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Temas em Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica

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r
I
I
Notas sobre a história da
psiquiatria forense, da Antiguidade
ao começo do século XX
Sérgio Paulo Rigonatti
com a colaboração de Edgard Luiz de Barros.
f.
I
Escrever sobre a história da psiquiatria forense é retroceder à Antigui-
!I, dade clássica e ultrapassá-Ia. É retroagir até o antigo Egito, há cerca de
três mil anos antes de Cristo, na pessoa de Imothep, cujo nome significa
il 'aquele que veio em paz', e é descrito como médico, arquiteto, sacerdote,
e ocupava o posto de primeiro ministro do faraó Zoser, o qual construiu a
J ,pirâmide de Saqqara. Tal personagem teria sido o primeiro a unir leis à
l' p.ráticamédica. Vemos que o diálogo entre o Direito e a Psiquiatria remonta
~ :.;~~s. tempos pré-hipocráticos.
; ';':,"i~S,~aBabilônia, em aproximadamente 1850 a.C., ocorreu julgamento, no
,I ::,;'~.~~I~ma parteira participou como perita. O"Código de Hamurabi" foi a
r.~~~rTIelra compilação de leis que chegou até nós.
'I' 'mif.>, ,",O ~ovo. judaico, em sua sabedoria, levava em consideração a
"~Jm~nclonalidade do ato e em 1200 a.C. no Exôdo, 21 :28-29, temos: "se
1:'~~9mboi chifrar home~ ou mulher e causar sua morte, o boi será ape-.W,Elj~do .e n~? comerão sua carne, e o dono do boi s~rá absolvido. Se oI.~i~beorem, Ja antes marrava, e o dono foi avisado e nao o guardou, o bOi
'-
r~'I'
~
Sérgio Paulo Rigonatti Nolas sobre a história da psiquiatria forense, da antiguidade ao começo do século XX
bispo de Bamberg decreta que em todos os casos de morte violenta é
obrigatória a participação de peritos médicos. O imperador Carlos V se-
gue tal norma e, na dieta de Ratisbon, em 1532, requer a presença de
peritos médicos em todos os casos em que há injúria pessoal, morte ou
suspeita de gravidez.
Em 1648, o médico Paulo Zacchia publica, em Roma, a primeira edi-
ção de sua Monumental obra Questões médico-legais. É considerado,
por muitos, o Pai da Psiquiatria Forense. Atuou, como perito, para diver-
sas ordens religiosas e era médico pessoal do Papa.
O julgamento de Earl Ferrers, em 1760, é o primeiro julgamento criminal
'I: ocorrido na Inglaterra em que um médico atua como perito para avaliar as
condições mentais do réu.
Durante o reinado do grão duque Peter Leopold, foi fundado o Hospital
Bonifácio, e Vincenzo Chiarugi, seu diretor, elaborou os regulamentos (es-
tatutos) de tal hospital especificando: "É um dever moral respeitar o indiví-
duo louco como pessoa". Os desdobramentos históricos da Psiquiatria
comprovam o quanto tal recomendação foi esquecida.
Em 1837, na França, Etiene Esquirol publica o tratado Des maladies
mentales com capítulos dedicados à psiquiatria forense, e o médico Isaac
Ray, um dos fundadores da American Psychiatric Association, publica,
em 1838, o Tratado de jurisprudência médica da loucura.
o Por volta da segunda metade do séc. XIX, começaram a ser idealiza-
odos os primeiros institutos voltados ao tratamento de doentes mentais
,'perigosos. Em 1850 foi fundado o Instituto de Aubumque, e em 1863 surge
t.,.\D~ln~laterra o Instituto de Bradmore, que se tomou padrão para os institu-
!:\;:~o~ cnados a partir de então. o
<~l<¥.observ?mo~ que a relação entre doença mental e as leis evoluiu sem
jt~T.'.~.,r.elaç~o direta com o progresso dos conhecimentos sobre as doen-
"~!t~~.,.mentals. Os médicos e os legisladores não se preocuparam em esta-
"E!'t!~::er as possíveis causas ou uma classificação do adoecer psíquico;
~~~'apénas observaram que o sujeito não era mentalmente íntegro e to-
~~rno'as providências legais. Com o surgimento da Psiquiatria como
;8~..tlas'especialidades médicas, esta tomou a si todas as relações entreJi;~~~~~.Mental e a Justiça, e é neste momento que surge a psiquiatria
~6j)~e,fPodendo ser definida, enfim, como a subespecialidade que faz
~~~~~:cdnhecim~ntos psiquiátricos à luz da legislação, ou como a utili-
"j:19;lQgll :cqnheclmentos pSiquiátricos a serviço da justiça.
rn&t~~r~y~!t"li:le1876, temos a figura ímpar de Cesare Lombroso, que de-
: .,."g~l~,{~;,~}mportância de conhecermos o Homem, para que se estabe-
será apedrejado, e o seu dono será morto". Ou seja, os atos levados a
cabo com deliberação eram considerados equivalentes ao homicídio se
resultasse na morte de alguém.
Antes de entrarmos na contribuição romana à história da psiquiatria
forense, é mister citar a colaboração dos filósofos gregos. O filósofo Platão
divide a alma em racional e irracional: o que distingue o ser humano dos
animais é a alma racional; portanto, os seres humanos, sendo livres para
escolher, são responsáveis pelos seus atos.
Aristóteles, o grande discípulo de Platão, reconhece a importância do
conhecimento das conseqüências da ação para que o ser humano tenha
responsabilidade por tal ação. Ele afirma que uma pessoa é moralmente
responsável se, com conhecimento das circunstâncias e, na ausência de .
forças extemas, tal pessoa deliberadamente escolheu cometer um ato'
específico.
A sociedade romana, através do Senado Romano, estabelece em 460
a.C. a denominada "Lei das Doze Tábuas", a qual faz referências à inca-
pacidade legal das crianças e dos portadores de doenças mentais e pro-
videncia tutores para os insanos. Temos também, em Roma, duas
importantes leis: a Lex Aquila e a Lex Comélia. No texto da primeira está ,11
dito que a lei romana não levava a julgamento pessoa responsável por I'
dano a propriedade, quando tal dano era causado na ausência de negli-
gência ou de malícia. E a Lex Comélia punia quem atingia a moral de
uma pessoa, mas não punia crianças ou doentes mentais.
O código do imperador Justiniano, chamado simplesmente de Código ,
de Justiniano, editado em 528 d.C., também protegia o doente mental e a J
criança. Séculos depois, na Inglaterra, Henry de Bracton, em 1256, apre- .~
sentou o livro On the laws and custons of England, em que descreve hábi~l
tos e leis na Inglaterra. I'
Durante o reinado de Eduardo I (1272) foi elaborado um decreto deno-.
minado "Prerrogativa Real" ou "Direito do Rei", que estabeleceu parâmetros
em relação às propriedades dos súditos e dando tratamento diferenciado ""
entre os nascidos com transtomos mentais e os que se tornaram doentes:,
mentais no decorrer da vida. Havia um comitê especial para determinar a~!~
condições mentais e os direitos de propriedade..:
A primeira cidade européia a estabelecer um serviço de médicos peri;/
tos foi Bologna em 1292 e, no ano de 1302, uma das primeiras autópsia~;li
mé9ico-legais é realizada na Europa e documentada. o~llj
E.n? .começo ~o século XVI, mais precisamente 1507, que se consid~
ra o iniCIOdo penodo modemo da medicina legal, pois foi neste ano que}''''
i1j
~
ti,
''111itl~
'~11'
"Uiel:
"
w
ri;
Sérgio Paulo Rigonatti
leça a justiça. Ele foi o criador da antropologia criminal. Entre suas obras
cumpre destacar o L'uomo delinquente. "
Após esta rápida e sucinta visão histórica, voltemos nossa atenção'
para o Brasil.
o início da psiquiatria forense no Brasil
Já no início do Império, em 1835, a lei de 04 de junho cita os que são .;
. "juridicamente inimputáveis: os menores de 14 anos e os alienados. .:'
Em 1884, são publicados dois importantes livros; um deles, por Nina ~!!
Rodrigues, cujo titulo é Raça humana e responsabilidade penal no Brasil, .1
e o outro denominado "Os Menores e os Alienados", de Tobias Barreto.
O professor Francisco Franco da Rocha, vindo do Rio de Janeiro, as- \
sume, em 1897, o Serviço de Assistência aos Psicopatas do Estado de ;!I
São Paulo e, nesta ocasião encontravam-se recolhidos no Hospital da;;"
Várzea do Carmo, na capital de SP, quinze doentes mentais criminosos.:i
No ano seguinte, é inaugurado o maior e mais importante hospital psiquiá-!I,
trico brasileiro, modelo para o País e para a América Latina: o Juquery.é'I
Publica, em 1904, suas vivências e experiências emum tratado que deno-l
mina "Esboço da psiquiatria forense"."
Os então denominados "manicômiosjudiciários" são inaugurados; o 1
do RJ, em 1921; e em 1924, os do Rio Grande do Sul e Minas Gerais. 'i' .
O Prof. Franco da Rocha aposenta-se, e, em 1923, assume o Departa-.' "~
mento de Assistência aos Psicopatas do Estado de SP o Prof. Antonio'
Carlos Pacheco e Silva, que de maneira intensa e criativa administrou não:
só o Departamento mas o desenvolvimento da Psiquiatria paulista. .,
O crescente número de doentes mentais criminosos era motivo de;)
preocupação, pois, em 1926 encontravam-se internados, no Hospital j
do Juquery, 165 pacientes em tais condições, sendo 95 brasileiros e 70~
. ~~
estrangeiros. :"i(1
Então, em 1927, Alcântara Machado, professor de medicina legal, n?~'
dia 13 de dezembro, patrocina o projeto de lei criando o Manicômio Judl-~
ciário do Estado de São Paulo. Em 1934, os primeiros 150 pacientes;k~
todos homens, foram removidos do Hospital Central do Juquery para 0;1
Manicômio Judiciário, o qual foi construído em terreno de 185 mil metros~
quadrados, ao lado do complexo hospitalar do Juquery. Seu primeiro dire-:);,
tor foi o professor André Teixeira Lima, que o dirigiu até sua aposentadoriai)
Hoje o Manicômio Judiciário é denominado "Hospital de Custódia e Trata-,;:.
mento Psiquiátrico Professor André Teixeira Lima". '.~f
Nolas sobre a história da psiquiatria forense, da antiguidade ao começo do século XX
Para concluir, é importante frisar que, no caso das ciências médicas e
mais especificamente no universo do pensamento psiquiátrico, o que foi
reforçado no Brasil é um certo conjunto eclético de conceitos e posturas
científicas, fruto da experiência dos pioneiros como Franco da Rocha. Foi
esse o processo que norteou a substituição dos asilos leigos criados nos
séculos coloniais e imperial de forma descentralizada e sem finalidade
terapêutica (os simples "depósitos de loucos") pelo grande nosocômio
moderno (notadamente o Juquery), organizado a partir da especialização
médica como um foro centralizado de classificação, pesquisa e tratamento
da loucura.
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Angélica A. Silva de Almeida
A1exander Moreira de Almeida
Construindo uma nação:
propostas dos psiquiatras para
o aprimoramento da socledade~~!
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(:t,"'~:,"i?~t"Jntrodução
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. ','bs.relações entre aPsiquiatria e o Direito abrangemum amplo espectro
,iS~,;poSsibilidades.Em alguns períodos da história recente, a Psiquiatria
~e~~i1deuexpandir intensamente sua área de atuação. Os alienistas jul-
:,g~1;,m-seem condições privilegiadas para definir os rumos das socieda-
"j...$~.?:asregras que deveriam reger o bom desenvolvimento social. Na
~,~~!'!l,~lrametade do século XX, foram propostas diversas intervenções le-
:.~~~;:P9Iiciais,educacionaise sanitárias pela comunidade psiquiátrica bra-
,!fi,*[~r!Baseados nos princípios da eu~en!~. e da higiene m:nta!,
~?p~~m-~~ ~m uma cruzada de combate a slfllis, ao alcoolismo, a reli-
•
"" 1~'~"'.'edl~n1ca~,bem como numa tentativa de ~ontrolar a imigra~ão de
~ .' .~~.~ onentals e de regular os modernos meios de comunlcaçao. Aom .,&9!~r muit~s vezes sua área de atuação, os profissionais da Saúde
'~""~~'l.l.çontnbulrampara práticas discriminatórias e de exclusão. Neste
I,.fn".r-_.'::' __ . ., ._ .. 0°-=-'--::......:
::'.i;'
Construindo uma nação: propostas dos psiquiatras para o aprimoramento da sociedade
Imbuídos desta preocupação, os pSiquiatras julgavam-se com o poder
de determinar o modo de organização e funcionamento de todas as insti-
tuições sociais, desde a família até o Estado, por constituírem-se numa
categoria capaz de compreender e agir eficazmente sobre o corpo e a
mente (Costa, 1976).
A ação dos psiquiatras deveria se estender por inúmeros campos; a
televisão, o cinema e o rádio deveriam ser controlados, pois modelavam
nossa personalidade através de forte sugestão, retirando-nos o poder de
decisão (Silva, 1957); certas formas religiosas (notadamente as de caráter
mediúnico) deveriam ser arduamente combatidas; houve a.implementação
de um combate à imigração de japoneses, considerados perigosos; a mis-
cigenação com negros e índios deveria ser abolida, pois daria origem a
indivíduos preguiçosos e atrasados (Oliveira, 1931; Silva, 1934).
O objetivo principal era a prevenção, levando-os a atuar mais intensamen-
J!l nos meios escolar, profissional e social. Assim, acabavam deslocando-se
'~~suas práticas tradicionais, penetrando no domínio da cultura (Costa, 1976).
A psiquiatria não significa nem o estudo da alienação mental, nem da
psicopatologia. visto que é uma ciência original, social e humana, cujo
principal objetivo é o estudo da adaptação do homem à sociedade e das
dificuldades que ela oferece (isto é, o estudo crítico, filosófico e político da
própria organização dessa sociedade). IÔ, ao demais, uma ciência
educativa, a qual, por intermédio da higiene mental, se relaciona não~-r'
somente com o indivíduo, mas também com as coletividades (particular-
mente Escola, Exército, Indústria, Religião). (Silva, 1948)
;,'~IiF!~i!.'..
~~.tlil~ycação eugênica' também foi angariando importante valor, pois
~~~a!!a'as causas que poderiam influenciar sobre o valor da espécie,
~d~pada cidadão da responsabilidade quanto à formação da raça
~~!Ji~~~~84):A Eug~nia surgiu num contexto histórico de positivismo,
,.,,::~~,~~~imaterialismo, organicismo e evolucionismo, defendendo a
!;.1::f'!.~a~.d.os fatores genéticos na determinação do comportamento.tr•......f!.
i'''''''''''>I,-",,,
J' ;.~.'-'".
~\}~1.' •.
íÕ~::~~_> - .
i~~:~8OCIaJ~~';u..Q~.I~•.f?1inventado pelo fisiologista inglês Francis Galton para designar"o estudo dos
'Iq "., - mente .....--..ráve.'s pod ._'~"'italitO:if: " IIUV que em elevar ou rebaixar as qualidades raCiais das geraçoes
1~nt&1~9""';i-~~uan~mentalmente" (Costa, 1976). Garton acreditava em consonância com 85
;:""""-""'~ pensamentodominat d . ' ...u~'.I~nrcíijMr;--,':., n as a epoc8, que os seres humanos estavam diVidIdos em raças
.~..~•....:;6ffià•.~~-~. adota~do um conceito essencialista de raça. A diversidade dos tipos humanos,
S#\l~'!~.'Era VIsta como a aproximação imperfeita do padrão (Bizzo, 1995).
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Angélica A. Silva de Almeida. Alex.ander Moreira de Almeida
2. Contexto histórico I
O séc. XIX assinalou para o Brasil o início de um processo de transfor-
mação em suas estruturas, o que atingiu gradualmente o âmbito da medi-:
cina. O saber científico passou a estruturar os valores que coordenavam)
e harmonizavam a hierarquia social (Costa, 1976). ,.
A formação de uma nação desenvolvida e próspera, através de um indiví-:;
duo brasileiro sadio, capaz de modificar os rumos do país, passa a ser o foco 1:
principal das discussões e dos projetos de nossa elite intelectual nesse mO-i,
mento. Se a sociedade, por sua desorganização e mal funcionamento, é cau-,!
sa de doença, todos os esforços deveriam se vo~arpara uma atuação intensiva'
sobre seus componentes naturais, urbanísticos e institucionais visando neu-.
tralizar todas as ameaças possíveis (Machado et alii, 1978). .'.
Após detectarem os principais problemas' que prejudicariam o cresci-li "
mento do país e encontrarem uma solução calcada nos "princípios da!:
ciência", tão importantes nesse período, tornava-se indispensável um pro~i
grama de ações com vistas a reorganizar a sociedade e preservá-Ia de'
alguns males. "Embora não se reconhecesse uma raça brasileira a prElo'
servar, com certeza havia uma imagem do que se queria evitar, ou evitarli
perpetuar, de um conjunto de taras a ser extirpado da identidade brasileira;!
a fim de remover obstáculos ao desenvolvimento nacional" (Bizzo, 1995)~i
Coube à Medicina - como parte integrante deste saber - a tarefa dEij
definir o que seria "bom"ou "mau" para os indivíduos (Costa, 1976). 9
papel do médico não deveria ser o de atuar somente contra a doenç~:\
mas dificultar ou impedir o seu aparecimento, lutando contra tudo o que n.a;
sociedade pudesse interferir no bem-estar físico e moral. Era o início d~
formulação de um projeto de medicina social com suas propostas de h,i~
giene. Dentro dos esforços para uma saúde plena de seus cidadãos,,1~
profilaxia e combate aos problemas mentais assumiu grande relevânc!~
(Machado et alii, 1978). ".:;;tll
A Psiquiatria, nas primeiras décadas do séc. XX, conseguiu conso!i.~
dar-se como uma disciplina autônoma, exercendo grande influêncial1~
meio acadêmico. Com uma trajetória de trabalho profundamente influeri
ciada pelos ideais eugênicos e pelos princípios de higiene mental, via;~'
necessidade de modificar a realidade brasileira, a fim de criar uma naçã,~
moderna, tendo como base indivíduos mentalmente sadios (Costa, 197~1
Os psiquiatras tinham em mente que o Brasil degradava-se moral e,,~
cialmente por causa dos vícios, da ociosidade e da miscigenação ra~l~
do povo brasileiro (Machado et alii, 1978)',,'J,r~:
" ••:i'"=.
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Angélica A. Silva de Almeida. AlexanderMoreira de Almeida Construindo uma nação: propostas dos psiguiatras par,] o aprimoramento da sociedade
Tais posturas se mantiveram na Europa até o século seguinte. Diver-
sos relatos de caso foram feitos à Société de Psychiatrie de Paris e à
Société Médico-Psychologique de Paris, bem como artigos, livros e te-
ses eram escritos sobre as ações nocivas do espiritismo. Essas con-
cepções influenciaram intensamente os psiquiatras brasileiros, como nos
mostram as revisões feitas por Leonídio Ribeir02 em 1931, Henrique Rox03
em 1936 e Pacheco e Silva' em 1950, que citam diversos autores e
publicações européias. Já em 1896, encontramos publicações de dois
importantes médicos, Franco da Rochas e Nina Rodrigues., sobre os
problemas relacionados às práticas mediúnicas no Brasil. Franco da
Rocha (1896), num relatório sobre o ano de 1895 do Hospício de Aliena-
i. dos de São Paulo, afirma que o espiritismo é uma. causa crescente de
loucura.
,"No séc. XX, proliferaram as conferências, publicações e teses de-
fendidas nas faculdades de medicina (Pimentel, 1919; Guimarães Fi-
IHá, 1926; Marques, 1929; Cavalcanti, 1934) sobre o caráter prejudicial
dó espiritismo, com um discurso cada vez mais radical (Giumbelli,
,'3997).
',I- 'tjAfrãnio Peixot01 (1931) explicou que "de minha observação concluí que
r:'}p~~~ntros espíritas eram laboratórios de histeria coletiva" que poderiam
:','.,clevaro crente "ao crime e ao hospício".
~,',~~;h::'"R.~ .~i;-.;~t~;r.
!,~\,~~~'!'~:
:~~::~;~~~ss~rde medicina legal da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, membro titular da Socie-
~,;'1:.~~~~~tropoIÓ9icade Paris e de Medicina Legal da França. Recebeu o prêmio Lombroso em 1933
~;<~,~,~:,f:'ealAcad~~~ade Medicina da Itália. Um fato curioso é que Cesare Lombroso foi um mordaz
:;~::::t~~,.do. eSpIritismo, mas no final de sua vida fez extensas investigações com uma famosa
i~~1i~-'''''''_(,m da época (Eusápia Paladino) e terminou por admitir a teoria espírita. O último livro publicado
I,~:t:z~mbroso faz um resumo de suas pesquisas na área: Ricerche sui fenomeni ipinotlci e
l1fJ;i:~iÓfr--l''. traduzido para o inglês como uAfter death - What7' (Lombroso, 1983)
f.'~~-BfbW~catedrá!lco de psiquiatria da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, presidente da Liga
~J;~lde~ade Higiene Mental, membro associado da Société Médico-Psychologique de Paris e
l~~ honorário do Comitê InternacIonal de Higiene Mental.
'eIa'S4c"": catedrático de psiquiatria da Faculdade de Medicina e Cirurgia de SP, atual Universidade
';'.'{tá64:.' aulo(UsP),
~:Sao'p?~)Fundador do Hospital do Juquery, um marco na história da saúde pública do estado deªtelJ~~und~do.rd~primeira sociedade de psicanálise da América do Sul. Em 1918 tomou-se
:'iIt.fl~~~i906e PSlqwatna n~ ~tua.1Universidade de Sã~Paulo" _ .
c'J.. ~'~rte' ),Etnógrafo, cnmlnallsta, patologista, SOCiólogo, pioneIro dos estudos africanos no
.~l;ó.mbfôSo~ um p~pe~fundamental na implementação da medicina legal no Brasil. Considerado por
- - _"....")rd~mo apost~lo.daantropologia criminal na América" (Archivos, 1906).
,.~:;~ medicina publica na Universidade do Rio de Janeiro, e diretor do Serviço Médico~Legal
3.2 - O espiritismo como causa de loucura
O argumento de que as práticas espíritas eram causa de psicopatologi~
foi usado no seu combate desde o início. Em 1858, um ano apóS 0
surgimento do espiritismo com a publicação de O livro dos espíritos, ~
possível encontrar, na Europa, relatos de "alienados" que perderam a raj,
zão em decorrência de práticas espíritas (Kardec, 1858). Em 1859, qri
Décambre, um membro da Academia de Medicina de Paris, publicou uJT1!l
crítica ao espiritismo' em 1863 circulavam relatos de casos de loucurli, "
gerados pelo espiritismo (Hess, 1991).
3. A "loucura espírita" no Brasil
3.1 - O espiritismo
Na segunda metade do séc. XIX houve uma onda de interesse
espiritualista pelo mundo ocidental, com destaque para os fenômenos
mediúnicos. Esse heterogêneo movimento social, que tinha em comum a
crença na existência e sobrevivência dos espíritos após a' morte, bem
como na possibilidade de comunicação com os vivos, ficou conhecido
como "espiritualismo modemo" (Doyle, 1975; Braude, 1989; Trimble, 1995){!
Neste contexto, em 1857, surgiu na França o Espiritismo ou Doutrina Es~
pirita (Kardec, 1994). '.'
No final do séc. XIX, o espiritismo chega ao Brasil, onde passou a teil
uma presença marcante, sob uma feição essencialmente religiosa. Se,
disseminou principalmente entre a classe média urbana, mas a influênci~
de suas práticas e visões de mundo vai muito além do número declarado
de adeptos. (Aubrée & Laplantine, 1990; Machado, 1993; Damazio, 1994;'
Santos, 1997).
humano. Suas premissas adquiriram muito prestígio, por, dentre outros
fatores, serem supostamente embasadas em demonstrações científi-
cas, utilizando-se, inclusive, de arrojados cálculos estatísticos. Num 'i,
ambiente positivista esses eram atributos muito sedutores (Chalmers,
1994).
Dessa forma, através de ações sociais e biológicas, os psiquiatras I
acabaram por assumir um importante papel normatizado r da sociedade, '
contribuindo, muitas vezes, para o desenvolvimento de processos de ex-
clusão (Foucault, 1972).
-
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Construindo uma naç50: proposfas dos psiquiatras para o aprimoramento da sociedadeAngélica A. Silva de Almeida. Alexander Moreira de Almeida
Em 1909 houve uma sessão da Sociedade de Medicina do Rio de Ja-,' médicos, acusando-as de charlatanismo e exercício ilegal de profissão
neiro que tratou dos "perigos do espiritismo", onde um médico, declaran-' (Pimentel, 1919; Ribeiro e Campos, 1931; Ribeiro, 1942 e 1967). Os ditos
do-se "católico, apostólico, romano", afirmou que os "hospícios de tratamentos espíritas eram bastante procurados pela população (Ferreira,
alienados" estão "sempre cheios de vítimas do espiritismo". Entretanto,: 1946).
após debates, a assembléia decidiu que não havia necessidade de serenj As práticas espíritas também eram acusadas de induzir ao suicídio
tomadas medidas contra o espiritismo (Correio, 1939). i (Caldas, 1929), estupro (Peixoto, 1909), homicídio e desagregação da fa-
A mesma sociedade voltou ao tema em 1927, tratando do "problem~ mília (Ribeiro & Campos, 1931; Oliveira, 1931). Pacheco e Silva (1936)
do espiritismo". A figura central foi Leonídio Ribeiro (1931), realizando urT) alertava que "os crimes de sangue se repetem com freqüência assusta-
pronunciamento antiespírita. Declarou que 50% dos pacientes avaliado~ dora em São Paulo. Buscando a origem desse fato, verifica-se que as
por ele no Gabinete Médico Legal da Polícia, como suspeitos de atingido; causas residem em três fatores principais:o alcoolismo, o espiritismo e o
por uma moléstia mental, tiveram o início de seus sintomas de "loucura a9 baixo charlatanismo."
se entregarem às práticas do espiritismo". Após discussão, foi aprovada: .: São muito escassa~, nas publicações científicas, as manifestações de
proposta de se instituir uma comissão para estudar o assunto e obter "Iei# médicos contra o pensamento dominante a respeito da "Loucura Espíri-
que vedam essa prática prejudicial". Ao invés de se proceder a uma inves; "ta". Em toda a nossa pesquisa, identificamos apenas três artigos
tigação científica dos fatos, o que se realizou foi um "inquérito entre esp~i dissonantes (Pernambuco, 1927; Cesar, 1941 e 1942). Nas publicações
cialistas brasileiros". Entretanto, nenhum destes "especialistas" tinh., '.. Ieigas, principalmente em jornais, esse outro lado pode ser mais facilmen-
realizado pesquisas sobre o tema, apenas reproduziram opiniões. ,\ ,:.•teiaentificado.
Apesar de nenhuma pesquisa ou evidência controlada ter sido apresen,: 1.,:.~It-..
tada, a resposta consensual foi basicamentedequeoespiritism oseriaprej~ ~;,çt~;13-T r" . ""t t" d" t"
dicial, principalmente desencadeando psicopatologia em predispostos. TalvE!, ~~":' IP?~ c lm~o~. eSP.lr~~pa la, me lUnopa la,
esta tenha sido a primeira pesquisa de "consenso entre especialistas" ("exfJe.' .:,: i!W\' dehno esplrlta eplsodlCO ~.~,.. ,.. \
consensus') do Brasil. . ' '::' ,.~pesar da concordância quanto ao caráter patogênico do espiritismo,
Xavier de ?Iiveira~ (1?~1) afirmou ~ue ~,4% dos 18281 pacientes Inter; .•~~¥l~"'~i~ergênCiaS sobre quais seriam os quadros clínicos decorre~tes:
nados na ClJnica PSlqUlatnca da UniverSidade do RJ ao longo de doz". A'.m!!lona pensava que seriam desencadeados transtornos mentais Ja
anos. ~ram,:'portadOr?S de psicoses.ca~sadas só e eXcl~slvamen~,e pei d~~~H~s'na literatura, mas com o colorido espírita.
espiritismo: Este sena o.t?rcelr~ maior 1actor de ~lJenaça? r:ne~tal , atr'iJ ~S~gUndoXavier de Oliveira (1931), "espiritopatia é uma síndroma men.
ape,~as do alcool e da s~fills. A!em de se constitUir numa 1ab:lca de ~rfll!':<;I~"f~rma de~lrant~,com motivos espíritas, e que se observa, geralmente,
cos , o espiritismo tambem se~la pengoso pOISInduzlna ao cnme e s .,:,' ;~~çla em Indlvlduos tarados do sistema nervoso, nomeadamente, da
uma gran~~ fonte de charlatanismo. .i. Cl~~:.~?~histeróides, esquizóides, ou, antes, dos _ histero-esquizóides
_ Os esplrltas ofer:c:~m tr~tamentos gratUl~osbaseados en: passes, ~r~ '-;AS~.~~~e dã.oao estudo, à crença ou à prática do espiritismo". Nega que
çoes e d.esobsessao , mUlt~~ vezes tambem eram forneCidas recel.!~, OC9m!~:.~!~clnações verdadeiras, mas apenas efeitos de sugestão .
homeopatlcas". Essas praticas foram severamente cntlcadas pele,' '" J:'"C?tgu,trolado, Roxo (1938) chegou a criar uma nova classe diagnóstica
.~ <!.I!."Oer ." 'E '.,;1 "mlf"'~%spírita Episódico", que foi apresentada numa conferência em
. . " . , . . "'1, .it"'sii}~~;\~~36, ~om a aprovação de George Dumas (1938a). O autor
, ProfessordaFaculdadedeMediCinadaUniverSidadedoRIO,deJanelloemédlcodoHO~,;~ ..••••.•• ~"~~ces~ldade de uma nova classe diagnóstica após fazer uma
NaCionaldePSicopatas. ~h ~~e erudita discussão bibl' "f' d'" 'f ' I
' Procedimentoemqueumespíritodesencarnadoqueestariaprejudicandoalguém.causand- ~.~e!QüiZõ'( . . logra Ica sobre o lagnostlco di erencla com
sintomas,manileSla-seemreuniõesmediúnicasondeéaconselhado.segundodiretrizesc~~ir~," Ó*I~~',a, parafre~la e psicose maníaco-depressiva, Seria uma doen-
deconduta.a abandonarsuaaçãomaléficasobreo paciente. . 1V9i' "~"ií>,Ji!lt,'!l. responsavel por 5 a 1001c das internações psiquiátricas.
1°0espiritismoeahomeopatiamantiverampormuitotemporelaçõesmulto estreitas no Brasil (SI.,;.", .z:'ti~~!:~.ueas pessoas na-o ° b - .. t s
1997). ,~,:, " ii!lcjii:~~;:, apresentavam pertur açoes mentais an e.••..........
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Angélica A. Silva de Almeida. AlcxanderMoreira de Almeida
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de freqüentarem as sessões espíritas. "raramente o indivíduo era alienado'~:
antes do espiritismo". Roxo chegou a desenvolver um tratamento 100% efi"l
caz para a enfermidade, a injeção de valerianato de atropina 0,25mglcmaJI
Teria efeito sedativo para a histeria e "provocando uma constrição dos'
vasos cerebrais e, acarretando uma isquemia no lobo temporoesfenoidall;
e no occipital, determinaria o desaparecimento das alucinações auditivas e"
visuais" (Roxo, 1928).
Em grande parte das situações, bastava que um paciente, geralmen~:
te apresentando unia psicose, fizesse alguma referência a espíritos oum'
que houvesse um relato de interesse ou freqüência a religiões mediúnicasi.
para que o quadro fosse considerado um tipo de loucura espírita (Ro'i,
cha, 1896; Guimarães Filho, 1926; Marques, 1929; Ribeiro e Campos,ilI'
1931 ).
':-'1,
3.4 - Etiopatogenia da "loucura espírita" ,
Apesar de alguma controvérsia sobre o tema, a explicação sobre 01
mecanismo patogênico do espiritismo envolvia essencialmente a histeria'.l
que, através da sugestão, gerava desagregação dos processos psíquicos:'
com automatismo mental. Tal desagregação poderia se tornar permanen-)
te, caminhando para a alucinação e o delírio. O espiritismo faria a maiod
parte de suas vítimas entre aqueles que já apresentariam alguma predis.';
posição psicopatológica, sendo que muitos destes ,semanteriam nos limi",I',
tes da normalidade caso não fossem expostos repetidamente a fortes' I
emoções (como as seções espíritas). Entretanto, o impacto repetido pro-' '
vocado por muitas sessões espíritas poderia desencadear loucura em" '
qualquer um.
Franco da Rocha (1896):
Tratando-se de neurepatas, predispostos, reunidos em uma sala à meia,!
claridade, tudo em silêncio, num estado emocional intenso, nada há queillr
admirar nas conseqüências. O estado de emoção, a excitação' geral, e asj
modificações circulatórias provocam, principalmente nas mulheres, 051
ataques histéricos, e as desordens vão mesmo além - à perda 'completa.
"da razão. '
Entre os infelizes que têm sido vitimas do espiritismo, tenho notado geral-o
mente que a forma de perturbação mais comum é a mania, em acessos,'
transitórios. Alguns apresentam-se com delfrio parcial sistematizado (pró. ;l'
jI
prio dos degenerados).)]
Construindo uma nação: propostas dos psiquiatras para o aprimoramento da sodedll.de
3.5 - Profilaxia da "loucura espírita"
As investigações dos psiquiatras sobre o espiritismo foram seguidas de
campanhas destinadas ao seu combate, que envolviam exigências de fe-
chamento dos centros espíritas, destruição das publicações espíritas, cam-
panhas de "esclarecimento sobre os perigos do espiritismo" e clamores
pelo cumprimento do código penal que criminalizava práticas espíritas:
Artigo 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de
talismãs e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor,
inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e
subjugar a credulidade pública ...
Parágrafo 1'. Se, por influência, ou por conseqüência de qualquer desses
meios, resultar ao paciente privação ou alteração, temporária ou perma-
nente, das faculdades pslquicas. (trecho do Código Penal de 1890)
Muitos psiquiatras influentes discutiram a questão e propunham me-
didas duras. Xavier de Oliveira propõe:
O Livre dos médiuns de Allan Kardec é a cocalna dos debilitados nervo-
sos ... e com um agravante a mais: é barato, está ao alcance de todos e
por isso mesmo leva mais gente, muito mais, aos hospícios do que a
"poeira do diabo" ... a sua higiene e profilaxia estão, apenas, em se quei-
marem todos os livros espíritas e se fecharem todos os candomblés,
altos, médios e baixos, que ora infestam o Rio, o Brasil e todo o mundo
ocidental. (Oliveira, 1931)
Leonídio Ribeiro & Murilo de Campos (1931) afirmavam ser necessário
haver uma aliançacom o poder público a fim de coibir energicamente
essas práticas, que "numa epidemia de loucura vinha devastando a hu-
manidade". No prefácio desta obra, Afrânio Peixoto alerta: "o poder publico
não pode ser indiferente à ruína nervosa, senão à alienação daqueles so-
bre os quais lhe é missão velar".
Odeputado e psiquiatra Pacheco e Silva também se posiciona sobre o tema,
destacando a ineficiência das autoridades judiciárias no trato das questões
relativas à proliferação dos centros espíritas e da prática do "charlatanismo":
E os centros espíritas proliferam, espalhando os seus "benefícios" à hu-
manidade sofredora. As bruxas e feiticeiras campeiam. A polícia faz o que
'111
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Angêlica A. Silva de Almeida. Alexander Moreira de Almeida
pode, mas poucas são as vezes que a sua ação se faz eficiente. Nenf:
•.f
sempre é fácil coligir provas, as nossas leis são falhas e para cada ,uni
que lhe cai nas garras, surgem dois para substituir. pois a indústria ~j;1
rendosa, Cuida-se agora a formação do sindicato médico, que também,l:
desenvolverá sua atividade procurando combater o charlatanismo barato~,;
A ocasião é oportuna para que os nossos legisladores cuidem do assuntoíj
(Pacheco e Silva, 1936) ".
,l
. "ti
Henrique Belford Roxo (1938) afirmou que "como medida de profilaxiâ,!
mental é preciso impedir a realização de sessões de espiritismo não cien{
tífico." "i:
Em 1936, também na França, houve uma proibição do funcionamentJ'
"de centros espíritas como medida profilática contra os delírios espíritas,
,,11
(Claude & Cantacuzene, 1936). I
1:0
Apesar de o discurso predominante entre médicos fosse o clamor às
~'
autoridades (executivas e judiciárias) no sentido de um maior endureci'!!
mento legal e repressivo contra o espiritismo, havia vozes dissonantés!1
Silvado (1890) afirmou que o real motivo dessas reivindicações médicas'
seria o temor à concorrência. Desmoralizados pelas disparatadas condu:';
tas clínicas entre os médicos e pela mercantilização da prática médica!
'1izeram uma triste figura, indo ao Chefe do Estado, confessar-se fraco~,
diante da concorrência que lhes faziam os curandeiros, em quem a popu~,
lação depositava mais confiança que em certos médicos". Aníbal da Silveira',
(1944) não via razões para a perseguição ao espiritismo, atribuindo-a a
um "preconceito científico", constituindo-se numa injustiça que merece,';- \~reparaçao. ..
4. O discurso racial dos psiquiatras
A questão racial também influenciou fortemente o discurso dos psiquiaii
tras ao longo das primeiras décadas do séc. XX. Preocupados com 0':
crescimento do país, defendiam uma série de idéias que visavam a inte-[
gridade física, mental e moral da raça (Silva, 1934). .,:
O Brasil era visto como um país novo, com um vasto território, de clima:.
variável, com uma população constituída por raças heterogêneas, de coso!'
tumes e hábitos diferentes e vivendo nas mais diversas condições de hi-'I
giene. Era preciso empreender medidas científicas e racionais para ordenar'
a sociedade (Silva, 1934).
;1'.'"
Construindo uma nação: propostas dos psiquiatras para o aprimor<lmento da 'sociedade
Dentro desses parâmetros, uma série de medidas urgentes deveria
ser tomada para desenvolver a saúde pública. A sociedade, entendida como
um grande hospital, mostrava-se incapaz de efetuar as mudanças
necessárias. Eram os médicos que deveriam planejar reformas urbanas,
dividir a população entre doentes e sãos e administrar remédios eficazes.
Os projetos de saneamento começam a tomar forca, propondo medidas
diretas de intervenção na realidade social, escapando do terreno estrito da
Medicina. (Schwarcz, 2001).
Segundo Pacheco e Silva (1934) em seus discursos na Assembléia
Nacional Constituinte, as doenças absorveriam cerca de 15% do orça-
mento dos estados e muitos casos poderiam ser evitados.
Convém não esquecer que uma criança cega, surda ou retardada custa ao
Estado cinco a seis vezes mais que uma criança normal .., não há quem se
não inquiete com a chamada "maré montante de tarados de toda espécie",
que sobrecarregam a sociedade com um enorme peso morto, exigindo
cada vez maiores sacritrcios das forças vivas das nações ... o Brasil é um
vasto hospital, um país cuja população ... é tão débil, tão pouco eficiente na
luta pela vida, tão enfermiça, que se poderia considerar o valor de cada três
individuos como equivalente a um ... (Silva. 1934)
Uma nova prática médica se anunciava, abandonando o indivíduo para
tratar a comunidade. Era pela doença que se poderia explicar o fracasso
do país, restando apenas diagnosticar a origem desses males. A partir
desse momento, a questão racial torna-se um elemento importante nas
análises dos médicos. As doenças teriam vindo da África - com os escra-
vos -, ou da Europa e da Ásia - com a entrada da mão-de-obra imigrante,
assim como O nosso enfraquecimento biológico seria efeito da mistura
racial (Schwarcz, 2001).
Nesse momento, intensifica-se a campanha para a realização de uma
seleção individual e étnica dos imigrantes, favorecendo a entrada no país
de determinados tipos raciais em detrimento de outros, visto que o cruza-
mento com certas raças daria bons resultados, e com outras, maus re-
sultados. A imigração de negros, amarelos e outros tipos étnicos muito
heterogêneos passa a ser reprovada, pois vários estudos indicariam que
são desastrosos o cruzamento entre raças antagônicas (Ribas, 1945).
. Muitos psiquiatras procuravam destacar que essas medidas empreen-
didas eram independentes de qualquer preconceito de raça, mas fatos
comprovados cientificamente, conduzindo a um melhor aperfeiçoamento
É necessária a criação duma consciência médica e higiênica entre OS~.i
nossos homens públicos, é necessário valorizar tanto o brasileiro natO}1Ii
como incrementar em grande escaia a imigração de elementos sadios,'J,
realizar uma triagem rigorosa ... uma seleção de modo a não permitir ..)~
imigrantes que não servem porque, em lugar de nos ajudar, vêm como
peso morto. (Adalberto de Lira Cavalcanti, 1945-6)
Nunca é demais encarecer o mérito dos abnegados brasileiros, pre~
ocupando-se com a seleção humana ... numa época em que rnuitosJ
cuidam de melhorar as espécies vegetais e animais, deixando nOil','I
mais completo esquecimento a raça que se forma, sem proteção e, i
sem amparo, sem leis que proíbam a união de elementos malsãos;':~,
sem o necessário aparelhamento sanitário e educativo que as nos-~
sas condições exigem, para que os nossos pósteros possam condu~~
zir a pátria aos altos desígnios que lhe estão reservados. (Pacheco e:1
Silva, 1936)
Nunca o Brasil abrigou em seu território imigrantes tão audaciosos quan~~,
to esses japoneses, que a fraqueza da Constituição de 34 permitiu con:,:!
tinuarem a vir instalar-se em nosso país. A despeito da cota (resultante
de uma campanha realizada por Xavier de Oliveira, então deputado it ,
Constituinte, fixando uma cota para a admissão de imigrantes em geral)'
os japonenses conseguiram introduzir'no país, em certo ano, um núme-j'
'ro de imigrantes que representava quase 7 vezes a cota. Como o conse-]
guiram? Por fraude praticada com a conveniência de maus brasileiros.';~
Temos que alertar o espírito público, movimentar' as forças da opinião,~
orientar as autoridades brasileiras, fazendo-lhes ver o perigo quel
estamos correndo para um futuro não muito remoto. (Mauricio dei
Medeiros, 1947)
Jurandir Freire Costa afirma que
4.1 - Fatores que interferem na análise da questão racial
Para se levar a raça em questão em qualquer estudo se faz mister
tomar em consideração inúmeras outras variáveis confundidoras, sob a
pena de chegarmos a resultados enganosos. Entretanto, quando os re-
sultados iniciais de um estudo vão de encontro aos nossos preconceitos
e interesses, muitas vezes dispensamos análises mais profundas e hipó-
teses alternativas para proclamar como fatosos resultados de análises
superficiais da realidade (Chalmers, 1994).
Tentaremos discutir alguns fatores que possam ter contribuído para
que a elite psiquiátrica tenha defendido como fatos cientificamente com-
provados suas concepções racistas e xenófobas. Para facilitar a análise,
buscamos separar em três grupos esses fatores: fatores cognitivos, his-
tóricos e de opressão socioeconômica.
4.2 - Fatores cognitivos
Grupos culturais dominantes descrevem e ordenam a realidade de
modo a manter suas posições. Estes tendem a considerar os que estão
sob seu jugo como de alguma forma primitivos, inferiores ou incapazes;
jUstificando o estado atual de desigualdade como algo natural. Defesas
Psicológicas como negação e minimização das evidências em contrário
?o!aboram para a manutenção desses esquemas cognitivos que incluem
Inumeros mitos e preconceitos.
a arianização do povo brasileiro era a tradução científica da ideologia do
embranquecimento racial (Costa, 1976). Num esforço deliberado de
esfumaçar divisões econômicas e sociais enraizadas, era como raça que
a nação deveria ser entendida. Por meio dela se explicavam os sucessos
políticos, fracassos econômicos ou hierarquias sociais. Um movimento
estranho que buscava a autoridade científica para justificar os projetos
mais violentos e autoritári,?s. (Schwarcz, 2001)
Construindo uma n3ç50: propostas dos psiquiatras para o aprimoramento da sociedade
O futuro da nacionalidade dependerá, portanto, da orientação eugênica que
os estadistas patrícios se aprouverem a seguir no presente. O que não se
pode, por impatriótico e contrário aos preceitos morais, é relegar às incer-
tezas do acaso problema tão importante. (Francisco Marcondes Vieira, 1928).
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Angélica A. Silva de Almeida. AlexanderMoreir3 de Almeida
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da raça: "não nos move ... nenhum sentimento xenofóbico, não temos'l'
"qualquer prevenção contra esta ou aquela raça, mas julgamos de nos~O:l
dever contribuir para salvaguardar a formação da nacionalidade, revelan"ij
do o que a experiência nos ensina" (Silva, 1934). '
O poder público, novamente, é acionado numa tentativa de arregimentarl
forças no combate à imigração excessiva de elementos "indesejáveis",
para o país, tentando despertar sentimentos nacionalistas nas autorida-;
des judiciárias, cobrando uma atuação mais enérgica frente a essas ques,'
tões, fundamentais para o desenvolvimento da nação:
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Angélica A. Silva de Almeida. Alexander Moreira de Almeida
Os grupos desfavorecidos são encorajados a desenvolverem caracte-';,
rísticas desejadas pelos dominantes, como submissão, passividade, de:!1
pendência, ausência de iniciativa e incapacidade para agir, pensar ou decidir;',!
Quando adotam esses valores são considerados bem ajustados. O de-j
senvolvimento de outras características é considerado anormal. I
O grupo dominante toma-se o modelo do que é normal e tende a acreditar,
(ou fazer crer) que os dominantes e subordinados compartilham os mesmos"
interesses e experiências. Tal postura configura o etnocentrismo, onde um gru-j'
po assume que sua visão de mundo é a única correta e que correspond~ à.1
realidade, aceitando sem questionamento as crenças e estereótipos do grupo:1
cultural dominante (Moere, 2000). Na sua forma mais pura, o etnocentrismo é~!;
negação das diferenças culturais (Bennett, 1993). Como esse tipo de cegueira,'
para a realidade está imersa em preconceitos e distorções sociais, as pessoasl
vivenciam essa cegueira como algo normal, não a percebendo (Moere, 2000);\
A dificuldade em avaliar a subjetividade de um indivíduo pertencente a':
outra cultura, mormente na ausência de uma sensibilidade cultural, não Po"
deriam deixar de resultar em inúmeros vieses no diagnóstico e tratamentO
psiquiátricos. Além das diferentes bagagens culturais, essas falhas são:1
acentuadas por diferenças no vocabulário, modos de comunicação, siste-ji
mas de valores e expressão do sofrimento (Adebimpe, 1981). O mais alar',1
mante é que tais problemas ainda foram evidenciados através de pesquisas)
nas últimas décadas.!
Em Londres, pacientes de origem indiana ou africana tidos como não:!'
cooperativos, mas não agressivos, tinham maior probabilidade de serem:!
enviados para enfermarias fechadas que pacientes ingleses brancos, tais;.
achados eram independentes do diagnóstico (Bolton, 1984). Fahy & Dunn"~
(1990), em um estudo no Reino Unido, apontam que portadores de trans-l'
tornos mentais pertencentes a minorias étnicas muitas vezes são enca-';
minhados para a justiça criminal em vez de serviços psiquiátricos. . !
É interessante notar que, atualmente, nosso viés racial na prática PSi-:1
quiátrica dificilmente é algo consciente contra certos pacientes. Mas atual1
de modo sutil em nossos raciocínios e práticas diagnósticas e terapêuti-í
cas (Uttlewood, 1990; Lewis & David, 1991). .I
, 1~
4.3 - Opressãosocioeconômica£
Uma grande fonte de falhas na análise do fator racial é quando se deixa 1
de controlar as variáveis socioeconômicas. Independente da raça ou gru- i
po étnico, a pobreza resulta em maiores taxas de violência, criminalidade,)
,jl
Construindo uma naçiio: propostas dos psiquiatras para o aprimoramento da sociedade
doenças físicas e mentais, bem como mortalidade. O Epidemiological
Catchment Area (ECA) demonstrou que viver na pobreza está associado
a um risco duas vezes aumentado de ter ao menos um transtorno mental.
Essesefeitos da pobreza permanecem mesmo controlando-se para sexo,
idade, raça e história de transtorno mental (Unn, 1985). Ainda segundo o
ECA,não foi encontrada qualquer diferença na prevalência de transtornos
mentais entre os diversos grupos étnicos quando os fatores socio-
demográficos eram controlados (Regier et alii, 1993).
Os grupos marginalizados estão sob maior risco de transtornos por uso
de substâncias, que, por sua vez, estão associados a maior freqüência de
violência, acidentes, desemprego e desestruturação familiar e social.
Um relatório da Organização Mundial de Saúde (WHO, 1983) sobre o
apartheid apontou uma maior incidência e prevalência de retardo no de-
senvolvimento psicomotor em não-brancos devido à grave desnutrição e
a uma alta incidência de síndromes cerebrais orgânicas oriundas de
causas preveníveis. Os sul-africanos tinham a maior taxa de suicídio
do continente.
No Brasil, os '~undamentos empíricos" do racismo provinham basi-
camente da interpretação das estatísticas psiquiátricas. No início do séc.
XX a população negra era muito mais atingida pelos transtornos mentais
de origem toxi-infécciosa (como a sífilis e o alcoolismo). Mas, em vez de
relacionarem esses achados à situação socioeconômica desvantajosa
da grande maioria dos negros, os psiquiatras atribuíam essa maior
prevalência a uma predisposição constitucional dos negros. Não perce-
biam, por exemplo, que os níveis de alcoolismo nos negros somente se
tornaram elevados quando os negros após, a abolição da escravatura,
passaram a aglomerarem-se nos grandes centros urbanos em condições
precaríssimas. De modo semelhante com relação à imigração, a maior
incidência de pSicopatologia em imigrantes era relacionada geralmente a
uma predisposição de determinados grupos raciais e não ao estresse
que resulta da mudança de país e seus conseqüentes problemas de
adaptação (Costa, 1976). . , '
5. A higiene mental e a imprensa, o rádio, o cinema
e a televisão
A idéia predominante na época era a de que a imprensa, ao lado dos
demais meios de comunicação, como o rádio, o cinema e a televisão tan-
to poderiam exercer uma ação benéfica, fortalecendo as forças morais e
I iTf'~ "f<"'
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orientando a formação da opinião pública, quanto poderia ser nocivo e
prejudicial ao propagar idéias e princípios que corromperiam o caráter e]:
estimulariam os indivíduos para o mal. (Silva, 1957)
As freqüentes notícias de crimes, a tendência ao sensacionalismo, o
prestígio concedido a indivíduos "desclassificados", o incentivo aos propó,
sitos incorretos, os atentados contra os costumes atuariam sobre os es'I li
píritos, particularmente dos mais fracos, das crianças e adolescentes;'
estimulando a prática de crimes contra a propriedade e contra as pes',1
soas (Guerner, 1928; J.S.Q" 1930; Silva, 1957),
A televisão e o cinema apareciam como os meios maís eficazes, pela
sua difusão e força sugestiva, para suscitar distúrbios mentais. (j
\
Na história da humanidade, certamente, nenhuma outra descoberta exeri
ceu função tão persuasiva e sugestiva sobre a mente humana como queh~
exercem o cinema e a televisão, poderosos agentes de ação coletiva, qué1wi
contribuem de forma decisiva para modificar os hábitos, os costumes, oSl
sentimentos e a conduta, não só do indivíduo como de coletividades intei~
ras, com uma força irresistivel, num âmbito incalcuiável. (Silva, 1957) \'
Os psíquiatras questionavam a ausência de uma comissão de cen!i
sura rigorosa sobre esses veículos de idéias, Alertavam para os perigos!
do contágio mental, exercido pelas palavras, gestos, movimentos e ato~
das pessoas. A sugestão coletiva seria um dos mais graves problemas,
pois a "civilização moderna" absorvida pelas atividadés cotidianas e sem,',I,''.
tempo para meditar tenderia a imitar seus semelhantes, perdendo a sua] ,
personalidade e deixando-se levar pelo ambiente (Guerner, 1928iIJ.S.Q,:1 "
1930; Silva, 1957). ' I
""Não se compreende, pois, que se não faça uma censura mais rigoro,
sa sobre os modernos veículos de idéias, que exercem incontestável i'n-I'I'
fluência na formação dos sentimentos, evitando-se que as massas, sempr~, :
sugestionáveis, sofram os efeitos de uma orientação contrária aos mais!, "
comezinhos princípios de higiene mental." (Silva, 1947)
6. Conclusão .' i~, I.,
A Psiquiatria é uma especialidade médica que costuma gerar admira.!l
ção e temor, A investigação da mente e do comportamento humanos é,j
fonte de prestígio; por outro lado, seu poder de declarar a insanidade éll
origem desse temor. Não poucas vezes a Psiquiatria foi utilizada comoj
fonte de opressão e desrespeito aos direitos humanos (Birley, 1991;
Harding, 2000). Não se deve esquecer que as primeiras medidas eugênicas
da Alemanha nazista foram a esterilização de doentes mentais, e que os
métodos de extermínio em massa foram primeiro desenvolvidos e aplica-
dos em pacientes psiquiátricos (Meyer-Lindberg, 1991; Birley, 2000).
O presente estudo nos alerta para a necessidade de adotarmos uma
postura sempre crítica em relação ao conhecimento produzido e às práti-
cas institucionalizadas. Mesmo quando estes parecem "evidentes" e são
defendidos por grandes "autoridades".
É preciso perceber que a complexidade do mundo real muitas vezes
desafia e ultrapassa as tentativas atuais de explicações científicas oriun-
das de experimentações em ambientes controlados. Reconhecer as limi-
tações atuais do conhecimento científico é um corretivo necessário para
as mistificações e exageros. Ainda é bastante influente em nossos dias a
ideologia, sem muita base, de estender a ação da Ciência bem além dos
seus limites verdadeiros, de modo que os problemas sociais e políticos
são constru ídos como se fossem científicos e as "soluções" oferecidas
de maneira a obscurecer as questões sociais e políticas em jogo (Chalmers,
1994),
Os limites de qualquer instituição na sociedade são definidos pelos seus
objetivos, A Psiquiatria tem dois aspectos:
• é uma prática médica que diagnostica e trata transtornos mentais.
• busca ser uma ciência médica que investiga as origens e o curso dos
transtornos mentais.
A Psiquiatria, como uma disciplina médica, deve reconhecer seus limi-
tes na explicação de fenômenos sociais como a criminalidade, violência,
terrorismo, religião, fenômenos parapsicológicos entre outros. Ela deve
ser um entre os muitos ramos do conhecimento que devem se unir para
buscar uma compreensão mais abrangente da realidade. Devemos guar-
dar cuidadosamente as fronteiras da psiquiatria para prevenir abusos no
futuro (Hóschl & Libiger, 1999).
, Até o final da primeira metade do séc. XX, a postura predominante na
Psiquiatria foi de combate às práticas espíritas e mediúnicas em geral. O
histórico da resolução desse conflito é uma questão ainda em aberto e
que está sendo investigada, Lopes (1979) atribui essa mudança de postu-
raa um maior conhecimento antropológico por parte dos psiquiatras. Uma
mUdança mais nítida no trato dessa questão pode ser visto após os traba-
lhos realizados no Brasil pelo sociólogo e etnólogo francês Roger Bastide,
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Angélica A. Silva de Almeida. Alexander Moreira de Almeida
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Construindo uma nação:proposlasdos psiquiatras para o aprimoramento da'sociedade
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nos anos 50 e 60. Ele estudou por anos os cultos afro-brasileiros (que se
baseiam em experiências mediúnicas) e apontou para os preconceitos ê',
etnocentrismos que sofriam os estudos até então realizados sobre o tema!,
Concluiu que, apesar da patologia mental explicar alguns casos, "o transe'
de possessão tem caráter antes sociológico do que patológico" (Bastideli'
1978). A partir daí, provavelmente por influência do desenvolvimento d~
psiquiatria transcultural e da etnopsiquiatria, foi se desenvolvendo um~
maior sensibilidade cultural na teoria e prática psiquiátricas (Martins, 1969;'
Ribeiro, 1982; Fernández-Lewis & Kleinman, 1995). Essa nova vertentê,j'
permitiu uma abordagem mais cuidadosa do problema, com menor prej
venção e maior respeito por expressões culturais e humanas diferente~,
das hegemônicas. li
Além das distorções relativas ao campo religioso, o que salta aos olho~:
é a postura racista, preconceituosa e xenófoba da comunidade psiquiátri!i
ca brasileira na primeira metade do séc. XX. (Kastrup, 2000). As declara~
ções racistas eram consideradas fatos científicos oriundos de uma anális~
imparcial da realidade. Tais assertivas eram oriundas da falta de percep(.:
ção da importância dos fatores sociais e subjetivos na produção do cha:~1
mado conhecimento científico. Uma concepção positivista e estritament~
organicista da investigação psiquiátrica impediram que se percebesse 01
quanto os fatores subjetivos do pesquisador e fatores sociais pOderiarrll
colaborar na explicação dos dados obtidos. A visão fatalista e mecânic~
da Eugenia engendrou muitas das teorias e práticas racistas.,,:'
Por último, convém recordar que levantamentos recentes apontam um'
significativo viés racial na avaliação e tratamento dos pacientes, gerandJ'
uma carga extra de sofrimento para as minorias. Convém ressaltar qué,
esse viés ocorre em grande parte de modo não voluntário, oriundo de esf,
tereótipos raciais e de uma insensibilidade cultural dos psiquiatras. .~
Em suma, parece-nos que os deslizes racistas, preconceituosos 'é,'
autoritários da Psiquiatria apontam-nos para a necessidade de uma posl
tura sempre crítica em relação ao conhecimento produzido e às prática~g
institucionalizadas. É imperioso reconhecer qual é a legitima abrangência~ :
da Psiquiatria e como os fatores sociais e subjetivos podem interferir em!l'
nossa atuação. Quando tais fatores são explicitados, torna-se mais fá,cilh
co~trolá-Ios e buscar construir uma Psiquiatria mais próxima do que al-j :
mejamos: um Instrumento que, ao tratar e prevenir transtornos mentals,':i,
colabore na busca de uma existência mais plena e gratificante. ~~
Finalizando,Popper (1982) enfatiza uma postura de humildade intelec'i!
tual, pois cada solução de um problema levanta novos problemas não)
SOlucionados. Em suas palavras: "Eu acredito que valeria a pena tentar
aprender algo sobre b mundo, mesmo se nessa tentativa nós aprender-
mos apenas que não sabemos muito. Esse estado de ignorância aprendi-
da pode ser útil em muito de nossos problemas. Pode servir para que
todos nós lembremos que, mesmo diferindo amplamente nas várias pe-
quenas coisas que sabemos, em nossa infinita ignorância nós somos to-
dos iguais".
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Aspectos etiológicos do comportamento
criminoso: parâmetros biológicos,'
psicológicos e sociais
Antonio de Pádua Serafim
o c().I!1P.o.rti'lITleotoçrLrvJnoso(roubos; furtos; homicídio; estupro; seqües-
tro; fraudes; tráfico de entorpecentes e crime organizado) apresenta-se acen-
tuado no que se refere às violações da ética, da lei e da moral. Sua estrutura
arquitetada e complexa tem surpreendido pela audácia de seus autores,
mobilizando muitos estudos quanto às possíveis causas deste comporta-
mento (Fossati et alii, 2001; Pham et alii, 2000; Lang et alii, 1998; Scarpa &
Raine, 1997; Clonminger, 1993 e Barratt, 1993; Hare, 1999; Cleckley, 1955).
Oaumento da violência social vem contribuindo para uma superpopulação
nos estabelecimentos prisionais. Este fenômeno tem se caracterizado
sobretudo pelo aumento da periculosidade dos encarcerados, e conse-
qüente problemática estrutural das ações preventivas e de reabilitação
do comportamento criminoso.
O crime neste princípio de século apresenta-se universal e não mais
restrito a uma determinada comunidade. O q"bj~tivo deste capí!ul~~s.~á
longe de estabejE;icer uma verdade inquestionávefquantoas possíveis
causas do comp()~iunento~C:ir61in.Q.sº. lV'Iã'Sc1eTançarum- panorarn'a.da.
l1ferãiura refereriie às possíveis causas deste comportamento, e incenti-
var o desenvolvimento de pesquisas direcionadas à compreensão dos
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Antonio de Pádua Sctafim
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"Aspectos eliol6gicos do c:omportamcnlo criminoso
Apesar da evidência dos dados apontarem para a existência de impor-
tantes fatores genéticos associados à criminal idade, o papel do am-
biente parece também ter importante influência. Cadoret et alii (1990),
num estudo com crianças adotadas e filhas de pais biológicos com
comportamentos criminosos, verificaram que quando os pais adotivos
iWtenciam.a um meio socioecQnC>micariierl1e"desfavoreCldo. iis-críãn:
~ apresentavam maisc-ºI!JI?Q_r:tal11.~l1tº~_..c!iminosos-do~que_aqU!l~_
cujos pais adotivos pertenciam a classes de estatuto socioeconõmico
_aUp-erior.--. . _._--
Diante disso, será sensato acreditarmos que, apesar de existência
inquestionável de um fator genético capaz de aumentar a suscetibilidade
da criança para comportamentos criminosos, esta suscetibilidade
estará sujeita também às condições ambientais,
b) Fatores bioquímicas
Os estudos aqui sugerem a participação do colesterol, glicose e al-
guns neurotransmissores no comportamento criminoso.
Virkkunem(1987, apud Mednick, 1987) associou a redução do nível
de colesterol em indivíduos criminosos. Enfatizou também relação
álcool-glicose e crime. Como o álcool é freqüentemente relacionado
com o comportamento violento, foi também estudada a sua associa-
ção com glicose e colesterol. Fisiologicamente se demonstra que o
álcool diminui o açúcar na corrente sanguínea por inibição da produção
de glicose hepática. Desse modo, o álcool ao fazerdiminuir a quantidade
de açúcar no sangue pode ser apontado como um fator facilitado r do
crime. Com relação ao colesterol Virkkunem conseguiu isolar dois gru-
pos de pessoas envolvidas com o alcoolismo; um grupo representado
por pessoas que ficam agressivas quando bebem e outro, por pessoas
que bebem mas não ficam agressivos. Os primeiros mostraram menor
nível de colesterol, do que os segundos, e, estes, menor nível ainda do
que os sujeitos não delinqüentes, verificando-se que a maiorviolência
aparece associada a menor quantidade de colesterol. Embora estes
estudos tenham achados importantes, salienta-se que nem todo indiví-
duo alcoolizado adota um comportamento criminoso,
No que diz respeito ao nível neuroendócrino, o hormônio mais relacio-
nado à agressividade é a testosterona. A pesquisa verifica os níveis
desse hormõnio tomando por base três comparações; entre crimino-
sos, entre criminosos e não-criminosos (grupo controle) e entre não-
criminosos relacionando-se com a agressividade e não-agressividade.
;i.r
1. Parâmetros biológicos
a) Fatores genéticos
Os estudos nesta categoria abordam os gêmeos e relações de adoil
ção, Nos estudos em gêmeos, encontraram dobro da correlação paral
o comportamento criminoso em relação a irmãos não gêmeos. Nasl,
comparações monozigóticos e dizigóticos, os monozigóticos apresen;;1
taram o dobro de correlações no comportamento criminoso, sugerindo:
a existência de fatores genéticos atrelados ao crime (Cloninger &,
Gottesman, 1987; Mednick et alii, 1987; Mednick & Kandel, 1988;,
Goldstein et alii, 2001). ';j
Nos estudos de adoção utilizaram pessoas que não conheceram seus}
pais biológicos, bem como sujeitos que ignoravam serem adotivos, bus~
cando separar melhor os efeitos ambientais dos efeitos genéticos. Es~,~,
ses trabalhos (Mednick, Gabrielli & Hutchings, 1984) demonstraram que'
existe uma elevada concordância entre comportamento criminoso dos:,
pais biológicos com comportamento criminoso de seus filhos adotados,
por outras famílias. Parece também existir uma relação maior entre 'o),"
c~mportamento criminoso da mãe biológica com o comportamento cri-!~,
mlnoso de seu filho adotado (Baker et alii, 1989), do que a mesma com-'-I',
paração entre pai e filho. Alguns autores consideram esse fato sugestivof, I
de uma transmissão genética associada ao cromossomo X. fr
complexos processos pelos quais o indivíduo apresenta uma conduta:,:
delinqüente, adquire uma identidade criminosa e adota um modo dei
vida ilícito. l'
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Historicamente a relação causal entre a biologia e o crime surgiu da:,
crença popular de que "o criminoso já nasce assim", dotado de caracte~lr
rísticas físicas específicas as quais o difere dos outros homen~í
, (Mannhein, 1984), onde vários conceitos foram estabelecidos. PrichardJI
(1835) com o termo "loucos r:oorais~'(moral insanity); Esquirol (1838):1
conceituou as monomanias; MoreT(1a95) com a teoria da degenerescência~
e os estudos morfológicos de Lombroso (1887) assinalando defeitos n~l
formação da moral em indivíduos que praticaram crimes, os quais classi~:
ficou de criminosos natos, refratários congênitos à sensibilidade mora~
(Garcia, 1979). '
As pesquisas contemporâneas da relação Biologia-Crime fundamen~'
tam-se em qU,,ªtr..o_gruposeSRecífic9,,~. ;;
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Antonio de P5.duaSer"fim :I~_,.
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Nas investigações entre pessoas não criminosas os resultados são.~
muito variáveis e até contraditórios. concluindo-se por vezes que não 'I' "
há correlações entre testosterona e potencial para agressividade (RUbin•.•.~.'
1987), Entre criminosos e não-criminosos (Olweus. 1987; Rubin. 198h~!
Schalling. 1987. apud Mednick. 1987) os resultados são mais consis-'! i
tentes. mas nem sempre são significativos. ~ '
Alguns desses resultados mostraram criminosos apresentando maior}
nível de testosterona em relação a não-crimino~s-. Os estudos;
neuroquímicos no comportamentoagressivo (Rubin. 19'87; Magnusson.j
1988. apud Mednick, 1988; Bader, 1994) enfatizaram que a serotoninaj
existiria em menor quantidade. enquanto o ácido fenilacético e a':
norepinefrina existiriam em maior quantidade nos criminosos. No en.'t
tanto. não há uma relação explícita de causa e efeito de que estes fato!~
res tenham uma participação direta na expressão do comportamentO:;
criminoso. ;;
c) Fatores neurológicos'l'
Esses estudos (Buikhuisen. 1987. apud Mednick. 1987; Hare & ConnollY,l
1987; Nachshon & Denno. 1987; Pincus. 1993; Jurado & Junquec, 2000;l
Jozef & Da Silva. 1998; Lane et alii. 1997; Gorenstein. 1982;.Lapierre,J)
1995) assqciam desordens docomportame.nliLcorn_e.Y~tuais altera,;,
ções cerebrais.essencial mente nohernisfério. esq uerdo. 'I'
Este "estudo tem enfatizado as presenças de disful1.yões nE:l_urops.i1.:-
cológicas relacionadas ao comportamento viol~l1to. com maior expres-:.
sividadé lÍo lobo front~l enoslobostemporals. O lobo frontal reláciona-se:'
à regulação e-inibição de comportamentos. à formação de planos ê'
intenções. e a verificação do comportamento complexo. suas alte"1
rações teriam como conseqüência dificuldades de atenção. concen-;~I;
tração e motivação. aumento da impulsividade e da desinibição. perd~! :
do autocontrole, dificuldades em reconhecer a culpa, desin.ibiçãO sextial;~l.c.;
dificuldade de avaliação das conseqüências das ações praticadas!, i
aumento do comportamento agressivo e aumento da sensibilida,de'cl
ao álcool (sintomas positivamente correlacionados com o como]:
portamento criminoso). bem como incapacidade de apr:~r1dj;::ªgero.corri~
a experiê[jcia (sintomà-éóITêlacionado positiVi!ünênie com a alta inci::j
dênc~a de recidivas entre alguns tipos de criminosos). ;ª
Indlvlduos normais ativam os chamados "estados somáticos" (altera'~:
ções na freqüência cardíaca e respiração. dilatação dás pupilas,'l
sudorese. expressão facial. etc,) em resposta à punição associada às,l
"
I /;speCIOS etiológicos do comportamento criminoso
situações sociais Por exemplo. uma criança quebra alguma coisa va-
liosa e é punida everamente por seus pais, evocando estes estadQI?
somáticos; da próxima vez que ocorrer uma situação similar, os
marcáaõi'es somáticos são ativados e a mesma emoção associada à
punição é sentida.,De modo a evitar isto. a criança suprime o compor-
tamento indesejado,
_Pessoas com danos no lobo frontal são incapazes de ativar estes
marcadores somáticos. A. R. Damasio diz: "isto deprivaria o indivíduo
de um dispositivo automático para sinalizar conseqüências deletérias
relativas a respostas que poderiam trazer a recompensa imediata". Isto
explica também porque muitos criminosos e pacientes com danos no
lobo pré-frontal mostram poucas respostas autonômicas a palavras
condicionadas socialmente.
Quanto aos lobos temporais que regulam a vida emocional. sentimen-
tos, instintos e comandam as respostas viscerais às alterações
ambientais; alterações decorrentes de lesões. resultam em inúmeras
conseqüências comportamentais ..Uma das principais disfunções ca-
racteriza-se pela dificuldade de muitos indivíduos experimentarem al-
gumas emoções. tais como o medo e outras emoções negativas e•
conseqüentemente. uma incapacidade em desenvolver sentimentos de
medo das s.aoçéie,s.postura esta freqüente em criminosos.
./ /' -'- •.......•. -.-. --..
d) Fatorespsicofisiológicos \
A pesquisa- do processqpsicofisiológico se baseia essencialmente na
.ID@ILaçãoda-lunçãõ;cerebral (fisiopatologiã)~ comõ-PÕrexerTrpfo~à-ati-
vidade elétrica da pele. o eletroencefalograma e o eletrocardiograma,
trabalhando sobretudo em contexto laboratorial. Falta, no momento. uma
metanálise de outros tipos de investigação da função cerebral. como
por exemplo os estudos com PET e SPECT.
Os estudos demonstraram que. tanto a ativação tônica (reação global
do sujeito na ausência de estimulação específica) quanto à ativação
fásica (reação à estimulação específica). é menor nos criminosos. Tam-
bém apresentam. os criminosos. uma média menor do ritmo cardíaco.
menor nível de condutância da pele e maior tempo de resposta na ativi-
dade elétrica da pele. bem como registros eletroencefalográficos com
maior incidência de anormalidades (Fowles. 1980; Heming, 1981;
Satterfield. 1987; Volavka. 1987; Hodgins & Grunau. 1988. apud Mednick.
1988; Milstein. 1988; Venables. 1988; Buikhuisen. Eurelings-Bontekoe
& Host. 1989; Patrick. Cuthbert & Lang. 1994. Pillmann et alii, 1999).
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Antonio de Pádua Scrafim
2. Parâmetros psicológicos
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Peixoto (1936) enfatizou que Garofalo estabeleceu o marco do estudo do,:
comportamento criminoso por uma orientação dos aspectos morais e psicoi!
lógicos. O criminoso é portador de uma anomalia moral e psíquica, uma eJ{i
pécie de lesão ética, a qual seria responsável pela prática de atos delinqüentes;l
As concepções com enfoque psicológico de um modo geral enfatizaTT]j
que as suas proposições fundamentais abordam (a) o criminoso é uni:;
homem como outro qualquer, só se diferenciando por uma maior aptidãó'
para a passagem ao ato; (b) a personalidade criminal é descrita atravé!;1
de traços psicológicos (ou componentes) que são ágrupados num nó cent
trai e em variantes; (c) o nó central engloba os traços de agressividade:!
egocentr!s~o, labilida~e e indiferença afetiva, sendo estes os elemento~)., ,
responsavels pela efetiva passagem ao ato, enquanto as varrantes (fat~: "
res de temperamento, aptidões físicas, intelectuais e profissionais, razões;
aparentes, necessidades nutritivas e sexuais) serão responsáveis pelas.,
diferentes modalidades desse ato; (d) a personalidade do criminoso con:;,
siderada na sua globalidade é dinâmica, resultando a sua especificidad~
ou particularidade da associação, ação e interação específica dos seus;'
diferentes traços constitutivos - ela é um resultado e não um dado. -:&
Nas concepções de Eysenck (1977), o comportamento criminal é ?1
resultado de uma interação entre fatores ambientais e características he'j
reditárias, embora atribua uma importância fundamental a estas últimas'~
desenvolvendo uma teoria biopsicológica da personalidade dirigida espef'
cialmente ao estudos da criminalidade. Para este autor a personalidad$
. ,lo
pode ser definida a partir de um fator de ordem superior, para a capacida,~
de - o fator g - e três fatores de ordem superior para o temperamento: a~
extroversão, o neuroticismo e o psicoticismo, traços constitutivos da pei';
sonalidade de todos os indivíduos..].
No caso concreto da criminalidade, o fator g não terá grande influênci~)D
no seu desenvolvimento ou manutenção, sendo antes fundamentais o~]
três fatores de temperamento, neste caso os criminosos, enquanto gru;li.,
po, terão níveis mais elevados de extroversão, de neuroticismo e de,~,
psicoticismo - os quais determinarão a estrutura da personalidade do cri:!~
minoso. Esses diferentes tipos de funcionamento psicológico associam-j{
se a diferentes limiares de excitabilidade neuronal e de condicionabilidade3'
ao nível do sistema nervoso central, de tal forma que os criminosos aprej
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sentam, segundo este autor, maior dificuldade na aprendizagem (por con-:{
dicionamento) das regras e da conduta socialmente adequada. '111
:~
"
Aspectos etiológicos do comportamento criminoso
Eysenck (1977) define personalidade como a soma total dos padrões
'de comportamento do orgariismo, potenciais e manifestos determinados
pela hereditariedade e pelo meio; tem seu início e desenvolvimento atra-
vés da interação dos principais setores em que se organizam os padrões
, de comportamento: cognitivo (inteligência), conativo (caráter) e o somático
(constituição ).
., A teoria do comportamento criminoso de Eysenk tem importante acei-
tação, o que gerou inúmerasinvestigações utilizando instrumentos de ava-
liação baseados nesses pressupostos .
Dentro do contexto fatores psicológicos e crime, as pesquisas atuais
enfatizam a relação entre doença mental e crime e transtornos da perso-
nalidade.
Os dados referente à relação causal entre doença mental e crime advêm
em sua totalidade da literatura internacional, visto que os dados dos estu-
dos brasileiros não são expressivos cientificamente.
Klock (1968) concluiu que não havia uma relação causal entre
esquizofrenia e crime. Estudando ainda transtornos afetivos, encontrou
uma certa correlação entre homicídio e depressão, porém em sua maioria
praticados por maridos em relação as suas esposas, e seguidos de sui-
cídio.
,Stone (1997) sugeriu que haveria uma intensa correlação entre doença
mental e crime. Todavia outros autores não confirmaram os achados de
Stone, visto que a sua amostra foi composta apenas por sujeitos psiquiá-
tricos com histórico de agressividade em uma unidade de exclusivo aten-
dimento a esta população específica. Stone não investigou essa correlação
em outros ambientes carcerários (Lads, 1995; Gataz, 1998 e Rigonatti,
1999).
Ladds (1995), estudando a letalidade em atos violentos praticados por
pacientes internados em Hospitais Psiquiátricos, concluiu que apenas três
homicídios ocorreram numa população anual de 90 mil pacientes. Wallace
(1978, apud Ladds, 1995) estudou pacientes esquizofrênicos e portado-
res de transtornos afetivos, encontrando históricos de conduta violenta
nesses pacientes associada ao uso de drogas.
Dados da realidade brasileira também contradizem as conclusões de
S~one.Rigonatti (1999), estudando um grupo de condenados por homicí-
diO(N=50) e estupro (N=50), não encontrou índices elevados entre doen-
Çamental e crime. Seus dados apontam um elevado número de transtorno
de personalidade anti-social (TPAS), sendo 96% dos homicidas e 84%
dos estupradores.
Aspectos etiológicos do comportamento criminoso
3. Parâmetros sociais
estímulos evocadores de medo, a qual seria a causa de sua insensibilida-
de (Patrick & et alii, 1993 e 1994).
A expressão do comportamento anti-social para estas pessoas ocorre
com maior freqüência na área do trabalho, em ambientes domésticos vio-
lentos, em situações caracterizadas pelo tráfico de drogas e nas dificulda-
des conjugais (Hare, 1999). No entanto, apenas uma pequena fração
desses sujeitos transforma-se em criminosos violentos, estupradores e
assassinos seriais (Hare, 1999). Políticos corruptos, líderes autoritários e
pessoas violadoras dos direitos do outro estão entre eles.
Contudo, temos de compreender que fatores psicológicos englobam os
aspectos cognitivos e da afetividade (entendida aqui como conjunto de emo-
çõespositivas e negativas), bem como o funcionamento interpessoal, o con-
trole dos impulsos, temperamento e caráter (Parker, 2000), além do que
entendermos ainda que diferentes formas deste comportamento podem deri-
var de várias vias dentro do contexto biopsicossocial (Scarpa e Raine, 1997).
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Os achados de Rigonatti vão ao encontro dos dados da literatura que i} ;,.
enfatizam o TPAS como uma das principais causas dq comportament9'
criminoso. Os aspectos psicológicos destes indivíduoi são caracteriza-:-
dos pelo desprezo às obrigações sociais e por uma falta de consideração,l
com os sentimentos dos outros. Exibem um egocentrismo patológico,,!:
emoções superficiais, falta de autopercepção, pobre controle da:
impulsividade (incluindo baixa tolerãncia para frustração e limiar baixo para~
descarga de agressão), irresponsabilidade, falta de empatia com outros,
seres humanos, ausência de remorso, ansiedade e sentimento de culpa'
em relação ao seu comportamento anti-social. São geralmente cínicos,i
manipuladores, incapazes de manter uma relação e de amar (Schneider,;
1923; Cleckley, 1955; Hare, 1965, 1991 e 1999; Patrick et alii, 1993 e 1994);:-
e sua anormalidade consiste especificamente em anomalias do tempera,i '
mento e do caráter, determinando uma conduta anormal configurando um~
menos valia social. 'c'
Hare (1999) os caracteriza como "predadores intra-espécies qu~
usam charme, manipulação, intimidação e violência para controlar o~
outros e para satisfazer suas próprias necessidades. Em sua falta dd:
confiança e de sentimento pelos outros, eles tomam friamente aquilQ, I No tocante aos fatores sociais como agentes causadores do crime há
que querem, violando as normas sociais sem o menor senso de culP¥ um consenso na literatura internacional, quanto ao exagerado crescimen-
ou arrependimento". " to demográfico; o desequilíbrio na distribuição de renda (provocando con-
O estudo dos componentes da emoção nestes indivíduos relaciona-sé: seqüentemente, uma superpopulação de marginalizados e surgimento de
a respostas de ansiedade, impulsividade e agressividade (Fossati et alii,;' favelas e conglomerados urbanos); o desemprego; o ócio da juventude;
2001; Pham et alii, 2000; Lang et alii, 1998; Scarpa e Raine, 1997;:,' desestruturalização do núcleo familiar; e a ineficácia de muitos países em
Clonminger, 1993 e Barratt, 1993). r relação ao excessivo tráfico de substâncias tóxicas, bem como o alcoolis-
Alguns criminosos são incapazes de aprender com a punição, de mof' I mo (Rios, 1980; Costa, 1985; Leal, 1983; Raine et alii, 1994; Farrington,
dificar seus comportamentos e apresentar respostas fisiológicas a situa~: 1995;Conte, 1996; Coid, 1999).
ções de medo (Hare, 1966 e Siegel, 1978). Quando eles descobrem que" Entre as várias possíveis causas sociais, o papel da família apresenta-
seu comportamento não é tolerado pela sociedade, eles reagem escon,,' se com importantes referências na causalidade do comportamento crimi-
dendo-o mas nunca o suprimindo, e disfarçando de forma inteligente a~:" noso (Coid, 1999 e Hare, 1999).
suas características de personalidade. Este padrão de comportamento fo)l ' Famílias com histórico de desordens mentais em primeiro grau (psico-
o que levou os psiquiatras a utilizar no passado o termo "insanidade rna'll ses; depressão; deficiência mental; alcoolismo e transtornos de persona-
ral" (Hare, 1999, referindo-se a Prichard, 1835). "iW lidade), apresentaram-se com um fator correlacionai para o comportamento
A literatura enfatiza o déficitemocional como uma das principais car~c,~ criminoso. Num estudo de 260 sujeitos condenados por crimes, 40% apre-
terísticas de alguns criminosos. Estes indivíduos têm pouco afeto com OSI', sentavam histórico de transtornos de personalidade na família nuclear;
outros, não expressam comportamentos amorosos, não ficam, nervoso~l 93% casos de depressão; 76,2 % alcoolismo; 23,9% deficiência mental e
facilmente (respostas de ansiedade) e não expressam reações de remor; 2,8% casos de esquizofrenia (Coid, 1999).
so ou culpa. Este padrão de comportamento tem levantado, na comunida' Outro aspecto etiológico da família para o crime refere-se à violência e
de científica, a hipótese de que há uma deficiência em suas reações aos, abuso de crianças e jovens pelos pais ou parentes. Esta violência carac-
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Antonio de Pádua Serafim
teriza-se por extermínio; privação indevida e arbitrária de liberdade (aprisio.j'
namento); maus-tratos; abuso sexual; espancamento e abandono. Essei;'
aspectos também se apresentam em históricos de sujeitos autores de
crimes (Hare, 1999; Conte, 1996; Coid, 1993 e 1999; Rios, 1980 e Lealj:

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