
transforma numa qualidade da força de trabalho que lhe 
possibilita maior produtividade e o próprio consumo no 
processo de extração da mais-valia. Como nos declara Arouca 
(1978:143): !
" [ . . . ] a saúde, como valor biológico, pode ser considerada como um 
atributo da força de trabalho para que ela melhor possa ser 
consumida no processo produtivo. Porém, paradoxalmente, a 
força de trabalho como mercadoria incorpora para sua 
manutenção um 'quantum' de trabalho, cujo efeito não é 
aumentar o seu valor, mas sim possibilitar o aumento da sua 
exploração"(grifos nossos). !
A ausência temporária ou não do atributo saúde penitencia 
duplamente o trabalhador: de um lado, pelo sofrimento 
decorrente do processo patológico e, de outro, pela privação 
econômica resultante do não consumo de sua força de trabalho. 
No processo capitalista de produção, o cuidado de saúde se 
transforma de necessidade em meio de vida, similar à moradia 
e alimentação; e, como meio de vida, cumpre a função de 
garantir a subsistência e reprodução da força de trabalho. 
A medida que avança a acumulação do capital, torna-se mais 
complexa a sua composição técnica, devido à centralização e 
transformação tecnológica originada pelo próprio trabalho. Este 
processo traz conseqüências diretas para o presente estudo, 
podendo ser sintetizadas em: 
1º) A revolução técnico-científica da produção incide 
diretamente sobre as condições de saúde do trabalhador. 
2º) A mudança da composição técnica do capital provoca a 
diminuição crescente (em relação ao capital total) da demanda 
de trabalho, ampliando o exército de reserva e as massas 
marginais. 
3º) A expansão do capital para o setor terciário introduz a 
divisão técnica na área de saúde. !
1º) A revolução técnico-científica e a saúde 
A interferência da revolução técnico-científica na produção 
sobre a saúde do trabalhador se processa através da 
racionalização do trabalho com a crescente simplificação, 
parcelamento e coisificação das atividades para a maioria dos 
trabalhadores da produção e do escritório e através da gerência, 
no planejamento e abstração de atividades para um certo grupo 
de empregados. 
A racionalização do sistema produtivo promove: a aceleração da 
produção; a determinação do ritmo de trabalho pelo tempo da 
máquina ou da linha de montagem; a transformação dos 
elementos subjetivos em fator humano (mensurável e previsto 
tecnicamente); a realização do trabalho em condições adversas 
do meio físico; a alienação do homem em sua atividade 
produtiva. 
A contrapartida ao sistema produtivo assim estruturado se 
manifesta a nível individual por meio de: absenteísmo e "turn-
over", ainda como expressões individuais de "resistência" ao 
desconforto do trabalho; acidentes de trabalho; doenças 
ocupacionais (silicose, asbestose e outras); doenças 
incapacitantes, cuja ordem de incidência junto à Previdência 
Social em 1975 (Cf. DIESAT, 1984:6) são as neuroses, 
hipertensão arterial, osteoartrose, epilepsia e tuberculose. 
Essas manifestações, mesmo quando interferindo na 
produtividade (por exemplo, o absenteísmo), ou ainda que asso-
ciadas, direta ou indiretamente, às condições e ambientes de 
trabalho, não produzem modificações no processo de trabalho, 
que historicamente se consolida como forma irreversível da 
produção. De outro lado, a legislação previdenciária, que pode 
absorver itens relativos a segurança e higiene no trabalho, 
somente se transforma nos momentos de intensa mobilização 
social. 
A forma de o capital lidar com a força de trabalho já era 
explicitada por Marx, ao final do século passado, em O Capital, 
Livro I, Vol. I: !
"A produção capitalista, que essencialmente é produção de 
mais-valia, absorção de trabalho excedente, ao prolongar o dia 
de trabalho, não causa apenas a atrofia da força humanade 
trabalho, à qual rouba suas condições normais, morais e físicas 
de atividade e de desenvolvimento. Ela ocasiona o esgotamento 
prematuro e a morte da própria força de trabalho. Aumenta o 
tempo de duração do trabalhador num período determinado, 
encurtando a duração da sua vida" (1982:301). !
As manifestações da intensidade da exploração da força de 
trabalho evidenciam-se pelos índices de mortalidade e 
morbidade assim como pela taxa de criminalidade, retratando a 
"racionalidade" do sistema produtivo. 
O antagonismo de interesses das classes sociais, face ao poderio 
político-econômico da burguesia, tem provocado, de outro lado, 
a resistência e organização dos trabalhadores. As bandeiras de 
luta do movimento sindical, segundo o grau de consciência de 
classe do conjunto dos assalariados, avançam dos estritamente 
econômicos (aumento salarial, índice de produtividade, 
descanso semanal remunerado) para os de cunho político mais 
acentuado (redução da jornada de trabalho, proteção ao 
trabalho do menor, condições de segurança contra acidentes e 
insalubridade, co-gestão). 
Nesse contexto se estabelece uma forma específica de medicina, 
intimamente ligada à indústria, seja ela assalariada pela 
própria indústria ou por uma empresa de prestação de serviços 
médicos. As atribuições desta prática médica se estendem desde 
seleção de mão-de-obra saudável a ser contratada, o controle do 
absenteísmo pela constatação ou não de ocorrência de doenças/
acidentes que impeçam a realização do trabalho, o diagnóstico, 
a possível medicação até o desligamento do trabalhador de 
acordo com um quadro "nosológico" (de uma gravidez, às 
doenças ocupacionais, crônicas e incapacitantes). Os casos mais 
complexos, que requeiram longo tratamento, são geralmente 
encaminhados à Previdência Social. 
A lógica desse sistema pauta-se na recuperação do trabalhador 
na quantidade necessária que garanta a produtividade e a 
extração do trabalho excedente. !
"Não se trata de uma garantia de condições gerais de saúde ao trabalhador, 
segundo um conceito ideal de saúde e sim de mantê-lo em 
condições mínimas de saúde para a produção, reduzindo o impacto do 
desgaste na produção sobre o organismo" (Possas, 1981:XXVI — 
grifos da autora). !
Os cuidados médicos destinados ao nível "necessário" de saúde 
aos trabalhadores da empresa, ao serem incorporados à 
estrutura produtiva, como um novo elemento na revolução 
técnico-científica, favorecem a assimilação da força de trabalho 
pelo capital e, paradoxalmente, o atributo de saúde "necessário" 
aos trabalhadores exclui da produção parcelas da força de 
trabalho caracterizadas como inaptas ao ingresso ou à 
permanência no sistema produtivo. 
Os assalariados não incluídos no atendimento de empresas 
médicas conveniadas ou pelo médico assalariado da própria 
indústria são atendidos pela rede previdenciária de assistência 
à saúde. O trabalho médico realizado na rede previdenciária, 
ao atender a força de trabalho e o exército de reserva, cumpre a 
mesma função do médico assalariado da indústria ou empresa 
de saúde, ou seja, de recuperar, manter e reproduzir a força de 
trabalho. !
"Assim, selecionando, mantendo e recuperando a força de 
trabalho, aumentando a sua produtividade, diminuindo os 
riscos a que ela está submetida, a Medicina participa da 
organização do processo produtivo, diminuindo o tempo de 
t r aba lho nece s sá r io e aumentando a ma i s - va l i a 
produzida" (Arouca, 1978:143). !
O trabalho do médico e das demais profissões de saúde, ao se 
realizar nos serviços beneficentes, centros ou postos de saúde, 
que atendem ao exército de reserva e às populações marginais, 
está ligado à superestrutura, cumprindo um papel político-
ideológico significativo, ao disciplinar e controlar a população 
excedente do capital. !
2º) A revolução técnico-científica e a população excedente 
Na fase monopolista, o aumento da concentração do capital 
permite, através da racionalização, mecanização e automação, a 
revolução técnico-científica na indústria, na incessante busca 
do aumento de produtividade. Essas medidas provocam a 
redução na taxa de absorção da força de trabalho, 
proporcionalmente ao volume de capital acumulado. Ou seja, a 
revolução técnico-científica, introduzida na indústria ao final 
do século passado, diminuiu a força de trabalho contratada por 
ela própria. Este fato, às vezes, é encoberto com a expansão da 
produção de seus bens ao mercado consumidor, que resulta no 
aumento global do número de assalariados, mas a uma 
proporcionalidade reduzida. 
O processo de liberação contínua da força de trabalho reduz o 
número de trabalhadores realmente produtivos, amplia o 
número de trabalhadores do exército de reserva, aumenta a 
utilização do trabalhador em empregos ociosos ou nenhum 
emprego. 
Braverman (1981:204-5), ao analisar os dados do censo do 
Departamento de Estatística do Trabalho dos Estados Unidos, 
verificou que do universo de trabalhadores não agrícolas no 
período de 1920 a 1970 houve uma redução na porcentagem de 
trabalhadores contratados pelas indústrias fabris, de construção 
e outras "fabricantes de bens". Em relação ao número total de 
trabalhadores não agrícolas, a porcentagem de trabalhadores 
contratados era de 46,6% em 1920, passando a 33,0% em 1970. 
De fato, considerando-se a fonte idônea, pode-se constatar uma 
redução no índice de assimilação de trabalhadores na indústria, 
apesar do aumento absoluto da população trabalhadora ocupada 
na fabricação de bens. A outra face do deslocamento da 
população está ligada ao aumento absoluto e relativo do setor 
terciário. 
O excedente de trabalhadores liberados da indústria vai ser 
absorvido em novas ocupações, transformando-se a estrutura 
ocupacional da classe trabalhadora. Muitas destas ocupações 
vão surgir no setor terciário, responsável pela assimilação de 
parcelas cada vez maiores da força de trabalho. O setor 
terciário, funcionando a uma taxa de exploração maior que a 
da indústria, também introduz em determinados setores a 
racionalização do trabalho, liberando novo contingente de 
trabalhadores. Parte desse contingente liberado, amplamente 
não sindicalizada e retirada da reserva de pauperizados da 
sociedade, é assimilada por novos setores de baixa 
remuneração, que são menos suscetíveis à mudança tecnológica 
e requerem pequeno capital inicial. A intensidade da 
exploração e opressão nestes setores é imensamente maior que 
nos setores mecanizados da produção. 
Outra parcela desse contingente de trabalhadores vai ampliar o 
exército de reserva ou população excedente relativa na sua 
forma flutuante e na forma estagnada. 11
A primeira delas, a forma flutuante, é constituída pelos 
trabalhadores que vão de função a função e segundo os 
movimentos da tecnologia e do capital, sendo contratados é 
depois descontratados. O desemprego entremeia esses períodos 
de ascenso e refluxo do setor industrial e de serviços. Nos 
países onde se estabeleceu o seguro-desemprego ele funciona 
como um salário reduzido, a partir das contribuições cobradas 
durante os períodos de emprego. !
"[...] o sistema de seguro-desemprego [...]; é em parte uma 
garantia contra o desemprego prolongado, em parte o 
reconhecimento dos papéis desempenhados pelos 
trabalhadores, ora como parte dos empregados ora como parte 
das reservas do trabalho" (Braverman, 1981:327). !
A outra forma, a população excedente relativa estagnada, é 
empregada de maneira irregular, eventual, marginal e se 
mistura com outro sedimento da população que vive em 
condições de miséria — as populações marginais. 
A concentração do capital cria (e recria) uma massa de 
trabalhadores desempregada, o exército de reserva, que exerce 
pressão sobre o mercado de trabalho, puxando para baixo a 
massa de salários e desempenhando, por isso, um importante 
papel no processo de acumulação. “Todotrabalhador dela faz 
parte durante o tempo em que está desempregado ou 
parcialmente empregado" (Possas, 1981:48). 
 Marx (1982, Livro I, V. 11:743-52) distinguiu três formas do exército de reserva, 11
incluindo, além das duas supramencionadas, a forma latente, que está fora do 
movimento de trabalho, e é aquela que se encontra nas zonas agrícolas, resultado da 
falta de movimentos de atração compensatórios à repulsão dos "liberados" pela 
revolução tecnológica agrícola. Ela não contém os contingentes liberados das cidades e 
zonas metropolitanas.
Em outro trecho de seu livro Saúde e Trabalho, Cristina Possas 
amplia o conceito: !
"Assim, o trabalho excessivo da parte empregada da classe 
trabalhadora engrossa as fileiras de seu exército de reserva, 
enquanto inversamente a forte pressão que este exerce sobre 
aquela, através da concorrência, compele-a ao trabalho 
excessivo e a sujeitar-se às exigências do capital" (p. 54-5). 
Assim, percebe-se que a existência do exército de reserva não 
ocorre somente por necessidade de se manter baixa a massa de 
salários, mas também de sua sujeição às condições adversas de 
ritmo, insalubridade, jornada de trabalho, alienação, ou seja, da 
produtividade planejada para o setor. 
Outra parcela da população categorizada como "excedente" aos 
interesses do capital são as populações marginais, pauperizadas. 
A acumulação do capital e o progresso técnico criam e ampliam 
essa faixa da população que, por sua vez, está cronicamente 
afastada do sistema produtivo, cuja participação na economia 
somente ocorre em picos de aceleração do processo de 
acumulação. 
Nela estão os indivíduos alijados pela divisão do trabalho: os 
que ultrapassam a idade normal de um trabalhador, as vítimas 
da indústria, os deficientes, enfermos, viúvas etc. 
Marx inclui o pauperismo como categoria autônoma a ser 
analisada na superpopulação relativa: !
"Finalmente, o mais profundo sedimento da superpopulação 
relativa vegeta no inferno da indigência, do pauperismo. [...] O 
pauperismo constitui o asilo dos inválidos do exército ativo dos 
trabalhadores e o peso morto do exército industrial de 
reserva" (Marx, L. I, V. II, 1982:746-7). !
A "massa marginal", o pauperismo, é ampliada ainda mais nos 
países dependentes que, pela industrialização tardia, tendem a 
liberar mão-de-obra do campo e das formas de produção 
anteriores sem haver a expansão acentuada de empregos no 
mercado de trabalho. Elas vêm engrossar as massas humanas 
na periferia das cidades. 
A proletarização e pauperização de contingentes mais amplos 
da sociedade acarretam, por conseqüência, a elevação das taxas 
de morbidade (doenças) e a redução do tempo de vida médio da 
população. A miséria e a insegurança tornam-se permanentes 
no seio das nações capitalistas, extrapolando a capacidade das 
entidades filantrópicas privadas de controlá-las (cf. Braverman, 
op. cit.:244). 
O papel do Estado no capitalismo m onopolista é ampliado de 
modo a. interferir nas lacunas e contradições mais agudas da 
acumulação do capital, tornando-se complexo e requintado. Ele 
intervém no processo de concentração do capital de 
universalização d a economia através de medidas econômicas e 
políticas, trabalha com um orçamento absoluto e relativo 
ampliado e se efetiva pelos mecanismos repressivos e 
coercitivos, e pelos mecanismos político-ideológicos, que se 
concretizam, por meio de um discurso igualitário e universal, 
nas instituições escolares, de saúde, de comunicações e outros 
serviços. !
"E muitos desses 'serviços' como prisões, polícia e 'assistência 
social' expandem-se extraordinariamente devido à amargurada 
e antagonística vida social das cidades" (Braverman, 1981:245). !
Minimizando as precárias condições de vida da população, o 
Estado capitalista implanta serviços de saúde pública e 
atendimento de urgência visando à erradicação e controle das 
doenças de massa a partir das ações de saúde sobre os membros 
da comunidade. O caráter social da doença não é absorvido 
pelo Estado. Berlinguer (1980:41) explicita esta determinação: !
"A doença é um sofrimento individual, como sinal de um 
sofrimento coletivo, é assim como um sinal de alerta de que 
algo não vai bem com a coletividade. Se se cuida unicamente 
do sofrimento individual, ela vai se repetir em outros 
representantes da comunidade, pois a causa social não foi 
abolida." !
Ao contrário da perspectiva apontada por Berlinguer, de 
transcender o atendimento individual, dirigindo-se da célula às 
causas sociais que adoecem o tecido social, as ações de saúde 
implementadas pelo Estado capitalista objetivam manter viva a 
força de trabalho necessária ao capital, aliviar a insegurança 
social, conter as tensões nas populações marginais e encobrir os 
imensos contrastes na existência dos homens, por meio de um 
discurso igualitário e universal e uma ação atenuante e 
pontual. Assim, de um lado, preserva-se a hegemonia burguesa 
sobre a sociedade civil, com a criação de instituições públicas 
de saúde, a subvenção a instituições asilares filantrópicas e 
entidades privadas, enfim, desenvolve-se um conjunto de 
medidas que serão chamadas de políticas sociais; de outro lado, 
atende-se a reivindicações e anseios das massas populares 
quanto à melhoria em suas condições de vida expressas em 
movimentos organizados ou em manifestações espontâneas de 
descontentamento que, por vezes, são violentas. 
O governo brasileiro, ao formular suas políticas sociais, como 
veremos em maior profundidade no capítulo seguinte, 
contribui para a acumulação do capital, também a partir do e 
no próprio sistema por ele planejado. De forma indireta, 
controlando e mantendo a força de trabalho irá gerar mais-
valia ao capitalista e, diretamente, através da inclusão das 
empresas privadas de saúde no sistema previdenciário. 
As medidas de saúde pública, de assistência curativa 
individualizada e de reabilitação de incapacitados e deficientes 
vão se articulando no Brasil de maneira paulatina e 
contraditória. Urbach (in Moraes, 1973:140) nos alerta: !
"Quanto maior o desenvo lv imento econômico , e 
conseqüentemente quanto maior a complexidade social, maior 
é a importância da estrutura médica como elemento 
sustentador do edifício social." !
3º) A divisão técnica na área de saúde 
As determinações da base econômica não se dão apenas na 
forma de assimilação do cuidado de saúde ou das relações de 
poder institucionais, mas também na estratificação dos serviços 
e do acesso aos cuidados de saúde pelas distintas classes sociais. 
A estrutura de saúde, seja a diretamente mantida pelo Estado, 
seja a sustentada pelas empresas médicas ou por entidades 
filantrópicas, incorpora a revolução técnico-científica da 
produção. Ao racionalizar, especializar e tecnicizar as práticas 
de saúde introduz novas modalidades ocupacionais: de um lado, 
os enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, 
fisioterapeutas, e, de outra parte, os auxiliares, técnicos, 
atendentes de enfermagem, psicologia, terapia ocupacional, 
fisioterapia etc. Assim, o trabalhador individual é transformado 
em força socialmente combinada, em processo de trabalho 
coletivo. 
O espaço institucional torna-se mais hierarquizado ainda numa 
estrutura ocupacional que vai do atendente ao administrador, 
numa multiplicidade de instituições como os centros de saúde, 
ambulatórios, hospitais, centros de reabilitação, asilos etc. 
A hierarquia, em alguns setores, permanece confusa e 
descontrolada, pela transformação de profissionais liberais em 
assalariados e pelas disputas interdisciplinares quanto à 
supremacia médica e às áreas de fronteira . A medicina, 12
entretanto, ainda é a prática hegemônica na área de saúde, cuja 
autoridade lhe foi conferida historicamente. 
 Sobre a expansão de catorze profissões da área de saúde, a legislação específica e as 12
áreas de conflito, ver Mary Jane

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