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LENIO LUIZ STRECK /Sum i (it> ^íúii é uma obra diferenciada: d e forma inter- dísciplínar, o autor faz uma abordagem que n a v e g a pelo Direito, peia So c io lo gia, pela Filosoua e peia Antropologia, Tema que suscita empolgantes contro vérsias, o Tribunal do Júri é visto, n e sta quarta ed ição , s o b re uma ótica garan- tista, a partir da perspectiva de qu e o Direito deve s e r um sistem a d e garanti as. Assim, no E s ta d o Dem ocrático Direito, o júri é exam inad o tendo pors*e- m issa a m áxima d e Luigi Ferraioli: Direi to mínimo na e s fe ra penal e máximo na e s fe ra social. Dito de outro modo, Lenio Streck sustenta que o direito penal e p ro cessu a l penai não deve s e r u sado h obbes ian am en te. O jurista e a s o c ie dade não têm que escolher entre civili zação e barbárie! Depois de examinar a crise pela qual p a s sa o Direito em n o ssa sociedade, o autor examina o T-ibunal do Júri no contexto de um país atravessado por c la ss e s sociais diferenciadas e díspares, Quem julga quem? Quais as condições de possibili dades que existem para que o júri venha a se transformar em instrumento de sobe rania popular? São perguntas que per passam constantemente a obra. Várias propostas- de modificação do júri são apresentadas na obra, A alteração no rito processual, a simplificação dos quesi tos, a ilegalídade/inconstitucionalidade do quesito antigarantista da participação de qualquer mqcfo (art. 29 do CP), a tesé do direito penal dò fato como obstáculo à. de mocratização do júri, a necessidade do; alargamento da competência do tribünal popular, o julgamento sempre por maioria do votos, a abolição da sala secreta, são alguns dos pontos discutidos no decorrer da obra. Tribunal do Júri S ÍM B O L O S & R I T U A I S 1043 S914A Streck, Lenio Luiz Tribunnl do júri : s ím b olos e r ituais / Lenio I Streck: ' ’ c rn o d ,— Porto Alegre: Li rni cio A l ■ 001. i y 3 j > 1 ’ i . íbH 0-3 1. Tribunal do Júri. I. T ítulo C D U 343 .195 ín dice alfabético Tribu nal do jú r i vrn- (Bibliotecária respon sável : M arta R o b er to , C R B - 10/652) LENIO LUIZ STRECK Tribunal do Júri SÍMBOLOS & RITUAIS Q U A R T A E D IÇ Ã O re v is ta e m o d if ic a d a À liv raria // DO A D V O G A D O / ed i t ora Porto Alegre 2001 © Lenio Luiz S treck , 2001 R evisão de Rosar .e M a rq u es Borba Projeto gráfico e d ia g ra m n çã o de Livraria do A d v o g a d o Editora G ravu ra da capa H o no ré D au m ier : Q u erem os B arrabás Direitos desta ed ição r e s e rv a d o s por Livraria do A d v o g ad o Ltda. Rua R iachuelo, 1338 90010-273 Porto A leg re RS Fone/fax : 0800-51-7522 in fo@ d oad v o g ad o .co m .b r w w w .d oa d voga d o .com .b r Im presso no Brasil / Prinfed in Brazil "A torneira seca (mas pior: a falta de sede) A luz apagada (mas pior: o gosto do escuro) A porta fechada (mas pior: a chave por dentro)" fnsé Paulo Paes Dedico esta obra à memória de A m o Streck e Ervino Schafer. Cada um a sua maneira, grandes figuras. Prefácio Neste livro denso e iconoclasta, Lenio Streck convida o leitor a visitar o Tribunal do Júri, mas proíbe-lhe o roteiro turístico tradicio nal: nada de cartões postais, do tipo doze apóstolos - doze jurados, do qual aliás Lord Devlin dizia, com humor, implicar um Judas a cada Júri1, Antes mesmo de transpor o átrio do tribunal, vê-se o leitor concitado ao exame da argam assa que compatibiliza e uniüca os múltiplos materiais construtivos: o discurso dogmático. Advertido para a constante extração de "significados tranqüili zadores" que a garimpagem dogmática efetua nas jamais contradi- tórias jazidas do legisla d or_ racional e neutro, to leitor p o d e r á ' ^ t o f ã v ã ír f ê T õ !^ melhor a HçãodeT^mngrTa sobre o homicí- / dio privilegiado, especificamente sobre o motivo político: "quando nobre e altruístico, e não inspirado em credos subversivos do atual regime social, pode ser incluído entre os motivos de relevante valor social"2. Em outras palavras: o hom icídio da UDR, em defesa de um dos pilares do regime social, constitucionalm ente reconhecido (art. 'í 5Q, inc. XXIII, CF), será privilegiado; o homicídio do MST, inspirado / i na idéia repulsiva de que a propriedade não é .um direito absoluto j . ) (a r t 4Q, i;ic. ^XXIII, CF) será h ediondo/A propósito, Lenio Streck desnuda a superioridade hierárquica cia propriedade sobre a vida, difusa, porém incontestável m ente expressa nas' escalas penais dos crimes pluriofensivos em que a tutela dos dois bens jurídicos se entrecruzam. Quando o visitante chega à sala de audiências, vê-se convoca do para uma compreensão geopolítica daqueles espaços e daqueles assentos, sobre os quais os discursos complementares (e não anta gônicos, como Lenio observa) da acusação e da defesa delimitam as 1 Trinl By ju ry . Londres, S teven s & S o n s , 1971, p, 8. 2 Hu ngria , Nelson. C om entários no C ód ig o Penal. Rio de ja n e ir o , Forense , p. 125. possibilidades do veredito. Lenio propõe urna leitura antropológica do procedimento do júri, entrevisto como rito de passagem que se consuma na sentença pela agregação do réu, seja à sociedade inocente, seja ao rol dos culpados. A questão da representa ti vidade do corpo de jurados, costu- meiramente omitida em trabalhos puram ente dogmatico-descríti- vos, é tratada com destaque. Nada mais adequado; a questão essencial do júri é esta, e seu surgimento histórico está absoluta mente vinculado ao princípio do julgam ento pelos pares, que na Inglaterra do século XII dava consistência judiciária ao caráter pessoal dos estatutos jurídicos. Em seu belo texto dramático sobre Bccket, jean Anoilh põe na boca do arcebispo de Canterbury as seguintes palavras: "Nunca poderei aceitar que um elérico se submeta ao julgamento de outra jurisdição que mão seja a da igre ja"3. Henrique II, o soberano em cujo reinado o júri nasceu para os julgamentos cr im in a is , j iãq . ,gostou do que ouviu, e o resto cia história é conhecido.fNos tribunais do Brasil contem porâneo,"ã" f classe média - fuTiciohários públicos que assim desfrutam de uma licença extraordinária, profissionais liberais mais ou menos desocu- e um ou outro artista T c ru ta d o eventualmente por algum vulo que o admire - a classe média julga os trabalhadores, os i pregados e agora os inem pregáveis que a hegemonia neoiibe- rai produz massivamente a cada dia. ' O livro se ocupa, também, é claro, dos problem as técnico-jurí- dicos que estão na vida dos operadores: os interessados em nulida- de do quesito vago sobre participação não se decepcionarão. Silenciarei sobre minha única discordância, acerca da inconstitucio- nalidade do assistente de acusação, só concebível através de uma idealização do Ministério Público que expurgasse definitivamente a vítima do cenário judicial. Se tivesse que escolher uma passagem deste livro que mais legitimamente o representasse, não hesitaria em indicar aquela na qual, retomando a fábula da t^ela__penal, Lenio Streck menciona um certo discurso místico, que leva os hom ens a aceitar os rituais inerentes ao universo jurídico como necessários à realização da idéia de justiça. Esta passagem me evoca o tom decidido com que Foucault abriu suas reflexões sobre a justiça popular:f"Parece~me que não devemos partir da forma do tribunal e perguntar como e em que condições pode haver um tribunal popular, e sim partir da 3 Jean Anoilh, Bccket ou a H onra de D eus. Trad. de F. M idões. Lisboa, Presença, 1965, p. 185. justiça popular, dos atos de justiça popular e perguntar que lugar pode ai ocupar um tribunal"4?! Ainda que o contextoseja tão diferente - Foucault está pensando na justiça da revolução, e Lenio, em revolução na justiça - os dois pensamentos se encontram na insubmissão aos rituais do poder judicial e na desconfiança dos} conteúdos que subjazern e organizam essas formas sombrias. \ N ilo Bat ista 4 fo u c a u l t , Michel. M icrofís ica do poder. Trael. de Roberto M achad o. Rio de Janeiro, Graai, 1982, p. 39, Sumário A p r e s e n t a ç ã o ......................................................................................................................................... 13 N otas i n t r o d u t ó r i a s ........................................................................................................................... 17 1. O Jú r i , o Processo P en a ! e o D ire i to P en a l n a p e r sp e c t iv a do Estado D e m o c rá t ic o de D ire ito . D a u t i l id a d e de u m a a n á l i s e g a ran tis ta . P ersp ec tiv a s (d es )cr i in in a l izad o ias : o v e rs o e o re v e rso da tu te la p en a l . . 21 2. A (crise da) dogmática ju r íd ica , o e n s i n o ju r í d ic o e a id eo lo g ia : um u n iv erso do s i l ê n c i o .................................................................................................................... 31 2.1. f ; ) e id e o lo g ia ......................................................................................................... ' 31 2.2. A ica jurídica c a crise tio p a r a d i g m a ..................................................................... 34 2.3. C comum teórico dos ju r is tas o a crença a o Um.-ítu co m o uni "sistem a logico" e " r a c i o n a l " ........................................................................................... 40 2.4. D ogmática e ensino jurídico: a in s t i tu c io n a l iz a çã o de um universo do s í i ê n c i o .................................................................................................................................. 42 2.5. O formalismo do pen sam ento d o g m á t ic o do D ire ito e a d if icu ldad e para a com preensão da co m p lex id a d e dos fe n ô m e n o s s o c i a i s .................. 45 3. V id a e m orte n o C ó digo Penal. A d o g m á t ic a ju r í d i c a e o b e m ju r í d ic o so b a proteção da l e i .................................................................................................................... 53 3.1. Vida e morte nos Códigos e os có d ig o s da vida e da m orte ...................... 53 3.2. A teoria do bem jurídico e a " m is sã o se c re ta " do D ireito Penal ou de co m o "Ln iexj es com o In scrp ic iü e; so lo p ica a los t lesa ilz o s" ............................. 56 3.3. A nova missão (garantista) do D ire i to Penal e do Processo Penal em face do Estado D em ocrático de D ire ito .............. r " ' . ........................................... 60 3.3.1. A perda da validade (não recep ção) de t ipos p e n a i s .................................... 62 3.3.2. A (necessária) aplicação dos p r in cíp ios da p ro p o rc io n a lid ad e e da razoabil idade no Direito Penal . ............................................................................. 64 3.3.3. A inconstitucionalic lade da r e i n c i d ê n c i a ? .......................................................... 71 3.3.4. A (re)discussão do alcance da p r isão cau te lar n o E stado D em o c rá t ico de D i r e i t o .............................................................................................................................. 72 4. O T r ib u n a l do Júri - or igem , c o m p o s iç ã o e c r í t i c a s ............................................... 75 4.1. A origem do júri e o direito a l i e n í g e n a ..................................................................... 75 4.1.1. O júri e a com m on hm> - Inglaterra e Estados U n i d o s ................................... 75 4.1.2. O júri na França .............................................................................................................. 79 4.1.3. O júri em P o r t u g a l ........................................................................................................... 81 4.1.4. O júri na E s p a n h a ........................................................................................................... 84 4.2. O júri no B r a s i l ..................................................................................................................... 86 ^ 4.3. Tribunal Popular no Brasil: p ró s c co ntras - p o lêm icas e m i t o s ................ 90 4.3.1. Os mitos da v erd ade real e da neutra l id ade j u d i c i a l ............... ...... 92 y 4,3.2. A d iscriminação do j ú r i .................................................................................................. 95 „<• 4.4. A co m posição do Tribu nal do Júri ........................................................................ ... 97 4.5. Os jurados e a representa ti v id ad e s o c i a l ................................................................. 98 4.6. O corpo de jurados e o estabelecim ento de um "padrão de no rm alid ade" 100 5. O T r ib u n a l do Júri : o r itual , os a tores e os d i s c u r s o s ............................................ 103 5.1. O Tribunal do Júri co m o ritual ................................................................................. 103 5.2. O réu e sua trajetória no p r o c e s s o ............................................................................... 109 5.3. Os discursos no Tribunal do jú r i ................................................................................ 114 -'5 .4 , O Direito Penal do autor versus o Direito Penal do t a t o ................................. 116 5.5. O discurso da a c u s a ç ã o .................................................................................................... 119 5-6. O discurso da defesa ......................................................................................................... 121 5.7. O poder dos fracos versus a pedra q u e os construtores re je itam ou a dialética r e p r i m i d a ? ............................................................................................................ 123 6. O im a g in á r io d iscurs ivo e os resu ltad os dos j u l g a m e n t o s ...................... ... 125 6.1. O discurso corno m anifestação concreta do im aginár io d os ju r is tas . . 125 6.2. A s contradições sociais ou " m a te m -s e en tre vó s qu e nós os ju lg a re m o s entre n ó s " .................................................................................................................................. 129 6.3. jú r i , mitos e ritos ou de co m o os resultados dos ju lg a m e n to s são "e x p l ic a d o s" de forma e s t e r e o t i p a d a ........................................................................ 132 7. A necessária d em o crat ização <lo T r ib u n a l do j ú r i ............................. ..................... 141 7.1. A sp ecto s p o i í l i c o - i d e o l ó g i c o s ....................................................................................... 141 7.2. A spectos ib rm a i s- i n.s t r u m e n l a i s ................................................................................... 146 7 .2 .1. f.) rito processual: ce ler id ade que se im põe - os vários p ro je to s e a n t e p r o je t o s ........................................................................................................................... 147 7.2.2. O p ro blem a dos q u e s i t o s ...................................................... ................................ 152' 7.2.3. Q uesito único nas h ip ó teses d e p ed id o de absolvição pelo M inis térioP ú b l i c o ............................................................................................................ 155 7.2.4. Ju lg am en to sem p re por m aio ria de v o t o s .......................................................... 155 -- 7.2.5. A necessária abo lição d o q u esito (antigarantista) genér ico da part ic ipação "d e qu a lq u er m o d o " ............................................................................ 156 7.2.6. A inco nsti tucion alid ade da n ecessid ade do recurso ex o ffic io do arl, 4 j 1 do C P P ...................................................................................' ............................... 156 , -7 .2 .7 . A inco nsti tucion alid ade do ass is tente de acu sação .................................... 158 7.2.8. A tese antigarantista (e anti-secular) do "direito p en a l do a u to r " co m o obstáculo à d e m o cra t iz a ç ã o do Tribunal do J ú r i ............................. 160 7.2.9. A soberania dos v ere d ictos e o d u p lo grau de j u r i s d i ç ã o ......................... 162 7.2.10. C r im es de trânsito e o T ribu na! d o J ú r i .............................................................. 165 7.2.11. A necessidade do a la rg a m e n to da com petên cia do T r ib u n al do Júri 169 7,3. Deve o Júri ser extinto? O ju lg am en to por ín tim a co nvicção , sem a n ecessidade de ju s t i f icação / fu n d am e n tação , é co m p at ível com um a perspectiva garantista do D ire ito? A sp ecto s p o lí t ieo- id eo lóg ieos e form ais- in stru m en la is acerca da controv érsia ................................................... 170 B i b l i o g r a f i a ............................................................................................................................................ 177 Apresentação "A In m in em eu que. los bru jos de Ins com unhindes prirniti. m s detentnem i el p od er qu e se despren de d e eicrln s t fen ica s secretas parn ob len er d e Ia d ivindnd o de In nntnraleza los favores reclam ados por Ui cam u n idad , el p od er de los ju r is ta s estriba en el con tro l dei secreto sobre las fo rm a s eu qu e Ias norm as ju ríd icas deben com bin arse parn o b len er una regu la- ciou m ás 'sntisfactorin' de Ias relaciones socia les en tre los hombres. En este espacio dei secreto cn qu e los m itos reemplaznn a! con or im ien lo y st/ xmelvcn op erativos, de tal m odo r .............."arn in iposible avan?. ;r eu In p rod iicc iõn de eonoeii iríilicos si uo se iidentn d esm an te lar los sislcnií u ceiôii â e ledes mtíus". Ricardo t n t c l m a n , in A p o rtes a ia form ación de una epistcm ologia jurídica cn base n algunos anáí is is dei funcionam iento dei discurso jurídico. A feitura de uma nova edição - agora já a 4a - apresenta-se como um desafio: passar de um tempo para outro, corrigir equívo cos formais e materiais, revisitar teorias e questionar os próprios conceitos emitidos anteriormente. Uma questão, porém, permanece intacta, qual seja, a perspectiva crítica acerca do Direito e da dogmática jurídica. Por isso, o Tribunal do Júri é analisado em um misto de resgate e crítica. Como mecanismo de institucionalização dos conflitos e reprodução ritualística de uma dada sociedade, o Júri carece de profundas modificações. Como mecanismo de partici- paçcão popular, mormente pela possibilidade do alargamento de sua competência, deve o Júri ser fortalecido. E neste meio-fio que a obra se forja, buscando construir um discurso que faça uma síntese no entrechoque de posições. Com o advento do Estado Democrático cie Direito, instituído pela Constituição de 1988, é indispensável que haja. um profundo repensar acerca da função do Estado e do Direito. Ventos neolibe- TRIBUN AL DO JÚRI 1 3 rais-globalizantes colocam em xeque a perspectiva intervencionis- ta-promoved ora-transformadora do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, é importante que qualquer análise que se faça sobre o Direito e a dogmática jurídica passe pelo crivo desse novo modelo de Direito, que põe à disposição do campo jurídico os mecanismos necessários para o resgate das promessas da modernidade e dos direitos sociais e fundamentais do. Estado Social que não se realizou em nosso país. Dito de outro modo: no Brasil, a modernidade é tardia e arcaica, onde o Estado Social, invenção capitalista para amalgamar a crise do Estado Liberal, foi (e continua sendo) um simulacro. Isto faz com que o Direito passe a ser visto como um importan te fator de transformação social. Há que se abandonar a perspectiva liobbcsimia do direito penal e processual penal. Ou seja, o direito penal não deve colocar o jurista em uma encruzilhada, na qual tenha que optar entre civilização e barbárie. Por isso, o Direito deve ser visto como um sistema de garantias. F,m nosso país, em face da crise de paradigma vivíeb pda dogmática jurídica, ou seja, do esgotamento do modelo 1 ndivídualista cte Direito, 6 indis pensável uma ampla íill (constitucional) das normas cio sistema. A partir da Constituição, que estabelece um novo modelo de produção de direito, deve ser feita a readequação das normas pertencentes ao velho modelo. Quantas normas penais perderam sua validade (Ferrajoli) com o advento do Estado Democrático de Direito? Qual a conseqüência da secularização do Direito, produzi do por esse novo modelo de Direito, no âmbito do direito penal e processual penal? E as normas processuais? Produzidas há mais de cinqüenta anos, estarão elas em consonância com os princípios constitucionais? Estarão elas sendo (devidamente) interpretadas em conformktade com a Constituição? Estas são algumas questões que se apresentam para o debate no desenvolvimento destas reflexões. A par de todas essas discussões afetas à crise do Direito em seus mais diversos aspectos - como, por exemplo, a questão do ensino jurídico, a crise da teoria do bem jurídico, a missão secreta do direito penal, a antigarantista teoria acerca da responsabilidade do indivíduo, a ritualística do júri como recuperação/instituição da "sociedade-permitida", o problema da representatividade social no júri traduzido na expressão "matem-se entre vós que nós os ju lgare mos entre nós" - e às condições de possibilidade de uma ruptura do paradigma liberal-norma ti vista, segue-se a preocupação com as (necessárias) mudanças mvestrutura jurídico-formal do Tribunal do 1 4 LENIO LUIZ STRECK Júri. A celeridade que se impõe ao rito processual, a simplificação dos quesitos, o alargamento da com petência do Tribunal Popular, a deselitização do corpo de jurados, a inconstitucionalidadedo assis tente de acusação, o direito penal do autor com o obstáculo à democratização do Tribunal do jú ri , são algum as das pautas que merecem uma rápida resposta do Poder Legislativo e dos próprios operadores jurídicos, eis que, muitas delas, independem de provi dências de lege feremla. Diferentemente do que sustentei nas edições anteriores, penso, hoje e já desde a terceira edição, que a apelação das decisões do Tribunal do Júri, tal como disciplina o art, 593, 111, <1, do Código de Processo Penal, não fere a sua soberania. Altero, também, meu enfoque acerca dos delitos de trânsito e a questão do dolo eventual. Outros pontos são trazidos à discussão, como a feitura, de um quesito único nas hipóteses de pedido de absolvição pelo Ministério Público e a abolição do quesito antigarantista da participação "de qualquer modo". Enfim, d e s e j e s jr io dizer que argum entos prós~« contra o fiui serão encor nos mais variados setores da dogmática jurídica e dos juristas engajados nas diversas teorias críticas do Direito. A obra se p 'opõe a navegar pelos diversos âmbitos da controvérsia. Por isso, a sua pretensão crítica,buscando (novos) horizontes de sentido. Parafraseando Mário Benedetti, alguns dos temas suscitam tamanha controvérsia que, quando se acredita ter encontrado uma resposta, "se cambian las preguntas"! Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, fevereiro de 2001. O Autor, TRIBUNAL DO JÚRI 1 5 Notas introdutórias Estas reflexões se propõem a atravessar alguns níveis possíveis para compreensão das formações imaginárias sobre as quais debru çam-se tanto a ciência como a filosofia e o senso comum. A abordagem, ao longo de sua trajetória, busca deslocamentos que visam a melhor elucidar a compreensão de alguns âmbitos de atuação da norma do processo social. Faz-se necessário, para tanto, aclarar que o fio condutor não se norteia pela tradição positivista. Entende-se, assim, que o tratamen to rigoroso e, portanto, científico, dedicado às diversas formas de apreensão do cotidiano dos sujeitos sociais e de suas instituições, implica o atravessam ento dos enunciados do m undo sistêm ico, aqui entendido a partir das ciências norm ativas, e do m undo da vida, aqui entendido corno o im aginário social. A ação escolhida não pressupõe uma dicotomía entre o mundo sistêmico e o mundo da vida. O que se pretende é um deslocamento metodológico ante a tradição positivista que põe o método e os conceitos como anterioridade aos processos sociais. Ou seja, os conceitos aqui trabalhados não só têm sua elaboração circunscrita ao universo dos processos históricos - estando historicamente deterfhinados - como só são possíveis no universo produzido pela forma de capitalismo típico dos chamados países em desenvolvi mento. Cabe frisar, ainda, que o próprio conceito de razão ou de racionalidade que norteia este trabalho significa uma razão reflexiva e critica em seus fundam entos. Entende-se, desse modo, que a trajetória a ser seguida teria que cumprir um conjunto de etapas que, numa genealogia - lembremos Foucault permitiria melhor aclarar as formas discursivas que, fundadas em noções estereotipadas clássicas, dificultam ou obstaculi- zam a compreensão dos processos sociais que encam inham o discur so jurídico em sua ação legal. TRIBUNAL DO JÚRI 1 7 Assim, destas reflexões cabe ressaltar alguns pontos: 1. Entendendo que o discurso norm ativo do jurisdicismo se apóia em um conjunto de enunciados lingüísticos, logicamente elaborados, os primeiros passos se encam inham para a elucidação de termos tais como propriedade versus vida, a teoria do bem jurídico, a inserção da questão da crise do listado, do Direito e da dogmática jurídica, etc., no interior do sistema jurídico. Tal procedi mento busca a compreensão de tais indicadores no interior das práticas judiciais e que corroboram/engendram o sentido comum teórico dos juristas. 2. Nessa linha, procura-se tratar, em seguimento, em vista da necessidade da separação da clássica dicotornia m undo sistêmico versus mundo da vidn, das relações entre o Código Penal e a sociedade civil, a partir de uma visão de totalidade, em que emerge a questão crucial da responsabilidade do indivíduo como detentor do "livre arbítrio", diante do bem e do mal. Essa problemática engloba, implicitamente, à evidência, uma critica à idéia cie um legislador5 como instância de neutralidade e de racionalidade. 3. A seguir, é traçado um perfil dogmático, histórico e com pa rado do Tribunal cio júri, caracterizando-o no Brasil como (uma) instância legitimadora das formas de tratamento de processos sociais, tais como o privilégio da propriedade em confronto com a vida; a "criação" do direito penal do autor em detrimento cio direito penal do fato e os discursos dos atores jurídicos que nele atuam. Nesse sentido, a abordagem situa o Tribunal do Júri dentro da tradição antropológica que define os rituais como expressão funda mental da ordem social em que emergem, através da contribuição de Victor Turner. São fundamentais, por outro lado, para a com preensão dessa análise simbólica do júri e das relações sociais, os estudos de Cornelius Castoriaclis. 5 Q uando me refiro à figura do " leg is lad or" , estou ciente da problemática relacionada ao "m ito do legislador racional" e suas " treze caracter íst icas" , muito bem enfocadas e ironizadas - por Santiago Nino e Ferraz Jr. T rata-se , conform e Ferraz Jr, "de uma constru ção d ogm ática que não se con fu nd e com o legis lador norm ativo (o ato jurid icam ente co m peten te co nform e o orden am en to ) nem com legislador real (a vontade que de fato positiva norm as) . E uma figura intermédia, que funciona como um terceiro m etalingüístico em face da língua no rm ativa (LN) e da língua-reatidade (LR). A eie a herm enêutica se reporta q u an d o fala que "o legis lador pretende que.. ." , "a intenção do legislador é qu e . . . " ou m esm o "a m ens legis nos diz que.. ." . Consultar , para tanto, Ferraz Jr ., T ércío S am p aio . In trodu ção no estudo do d ireito . São Paulo, Atlas, 1989, p. 254/5, 1 8 LENIO LUIZ STRECK II I 4, Busca-se, desse modo, depreender, tanto no plano das práticas profissionais - leia-se juizes, protom ores, advogados, etc, -, como no plano dos agentes sociais não atingidos diretamente por esse complexo de significações (Castoriadis), que o universo discur sivo obtido limita-se a avaliar as dimensões m eram ente sintomáti cas, 011 seja, do que aparece (Marilena Chauí). Tal perspectiva obrigatoriamente remete o trabalho à discussão da categoria "repre sentações", que são entendidas como constituintes do real, uma vez que seria trair a objetividade considerar os agentes sociais como não tendo representações, pois os agentes sociais têm um "vivido" que não constitui a verdade completa daquilo que eles fazem, mas que, no entanto, faz parte da verdade de sua prática (Pierre Bourdieu). Em vista disso, o esforço desenvolvido nestas reflexões se dirige à produção de parâmetros alternativos para a avaliação de determi nados fatos sociais, que são, via de regra, apoiados em estereótipos produzidos no interior da ideologia das classes dom inantes, no qual os não-detenlores do saber/poder/lei síío subtraídos em sua possibili- dnsle de co}i’,j'i'i,p"cFio í!uc •■Tirfis rires entre as instituições e os agentes , Ín í i»> •• » assim, ■ ; ' v a dinâmica da estrutura ideológico h » *. ;quc >o que ela • - t. ■ ciaim ente determinada e que, para exphca-la, e indispensável chegar até seus determinantes, procurando, porém, não perder os m ecanism os pelos quais ela recebe e responde a sua própria determ inação (M iriam Limoeiro Cardoso). 5. Nessa linha, o imaginário produzido pelo Tribunal do Júri, buscando estabelecer (os) padrões de com portam ento da sociedade, oculta a gênese de sua ação interessada, obstaculizando, com isso, a instituição de uma razão comunicativa (Habermas), pela qual seria possível elucidar os efeitos cia prática jurídica (em sua interação) com o mundo das ações cotidianas. Enfim, a opção por uma trajetória interdisciplinar significa uma alternativa teórica conseqüente, para não correr o risco da unidade positivista e de um ecletismo não-conseqüente, que supõe abordagens diferenciadas, sem, no entanto, adequar-se a uma racio nalidade elucidativa do cotidiano cio sentido com um teórico dos juristas. TRIBUN AL DO JÚRI 1 9 1. O Júri, o Processo Penal e o Direito Penal na perspectiva do Estado Democrático de Direito. Da utilidade de uma análise garaniista. Perspectivas (des)criminalizadoras: o verso e o reverso da tutela penal. Com o advento do Estado Democrático de Direito, toda a teoria jurídica necessita de uma adequação a esse novo modo (modelo) de produção de direito. Rompendo com a perspectiva de o Direito ser ordenador (modo/modelo de produção liberal-individualista-nor- mativista), passa-se a perceber/entender o Direitocomo promovedor (Estado Social) e transformador (Estado Democrático de Direito). Avançando sobre as perspectivas de Estado e de Direito vigentes até então, o Estado Democrático de Direito nasce com uma perspec tiva criadora, como uni autêntico plus normativo em relação ao Estado Social e aõ Estado Liberal, isto porque traz em seu âmago, isto é, no texto da Constituição de cunho dirigente e social, não somente as promessas da modernidade (não-cumpridas), mas as próprias^ possibilidades de estas serem realizadas. À evidência, tudo isso deve(ria) repercutir junto à teoria do direito. O Direito não pode mais ser visto como uma (mera) racionalidade instrumental. Alguns autores, como Luigi Ferrajoli6, 6 Ver, para tanto, Ferrajoli , Luigi. D erecho y R azón . M ad rid , T ro ta , 1995, p. 851-903, e O Direito co m o sistema de garantias. In : O novo em D ireito . José A Icebiades.d e Oliveira Jr (org). Porto Alegre, Livraria do A d v o g a d o , 1996, p. 89-109; Note critiche ed A utocrit ich e Intorno alia D iscuss ione su D iritto e R agione , in G ianfor- niaggio Letig ia (org). Le Ragioni dei G aran tism o. T or in o , G iap p ich ell i , 1993; El Estado C on stitu cion al de D erecho H o i/. In: Ibanez, Perfecto A ndrés . Corru pción y Estado de Derecho. El pap el d e In Jurisd icción . M ad rid , Trotta , 1996; Bonavides. TRIBUNAL DO JÚRI 2 1 perceberam bem essa problemática. Com efeito, entende ele que o papel de garantia do Direito tornou-se hoje possível pela específica complexidade de sua estrutura formal, que é m arcada, nos ordena mentos de constituição rígida, por uma dupla artificialidade: não só pelo caráter positivei das normas produzidas, que é a característica específica do positivismo jurídico, mas também pela sua sujeição ao Direito, que é a característica específica do Estado Constitucional de Direito, onde a própria produção jurídica é disciplinada por nor mas, já não apenas formais, como também substanciais, de Direito positivo. São, em suma, os próprios modelos axiológicos do Direito Positivo, e não só os seus conteúdos contingentes - o seu "dever ser", e não apenas o seu "ser" - que no Estado Constitucional de Direito são incorporados no ordenamento, como Direito sobre o Direito, sob a forma de limites e vínculos jurídicos de produção jurídica. Assim, graças a esta dupla artificialidade - do seu "ser" e do seu "dever ser" - a legalidade positiva ou formal .do Estado Consti tucional de Direito mudou de natureza: já não é só condicionante, mas também é eia própria condicionada por vínculos jurídicos não só formais, corno também substanciais. Para Ferrajoü, podemos chamar "m odelo" ou "sistema garaníisia", em oposição ao paleo- juspositivismo, a esse sistema de legalidade, a que esta dupla artificialidade confere um papel de garantia relativam ente ao Direi to ilegítimo7. Graças a ele, o Direito contem porâneo não programa Paulo. C urso de D ireito C onstitucional. São Paulo, M allieiros, 1996, p, 435. Guerra Filho, Will is Santiago. Direitos fundam entais , p ro cesso e p rincípio da p ro p o rc io nalidade. In: D os d ireitos hum niw s nos d ire ito s fu n d am en ta is . W ill is S an t iag o Guerra F ilho (org). Porto Alegre, Livraria do A dv ogado , 1997; Vieira , O scar Vilheno. N eoliberalism o e Estado de Direito. In: R ev ista B rasileira de C iên cias C rim in a is n. 14 - ab r-ju n /96 . São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1996, 2 01 -214 ; C ad em arlori, Sérgio. E stado de D ireito e L eg itim idade: uma abordagem g aran tis ta . P orto Alegre, Livraria do A dv ogado , 1999; C arvalho, Saio. P ena e G aran tias : uma leitura do g aran tism o de Lu igi Ferrajoli no B ra s il R io de Janeiro, Lum en Ju ris, 2001. ' Nesse sentido é importante que se co loqu e uma ad vertência : o garan tism o é visto, nos l im ites desta abo rd agem , co m o uma m aneira d e fazer dem ocracia dentro do Direito e a partir do Direito. C om o "tipo ideal", o g aran tism o reforça a responsabilidade ética do operador do D ireito. É evidente qu e o g aran tism o não se constitu í em uma panacéia para a cura dos "m a le s " d eco rren tes de um Estado Social que não ho u v e no Brasil , cujos reflexos arrazado res d cv e (ria )m ind ign ar os lidadores do Direito. O que ocorre é que, em fa c e da ag u da crise do positiv ism o ju ríd ico-n orm ativ ista , não se pode desprezar um con tribu to para a o p erac ion a lid ad e do D ireito do porte do garan tism o, que prega , en tre ou tras co isas, que a C on stitu ição (em sua totalidade) deve ser o paradigm a h erm en êu tico de d efin ição do que seja um a norm a válida ou inválida, prop iciando toda um a filtragem dns norm as in fracon stitu c ion a is qu e , em bora vigen tes, perdem sua validade em fa c e da Lei M aior. Dito de ou tro m o d o , o garantism o não significa um retorno a um "E s tad o b o m " que já houve. Nos países avançados 2 2 LENIO LUIZ STRECK somente as suas formas de produção através de norm as procedi mentais sobre a formação das leis e dos outros atos normativos. Programa ainda os seus conteúdos substanciais, vinculando-os normativamente aos princípios e valores inscritos nas constituições, mediante técnicas de garantia que é obrigação e responsabilidade cia cultura jurídica elaborar. Daí que, para Ferrajoii, resulta uma alteração noutros níveis do modelo juspositivista clássico, a saber: a) no plano da Teoria do Direito, onde esta dupla artificialida de comporta uma revisão da teoria da validade, baseada sobre a dissociação entre validade e vigência e sobre uma nova relação entre a forma e a substância das decisões; b) no plano da teoria política, onde comporta uma revisão da concepção puramente processual da democracia e o reconheci roem., to de sua dimensão substancial; c) no plano da teoria da interpretação e da aplicação da lei, onde comporta uma redefinição do papel do ju iz e uma revisão das formas e das condições da sua sujeição à lei; d) no plano da meta teoria do Direito, e portanto do papel da ciência jurídica, que é investida de uma função já não simplesmente descritiva, mas também crítica e criativa (progeitnale) em relação ao seu objeto. - - O garantismo, assim, deve ser entendido com o uma técnica de limitação e disciplina dos poderes públicos e por essa razão pode ser considerado o traço mais característico, estrutural e substancial da Democracia: garantias tanto liberais com o- sociais expressam os D ireitos Fundamentais do cidadão fren te aos poderes do Estado, os interesses dos mais débeis em relação aos mais fortes, tutela das minorias m arginalizadas frente às m aiorias integradas. A perspectiva garantista de Ferrajoii tem com o base um projeto de Democracia social, que forma um todo único com o Estado social de Direito: consiste 11a expansão dos direitos dos cidadãos e dos deveres cio Estado na maximização das liberdades e na mlnimízação dos poderes, 0 que pode ser representado pela seguinte fórmula: Estado e Direito mínimo na esfera penal8, graças à minimização das da E uro pa, benefic iários do w dfare State, isso até seria possível. N o Brasil , ao contrário, onde o Estado Social foi um s im ulacro , o g a ra n tism o pode servir de im po rtante mecanismo na constru ção das co n d içõ es de p o ss ib i l idad es para o resgate das promessas da m od ernidade. 8 Em países periféricos, ocorre exa tam en te o contrário: "D ia n te da am pliação dos boisões de miséria nos centros u rbanos, da e xp an são da cr im in a l id ad e e da p ro p en são à desobediência coletiva, as instituições ju ríd icas e jud ic ia is do Estado (...) acabam agora tendendo a assum ir p ap éis e m in e n te m e n te p un ítivo-rep ressi- vos, Para tanto, 0 Direito Penal tem sidoa lterado rad icalm en te , nu m a dim ensão TRIBUN AL DO JÚRI 2 3 restrições de liberdade do cidadão e à correi ativa extensão dos limites impostos à atividade repressiva; Estado e Direito máximo na esfera social, graças à maximização das expectativas materiais dos cidadãos e à correia tiva expansão das obrigações publicas de satisfazê-las. A evidência, Ferrajoli trabalha com a idéia de que a legitimação do Direito e do Estado provêm de fora ou desde abajo, entendida como a soma heterogênea de pessoas, de forças e de classes sociais. Ou seja, como contraponto às teorias au lopoiéticas do D ireito, que visam, mediante um direito do tipo "reilexivo", a não adaptar o Direito aos anseios da sociedade, mas, sim, aos limites do estnb- Jislinierii-, reduzindo, com isto, a complexidade social, Ferrajoli parte de uma perspectiva heteropoiética, ó dizer, desde um ponto de vista externo, que significa sobretudo dar primazia axiológica à pessoa, e, portanto, de todas as suas específicas e diversas identidades, assim como da variedade e pluralidade de pontos de vista externos expressos por ela. É relativamente fácil, alerta o professor italiano, delinear um modelo garantista em abstrato e traduzir seus princípios em normas constitucionais dotadas de claridade e capazes de deslegitimar, com relativa certeza, as normas inferiores que se apartem dele. Difícil, porem, é modelar as Dcnicas legislativas e judiciais adequadas para assegurar efetividade aos princípios constitucionais e os Direitos Fundamentais consagrados por eles. Por isso, faz uma forte crítica à ciência penalista que teoriza sobre o monopólio penal e judicial da violência institucional, que esquece as práticas autoritárias e as ilegalidades da polícia, confunde a imagem normativa do Direito Penal como técnica de tutela de Direitos Fundamentais e de minimiza- ção da violência: o sistema jurídico por si só não pode garantir absolutamente nada; as garantias não podem estar sustentadas apenas em normas; nenhum Direito fundamental pode sobreviver concre- tamente sem o apoio da luta-pela realização por parte de quem é seu titular e da solidariedade da força política e social, conclui. Essa idéia tem como suporte a relevante circunstância de que cabe à Constituição fornecer o fundamento último do ordenamento mais severa. P or isso, en qu an to no âm bito dos d ireitos socinis e econ ôm icos se v ive hoje um período de refluxo, no D ireito Penal a silunçno é oposta . O qu e aí se tem é a definição de novos tipos penais , a erim inalização de n o v as at iv id ades em in ú m e ros setores na vida social, o en fraq u ec im ento dos princípios da leg a lid ade e da tip icidade por meio do recurso a regras sem conceitos p recisos , o en cu rtam en to das fases de investigação crim inal e instrução pro cessu a l e inversão do ôn u s da prova". Cfe. Faria, José Eduardo. G loba lização e d ireitos h u m a n o s . In: Espnço A berto. O Estado de São Paulo, p. A-2, 11 out 97. (grifei) 2 4 LENIO LUiZ 5TRECK jurídico, "uma vez desaparecida a crença na fundamentação 'sobre- /natural' de um direito de origem divina, e também a confiança na | 'náturalidade' do direito, que não se precisa tornar objetivo pela positivação, por auto-evidente ao sujeito dotado de racionalidade. Os valores fundamentais, sob os quais se erige aquele ordenamento, passam a integrar esse mesmo ordenamento, aos serem inscritos no texto constitucional. A consecução desses valores, por sua vez, requer a intermediação de procedimentos, para que se tomem decisões de acordo com eles, sendo esses procedimentos, igualmen te, estabelecidos com respeito àqueles valores. O processo aparece, então, como resposta à exigência de racionalidade, que caracteriza o direito m oderno"9. Dito de outro modo, em face do Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição brasileira, "o valor normativo da Cons tituição deve ser potencializado, especialmente a normatividade dos capítulos condensadores dos interesses das classes não-hege- mônicas. Mas, para isso, é necessário entender que a Constituição é, entre outras coisas, também norma, e não mera declaração de princípios ou de propósitos. E se é norma (o preconceito contra a norma não deve subsistir), dela decorrem, inexoravelmente, conseqüências jurídicas que são sérias e que devem ser tomados a sério. E, mais que tudo, sendo norma suprema, o sentido de seu discurso deve contaminar todo o direito infraconstitudonal, que não pode nem deve ser interpretado (concretizado/aplicado) senão à luz da Constituição, A filtragem constitucional consiste em interessante m ecanismo propi- ciador de atribuição de novo, atualizado e comprometido sentido ao direito civil, ao direito penal, ao direito processual, e tc ."10. Tais questões devem ter uma imediata inserção no âmbito das práticas judiciárias11. Nesse contexto, além da sobretida filtragem 9 C ie , Guerra Filho, Will is Santiago. D ireitos fu n d am en ta is , p rocesso c p rin cíp io dn p rop orc ion a lid ad e , op. cit. p. 21. 10 Cfe. C lève, C lèm erson M erlin. A teoria constitucional e o direito alternativo (para u m a dogmática constitucional em ancipatór ia) . In D ireito alternativo. Seleções ju ríd icas . Rio de Janeiro , Instituto dos A d v o g ad o s Brasileiros, ju n h o /9 3 , p. 48. 11 A 2a Câmara Crim inal do Tribu nal de A lçada do RS tom assu m id o posições garantistas em vários ju lgam entos. C o m efeito , vale t ranscrever em enta do acór d ão resultante da apelação n. 2 8 6 042336 , rei. N ew ton Brasil de Leão: ROUBO D U P LA M E N T E C IR C U N ST A N C IA D O . A ap licação de p en a carcerária de 5 anos e 4 m eses de reclusão não ê sim ples abstração , assim com o não é. abstrato o delito im putado ao réu. "O ju rista (ju iz, prom otor, advogado) deve en ten d er qu e não está lidando com ficções . C aso con trário , correrá o risco de con fu n d ir as fic çõ es dn realidade, com n rettlhiraie,...daí f icçõ es". (Grifo no original). Em outro acó rdão (n. 297015729) , tam bém baseado em p arecer de minha autoria, de forma garantista , a 2a C âm ara reformou sentença de TRIBUNAL DO J0«J 2 5 das normas infraconstitucionais, deve ficar claro que as garantias penais e processuais não podem ser mais que um sistema de proibições inderrogáveis:12 proibições de castigar, de privar a liber dade, de registrar, de censurar ou de sancionar de alguma ou outra forma, se não concorrerem as condições estabelecidas pela lei em garantia do cidadão frente aos abusos de poder. Além de inderrogá veis ou invioláveis, estes Direitos são indisponíveis ou inalienáveis. Má que se referir, por outro lado, que, se de um lado há um limite claramente garantísta proveniente do m oderno Estado D e mocrático de Direito, que não pode ser ultrapassado, há também uma áren reservada à coerção est nhü no qual o Estndo uno pode renunciar. Necessário lembrar, com Ferreira da Cunha, que a Constituição - entendida no seu sentido compromissárío, dirigente e social - não deve ser vista simplesmente de forma unilateral, preocupada ape nas com a defesa do indivíduo potencial criminoso (ou acusado de tal), mas também com as potenciais vítimas e com a defesa de toda a sociedade. Assim como teria legitimidade para conter o poder p rim eiro grau que condenara doír n i i O' u > i > roubo qu.iKlicndo. O acórdão fico D efeso c, ao juiz, tom ar j<or con fesso ré condição, por si só, mio d es in au u be t r . . . . ....... acerca da au toria e da m aterialidade dos fatos que preten da in vestigar, e pelos quais preten da responsabilizar criminalmcnte o cidadão". Rei. Nevvton Brasil de Leão. Na mesm a linha, acórdãos n. 297015968 , rei. A lfredo Forster, e 11. 297016735 , rei. Tupinam b á Pinto de Azevedo. 12 Para se teruma idéia da n ecessidade dessa fi ltra g em das n orm as in fracon stitu cion n is, adequando-se-as ao m odelo de d ireito próprio d o Estado D em ocrático de Direito, basta que se dê uma exam inada na E xposição de M o tiv o s do C ó d ig o de Processo Penal em vigor: "A R EF O R M A DO P R O C E SS O P EN A L V IG E N T E - De par com a necessidade de co ordenação sistemática das regras do p ro cesso pen al n u m C ó d i go único para todo o Brasil , im pu nh a o seu a ju s tam ento ao ob je tivo de maior efic iência e energia da ação repressiva do Estndo contra os qu e delinqüem . A s nossas vigen tes leis de processo pen al asseguram nos réus, ainda que co lh id os cm flagrante ou con fundidos peia ev idência das p rov as , um tão cx len so catálogo de g aran tias e fav ores , que a repressão se tonta, n ecessariam en te, defe itu osa e retardatária , d ecorren d o d a í um indireto estím ulo à expansão da crim inalidade. U rge que seja abolida a injustif icável primazia do inieresse do indivíduo sobre 0 da tutela social. Não se pode con tin u ar a con tem porizar ruiu pscudod/rcitos in d iv iduais em preju ízo do bem com um . O indivíduo, principalm ente quando vem se mostrar rebelde à disciplina juríd ico-penal da vida em sociedade, não pode invocar, em face do Estado, outras f ranquias ou im unida- des além daquelas que o assegurem contra o exercício do p o d er p ú blico fora da medida reclamada pelo interesse social. Este o critério que presidiu à e laboração do presente pro jeto de Código, N o seu texto, não são reprodu zidas as fórm u las tradicionais de um m al avisado fn vorecim cn to legal nos c r im in osos.( ...)" .(E x p o s iç ã o de M otivos do Código de Processo Penal, publicada no Diário Ofic ial da U nião de 13 de outubro de 1941, que resultou no Decreto-Lei n. 3.689, de 3-10-1941) . (grifei) 2 6 LBNIO LUÍZSTRECK criminalizador, autorizando-o apenas à tutela de objetos legítimos, teria também legitimidade para lhe im por um mínimo irrenunciá- vel de tutela. Só esta concepção estaria em sintonia com a atual função da Constituição. As críticas às imposições de cruninalízação radicam ainda numa herança da visão liberal pura das relações entre Sociedade e Estado e da Constituição com o mera garantidora de omissões estaduais, visão que se deve considerar, hoje, manifes tamente insuficiente.13 Na mesma linha, Costa A ndrade14 assevera que "a Constitui ção não é apenas matriz cie linhas de força no sentido da descrimi- nalização. Os mesmos princípios constitucionais e as m esm as categorias político-dositrinnis têm o seu reverso que aponta no sentido contrário. Há bens jurídicos de relevo social tão inequívoco e agressões tão intoleráveis que o Estado não pode deixar de as pôr a coberto do direito criminal, sob pena, como acentua M uller-Dietz, de frustrar as suas obrigações no domínio da D aseinsvorsorge". É nesse sentido que Canotilho e Vital Moreira vão dizer que a Constituição parece apontar para uma obrigação estadual (isto é, legislativa) de detesa penal de valores econômicos eventualmente ainda não defendidos, tendo particularmente em atenção que as novas formações econômicas contidas na Constituição exigirão naturalmente novas formas de proteção penal ou afim. Continuo, pois, convencido de que o texto constitucional, ao com andar (ordem de legislar) a atividade do legislador,15 traz implícita - por exemplo, no campo do direito penal - a necessária hierarquização que deve 13 Cfe. Ferreira da Cunha, M aria da C o n ce ição . C o n stitu ição c C rim e. U m a p ersp ec ti va da crim in aiização c da descrim inaliznçno. Porto, U n iv ers id ad e C atólica Portuguesa, 1995, P . 306 14 Cfe. Costa Andrade, M an u el da. O N ovo C ó d ig o Penal e a M o d e r n a C rim ino lo - gia, In: O N ovo Código Pena! P ortuguês c L eg islação C o m p lem en tar, fo rn a d a s de D ireito C rim inal, C entro de Estudos C rim ina is , L isboa, P etron y , 1983, p. 118 - g r i f e i 15 Entendo que o direito, no Estado D em ocrá t ico de Direito, tem uma função transform adora, sendo, pois , um plus n o rm ativ o em relação ao E s ta d o Social e ao Estado Liberal. A C onstituição estabelece as d ire tr izes e .conômico-polítieas para o d esenv olv im en to do Estado. C o m o b e m ressalta C an o ti lh o (em sua prim eira fase), o princípio da democracia econôm ica e social constitui u m a a u to rização constitu cional no sentido de o leg is lador d em o crá t ic o e os ou tros órgãos en carregad o s da concretização polííico-constiiucional adotarem as m ed idas n ecessárias vara a evolução da ordem con stitucional sob a ótica de um a "ju stiça constitucíonnt" nas v estes de uma "ju stiça social". O princíp io da d em o crac ia eco n ô m ica e social im põe tarefas ao E stado e justifica que elas .sejam tarefas de co n fo rm a çã o , t ransfo rm ação e m o d er nização das estruturas econ ôm icas e sociais , de forma a p ro m o v e r a igualdade real entre os cidadãos. Cfe. C anotilho, J. j . G om es. D ireito C o n s titu c io n a l. C oim bra, A hn edin a , 1996, p, 468. TRIBU N A L DO JÚRI 27 ser feita na distribuição dos crimes e das penas. Nesse sentido, vem a magistral lição de Palazzo, para quem, enquanto as indicações constitucionais de fundo (que atuam no sentido da descriminaliza- ção) são, ainda, expressão de um quadro constitucional característi co cio Estado Liberal de Direito, pressupondo, outrossim, uma implícita relação de "tensão" entre política criminal e direito penal, as vertentes orientadas no sentido da criiuinnliznção traduzem a expressão de unia visão bem diversa do papel da C onstituição no sistem a penal: as obrigações de tutela penal no confronto de determinados bens jurídi cos, não infreqüentemente característicos do novo quadro de valores constitucionais e, seja como for, sempre de relevância constitucional, contribuem para oferecer a imagem de um Estado empenhado e ativo (inclusive penalmente) na persecução de maior número de metas propiciadoras de transformação social e da tutela de interesses de dimensões ultraindividual e coletivas, exaltando, continuada mente, o papel instrum ental do direito penal com respeito à política crim inal, ainda quando sob os auspícios - por assim dizer - da Constituição.16 O jurista italiano afirma, ainda, que juntes às expressas cláusu las de penalização (registre-se que, no Brasil, há o comando expres so de penalizar com rigor os crimes hediondos, da tortura, do racismo, etc.) existem onirns que, tacitaiuente, obrigam o legislador a estabelecer penaiizações. Isto porque o que se acha no bojo da ordem constitucional e impõe a proteção penalística dos valores, mesmo não sendo objeto de uma cláusula expressa de penalização, há, de qualquer modo, de ser entendido como parte integrante do que fo i expressam ente afirm ado pelo constitu in te.17 Dito de outro modo, não há dúvida, pois, que as baterias do Direito Penal do Estado Democrático de Direito devem ser d ireciona das preferentem ente para o c o mim te dos crim es que im pedem a realização dos objetivos constitucionais do Estado. Ou seja, no Estado Democráti co de Direito - instituído no art. 1° da CF/88 - devem ser combatidos os crimes q u e fom entam a in justiça social, o que significa afirmar que o direito penal deve ser reforçado naquilo que diz respeito aos crimes que promovem e/ou sustentam as desigualdades sociais. Nessa linha, nada melhor que a lição do próprio Ferrajoii18 quando trata da eleição dos novos bens ju ríd icos fundam entais no Estado Democrático de Direito, afirmando que um programa de 28 LENIO LUIZ STRECK direito pena] mínimo deve apontar para uma massiva deflação dos bens penais e das proibições legais, como condição de sua legitimidade política e jurídica. Alerta, entretanto, que é possível, também, que nesta reelnboração seja necessário, no cam po da tutela de bens fu n dam en tais, de uma m aior penalização de com portam entos hoje não adequadam en te proibidos e castigados, como por exemplo, a introdução do delito específico de tortura ou a criação de novos delitos ambientais. Dito de outro modo, na esteira de Baratta, trata-se de dirigir os mecanismos da reação institucional para a crim inalidade econôm ica, para os desvios crim inais dos organism os estatais e para o crim e organizado.19 Para reforçar a tese, Araújo-Jr.20 diz que a sanção penal deve ser reservada para garantir a consecução dos objetivos do Estado de realizar a justiça social: tais são os limites dentro dos quais deverá atuar o legislador penal, ou seja, "a repressão à crim inalidade econôm ica deverá ser instrum entalizada no sentido de, regulando o m ercado e protegendo os menos favorecidos pela fortu n a, prom over o desenvolvim ento nacional e a justiça social/'. Não há dúvida, pois, que o legislador está umbilicalmente obrigado a legislar de acordo com a Constituição, entendida no seu todo principiológico (seu conteúdo material), sendo os Princípios a condição de , -ossibilidade do sentido da Constituição (não se olvide que princípios são normas e, portanto, vinculam!). Nenhuma lei pode ser editada se qualquer de seus d ispositivos'confrontar um princípio da Lei Maior. No campo do direito penal,21 em face dos objetivos do Estado Democrático de Direito estabelecidos expressamente na Constitui 19 Cfe. Baratta, Alessandro. C rim lno log ia crítica e. crítica do d ire ito p en al. Trad. de Ju arez C irino dos Santos. Rio de Janeiro , Revan, 1996, p .202; ta m b é m Castilho, Ela W. de. O controle penal nos crim es con tra o sistem a fin an ceiro n acion al. Belo H o rizon te, Del Rey, 1998, p. 75. 20 Cfe. A raú jo Jr, João M arcelo & Santos, M arino Barbedo. A reform a pen al: ilícitos ■'jmnais econôm icos. Rio de Janeiro , Forense , 1987, p. 80. 21 Concordo com Mareia Dome li la de Carvalho (Fundam entação constitucional do direito penal. Porto Alegre, Sergio Fabris, 1996, p. 44 e 45) quando diz que, no lado de uma política de despennliznção, deve haver itm processo de penalização, devendo ser tipificado todo fato que fom ente a injustiça social, que a C onstituição pretende elim inar. Por outro lado - e a advertência é de Baratta - devemos tomar cuidado pnra não cair na arm adilha de tnnn política reformista e ao mesmo tempo "pnnpcnalista". Para tanto, o cr iminólogo fala de dois perfis que derivam de uma critica do direito penal co m o direito desigual, O prim eiro deles é justam ente o que trnta de d irig ir os m ecan ism os da reação in stitu cio nal para o con fronto da crim in alidade econ ôm ica , dos g ran d es desv ios crim inais dos órgãos e do corpo do Estado, da gran d e crinuun lidade organ izada . Trata-se , ao m esm o tempo, acentua o mestre, de assegurar uma m aior rep resen tação processual em favor dos interesses coletivos. Consultar , nesse sentido, Baratta, op. cit, p. 202. T R IB U N A L DO JÚRI 2 9 ção (erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e regionais, direito à saúde, etc.), os delitos que devem ser penaliza dos com (mais) rigor são justamente os que, de uma maneira ou outra, obstaculizam/dificultam/impedem a concretização dos obje tivos do Estado Social e Democrático. 3 0 LENIO LU1ZSTRECK 2 . A (crise da) dogmática jurídica, o ensino jurídico e a ideologia: 11111 universo ‘ do silêncio 2.1. Dogmática e ideologia O Ministério Público, órgão que promove privativam ente a ação penal pública, pauta seus discursos, em especial, no Tribunal tio Júri - a^p lo que mais interessa nos limites d e s ta análise - principal r > e no sentido de que, na qualidade de defensor da sociedade, an c\,tá para afirmar e reafirmar que o maior bem que a homem possui é a vida e, como guardião que é da aplicação, da lei, esta deve ser cumprida. Isto leva à pergunta: afinal, com o o Código Penal trata desse bem maior do ser humano? Para tanto, é necessário fazer uma análise comparativa dos dispositivos do Código Penal com outros do mesmo texto legal, bem como os demais títulos e capítulos do diploma repressivo. Existem diferentes garantias, as quais têm a mesma hierarquia normativa. Nesse sentido, ver-se-á que esse bem maior - -a :vida~e, por que não, a integridade corporal - tem menor proteção que a propriedade privada. De início, cabe referir-que os tipos penais têm um a-relação direta com os bens jurídicos que as cam adas dom inantes da socieda de pretendem preservar, Como bem assinala Baratta22, "as malhas dos tipos (penais) são em geral, mais sutis no caso dos delitos das classes sociais mais baixas do que os casos dos delitos de 'colarinho branco"'. Estes delitos, também do ponto de vista da previsão abstrata, têm uma maior possibilidade de permanecerem im unes". Por isso, os conflitos sociais aparecerão nos conteúdos da lei penal na exata 22 Cfe. Baratta, A lessandro, C riw iiiolog in crítica e crítica do d ire ito pcnnl. T rad . de Juarez Cirino dos Santos, Rio d c Janeiro , R evan, 1997, p. 176, TRIBUNAL DO JÚRI 3 1 medida em que colocam em perigo os interesses das classes que dominam as relações sociais. Assim, na medida em que se fizer essa correlação, evidenciar-se-á a tomada de posição ideológica de cada dispositivo do Código (como deste num todo), frente aos diversos setores conflitantes. Daí que, com lucidez, Cirino dos Santos23 vai denunciar que "os objetivos aparentes do Direito Penal, expressos na proteção dos interesses e necessidades essenciais para a existência do indivíduo e da sociedade, têm certos pressupostos, com o as noções de unidade (e não de divisão) social, de identidade (e não de contradição) de classes, de igualdade (e não de desigualdade real) entre os com po nentes das classes sociais e de liberdade (e não de opressão indivi dual). Definitivamente, é inegável que numa sociedade-dividida o bem ju ríd ico tem caráter de classe. Tal constatação permite o apio\ ei la mento crítico de conceito de bem jurídico, no am plo espectro de funções que, como visto, lhe corresponde". Isso nos leva, conseqüentemente, à discussão (para mim sem pre atual) cio papel da ideologia na sociedade e, principalmente, no Direito. A ideologia "não é apenas a representação imaginária do real para servir ao exercício da dom inação enr uma sociedade fundada na luta de classes, como não é apenas a inversão imaginá ria do processo histórico na qual as idéias ocupariam o lugar dos agentes históricos reais. /I ideologia, fo rm a específica do imaginário social moderno, é a maneira necessária pela qual os agentes sociftis representam para si mesmos o aparecer social, econômico-e-■político-;- de tal sorte que essa-aparência (que não devem os sim plesm ente tom ar como sinônim os de ilusão ou fa lsidade), por ser o m odo im ediato e abstrato de m anifestação do processe hi^iónco, é o o c iü ta m en to o u a d iss it iiiila çã o do real. [...] Universalizando o particular pelo apagam ento das diferen ças e contradições, a ideologia ganha coerência e força porque é um discurso lacunar que não pode ser p reen ch ido "24. Dito de outro modo, as contradições do Direito e da dogmática jurídica que o instrumentaliza não "ap arecem " aos olhos do jurista, uma vez que há um processo de justificação/fundam entação da "coerência" tio seu próprio discurso. Esse processo de justificação não 23 Ver San tos, Juarez Cirino dos. C rhu inologin rad ical. Rio de Jan e iro , Forense. Chauí, Marilena de Souza. C ultura c. d em ocrac ia : o d iscu rso com petente c outrns fitlas. 3- ed. São Paulo, M o d ern a , 1982, p. 2 e 3. Sobre o assun to , consultartam bém : M észáros, Jstván. O p oder da ideo log ia . Trad , M agda Lopes. São Paulo, Ensaio, 1996; Zizek, Sfavoj. Um m apa da ideo log ia . Z izek , Slavo j (org ). Trad. Vera Ribeiro. Rio de jane iro , C o ntrapo nto , 1996. 3 2 LENIO LUIZ STRECK prescinde, para sua elucidação, do entendim ento acerca do funcionam ento da ideologia. Isto porque, como ensina Zízek, a eficácia de uma ideolQgia-pode-seF-spreendida pelos-m ecanism os da identificação imaginária e da identifieação-sim bólica. E à primeira vista se poderia dizer que o que é pertinente numa análise da ideologia é somente a maneira pela qual ela funciona com o discurso, em suma, pela maneira como os mecanismos discursivos constituem o campo da significação ideológica. No entanto, o derradeiro suporte do efeito ideológico (ou seja, n m aneim ^eom o urna-r-eáe iáeológica-~nos ."prende") é o núcleo fora de sentido, pré-ideológieo-do .gozo. Na ideologia "nem tudo é ideologia (isto é, sentido ideológico)", mas é precisamente esse excesso que constitui o derradeiro esteio da ideologia".25 O ideológico não pode ser simbolizado enquanto ideológico, ou seja, usando as palavras de Zízek, o iridivídiio-submetido a, ideologia nunca pode dizer~por si mesmo "estou -na-ideologia". Esse não-poder-di- zer é decorrente do fato de que o discurso do outro o aliena dessa possibilidade simbolizante. E possível dizer assim que o discurso ideológico enquanto tal não é realidade para o indivíduo submefi- clo/assujeitado. Se simbolizar é tratar pela linguagem e se o incons ciente é estruturado como linguagem, o discurso ideológico só pode vir à tona no sujeito se este não tiver as condições de possibilidade de dizê-lo, de nomeá-lo, isto é, estabelecer a surgição de que fala Lacan no Seminário II. Nesse sentido, é possível fazer uma analogia do discurso ideológico com o discurso do mito. A ideologia - ta/entendida segundo os parâm etros aqui estabelecidos - perm ite que se di^a que o mito só é mito para quem não sabe que é mito, ou seja, o mito só tito para quem nele acredita. O desvelar do mito é a institu ição de uma / ruptura, através de um sim bólico não atravessado/sitiado pelo discurso mitológico. O simbólico dos registros do Real, Imaginário e Simbóli co não deve ser entendido (aqui) como simbólico/ideologizado,--' Se é verdade o que disse Lacan26 que nunca se sabe o que pode acontecer com uma realidade até o m om ento em que se a reduziu definitivam ente a inscrever-se numa linguagem , então o espectro ideo lógico da sociedade sofre um atravessamento, isto é, um atalho que impede que a realidade - não-ídeológica - se inscreva numa linguagem, é dizer, que possa ser simbolizada. Isto porque há um atalho na sim bolização; uma ce(n)sura significativa. Logo, onde há uma 25 Cfe. Zízek, Slavoj. Eles não sabem o qu e fa z em . O su b lim e ob jeto da ideo log ia . Rio de Janeiro, Zahar, 19.92, p. 122. 26 Cfe. Lacan, Jacques. O Sem inário. Livro 2. R io de Janeiro , Zahar, 1995, p. 118. t r i b u n a l d o j ú r i 3 3 interdição, há um curador que se substitu i ao discurso. Esse atravessa mento/atalho, ou seja, essa interdição (de sentido) institui uma espécie de narcisismo discursivo, no interior do qual o discurso ideológico/alienado/a licn ante é narcísico, com o por exemplo a frase veja você (a realidade!) coiu seus olhos, com o bem exemplifica o mesmo Zizek. O simbólico esta colonizado por um discurso ideoló gico que não permite a possibilidade de o sujeito dar-se conta do mundo. Pode-se dizer, a partir disso, que_a ideologia tem eficácia na medida em que não a percebemos. Por isso não surpreende o fato - e essa questão será analisada mais amiúde no subtítulo 3.1. adiante - de o jurista manusear o Código Penal durante anos a fio, sem se dar conta de algumas "obviedades" (nem tão "óbvias" assim!), como a de que o ato de furtar uma galinha recebe uma apenação expressivamente mais gravosa (1 a 4 anos de reclusão) do que o abandono de um recém-nascido, com resultado de morte (6 meses a 2 anos de detenção). Na mesma linha, vale ressaltar que, recente mente, foi editada a Lei n° 9.426/96, que agravou sobremodo as penas para os delitos de furto e receptação de autom óvel. Observe-se que, pela nova lei, furtar um automóvel e levá-lo para outra unidade da Federação submeterá o agente à pena de 3 a 8 anos de reclusão. Ao mesmo tempo, o ato de causar dolosam ente uma lesão grave da qual resulte deformidade permanente, enfermidade incu rável, perda de membro ou aborto, ocasiona uma pena de 2 a 8 anos de reclusão. O problema não está somente na desproporção das penas. Como já dito, a cominação da pena de reclusão é bem mais gravosa, em todos os sentidos, que a de dctençãol E essa, dentre outras, que Batista designa como missão secreta do direito penal, acentuando que, numa sociedade com contrastes sociais tão profun dos , o dneito penal estará protegendo relações escolhidos pela classe que domina tais relações sociais, ainda que aparentem certa universal idade27. 2.2. A dogmática ju ríd ica e a crise de paradigma(s) A instrumentalização do Direito ocorre através da dogmática jurídica, que, à evidência, na lúcida visão de Warat, não deixa de experimentar o s efeitos do sentido comum teórico. Desse modo,,a dagmatica juiídica, ao servir de instrumento para a interpreta ção / sistema tização/aplicação do Direito, vai aparecer-com o-irm 2/ Batista, op. cít,, p, 116. 3 4 LENIO LUIZ STRECK conjunto de,.técnicas de "fa'2er crer" com as quais^oS^jxmstas conseguem produzir a-linguagem olicin] do Direito que se integra com significados tranqüilizadores, representações que têm como efeito o de ímpedlr-~uma -problematização ,.e- uma reflexão mais aprofundada sobre--nossa- realid ade -soei©política28. Is tu nos traz inquietações, na medida em que, des^e modo,-o ' hieik) acaba por (re)[’roduzir as relações sociais c.e uuu sociedade tão díspar como a nossa. Salta aos olhos, pois, que a dogmática juiídiea, mergulhada na crise de paradigma, é co-ínstituinte da crise social e, por decorrência, para ficar na especificidade do tema em discussão, do discurso jurídico-penal-processual. Como ocorre essa crise de paradigma? Em prim eiro lugar, partindo da premissa de que um paradigma implica uma teoria fundamental reconhecida pela com unidade científica com o delimi- tadora de campos de investigação pertinentes a determ inada disci plina (KuhnS. é possível dizer que o que fome. e o status c ienbfr o de um ». ia vai depender não tanto d a s í rs , s defendidas , -e lus mamia,,., ui.míficos, mas sim do consenso tia ' 'om u níd ad ecie i .L h ca ei • rno-dessas-teses, conforme muito bem w m,. C elso Cam pilon- Agregue-se a isso o dizer de Zuleta Puceiro, para quem a dogmática jurídica define e controla a ciência jurídica, indicando, com o poder que o consenso da comunidade científica lhe confere, não só as soluções para seus problemas tradicionais, mas, principal mente, os tipos de problemas que devem fazer parte de suas investigações. Daí que a dogmática jurídica é um nítido exem plo de paradigma. Diz mais o mestre argentino, que a crise da c iên c ia -do Direito é um eapítulo-d-a-crise ma-is ampla da racionalidade política que oeorremas sociedades avançadas30. 28 Ver, para tanto, W arat, Luís A lberto . In trodu ção gera l ao D ireito 11, Porto Alegre, Fabris , 1995, p. 37 e sgs. 29 Ver Cam pilongo, Celso. R ep resen tação política e ordem juríd ica : os d ilem as da ‘democracia liberal. São Paulo, USP, 1982, p. 11 e segs. 30 Ver Puceiro, Pnrique Zuleta. Teoria jurídica y crisis de legit im aeíón . In A nunrio de Filosofia ju ríd ica i/ Social. Buenos A ires , A beled o-Perrot , 1982, p. 289. A gregu e-se a importante contribuição de A d eo d ato , para qu em há cer tam en tecrise no Direito em vigor na periferia do capita lism o ocid enta l , no dito m u n do su b d esen v o lv id o , crise nitidam ente exemplificada pela situação brasileira. Para o ju s í i ló fo so p e r n am b u cano n u o m a s fundam entai1' d o s s is tem as- ju i íd ieo s nas so cm d ad es d e se n volvidas nau tf-m -aplicabil idad e general izada ern nosso país , l.n-, c o m o a h ie ia n ju ia normativa que culm ma n o -p rin c íp io cia su p re m a d a -co n -m tu e in n a l , o p rim ado da lei, a isonomia ou a neu tra l id ade da decisão judic iai . Is to p o rq u e-n o BniMl há uma con^tanti ti nca de f a v o t e s e o-corporativ ism o, entre o u tra s qu estões TRIBUNAL DO JÚRI 3 5 Isto é efeito ou causa? O certo c que, conforme lembra Faria31, "preparado para resolver questões i n t e r i n d i v i d u a s -.nunca,as eolelivrs, o direito oficial não alcança os setores mais desfavoreci dos, e ii marginulÍ7açâo jurídica a que foram condenados esses setores nada mais do que o subproduto de sua marginalização social e econômica". Ou seja, os setores desfavorecidos somente são alcançados pelo (longo) braço do Direito Penal. Daí que, comple menta Campilongo32, existem mudanças sociais, políticas e econô micas que, processadas em ritmo acelerado, tornam obsoletos os standards estruturais das abordagens formalistas. Lidamos, pois, ainda, com um (modelo) modo de produção de Direito33 de cunho liberabnormativista-individua lista, forjado para resolver disputas/conflitos interindividuais, ou, com o diriam os manuais de Direito/disputas entre C aio e Tício ou onde Caio é o qu e i-mpeclem a aplicação•d«*nwde]e»juirfdico de Estado- -M oderno, eurocentrado. T u d o isso t iansparece, acrescenta o autor, da s im p les o b serv a çã o dos conflitos jurídicos no Di isi 1, onde iremos perceber o d e sc o m p a s so entre m o d elo s impostos pelo Estado e pro ced im ento s de solução de conflitos efetivam en te estabelecidos. A ssim , acrescenta, sendo a dogm ática ju ríd ica n fo rm a p rep on d eran te que assu m e o d ire ito uo m oderno Estado d esen volv ido , que ex ig e um a soc ied ad e com plexo puni surgir, cisai niii npttraio burocrático estável e ou tras ca racterís ticas esp ec ífico s , e sendo o d ireito dogm ático en tendido com o um d ire ito lega lm en te org an izado que tom a por bnsc n p reten são , por parte do E stado, d e m on opólio nn produ ção e/ou leg itim ação dns norm as ju r íd ica s , dentro de determ inada c ircu n scrição territoria l, a crise resid e no fa to d e que é este d ire ito dogm ático d iferen ciado qu e não se con seg u e firm a r no Brnsil, Ver, para tanto, A deo dato , João M aurício. Direito: Crise e Crítica . In : D ireito e D em ocracia . Katie A rgü ello entrevista. Florianópolis , Letras C o n tem p o rân eas, 1996, p. 148-150. 31 Cfe . Faria, José Eduardo. D ireito e econom ia na d em ocratização brasileira . São P aulo , Malheiros, 1993, p. 52. 32 Cfe. Cam pilongo, op. cit., p. 12 e segs. j3 C o m o m od o de pro du ção de Direito en ten de-se a política econômica de regu lam entação , proteção e leg it im ação num d ad o esp aço nac io na l , num m o m e n to específ ico, que inclui: a) o m od o com qu e a pro f issão juríd ica e a prestação de seus serviços são organizados; b) a loca l ização de p a p é is entre as várias posições no carnpo ju ríd ico (praticantes, ap licado res da lei, guardiães da doutrina, acad êm i cos, etc.); c) o m odo co m que o c a m p o p ro d u z o h ab itu s , inc lu in do variações na ed u cação e a importância das v a n tag en s so cia is (anteced entes e relações pessoais) piara o recrutamento no cam po); d) as m od alid ades para a art icu lação da doutrina p repon deran te e os m odos com q u e estas in c id em em relações entre jogad ores e posições ; e) o papel que os a d v o g a d o s , ju n ta m en te co m os pro tago nistas g lobais e reg im es transnacionais rep resen tam num d a d o cam po ju r íd ico : f) a relação entre regu lam en tação e proteção; e, g) o m odo d o m in a n te de legit im ação. Cfe. Yves D ezalay e David M. Trubek. A rees tru tu ração global e o Direito. In: D ireito e g lobalização econôm ica - im plicações e. p erspectivas. José Edu ard o Faria (org). São P au lo , Malheiros, 1996, que se b aseiam , de certo m od o, no conceito de m odo de produ ção de direito form ulad o por Boaven tu ra de Souza Santos. 3 6 LENIO LUIZ STRECK agente e Tício, a vítima. Assim, se Caio (sic) invadir a propriedade de Tício (sic), ou Caio (sic) furtar um botijão de gás ou o automóvel de Tício (sic), é fácil para o operador do Direito resolver o problema. No primeiro caso, é esbulho, passível de imediata reintegração de posse; no segundo caso, é furto. Nestes casos, pois, a dogmática jurídica coloca à disposição desse operador respostas rápidas (e seguras). Porém, quando Caio e milhares de pessoas sem terra ou sem teto invadem a propriedade de Tício, ou quando Caio participa de uma quebradeira de bancos, causando desfalques de bilhões de dólares (corno no caso do Banco Nacional, Bamerindus, Econômico, Coroa Brastel, etc.), os juristas só conseguem "p en sar" o problema a partir da ótica Iiberal-individualista. Como respondem os juristas a esses problemas, produtos de uma sociedade complexa, em que os conflitos têm um cunho transindividual? Na primeira hipótese, se a justiça tratar da invasão de terras do mesmo modo que trata os conflitos de vizinhança, as conseqüências são gravíssimas (e de todos conhecidas...!) Na segun da hipótese (crimes do colarinho branco), basta examinar a pesquisa da Procuradora da República Ela de Castilho, para perceber como tais delitos são tratados pelas instâncias de administração d ’ < t,. i. Com efeito, os dados coletados dão conta de que, de 1. ->(-> * 1 , somente 5-dos 682' supostos-erimes financeiros apurados pelo tianco Centra] resultaram em condenações em primeira instância na Justiça Federal. A pesquisa revela, ainda, que 9 dos 682 casos apurados pelo Baneo Central também sofreram condenações nos tribunais supe riores. Porém - e isso é de extrema relevância - nenhum dos 19 réus condenados por-crime., do -m lam úio. branco fo i pam .a-eadeial A pesquisa ressalta também que o número de 682 casos apurados é extremamente pífio, em face dos milhares de casos de crimes do colarinho branco que ocorrem a todo ano no país3*. E os crimes contra o meio ambiente, como são tratados? Como funciona o Direito nas jx la çõ es de consumo, mormente quando se percebe cjue a televisão, que devpria ser um veículo para transmitir cultura (art. 221 da CF), transformou-se num bingo pós-moderno? Estamos, pois, em face de um sério problema: de um lado, temos uma sociedade carente de realização de direitos e, de outro, uma Constituição Federal que garante estes direitos da forma mais ampla possível. Este é o contraponto. Daí o acerto de Ribas Vieira35 em dizer que "a crise do ju diciário deriva do descom passo existente entre 34 C onsultar Castilho, Ela Volkm er. O con tro le p en a l das crim es con tra o sistem a fin an ceiro nacional. Belo H orizonte , Del Rey, 1998 3 5 Cfe. Ribas Viera, José. T eoria do Estndo, Rio de Janeiro , Lum en Juris , 1995. TRIBUNAL DO JÚRI 3 7 sua atuação e as necessidades sociais, considerando-se totalmente insuficiente a afirmação formal da existência de determinados direitos, uma vez que o ‘-c ' c h i n i1 > \'ste<nia a partii de uma agencio coativa disposta a np’n i ^ 't>rma> nu ’, a , Não sui pieemle, pois, que institutos jurídicos importantes com o o mandado de injunção e n substituição processual, previstos na nova Constitui ção, tenham sido redefinidos e tornados ineficazes pelos estab- lishm enl
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