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Apostila Completa Metodologia e Prática do Ensino da História II

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UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PLANO DE ENSINO
  
CURSO: Licenciatura em História
MODALIDADE: ENSINO À DISTÂNCIA (EAD)
ANO: 2016_2
COMPONENTE CURRICULAR: Metodologia e Prática do Ensino de História II
SEMESTRE: 5º
CARGA HORÁRIA TOTAL: 80 horas
   
EMENTA
Transformações teóricas e metodológicas da pesquisa historiográfica: um percurso. Crítica da linha teórica positivista, da história factual e da concepção linear de tempo. Tendências atuais no ensino de História: Marxismo e Nova História. Ideias e derivações das tendências atuais: suas convergências e divergências. História e interpretação: revisão dos conceitos de fato, causa e consequência. Tempo e historiografia, no passado, na contemporaneidade. Adequação da metodologia de ensino de História às atuais concepções historiográficas. Proposição do projeto de pesquisa no Ensino Médio, como instrumento para a construção do conceito de tempos simultâneos, em particular, e para o ensino de História, em geral. Apresentação de uma experiência de investigação: noções de tempo do aluno de Ensino Médio; transposição dos novos conceitos de tempo nas práticas de sala de aula; desafios enfrentados pelo professor em suas práticas efetivas.
   
OBJETIVOS GERAIS
Fazer com que o aluno contemple as principais tendências e abordagens da história contemporânea (História Nova e Marxismo) a fim de que o aluno mantenha-se atualizado frente às recentes produções historiográficas. Levar o aluno a comparar os diferentes pontos de vista teórico e metodológico na construção do seu conhecimento.
Possibilitar a convergência entre teoria e prática, utilizando como meio de aprendizagem o trabalho com projetos. Refazer e questionar os principais conceitos utilizados na interpretação da História.
   
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
UNIDADE I - Outros olhares sobre a História
Objetivos
Levar o aluno a compreender os novos paradigmas presentes na historiografia atual, constituídos a partir de uma abordagem temática. Estudar a vida cotidiana, os homens comuns, as diferentes culturas etc... Ampliar os conceitos introduzidos durante a educação básica aprofundando-os, questionando e reformulando tais conceitos contribuindo, assim, para a consolidação da identidade e da cidadania. Comparar os diversos ritmos de duração, passando do tempo dos acontecimentos breves para o ritmo lento das estruturas.
 UNIDADE II - Marxismo e História
Objetivos
Apresentar ao aluno os principais conceitos do materialismo histórico e do marxismo, compreendendo as noções de tempo dialético presente nesta teoria. Relacionar os conceitos da História Nova com o marxismo, estabelecendo suas principais diferenças e pontos de convergência. Aplicar a metodologia dialética das representações do tempo às atividades cotidianas de sala de aula.
  UNIDADE III - Metodologia de Interpretação da História
Objetivos
Apresentar e discutir os diversos métodos de interpretação da História que serão trabalhados segundo cada momento específico da aprendizagem.  Contribuir para que o aluno reelabore os conceitos da História e aprofunde a formação da sua visão crítica a partir da construção de novos conceitos adequados à análise de problemáticas atuais. Desenvolver e aplicar os conceitos dialéticos na prática diária da aprendizagem, objetivando incentivar a construção de novos currículos para o ensino de História.
 UNIDADE IV - Metodologia e elaboração de projetos para o ensino médio
Objetivos
Atuar para que o aluno relacione as questões teóricas com a prática docente da sala de aula.  Orientar os principais passos ou etapas na elaboração de projetos para o ensino médio. Apresentar as principais características e conceitos da pedagogia de projetos como orientadores da construção do saber em processo que envolve docente - discentes.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA 
ABUD, Kátia Maria; ALVES, Ronaldo C. O ensino de História. São Paulo: Editora CENCAGE, 2010.
BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2001 (Repensando o Ensino).
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Novos domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 2011.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
LE GOFF, Jacques. A história nova. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.
MALERBA, Jurandir; ROJAS, Carlos A. A. Historiografia contemporânea em perspectiva crítica. Bauru/SP: EDUSC, 2007.
NIKITIUK, Sônia L. (Org.) Repensando o ensino de História. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.) Técnicas de ensino: por que não? 12. ed. Campinas: Papirus, 2001.
METODOLOGIA
As aulas serão desenvolvidas por meio de recursos como: videoaulas, fóruns, atividades individuais, atividades em grupo. O desenvolvimento do conteúdo programático se dará por leitura de textos, indicação e exploração de sites, atividades individuais, colaborativas e reflexivas entre os alunos e os professores.
 AVALIAÇÃO
A avaliação dos alunos é contínua, considerando-se o conteúdo desenvolvido e apoiado nos trabalhos e exercícios práticos propostos ao longo do curso, como forma de reflexão e aquisição de conhecimento dos conceitos trabalhados na parte teórica e prática e habilidades. Prevê ainda a realização de atividades em momentos específicos como fóruns, chats, tarefas, avaliações à distância e Presencial, de acordo com a Portaria da Reitoria UNIMES 04/2014.
ORIENTAÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DE ATIVIDADES ACADÊMICAS
Car@ alun@:
Considero fundamental, neste início de semestre e tendo como objetivo auxiliá-l@ no melhor aproveitamento do curso e na construção de aprendizagens significativas, apontar alguns aspectos que devem ser observados em sua rotina de estudo. São eles:
O acesso ao ambiente virtual de aprendizagem deve ser, no mínimo, semanal;
A leitura das Aulas, assim como assistir as Videoaulas(VAs) que foram preparadas para complementar e aprofundar os temas estudados, é imprescindível para a sua formação;
Seguir corretamente as orientações das atividades e realizar cada etapa delas é condição necessária para o melhor aproveitamento dos conteúdos nelas enfocados e para a construção de novas aprendizagens;
As Verificações de Aprendizagens, VAPs, devem ser realizadas depois da leitura das Aulas e de assistir as Videoaulas, uma vez que o objetivo delas é verificar se você compreendeu e assimilou os conteúdos que as precedem;
Você deve se preparar para todas as avaliações com o estudo das Aulas e Videoaulas previstas para cada uma delas;
Não se apresse em suas atividades, caso queira efetivamente aprender e aproveitar o curso, aprofunde a sua formação e não se limite à superficialidade, isso acabará revertendo para você como formação deficitária e pouco consistente;
Importante – só depende de você se empenhar e realizar o melhor curso que puder. A educação brasileira precisa melhorar e, para isso, cada um pode contribuir como estudante e como profissional bem preparado e adequadamente qualificado para as funções que pretende desempenhar.
Desejo que o seu semestre de estudos seja produtivo e que a sua dedicação nas atividades acadêmicas contribua, efetivamente, para o aprimoramento de sua formação.
Saudações,
Profª Nanci. 
Aula 01_História Nova: outra forma de ver e fazer História
 (...) a estrutura e o conteúdo dessa corrente histórica que subverte não só o domínio tradicional da historia, mas também o das novas ciências humanas e todo o campo de saber. Porque repensar os acontecimentos e crises em função de movimentos lentos e profundos da historia (....) e obrigar o conjunto das ciências e dos saberes a situar-se em outra duração,conformar outra concepção do mundo e de sua evolução. (J.Le Goff.) 
As transformações da prática dos historiadores, durante o último século, tornaram-se possíveis por uma mudança no olhar dos historiadores em relação aos eventos históricos e suas fontes. O historiador antigo retirava um acontecimentoinédito das ações rotineiras de um povo ou de uma localidade e em seguida procurava as causas pertinentes ao acontecimento.
O olhar do historiador estava voltado para os acontecimentos extraordinários, que se destacavam das ações cotidianas e se perdiam na monotonia de fatos repetitivos. Esse era o tipo de atitude que determinava a linha de pesquisa do historiador antigo. Essa atitude assemelhava-se a dos colecionadores, só acumulavam coisas raras e curiosas, deixando de lado tudo que era banal, cotidiano e usual. Dessa maneira a História não possuía muitos vínculos com as ciências sociais como a sociologia, economia, geografia. 
Apesar disso, a História reivindicava para si o status de ciência. Para alguns historiadores a História factual deveria ter um caráter mais científico, para outros a História deveria se relacionar com as ciências sociais, como auxiliares da pesquisa histórica. Essa batalha durou muito tempo, mas só tomou vulto a partir do trabalho de dois grandes historiadores, Marc Bloch e Lucien Febvre, que empreenderam uma ruptura com a tradição, não só na maneira de ver a História, mas também de fazê-la. 
É a partir desses estudos que os fenômenos da História começam a ser vistos com outros olhares, com outra concepção de tempo, as pesquisas prendem-se a partir daí na longa e a curta duração e não mais, exclusivamente, no acontecimento breve. Em outras palavras, os pesquisadores passaram a ter mais consciência a respeito dos tempos históricos. Assim, a visão do historiador vai se deslocando do excepcional para o regular, do extraordinário para o cotidiano.
Não se tratava apenas de uma mudança de olhar, mas de construir pressupostos teóricos e metodológicos de pesquisa e chegar à convicção de que temos o direito de nos interessarmos não apenas pelo que se move, isto é, pelo acontecimento extraordinário, mas também pelo que permanece constante durante épocas muito remotas. 
Como exemplo, podemos citar o Brasil colonial dentro das transformações estruturais do capitalismo europeu. Por outro lado, a conjuntura econômica e social do Brasil nesse período estava ligada à escravidão, que mais tarde vai entrar em conflito com os interesses do capitalismo inglês. O que demonstra que a conjuntura local se ajusta ao ritmo do progresso estrutural do capitalismo internacional. 
Dessa maneira, o trabalho de compreensão dos eventos precisa procurar relações. Cabe ao professor analisar e relacionar as múltiplas determinações que compõem e direcionam os acontecimentos, fugindo das soluções simplistas e lineares de ver e fazer a história.  
 Atividade: Análise de imagens Moenda de cana-de-açúcar Indústria metalúrgica 
Em relação à primeira imagem indique a localização no tempo e no espaço. 
Em que tempo de longa duração (estrutural/ conjuntural) podemos situar a primeira gravura? Justifique.
Localize no tempo e no espaço a segunda imagem. 
Em que tempo de longa duração podemos situar a esse fato histórico?
Aula 02_História Nova: diferentes ritmos e duração no tempo
A contribuição mais efetiva da aprendizagem da história é propiciar ao jovem situar-se na sociedade contemporânea para melhor compreendê-la. Diante disso está a possibilidade de compreensão do tempo enquanto conjunto de experiências humanas. Os tempos históricos, compreendidos nessa complexidade, utilizam a cronologia para situar os momentos históricos em seu processo de sucessão e simultaneidade. Procurando ampliar a noção de tempo do meramente linear para o tempo simultâneo, identificando também os diferentes níveis e ritmos de duração temporal. 
O conceito de duração torna-se nesse nível de ensino, a forma mais substantiva de apreensão do tempo histórico, ao fazer com que os alunos estabeleçam relações entre continuidade e descontinuidades. A noção de duração possibilita compreender o sentido das revoluções como momento de mudanças irreversíveis da história e como forma de relações dialéticas entre o presente, o passado e o futuro. 
Ao se repensar o tempo histórico tendo como referência as relações do homem com a natureza, pode-se ampliar a compreensão das diversas temporalidades vividas nas sociedades passadas e presentes, nos seus principais momentos históricos. O primeiro desse longo processo foi a Revolução Agrícola, com a criação de formas de plantio responsáveis pela transformação da relação existente entre os homens e a natureza. 
O segundo momento situado entre o século XVIII e XIX foi a Revolução Industrial que impôs um novo ritmo ao processo cotidiano dos homens em sua relação com o meio ambiente, estabelecendo novas formas de organização da vida e do trabalho. 
Os ritmos de duração estão inseridos em várias temporalidades. A curta duração, a dos acontecimentos breves, com datas e lugares determinados; a média duração, no decorrer da qual se dão as conjunturas com tendências políticas e ou econômicas que, por sua vez, se situam num processo de longa duração estrutural, no qual as mudanças são imperceptíveis, vigorando a sensação de lentidão do tempo.
Como exemplo, podemos identificar as principais datas da história do Brasil, tais como a chegada dos portugueses, a independência, a abolição da escravidão e a proclamação da república. Tais datas remetem a acontecimentos breves, datados e localizados no espaço e que se explicam pelas conjunturas políticas e sociais em resposta às articulações do poder monárquico e das oposições ao regime, principalmente ao republicano. Entretanto, essas datas para serem compreendidas em sua amplitude precisam estar ligadas a um tempo mais longo, ou seja, ao tempo estrutural próprio do sistema capitalista, no qual se desenvolveu o sistema colonial.
Por fim, a história está intimamente relacionada com a manutenção da memória cultural dos povos, principalmente em tempos atuais onde o consumismo e a valorização excessiva das novidades podem levar as gerações atuais a esquecer e anular a importância das relações que o presente mantém com o passado. A importância do saber histórico reside no resgate desta memória, como constitutivas de identidades individuais e coletivas. O ensino da história, organizado com diferentes formas de apreender o tempo, especialmente o tempo conjuntural e estrutural favorece a distinção e reavaliação dos valores do mundo de hoje e a relação com as gerações passadas e futuras.
  Atividade
1. Explique as características dos acontecimentos no tempo breve e no tempo estrutural.
Aula 03_História das mentalidades
Não se deve confundir a história das mentalidades com a história das ideias. Não foram as ideias dos grandes personagens que influenciaram e conduziram as camadas populares, enfim os homens comuns, mas a repercussão muitas vezes empobrecida de suas doutrinas. Essa história deseja saber o que foi captado mentalmente pelo povo em geral a respeito das ideias da elite, como foi adaptada para a vida comum a ideia da cultura dominante. As mentalidades também investigam os valores de determinado grupo social, como se mantém, quais suas relações com outros tipos de mentalidade e como podemos percebê-la através dos costumes e das relações de trabalho. Para explicarmos a importância da história das mentalidades citaremos a seguinte frase de Philippe Áries:
 
Para que nascessem as economias modernas, a nossa, e suas condições – a preocupação com a poupança, à vontade de adiar para o futuro um gozo agora moderado, o investimento das rendas, a acumulação capitalista e, enfim, a divisão do trabalho -, foi preciso que, antes da tecnologia e das forças de produção, mudasse primeiro a atitude mental diante da riqueza e do gozo. (ARIÉS, Philippe in LE GOFF, Jaques.A história nova. São Paulo Martins Fontes, 1993) 
Tomemos um exemplo utilizado anteriormente, a organização do trabalho no engenho durante o período colonial. Os engenhos de cana-de-açúcar no Brasil apresentavam características do processo de produção industrial, com a fase da plantação, moagem, industrialização e comercialização da cana-de-açúcar. Esse processo está inserido no tempo estrutural dastransformações do capitalismo mundial. Por outro lado, temos as imposições de ordem local, como a dificuldade da obtenção de mão-de-obra e também da necessidade de extração máxima da força de trabalho escravo. 
Esse modo de produção está inserido no tempo conjuntural, pois se relaciona com as determinações geográficas, econômicas e políticas do país. 
Como percebemos, existe uma simultaneidade de tempos, onde as condições locais muito lentas estão entrelaçadas com as transformações do contexto global. Num segundo exemplo, essa mesma contradição entre o local e o global foi sentida a partir do choque cultural que ocorreu entre a mentalidade burguesa e europeia e o modo de pensar e viver dos povos nativos. 
A mentalidade europeia estava direcionada para a rapidez da exploração territorial, para o lucro e o poder, enquanto as tribos indígenas organizavam suas relações sociais de maneira lenta, estruturada na tradição cultural da comunidade. Daí a imposição da religião católica como forma de aculturamento e a destruição da identidade e dos valores dos povos nativos. 
A história das mentalidades compreende uma análise de tempos estruturais “longos” e subentende que, de todos os aspectos sociais, econômicos e políticos presentes em determinada sociedade, é a mentalidade o aspecto com menor mobilidade temporal, pois mesmo quando um modo de produção ou regime político entra em colapso, a mentalidade ainda persiste durante um certo tempo. Por exemplo, podemos analisar a mentalidade escravocrata dos fazendeiros que persistiu, mesmo no período de imigração e do inicio do trabalho assalariado. 
O processo de conversão dos nativos pela Igreja Católica teve como objetivo primordial uma mudança cultural, isto é, forçar e preparar o nativo para um novo ritmo de trabalho mais intenso e determinado. Nas missões jesuíticas todo o processo de trabalho estava organizado em diferentes horários e o sino era o principal regulador do tempo, impondo uma nova lógica de vida, com tempo dividido para o serviço, para o aprendizado, para a missa, para a alimentação etc. Essa divisão do tempo indicava uma nova mentalidade para o trabalho. 
A divisão do tempo na sociedade indígena, antes da aculturação, baseava-se nos ciclos da natureza, ou seja, o dia e a noite, o verão e o inverno. Na Inglaterra o relógio já era utilizado no século XVII para organizar o trabalho industrial. No Brasil colonial durante o século XVI o principal marcador do tempo ainda era o nascer e o pôr do sol, foi iniciativa dos padres jesuítas em suas missões de catequese a introdução da organização do tempo nas aldeias, usando como instrumento regulador das atividades com os nativos, o sino.
  Atividade
 Faça uma comparação entre as noções de tempo entre os europeus e os nativos da terra.
Até que ponto podemos afirmar que a obra de catequese significou a imposição para os nativos de um novo conceito de tempo? Explique.
SAIBA MAIS
As tendências historiográficas
1 As tendências historiográficas
Tendências historiográficas
Este Livro tem por objetivo apresentar, de modo sucinto, as tendências historiográficas que se destacaram nos séculos XIX e XX. Entende-se por historiografia tanto a produção dos historiadores que escreveram/escrevem sobre a história e contribuem para a constituição do conhecimento histórico quanto a crítica que se faz dessa produção, o que diz respeito à análise teórica que embasa e articula a produção da escrita da história.
Vejamos, a seguir, quais as tendências, principais autores e fundamentos teóricos que nortearam a escrita da história a partir do século XIX.
UMA HISTORIOGRAFIA DO COTIDIANO
O cotidiano e as mentalidades na História
O século XIX foi um período pro​fundamente marcado pelo interesse histórico. Nos diferentes países da Europa, o Estado nacional moderno empenhou‑se em organizar seus arquivos e, por meio de coleções mo​numentais de documentos, narrar as glórias e vicissitudes passadas. Curiosamente, foi na Alemanha, um dos países a se unificarem mais tardia​mente, que essa história narrativa e empírica encontrou expressão máxi​ma. Lá, o grande historiador Leopold von Ranke (1795‑1886) tornou‑se o expoente deste gênero, e sua idéia de História pode ser resumida em dois pontos principais: 1) a História dos povos deveria ser escrita como real​mente aconteceu; 2) as épocas e os indivíduos tratados deveriam ser vistos pelos olhos de seu próprio tempo, num grande esforço de objetividade do his​toriador, que, dessa forma, evitava os anacronismos.
Tal tendência ficou conhecida como positivismo histórico ou, numa expressão mais adequada, historicis​mo. Ela pretendia dar à História um estatuto científico equivalente ao das ciências chamadas exatas, e teve grande influência sobre toda a Europa. Entretanto, no início do século XX, já se notava, em vários países, uma tendência de oposição ao historicismo, cada vez mais identificado a uma história política e factual.
Foi na França que tal tendência se articulou melhor, e jovens intelectuais começaram a defender posições bas​tante diferentes da consagrada por Ranke e seus discípulos. Acreditavam que a história deveria se aliar às outras ciências do homem, voltando‑se mais para o estudo das sociedades do que para a descrição de acontecimentos e feitos de heróis. Em 1929, surgiu uma revista que, de certa forma, sintetizou tais posições: os Analles (Anais, em português), fundada por Marc Bloch, um estudioso da sociedade feudal, e Lucien Febvre, especialista na história do renascimento europeu. Estes dois historiadores foram bastante influenciados pelo clima de interdisciplinaridade vigente na universidade de Estrasburgo (1920‑1933), onde ambos lecionaram e que, naquele momento, atraíra intelectuais das mais diversas áreas do conhecimento: psicólogos, sociólogos, antropólogos, críticos literários, filósofos.
Bloch e Febvre defenderam uma história de toda a sociedade, com suas emoções, paixões e medos.
Desde então, Bloch e Febvre defenderam uma história problema e em tudo diferente da história historicísta, por eles considerada mera descrição de fatos e feitos heróicos; pregaram uma história total, onde toda a sociedade, no sentido mais amplo, estivesse representada, com suas emoções, paixões, medos, taxas de crescimento demográfico, hábitos alimentares, sistemas de casamento ou de parentesco, etc. Nessa concepção, o homem importava muito mais do que os papas, os imperadores ou os grandes generais: era ele, na verdade, o grande ator de uma história renovada.
Os estudos de Marc Bloch e Lucien Febvre abriram, assim, o caminho para que o cotidiano e as mentalidades dos homens do passado fossem considerados objetos dignos de interesse pelo historiador: Bloch estudou a crença milenar que franceses e ingleses tiveram no poder curativo de seus reis (Os reis taumaturgos) e Febvre discutiu a possibilidade de haver ou não descrença, ou seja, irreligiosidade, na França do século XVI (0 problema da descrença ‑ a religião de Rebelais).
No final dos anos quarenta, começava a despontar urna nova geração de historiadores franceses identificados com as idéias de Bloch (então já morto, fuzilado pelos alemães no final da Segunda Guerra) e de Febvre. Vários deles se voltaram sobretudo para a análise mais econômica da história, procurando detectar os movimentos seculares dos preços, do crescimento econômico e das crises. O expoente máximo dessa segunda geração dos Annales foi Fernand Braudel, talvez o único grande teórico que o grupo (se é que pode ser chamado desta forma) teve até hoje. Seu primeiro livro, O mediterrâneo, traça um grande painel da história da Europa mediterrânea na época do rei Filipe II da Espanha, deslocando-se da análise dos acontecimentos mais evidentes ‑ como a Batalha de Lepanto ‑ para a análise das estruturas mais profundas ‑ como as sociedades. A personagem principal do livro, entretanto, é o mar: aqui está a grande inovação de Braudel, que mostrava, assim, ser possível tomar praticamente qualquer assunto como objeto da História.
Braudel introduziuos conceitos básicos de longa duração e curta duração. Com isso, ele queria dizer que, na História, o tempo não é homogêneo: há fenômenos que se transformam rapidamente, enquanto outros se arrastam por milênios; entre estes últimos, contam, sobretudo os fenômenos da vida cotidiana e das mentalidades: é difícil mudar os hábitos e a forma de pensar dos grupos sociais, e eles resistem até às mudanças aparentemente mais radicais, como as revoluções.
No início dos anos 60, uma terceira geração ligada à Revista Annales começava a produzir seus trabalhos, marcados tanto por Braudel como por Bloch e Febvre. Preocupada sobretudo com o que mudava pouco ‑ no limite, uma história imóvel, como diziam alguns deles ‑, voltou‑se para o estudo de hábitos, sentimentos, costumes, crenças, rituais: o amor, o sexo, o casamento, as paixões, a família, as práticas mágicas, a religião e a religiosidade, o medo, a morte, a festa. Tais obras tiveram grande sucesso editorial na França, e caíram rio gosto do público. É a essa terceira geração dos Annales que se costuma chamar de Nova História, apesar da idéia de uma História renovada já estar presente nos textos‑manifesto dos primeiros momentos da revista, ainda no tempo de Bloch e Febvre. Seus maiores expoentes são Jacques Le Goff, George Duby, Jean‑Louis Flandrin, Robert Mandrou,  Philippe Ariès, Jean Delumeau.
Uma historiografia do cotidiano que busca inspiração na tradição marxista.
Fora da França, muitos outros historiadores desenvolveram posições semelhantes à dos Annales, apesar de tributárias de influências diferentes. Há hoje, na Inglaterra, urna grande historiografia do cotidiano e das práticas sociais que busca inspiração tanto na notável antropologia britânica da primeira metade do século (corno Keith Thomas, Alan MacFarlane, talvez Peter Laslett) quanto na tradição socialista e marxista de uma história dos movimentos sociais (como E. P. Thompson, Christopher Hill, Eric Hobsbawm). O estudo do cotidiano e mentalidades não é, portanto, mera curiosidade: ele se justifica por ser o campo em que a ação humana mais se repete e se conserva, entravando inclusive as transformações mais profundas, tantas vezes necessárias. No mundo do dia‑a-dia, as diferenças entre os grupos sociais são menores, às vezes quase desaparecendo, Com isso, não se quer dizer que não exista a luta e o conflito social, mas, na verdade, postula‑se uma posição bastante democrática: por um lado, todo homem, rico ou pobre, preto ou branco, toma‑se um agente histórico digno de nota e de estudo; por outro lado, conhecer as resistências à mudança é essencial para melhor se conduzir os processos transformadores da sociedade.
Laura de Mello e Souza, Prof ª Dra. do Departamento de História da USP
SOUZA, Laura de Mello. Uma historiografia do cotidiano: o cotidiano e as mentalidades.In: Apresentação de Coleção História Cotidiano e Mentalidades. São Paulo: Editora Atual, s.d.p.
SAIBA MAIS
Materiais didáticos:conceito e tipos
1 Discutindo o conceito e os tipos de materiais didáticos
Discutindo o conceito e os tipos de materiais didáticos
   Livro didático : SUPORTE OU MULETA ?
Todo professor, no desenvolvimento de sua prática pedagógica, utiliza materiais didáticos como apoio ao desenvolvimento dos conteúdos conceituais que elege para trabalhar com os alunos, todavia poucos têm claro o conceito de materiais didáticos e os tipos mais comumente utilizados nas aulas. Com o objetivo de esclarecer estas questões apresentamos abaixo o conceito e os principais tipos de materiais didáticos  apoiando-nos em escritos da Profª Circe Bittencourt  e equipe envolvida em programas de educação continuada para docentes da área de história e também na obra Ensino de História: fundamentos e métodos,  da mesma autora. 
Conceito: materiais didáticos são os instrumentos de trabalho do professor, correspondendo aos meios de comunicação que se estabelecem na sala de aula e como mediação entre o conhecimento escolar e o processo de aprendizagem dos alunos.
Podemos classificar os materiais didáticos segundo a natureza deles, em diferentes tipos. Os principais, mais comumente utilizados pelos professores são:
v  suportes didáticos conjunto de signos, principalmente de textos que se apresentam como um saber constituído e é utilizado como fonte de informação sobre um objeto dado, corno é o caso do livro didático, enciclopédias, vídeos educativos, materiais informáticos e CD‑ROMs educativos. Os suportes didáticos correspondem a todo discurso produzido com a intenção de comunicar o saber proposto por determinada disciplina escolar;
v  "documentos" ‑ conjunto de signos, visual, textual, produzidos em uma perspectiva diferente de comunicação de um saber escolar, mas que são utilizados com fins didáticos, tais como literatura e filmes de ficcão, notícias de jomal, fotografias... São produzidos com a intenção de se comunicar, originariamente para um público ampliado, diferente do escolar, e que possui diversas linguagens, exigindo uma série de cuidados em seu procedimento de leitura e análise quando estão inseridos no discurso didático;
v  produções da sala de aula ‑ corresponde ao conjunto de trabalhos escritos e orais produzidos na sala de aula por alunos e professores, tais textos e anotações nos cadernos de aluno, exercícios de diferentes natureza, debates orais, apresentação teatral, provas e redações, entre outros, que identificam as formas pelas quais a aprendizagem transcorre no cotidiano da sala de aula e por intermédio do qual se avaliam as formas de apreensão do conhecimento escolar.
O conceito e a tipologia acima são válidos para as outras áreas do conhecimento não se restringindo, portanto, somente a história.
Ao preparar suas aulas deve o professor, além de considerar o livro didático ou outros materiais do tipo que apresentamos acima como suportes didáticos, selecionar materiais do tipo “documentos”, ou seja, filmes, textos literários, fotografias ou produção de pintores ou escultores para trabalhar imagens, artigos de jornais e revistas, dentre outros que, certamente, irão enriquecer a abordagem realizada na aula.
Muito importante é salientar: o livro didático deve ser suporte, não  muleta do professor, ele deve funcionar como ponto inicial de estudo para os alunos. De forma alguma, é possível se considerar que o livro didático seja material de estudo para o professor. Ao professor cabe a pesquisa e atualização a respeito dos conteúdos que irá ensinar aos alunos e, na atualidade, com as possibilidades que a divulgação e venda de livros alcançou e considerando todo o conteúdo que a web disponibiliza, a dimensão do professor- pesquisador deve estar presente em todo aquele que se propõe a atuar no magistério, como bem salientava o mestre Paulo Freire!  Cada vez mais mostra-se verdadeira a afirmativa quem não estuda não pode ensinar.
A incorporação nas aulas de materiais didáticos do tipo documentos, além de estimular a pesquisa entre os professores, abre novas possibilidades de aprendizagens para os alunos na medida que favorece a interdisciplinaridade e a construção de aprendizagens significativas.
Professor: enriqueça as suas aulas!
Aula 04_A cultura material
Podemos definir a cultura material como o conjunto de objetos produzidos por uma sociedade. Esses objetos nos dão pistas a respeito do nível de progresso técnico, das concepções artísticas, religiosas e das organizações sociais e econômicas de um povo. A cultura material supõe que ela é o resultado de toda forma de pensamento, de iniciativas da vida cotidiana e principalmente do tipo e do nível técnico de trabalho que os seres humanos executam para superar as dificuldades do meio ambiente. Enfim, a cultura material é o resultado de todas as ações humanas na construção de objetos que facilitem o trabalho e as condições de vida, que vão desde o machado de pedra dos homens primitivos até os computadores do homem contemporâneo. 
É possível abordar a cultura material como faziam os historiadores antigos, isto é, procurarapenas os objetos exóticos que representavam um avanço tecnológico no período estudado. Entretanto, podemos abordar a materialidade no aspecto do cotidiano das pessoas comuns, como, por exemplo, o tipo de alimentação, de moradia, de vestuário, dos instrumentos que faziam parte dos costumes de um determinado povo.   
 
 A cultura material hoje em dia está intimamente ligada à economia. É possível traçar, através dos hábitos alimentares, do vestuário, aumento ou queda de produção, períodos de fome e escassez de suprimentos, importação de gêneros alimentícios e produção de matérias-primas. 
Graças à cultura material foi possível diferenciar as moradias de camponeses e senhores feudais na Idade Média, as condições de higiene das cidades medievais e as doenças relacionadas a ela. É possível ainda diferenciar a cultura material nos dias de hoje, analisando as sociedades tribais e as populações das grandes metrópoles, assim como relacionar a situação de vida dos bairros operários ingleses aos bairros populares de hoje em dia, buscando diferenças e semelhanças. 
As pesquisas sobre a cultura material tiveram maior incentivo no leste europeu, principalmente na Polônia com a criação do Instituto de História da Cultura Material. 
O historiador e o professor de História não podem dissociar a cultura material da sociedade, dos costumes e da mentalidade dos povos. Fica entendido de antemão que é nas relações sociais que se deve buscar a significação dos objetos confeccionados e deixados pelos povos e que a sociedade e a economia explicam os traços da cultura material. 
Essa também trabalha com a evolução das técnicas, por exemplo, as sociedades feudais possuíam certas tecnologias quando se tratava de armamentos para guerra. As armas de fogo e o cavalo garantem a aristocracia militar uma superioridade decisiva de maior rapidez e eficiência no ataque. Estes importantes Avanços técnicos foram determinantes na conquista e exploração das novas terras, pois os nativos desconheciam o cavalo e as armas de fogo. 
A evolução das técnicas vista sob a ótica da cultura material revela as mudanças dos modos de trabalho durante os tempos, ou seja, a confecção da primeira lança com ponta de pedra do homem primitivo até a invenção da primeira máquina.
Os historiadores, hoje, utilizam diversas fontes históricas como os inventários de bens, doações, registro de posses, para estudar a cultura material com seus utensílios de cozinha, vestuário, objetos de adorno, instrumentos de trabalho e armas, pois estes revelam muito da cultura de determinado povo. Representam ainda, importante recurso pedagógico para os professores de historia, de análise dos objetos e observação prática. 
Uma atividade interessante a realizar com seus alunos pode ser a observação dos modos de vestir existentes atualmente e que variam de acordo com as sociedades e/ou classes sociais, grupos identitários etc.
Aula 05_História imediata
De acordo com Jean Lacouture, é muito difícil conceituar a história imediata dentro de limites precisos e dotados de rigor científico, pois o campo de pesquisa é novo e se relaciona de alguma forma com o jornalismo, pois o testemunho e o contato de seus autores com o acontecimento constroem e vivificam o fato. Podemos citar como exemplo o desenrolar dos acontecimentos no Oriente Médio, como a guerra do Iraque. Muitos jornalistas desempenharam papéis de historiadores por que viveram intensamente o conflito, narrando e registrando os acontecimentos. É claro que nem sempre de forma rigorosa, como faz o historiador, mas estes registros acabam por fornecer excelente material de pesquisa para análises futuras dos estudiosos. 
A mídia tem muita importância dentro desta narrativa, pois sabemos mais sobre a bomba de Hiroshima através das imagens da televisão do que pelos relatos escritos.
A história imediata trabalha com uma espécie de reportagem do acontecimento “ao vivo”. Onde seus autores também são atores da trama. Um destes autores foi Leon Trotsky, no qual descreveu os combates da revolução Russa de 1917. 
Esta história palpitante não está livre de problemas, pois é praticada por homens imersos nos acontecimentos, cuja proximidade temporal com os fatos, pode colocá-los sob suspeição. Mas os historiadores e os educadores competentes saberão relacionar e identificar posições ideológicas dentro da narrativa, pois o historiador não se separa do contexto que descreve, mesmo que ele adote certa postura de rigor científico. 
Não basta saber o que foi escrito, mas quem escreveu, em quê condições e por quê. Quais os interesses que se escondiam por trás dos bastidores. As diversas interpretações dos fatos muitas vezes se chocam, mostrando as posições divergentes dos envolvidos nos conflitos. Voltando ao exemplo atual do Oriente médio: temos uma versão dos acontecimentos veiculadas pelas redes de TV norte-americanas e outra veiculada pela rede de televisão Al Jazeera. 
Sabemos que os historiadores e os professores, ao analisarem determinada narrativa, devem levar em consideração o seu autor, ou seja, suas ideias, cultura e visão de mundo além do contexto histórico, social e econômico da região em que vive, o que implica em posições, conceitos e opiniões singulares sobre os acontecimentos históricos, que não podem ser desprezados pelos estudiosos do assunto. 
Aula 06_A história dos marginais
A historiografia antiga estava firmemente alicerçada na crença do progresso, da fé, da razão, do poder monárquico ou do poder burguês. Por isso ela sempre foi escrita de “cima” descrevendo os feitos das elites que compunham o poder, ou como diz Jean- Claude Schmitt uma história escrita a partir do centro de poder. Todavia, o interesse dos historiadores pelas margens da sociedade subverteu a ordem das pesquisas. Já no século XIX e início do século XX, alguns historiadores debruçaram-se em estudos sobre os vagabundos e criminosos do passado, arrancados do campo e atirados nas cidades industriais inglesas, constituindo uma população de explorados que compunha a cena urbana de criminalidade, de violência e de fome. 
A despeito do grande avanço das técnicas e das ciências, a violência e o alto índice de criminalidade são produtos diretos da vida nas cidades grandes, o que não é muito diferente dos excluídos e estigmatizados de um passado muito recente, que vem desde os guetos norte-americanos, às favelas brasileiras até os atuais imigrantes residentes na Europa ou nos EUA, cobertos de toda espécie de preconceito. 
Existe dificuldade em conceituar a marginalidade, contudo a priori várias noções podem ser distinguidas: o centro caracteriza-se pela supremacia econômica e política e acima de tudo, pelo desenvolvimento tecnológico que impõe aos povos segregados, no seu interior e além de suas fronteiras. 
No passado a centralidade do poder e a dominação econômica e cultural estiveram presentes no Império Romano em relação aos bárbaros: dos Cristãos em relação aos pagãos, dos muçulmanos em relação aos infiéis, dos civilizados em relação aos nativos, enfim a história sempre esteve ligada a exemplos de exclusão e marginalidade, imposta a partir dos centros de decisão em relação às populações situadas em suas margens. 
Durante a Idade Média, no leque das iniciais atividades urbanas, certas atividades foram consideradas desonestas, ainda que essenciais à nova economia burguesa, pois representavam a nova ordem de poder nascente e, portanto perigosa para as elites tradicionais, representadas pela igreja católica e pelos senhores donos de terras. 
São as profissões de açougueiro, carrasco, esquartejador de animais, pois mantinham contato com o sangue de homens e animais, o que pela visão católica constituía em manipulação de coisas impuras, é significativo que a casa do carrasco seja edificada fora dos contornos da cidade para não contaminar seus habitantes. O mesmo desprezo recai sobre limpadores de fossas, tintureiros, comerciantes. Os primeiros, por lidar com impurezas, os últimos porque manipulam a corrupção do dinheiro. 
Outros comércios desenvolvem-senas cidades: o da prostituta que vende o seu corpo, o advogado que vende sua palavra e os professores que vendem sua ciência, pois segundo a igreja, o corpo, o tempo, a palavra e a ciência pertencem a Deus e não podem ser vendidos. 
Na esteira dos preconceitos contra o comércio burguês, nobres em aliança com a igreja, agruparam os judeus em bairros separados do resto da população. 
Nesses bairros eles se especializam em emprestar dinheiro a juros principalmente aos nobres. Os judeus eram tolerados, pois concediam empréstimos a uma nobreza sem dinheiro, os nobres, por sua vez, cobravam dos judeus pela proteção; quando havia desentendimentos entre eles, os judeus eram expulsos e obrigados a procurarem outro local. Com o passar do tempo, as atividades inerentes a vida urbana vão se integrando aos valores da sociedade em transformação estabelecendo códigos de conduta aceitos por todos até que novos marginais sejam eleitos.
   Atividade
Dentro das informações que você possui explique o conceito de marginal na sociedade.
Utilize exemplo do passado e da atualidade sobre o conceito.
Quadro - O Campo da História
Aula 07_História das mulheres
As pesquisas sobre a condição feminina emergiram nos anos 1960, reflexos das lutas sociais e feministas, estes estudos acabam por desembocar em análises mais amplas, em torno dessa identidade, essas preocupações abrem um leque de opções que permitiram conhecer melhor as mulheres em diversos tempos e espaços, de várias classes sociais e com experiências diversas.
Nas décadas iniciais do século XX, a temática feminina estava ligada à manutenção do casamento e da família. Médicos, padres, moralistas, juristas, pedagogos, sociólogos, divulgaram inúmeros argumentos sobre o assunto. O centro das discussões estava na preservação da vida conjugal, na opção ou negação ao casamento, nos sentimentos, na sexualidade, na liberdade de escolha do par e na indissolubilidade ou não do vínculo matrimonial. 
Convocados pelas transformações sociais e econômicas do período, os católicos reafirmam suas ideias a respeito do desquite, divórcio, aborto, controle da natalidade, amor livre, romantismo, maternidade, educação dos filhos, trabalho fora de casa etc, na busca da preservação e da reafirmação dos valores da moral cristã tradicional que estavam sendo posta em questão. 
 
Para a mulher, ser delicado, frágil, dotado de um sistema nervoso especial, conduzida por uma inferioridade psicológica manifesta, o rigor da apreciação não pode ser o mesmo e a paixão sempre é doença... como é, sempre, no homem obrigado por seu sistema nervoso a mostrar-se forte,dominador, norteando o coração. (Moreira, 2002) 
A mulher na versão da imprensa era caracterizada como “sentimental”, “volúvel”, “inconsequente”, “vaidosa”, ‘’frágil’’, “fraca” etc. Com as rápidas transformações na vida brasileira com o advento da urbanidade, as mulheres tornaram-se mais presentes nos espaços públicos, de trabalho, de consumo, de lazer, redefinindo suas funções sociais e formas de participação na sociedade, o que desestabilizava os modelos tradicionais de comportamento feminino. As ideias de felicidade feminina estavam associadas ao cumprimento do dever conjugal e ao sacrifício em oposição aos perigos do amor romântico, vinculados pelas revistas e pelo rádio. 
A luta pela estabilidade do lar pretendia projetar uma sociedade também estável e harmônica, na qual os valores tradicionais da família estariam preservados desde que a mulher permanecesse dentro do lar. Se deslocarmos o nosso olhar para a classe operária, veremos que a situação feminina adquire maior complexidade. Para a mulher de situação financeira estável, o trabalho fora do lar representou uma opção de luta pelos direitos femininos, em oposição ao modelo familiar patriarcal ou burguês que a considerava dependente do marido e sem direitos de cidadania, enquanto que para a mulher operária a questão do trabalho esteve ligada à luta pela sobrevivência. 
Nesses termos, Engels se referia à situação da mulher da classe trabalhadora na Inglaterra já no século XIX: 
(....) o trabalho da mulher desagrega completamente a família; porque, quando a mulher passa cotidianamente 12 ou 13 horas na fábrica e o homem também trabalha aí, o que acontece às crianças? Crescem, entregues a si próprias como erva daninha, entregam-nas para ser guardadas por um shilling e meio por semana, e podemos imaginar como são tratadas. É por essa razão que se multiplicam de uma maneira alarmante, nos distritos os acidentes de que as crianças são vitimas por falta de vigilância. As listas dos funcionários de Manchester indicam que em nove meses, 69 mortes por queimaduras, 56 por afogamento, 23 em consequência de quedas. (...) a mortalidade geral das crianças também aumenta devido o trabalho das mães, pois as mulheres voltam ao trabalho na fábrica muitas vezes com 3 ou 4 dias após o parto deixando, bem entendido, o recém nascido em casa. (...) o emprego de narcóticos com o fim de manter as crianças sossegadas não deixa de ser favorecido por este sistema infame (...) 
Segundo Engels, as consequências morais do trabalho das mulheres nas fábricas são piores ainda. A reunião de pessoas dos dois sexos e de todas as idades na mesma oficina resulta num ambiente promíscuo de assédio e constrangimentos.
Em resumo, independente da classe social, as mulheres foram arrancadas do lar em consequência das transformações sociais e econômicas desenvolvidas pelo capitalismo, e inseridas num contexto de desenvolvimento urbano. As mulheres em um curto espaço de tempo se viram convocadas a frequentar os bondes, as grandes avenidas, lojas, cinemas, locais de trabalho.
As mulheres da classe média tiveram que lutar contra inúmeros preconceitos para se afirmarem como cidadãs. Exemplo disso se nota no Brasil, quando a mulher somente adquiriu o direito ao voto na década de 30. Diferente da mulher de classe média, a mulher operária além de lutar contra os preconceitos de uma cultura patriarcal, direciona suas reivindicações contra as péssimas condições de trabalho, os baixos salários, a luta por creches, redução da jornada de trabalho entre outras. 
As pesquisas sobre a condição feminina não são novas, elas fazem parte desde o século XIX das análises marxistas em relação à mulher operária. 
Durante o século seguinte as pesquisas procuram acompanhar as transformações no papel feminino em decorrência das mudanças sociais e econômicas, considerando a situação das mulheres de diferentes classes sociais.
   
 
 Atividade
Faça uma comparação entre as condições de vida e as reivindicações da mulher da classe média e da classe operária. 
SAIBA MAIS
A emergência da pesquisa da história das mulheres e das relações de gênero
Rachel SoihetI; Joana Maria PedroII
IPós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense (UFF), Campus de Gragoatá, s/n, Bloco O, sala 503, Gragoatá. 24210-350 Niterói – RJ – Brasil. rachelsoihet@globo.com 
IIDepartamento de História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Campus Universitário, Trindade, C.P. 476. 88040-900 Florianópolis – SC – Brasil. joanamaria.pedro@gmail.com
 RESUMO
A trajetória da formação do campo historiográfico intitulado "História das Mulheres e das Relações de Gênero" no Brasil, é o que pretendemos abordar neste artigo. Para tanto, focalizamos as obras publicadas a partir da década de 1980, as pesquisas realizadas e as categorias de análise utilizadas, visando traçar um panorama da constituição desse campo. Mostramos, também, a forma como as categorias 'mulher', 'mulheres' e 'relações de gênero' têm sido alvo de discussões, apropriações e disputas.
Palavras-chave: história das mulheres; relações de gênero; historiografia.
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ABSTRACT
In this article we discuss the trajectory of the formation of the historiography of "The History of Women and Gender Relations" in Brazil. To this end we have focused on works published from the 1980s on; on the research carried out; and on the categoriesof analysis used to try to draw a panorama of the formation of this discipline. We also show the way in which the categories 'Woman', 'Women' and 'Gender Relations' have been the target of discussions, appropriations and disputes.
Keywords: women's history; gender relation; historiography.
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Em 1989, a Revista Brasileira de História publicou um número inteiramente dedicado ao tema da Mulher, intitulado "A mulher no espaço público" (v.9, n.18) e organizado por Maria Stella Martins Bresciani. Em sua apresentação, a organizadora dizia ser esta uma "história da exclusão". Falar de Mulher na história significava, então, tentar reparar em parte essa exclusão, uma vez que procurar traços da presença feminina em um domínio sempre reservado aos homens era tarefa difícil. Nesse número, categorias como 'mulher', 'mulheres' e 'condição feminina' eram utilizadas nas análises das fontes e nas narrativas que eram tecidas. A categoria 'gênero' ainda era novidade na historiografia brasileira.
Hoje, 18 anos depois daquele número, outras questões se apresentam. Tentamos, neste artigo, nomear e fornecer datas para as mudanças ocorridas. Queremos refletir sobre a historicidade de nossas categorias de análise, e, ao mesmo tempo, mostrar que já não se trata de reparar uma exclusão. O que precisamos é buscar formas mais eficientes de fornecer legitimidade ao que temos feito, ou seja, a constituição de um novo campo de estudos, intitulado "História das Mulheres e das Relações de Gênero".
Convém lembrar que antes de surgir aquele número da Revista Brasileira de História, Maria Odila Leite da Silva Dias já havia publicado, em 1984, o seu livro Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX, e nele a categoria 'mulheres' estava presente. Além dela, Luzia Margareth Rago publicou, em 1985, Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar, Brasil 1890-1930; Miriam Moreira Leite tinha organizado, em 1984, também, A condição feminina no Rio de Janeiro, século XIX: antologia de textos de viajantes estrangeiros.1 E, no mesmo ano do citado número da RBH (1989), outras autoras estavam publicando, como por exemplo Martha de Abreu Esteves, em Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque; Rachel Soihet, em Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-1920; Eni de Mesquita Samara, As mulheres, o poder e a família: São Paulo século XIX; Magali Engel, Meretrizes e doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro.2 Portanto, o número da RBH emergiu no interior de várias pesquisas que estavam tematizando aquelas categorias.
Foi no ano seguinte, ou seja, em 1990, que a Revista Educação e Realidade publicou a tradução de um artigo da historiadora norte-americana Joan Scott: "Gênero: uma categoria útil de análise histórica". Esse tem sido, certamente, um dos mais citados, nas discussões que pretendem abordar a categoria 'gênero' nas análises da pesquisa histórica. Evidentemente, não foi esse o único texto no Brasil a instruir as pesquisas que queriam se aventurar por esse novo campo. Historiadoras brasileiras fizeram seus ensaios que muito auxiliaram na reflexão, ao longo destes anos.3
Além de pesquisas que se aventuraram pela categoria 'gênero', outras continuaram a discutir a 'mulher', ou ainda 'mulheres'. Houve, na constituição desse campo de conhecimento historiográfico, iniciativas que agregaram pesquisadoras4 interessadas no tema. A constituição de um Grupo de Trabalho de Estudos de Gênero, visando articular em âmbito nacional uma rede de contatos entre pesquisadoras, articulado à Associação Nacional de História, foi criado em 25 de julho de 2001, durante o XXI Simpósio Nacional da Anpuh, realizado em Niterói (RJ). Na ocasião, Rachel Soihet foi eleita Coordenadora Nacional do GT (Grupo de Trabalho) Estudos de Gênero. Outros GTs de Estudos de Gênero, de âmbito regional, foram criados em São Paulo, em Santa Catarina e, mais tarde, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e em Dourados, no Mato Grosso do Sul. Essa articulação de GTs tem garantido que, nas diversas reuniões nacionais da Associação Nacional de História, os Simpósios Temáticos que discutem 'gênero' apresentem um número significativo de trabalhos, mostrando a vitalidade do campo em construção. Ainda convém destacar que, periodicamente, o GT Estudos de Gênero tem feito reuniões de âmbito nacional, seja em Simpósios Regionais da Anpuh, como o de Santa Catarina em 2002 e o de São Paulo em 2006, seja nos Simpósios Nacionais, a cada dois anos. No último Simpósio Nacional da Anpuh, realizado em 2007 em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, a coordenação do GT Estudos de Gênero (Nacional) foi transferida para Joana Maria Pedro. Nesse evento, o GT Estudos de Gênero da ANPUH participou da programação geral do evento com dois simpósios temáticos – "Gênero, Memória e Ditadura na América latina", coordenado por Cristina Scheibe Wolff e Ana Maria Colling; e "Gênero, Poder e Representações Sociais", coordenado por Rachel Soihet e Lídia Maria Vianna Possas – e, ainda, com um mini-curso: "Relações de gênero no Ensino e na Pesquisa histórica", ministrado por Joana Maria Pedro e Temis Gomes Parente.
A vitalidade deste campo de conhecimentos extrapola as reuniões da Associação Nacional de História. Está presente, também, por exemplo, nas reuniões da Associação Nacional de História Oral, na qual um GT de gênero tem marcado presença desde 2002. Ainda em outras reuniões científicas, como a Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), realizado todos os anos em Caxambu, Minas Gerais, e o FAZENDO GÊNERO – este realizado a cada dois anos em Florianópolis, Santa Catarina. Tem sido numerosa a presença de historiadoras em todos esses eventos, mostrando, assim, um diálogo muito fértil realizado de forma interdisciplinar.
Muitos dos trabalhos historiográficos apresentados nesses eventos científicos, especialmente os da Associação Nacional de História, têm sido publicados em dossiês de revistas especializadas em História das Mulheres e Estudos de Gênero, como os periódicos Revista Estudos Feministas, Espaço Feminino e Gênero; mas, também em revistas que não são dedicadas a esses temas, como a Revista Esboços, a Revista ArtCultura, a Revista Fronteiras e, agora, a Revista Brasileira de História.
A fertilidade dos dias atuais contrasta, entretanto, com a trajetória difícil que a categoria de análise 'gênero' enfrentou no campo historiográfico. Nas ciências humanas, a disciplina História é certamente a que mais tardiamente apropriou-se dessa categoria, assim como da própria inclusão de 'mulher' ou de 'mulheres' como categoria analítica na pesquisa histórica. A trajetória, costumeiramente 'cautelosa', dessa disciplina, e o domínio do campo por determinadas perspectivas de abordagem, retardaram significativamente o avanço das discussões. Grande parte desse retardo se deveu ao caráter universal atribuído ao sujeito da história, representado pela categoria 'homem'. Acreditava-se que, ao falar dos homens, as mulheres estariam sendo, igualmente, contempladas, o que não correspondia à realidade. Mas, também, não eram todos os homens que estavam representados nesse termo: via de regra, era o homem branco ocidental. Tal se devia à modalidade de história que se praticava, herdeira do Iluminismo. Genericamente conhecida como positivista, centrava o seu interesse na história política e no domínio público, e predominou no século XIX e inícios do XX. Esta privilegiava fontes administrativas, diplomáticas e militares, nas quais as mulheres pouco apareciam. Era a "história de governantes e de batalhas", segundo a historiadora Elizabeth Fox Genovese.5
Em contraposição a essa modalidade de história, observa-se, ainda, a partir da década de 1920, a emergência do grupo dos Annales, representado por Marc Bloch e Lucien Febvre. Diversamente da historiografia vigente, direcionam seu interesse para a história de seres vivos, concretos, e à trama de seu cotidiano, ao invés de se ater a umaracionalidade universal. À medida que a tradição historiográfica dos Annales propunha ampliar o leque de fontes e observar a presença de pessoas comuns, ela contribuiu para que as mulheres, posteriormente, fossem incorporadas à historiografia. O marxismo constituiu-se em outra corrente que assumiu posição significativa na historiografia. Majoritariamente, seus seguidores privilegiaram as contradições de classe, considerando secundárias as questões étnicas, assim como a problemática que opõe homens e mulheres. Essa se resolveria com o fim da contradição principal: a instauração da sociedade sem classes. Não se justificava, portanto, uma atenção especial do/a historiador/a para a questão feminina.
Durante a década de 1960, cresceu na historiografia um movimento, crítico do racionalismo abstrato, que relativizou a importância de métodos ou de conceitos teóricos rígidos. Silva Dias discorreu sobre a questão, assinalando o desdobramento desse movimento em várias correntes: revisionismo neomarxista, Escola de Frankfurt, historistas, historiadores das mentalidades e do discurso, no sentido da desconstrução de Derrida ou na linha de Foucault. O conhecimento histórico tornou-se relativo, tanto a uma determinada época do passado, como a uma dada situação do historiador no tempo, o qual procura interpretar os processos de mudança através de um conhecimento dialético. Tal panorama tornou mais factível a integração da experiência social das mulheres na história, já que sua trama é tecida basicamente a partir do cotidiano, e não de pressupostos rígidos e de grandes marcos (Silva Dias, 1992, p.43-44).
Nesse particular, destaca-se o vulto assumido pela história social, na qual se engajam correntes revisionistas marxistas, cuja preocupação incide sobre as identidades coletivas de uma ampla variedade de grupos sociais, até então excluídos do interesse da história: operários, camponeses, escravos, pessoas comuns. Pluralizam-se os objetos de investigação histórica, e, nesse bojo, as mulheres são alçadas à condição de objeto e sujeito da história. A preocupação da corrente neomarxista com a inter-relação entre o micro e o contexto global permite a abordagem do cotidiano, dos papéis informais e das mediações sociais – elementos fundamentais na apreensão das vivências desses grupos, de suas formas de luta e de resistência. Ignorados num enfoque marcado pelo caráter totalizante, tornam-se perceptíveis numa análise que capte o significado de sutilezas, possibilitando o desvendamento de processos de outra forma invisíveis.
O desenvolvimento de novos campos tais como a história das mentalidades e a história cultural reforça o avanço na abordagem do feminino. Apóiam-se em outras disciplinas – tais como a literatura, a lingüística, a psicanálise e, principalmente, a antropologia –, com o intuito de desvendar as diversas dimensões desse objeto. Assim, a interdisciplinaridade assume importância crescente nos estudos sobre as mulheres.
Dessa forma, as transformações na historiografia, articuladas à explosão do feminismo, a partir de fins da década de 1960, tiveram papel decisivo no processo em que as mulheres são alçadas à condição de objeto e sujeito da História, marcando a emergência da História das Mulheres. Nos Estados Unidos, onde se desencadeou o referido movimento, bem como em outras partes do mundo nas quais ele se apresentou, as reivindicações das mulheres provocaram uma forte demanda por informações, pelas estudantes, acerca de questões que estavam sendo discutidas. Ao mesmo tempo, docentes mobilizaram-se, propondo a instauração de cursos, nas universidades, dedicados aos estudos das mulheres. Como resultado dessa pressão, criaram-se nas universidades francesas, a partir de 1973, cursos, colóquios e grupos de reflexão, surgindo um boletim de expressão focalizando o novo objeto: Penélope. Cahiers pour l'histoire des femmes. Multiplicaram-se as pesquisas, tornando-se a história das mulheres, dessa forma, um campo relativamente reconhecido no âmbito institucional. 
Na Inglaterra, reuniram-se as historiadoras das mulheres em torno da History Workshop, e nos Estados Unidos desenvolveram-se os Women's Studies, surgindo as revistas Signs e Feminist Studies.6 Também no Brasil, esses estudos se apresentaram ainda na década de 1970. Assim, em julho de 1975, o jornal alternativo Opinião noticiava o elevado número de pesquisas sobre as mulheres brasileiras apresentadas na XXVII Reunião da SBPC, realizada em Belo Horizonte. O mesmo jornal informa a apresentação de dez comunicações de pesquisa, dois simpósios, uma conferência e duas reuniões extras, surgidas da necessidade de se discutir mais o assunto.7
Constituída a História das Mulheres, de acordo com Joan Scott, uma das mais importantes contribuições das historiadoras feministas foi o descrédito das correntes historiográficas polarizadas para um sujeito humano universal. Em que pesem seus esforços no sentido de acomodar as mulheres numa história que, de fato, as excluía, a contradição instaurada revelou-se fatal. A história das mulheres – com suas compilações de dados sobre as mulheres no passado, com suas afirmações de que as periodizações tradicionais não funcionavam quando as mulheres eram levadas em conta, com sua evidência de que as mulheres influenciavam os acontecimentos e tomavam parte na vida pública, com sua insistência de que a vida privada tinha uma dimensão pública – implicava a negação de que o sujeito da história constituía-se numa figura universal.
Ainda de acordo com Joan Scott, tais experiências iniciais de inclusão das mulheres no ser humano universal trouxeram à tona uma situação plena de ambigüidades. Afinal, a solicitação de que a história fosse suplementada com informações sobre as mulheres equivalia a afirmar não só o caráter incompleto daquela disciplina, mas também que o domínio que os historiadores tinham do passado era parcial. Fato, este, necessariamente demolidor para uma realidade que definia a "história e seus agentes já estabelecidos como 'verdadeiros', ou pelo menos, como reflexões acuradas sobre o que teve importância no passado" (Scott, 1992, p.86, 77).
Nesse processo, foram fundamentais as contribuições recíprocas entre a história das mulheres e o movimento feminista. Os historiadores sociais, por exemplo, supuseram as 'mulheres' como uma categoria homogênea; eram pessoas biologicamente femininas que se moviam em papéis e contextos diferentes, mas cuja essência não se alterava. Essa leitura contribuiu para o discurso da identidade coletiva, que favoreceu o movimento das mulheres na década de 1970. Firmou-se o antagonismo 'homem versus mulher' como um foco central na política e na história, que favoreceu uma mobilização política importante e disseminada. Já no final da década, porém, tensões instauraram-se, quer no interior da disciplina, quer no movimento político. Essas tensões teriam se combinado para questionar a viabilidade da categoria 'mulheres' e para introduzir a 'diferença' como um problema a ser analisado. Inúmeras foram as contradições que se manifestaram, demonstrando a impossibilidade de se pensar uma identidade comum. A fragmentação de uma idéia universal de 'mulheres' por classe, raça, etnia, geração e sexualidade associava-se a diferenças políticas sérias no seio do movimento feminista. Assim, de uma postura inicial em que se acreditava na possível identidade única entre as mulheres, passou-se a outra, em que se firmou a certeza na existência de múltiplas identidades.
Mulheres negras, índias, mestiças, pobres, trabalhadoras, muitas delas feministas, reivindicaram uma 'diferença' – dentro da diferença. Ou seja, a categoria 'mulher', que constituía uma identidade diferenciada da de 'homem', não era suficiente para explicá-las. Elas não consideravam que as reivindicações as incluíam. Não consideravam, como fez Betty Friedan, na Mística feminina,8 que o trabalho fora do lar, a carreira, seria uma 'libertação'. Essas mulheres havia muito trabalhavam dentro e fora do lar. O trabalho fora do lar era, paraelas, apenas uma fadiga a mais. Além disso, argumentavam, o trabalho 'mal remunerado', que muitas mulheres brancas de camadas médias reivindicavam como forma de satisfação pessoal, poderia ser o emprego que faltava para seus filhos, maridos e pais.9
Assim, o enfoque na diferença desnudou a contradição flagrante da história das mulheres com os pressupostos da corrente historiográfica polarizada para um sujeito humano universal, dando lugar ao questionamento daqueles pressupostos que norteavam as ciências humanas (Scott, 1992, p.81-88). Além disso, revelavam-se múltiplas diferenças dentro da diferença, ou seja, entre mulheres, como entre homens, embora não se pudesse esquecer as desigualdades e relações de poder entre os sexos.
Na historiografia, inúmeras pesquisas, na década de 1980, partiam da categoria 'mulheres'. Nessa trilha, muitas pesquisadoras e pesquisadores têm procurado destacar as vivências comuns, os trabalhos, as lutas, as sobrevivências, as resistências das mulheres no passado. Destacaram-se, ainda, no plano internacional da historiografia, nos anos que se seguiram, os nomes de Michelle Perrot,10 Georges Duby, Françoise Thébaud, Joan Scott, June Hahner, Natalie Zemon Davis, para citar as estrangeiras, e de Maria Odila da Silva Dias, Margareth Rago, Miriam Moreira Leite, Rachel Soihet, Martha de Abreu Esteves, Mary Del Priore, Eni de Mesquita Samara, Leila Algranti, Maria Lucia de Barros Mott de Melo e Souza, Maria Izilda Santos de Matos, Luciano Figueiredo, Temis Parente, Lídia Viana Possas, Joana Maria Pedro, Lená Medeiros de Menezes, Magali Engel e Suely Gomes Costa,11 para citar algumas das brasileiras.12
Para a historiografia brasileira, de acordo com Mônica Raisa Schpun, Maria Odila Leite da Silva Dias foi uma das precursoras.13 Assim, além de ser autora de um dos trabalhos que mais influenciaram a História das Mulheres no Brasil, o livro Quotidiano e poder, essa autora tem sido a formadora de toda uma geração de historiadoras das mulheres e das relações de gênero. Evidentemente, outras historiadoras também têm sido responsáveis pela formação de profissionais nesse campo; entretanto, a autora destaca-se pelo pioneirismo.14
E as relações de gênero? Qual sua importância? Como tem sido trabalhada na historiografia brasileira? Como já dissemos, data de 1990 a publicação do artigo fundador de Joan Scott. Mas, afinal, por que 'gênero'? Essa categoria foi tomada de empréstimo à gramática. Em seu sentido original, gênero é o fenômeno da presença em algumas línguas (por exemplo, as indo-européias) de desinências diferenciadas para designar indivíduos de sexos diferentes ou ainda coisas sexuadas. Gênero, nas ciências sociais, tomou outra conotação, e significa a distinção entre atributos culturais alocados a cada um dos sexos e a dimensão biológica dos seres humanos. O grande impacto que vem produzindo nas análises sociais funda-se em ter chamado a atenção para o fato de que uma parte da humanidade estava na invisibilidade – as mulheres –, e seu uso assinala que, tanto elas quanto os homens são produto do meio social, e, portanto, sua condição é variável.
Além disso, 'gênero' dá ênfase ao caráter fundamentalmente social, cultural, das distinções baseadas no sexo, afastando o fantasma da naturalização; dá precisão à idéia de assimetria e de hierarquia nas relações entre homens e mulheres, incorporando a dimensão das relações de poder; dá relevo ao aspecto relacional entre as mulheres e os homens, ou seja, de que nenhuma compreensão de qualquer um dos dois poderia existir através de um estudo que os considerasse totalmente em separado, aspecto essencial para "descobrir a amplitude dos papéis sexuais e do simbolismo sexual nas várias sociedades e épocas, achar qual o seu sentido e como funcionavam para manter a ordem social e para mudá-la". Estas foram algumas de suas contribuições. Acresce-se a significação, emprestada por esses estudos, à articulação do gênero com a classe e a raça/etnia. Interesse indicativo não apenas do compromisso com a inclusão da fala dos oprimidos, mas também da convicção de que as desigualdades de poder se organizam, no mínimo, conforme esses três eixos.15 Na realidade, como enfatiza Suely Gomes Costa, torna-se possível, com relação a tal conceito, "intuí-lo como um código-chave inventado para superar impasses a que a história das mulheres havia chegado" (Costa, 2003, p.188).
Joan Scott alinha-se entre as historiadoras que se propunham a ultrapassar os usos descritivos do gênero, buscando a utilização de formulações teóricas. Uma voz dissonante, nesse particular, foi a da historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias, que discordou da necessidade da construção imediata de uma teoria feminista. A seu ver, tal reconstrução significava substituir um sistema de dominação cultural por outra versão das mesmas relações, talvez invertidas de poder, já que, segundo ela, o saber teórico implicaria, também, um sistema de dominação (Silva Dias, 1992, p.39).
Scott argumentava que, no seu uso descritivo, o gênero é apenas um conceito associado ao estudo das coisas relativas às mulheres, mas não tem a força de análise suficiente para interrogar e mudar os paradigmas históricos existentes. Ressalta, também, a defasagem entre a alta qualidade dos trabalhos da história das mulheres e seu estatuto, que permanece marginal em relação ao conjunto da disciplina – o que poderia ser aquilatado pelos manuais, programas universitários e monografias. Ficam assim, segundo Scott, demonstrados os limites das abordagens descritivas que não questionam os conceitos dominantes no seio da disciplina ou, pelo menos, não os questionam de forma a abalar o seu poder e talvez transformá-los. Assim, não teria sido suficiente aos historiadores das mulheres provar que elas tiveram uma história ou que as mulheres participaram das mudanças políticas principais da civilização ocidental. Após um reconhecimento inicial, a maioria dos historiadores descartou a história das mulheres ou colocou-a em um domínio separado: "as mulheres têm uma história separada da dos homens, portanto deixemos as feministas fazer a história das mulheres que não nos concerne necessariamente". Quanto à participação das mulheres na história, a reação foi de um interesse mínimo: "a compreensão de um determinado acontecimento, a Revolução Francesa, por exemplo, não mudou com a descoberta de que as mulheres dela participaram". Esse tipo de reação encerra, segundo Scott, um desafio teórico. Ele exige a análise não só da relação entre experiências masculinas e femininas no passado, mas também a ligação entre a história do passado e as práticas históricas atuais (Scott, 1991, p.3).
Scott ressalta, ainda, que as análises do gênero, no seu uso descritivo, têm incidido apenas nos trabalhos sobre temas em que a relação entre os sexos é mais evidente: as mulheres, as crianças e as famílias, por exemplo. Aparentemente, temas como a guerra, a diplomacia e a alta política não teriam a ver com essas relações. O gênero parece não se aplicar a esses objetivos e, portanto, continua irrelevante para a reflexão dos historiadores que trabalham sobre o político e o poder. O resultado é a adesão a uma visão funcionalista baseada na biologia, e a perpetuação da idéia das esferas separadas na escrita da história: a sexualidade ou a política, a família ou a nação, as mulheres ou os homens.
Com base nessas reflexões, Scott apresenta sua proposta teórica, com vistas à explicação do conceito de gênero e de como as relações entre os sexos estruturaram-se ao longo da história. Consta, a referida proposta, de duas partes: de um lado, o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos; de outro lado, o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder. As mudanças na organização das relações sociais correspondem, sempre, à mudança nas representações de poder, mas a direção da mudança não segue necessariamente um sentido único. 
Em suma, sua proposta de teorização sobre 'gênero' seriamotivada pelo mesmo objetivo que levara as historiadoras feministas, particularmente as francesas, a escreverem a história das mulheres, qual seja, o de "apontar e modificar as desigualdades entre homens e mulheres". Nesse sentido, propõe uma análise sobre como "as hierarquias de gênero são construídas e legitimadas".16
Para responder a essa questão, Scott apóia-se nos pós-estruturalistas, que se preocupam com o significado, pois enfatizam a variedade e a natureza política deste. Dessa perspectiva, propõe que a história seja escrita "a respeito de como os significados subjetivos e coletivos de homens e mulheres, como categorias de identidade, foram construídos". Para quem quer escrever esta história, trata-se de observar os significados "variáveis e contraditórios" que são atribuídos à diferença sexual.
Finaliza argumentando que um conceito relativizado de gênero, como um saber historicamente específico sobre a diferença sexual, permite, às feministas, forjar um instrumento analítico que possibilita gerar um conhecimento novo sobre as mulheres e sobre a diferença sexual, e inspirar desafios críticos às políticas da história ou de qualquer outra disciplina. A história feminista deixa, então, de ser apenas uma tentativa de corrigir ou suplementar um registro incompleto do passado, e se torna um modo de compreender criticamente como a história opera enquanto lugar de produção do saber de gênero. Esclarece que esse saber era pensado no sentido a ele atribuído por Michel Foucault, ou seja, sempre relativo: seus usos e significados "nascem de uma disputa política e são os meios pelos quais as relações de poder – de dominação e de subordinação – são construídas". Ainda, concluía Scott, "gênero é a organização social da diferença sexual". Lembrava, porém, que gênero não refletia ou implementava diferenças fixas e naturais entre homens e mulheres, mas "um saber que estabelece significados para as diferenças corporais" (Scott, 1994, p.12-13, 25).
Na historiografia brasileira, muitas têm sido as pesquisadoras a utilizar a categoria 'gênero'. Foi dessa maneira que Cleci Eulália Favaro, falando das famílias italianas que migraram para o Rio Grande do Sul, mostrou o estabelecimento de hierarquias no significado do que era ser 'feminina' entre sogras e noras. Ou seja, o que Cleci focalizou foi a relação de gênero entre mulheres. Neste caso, a sogra, na relação de poder com a nora, mostrava-lhe o quanto ela era "muito mais mulher" do que esta.17 
Rachel Soihet apontou a forma como o anti-feminismo atua na constituição do gênero.18 Maria Bernardete Ramos Flores observou, nas décadas de 1920 e 1930, o reforço do gênero através dos discursos que enfatizavam a maternidade nas campanhas de regeneração nacional que se vinculavam à eugenia e à higiene.19 E, no Rio Grande do Sul, Aurea Tomatis Petersen,20 por exemplo, mostrou, em sua tese de doutorado, como as mulheres entraram no Banco do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, em substituição aos homens que foram para a guerra, mudando, assim, a relação de poder no interior do Banco. Marlene de Faveri, em sua tese de doutorado, narra como homens e mulheres de diferentes etnias envolveram-se de maneira diferenciada com o cotidiano da guerra, em Santa Catarina. Mostra como a guerra teve um significado diferente para cada pessoa, em vista do gênero e da etnia.21
Por sua vez, várias autoras, tais como Margareth Rago, Maria Izilda Matos, Cristina Scheibe Wolff, Roselane Neckel, Tania Navarro-Swain e Mônica Schpun,22 entre outras, têm contribuído para o conhecimento da história das relações de gênero, focalizando a maneira como o gênero se constitui num ponto de apoio para constituições de subjetividades, políticas públicas e relações com a história. E, ainda dentro dessas mesmas discussões, Durval de Albuquerque Jr. vem dando historicidade às masculinidades no Nordeste.23
Mas, para além de todas essas discussões, uma nova mudança ocorreu nesse panorama das relações de gênero com as reflexões de Thomas Laqueur, o qual, contrariamente às concepções que antepunham o sexo ao gênero, como aquela de Scott, afirmava que o gênero constituía o sexo. Baseava-se, essa colocação, naquilo que chamou "invenção moderna de dois sexos distintos", ocorrida, mais precisamente, no século XVIII. Até então se acreditava na homologia dos órgãos genitais, cuja diferença pensava-se residir apenas em estar oculto nas mulheres o que nos homens era aparente. O que não significava, porém, que a indiferenciação sexual, na ordem natural, implicasse igualdade na ordem social. "Um sexo, portanto, mas dois gêneros assimétricos", como bem resume Colette St. Hilaire.24 O reconhecimento de diferenças entre o corpo masculino e o feminino, considerando-se a especificidade do corpo feminino, demonstrava que as relações de gênero é que instituíram o sexo, concluindo Laqueur: "O sexo, tanto no mundo do sexo único como no de dois sexos, é situacional: é explicável apenas dentro do contexto de luta sobre gênero e poder".25
Nessa vertente, também divergindo das posições que sobrepunham o gênero ao sexo biológico, ressaltam-se as formulações da filósofa Judith Butler, que revelam certo distanciamento daquelas concepções acima apresentadas. Contrapõe-se às diversas conceitualizações que pensam as identidades como fixas, em termos de gênero/sexo, mulheres/homens, sujeito/outro. Sua proposta, na perspectiva de Foucault, reside em se pensar como foi construída a dualidade sexual, ou seja, como os diversos discursos científicos produziram essa dualidade discursivamente. Através desse procedimento o sexo aparece como culturalmente construído. Nesse sentido, esboroa-se a concepção de gênero como inscrição cultural de significado sobre um sexo naturalmente dado.
Quando o status construído do gênero é teorizado como radicalmente independente de sexo, o próprio gênero se torna um artifício flutuante com a conseqüência de que homem e masculino podem, com igual facilidade, significar tanto um corpo feminino como um masculino, e mulher e feminino, tanto um corpo masculino como um feminino.26
De acordo com a autora, é necessário reformular gênero, de forma que possa conter as relações de poder que produzem o efeito de um sexo pré-discursivo. Gênero seria estilização repetida do corpo, um conjunto de atos reiterados dentro de um marco regulador altamente rígido, que se congela no tempo, produzindo a aparência de uma substância. Mas esses atos e gestos seriam performáticos, no sentido de que a essência ou a identidade que supostamente expressam são construções manufaturadas e sustentadas através de signos corporais e de outros meios. Em sua perspectiva, 'gênero' poderia ser considerado como um ato intencional e, ao mesmo tempo, performático, no sentido de construção dramática e contingente de significado.27 Em suma, a 'performatividade' do gênero é um efeito discursivo, e o sexo é um efeito do gênero.
E, confirmando Butler, a historiadora Tania Navarro-Swain declara: "o gênero cria, portanto, o sexo, e não o contrário".
Isso não significa que não existam corpos humanos sexuados, com um aparelho genital dado. O que é criado pelas redes de significação e pelas práticas sociais é a importância dada a esse fator, é a significação que lhe é atribuída enquanto revelador, catalisador da essência do ser e da identidade do indivíduo. É o sexo que aparece enquanto efeito discursivo, dando forma e perfil ao feminino/masculino binário, pela atribuição de valores a certos detalhes anatômicos.
A difusão desses referenciais teóricos contribuiu para a abertura de linhas de pesquisa e reflexão sobre gênero não centradas nas mulheres. Ressalte-se a produção de estudos sobre masculinidade e, também, os estudos queer, para os quais a obra de Butler é altamente inspiradora.28
Linda Nicholson é outra pesquisadora que, seguindo as discussões de Foucault, Laqueur e Butler, lembra que separar sexo de gênero e considerar o primeiro como essencial para elaboração do segundo, pode ser, como queriam as feministas da década de 1970,

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